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Language:
Português brasileiro
Stats:
Published:
2022-02-12
Completed:
2022-02-12
Words:
128,370
Chapters:
16/16
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2
Kudos:
24
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4
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365

Xeque Mate

Summary:

Byun Baekhyun é o detetive responsável pela caça ao serial killer conhecido como "O Assassino do Xadrez", famoso por montar um tabuleiro de vítimas. No entanto, uma inesperada reviravolta leva o caso a uma proporção inimaginável quando ele se envolve com o astuto psicopata Park Chanyeol.

[CHANBAEK | SERIAL KILLER | SUSPENSE | +18]

Chapter 1: Rainha

Chapter Text

Capítulo 1 — Rainha



O baque da porta do carro batendo anunciou a chegada do detetive Byun Baekhyun a sede de Quântico. Era costume do rapaz agir daquela forma quando estava no limite do estresse, descontava a frustração em qualquer objeto inanimado que cruzasse seu caminho.

Seguiu em disparada para o prédio principal, passando como um raio pelos corredores, ignorando completamente o seu redor. Não tinha paciência com formalidades sociais e fugia de qualquer contato que não fosse estritamente profissional, recusando convites de seus colegas curiosos. Sabia que o único interesse naquelas propostas era espalhar fofocas sobre sua vida privada, em especial, a parte amorosa. Baekhyun não entendia o motivo das pessoas serem tão obcecadas naquela questão em particular.

Entrou de supetão na sala do Capitão e sentou-se apressado, como se estivesse atrasado, mas não estava. Sua pontualidade era impecável e ninguém entendia o porquê de sempre correr contra o relógio. Era impossível se desfazer desse hábito. Não conseguia dormir por mais de três horas por noite e ficar parado sempre foi um desafio.

— Você ao menos tomou banho antes de vir? — disparou Capitão Holden. Sua mandíbula estava trincada e os olhos não escondiam o desagrado. Não possuía simpatia pelo detetive e deixava isso evidente desde que o mesmo fora designado para aquele cargo, quatro anos atrás.

Baekhyun soprou o ar de maneira debochada e preferiu ignorar aquela insinuação ofensiva. Holden gostava de provocá-lo a fim de tentar extrair alguma atitude agressiva que justificasse sua demissão, mas o rapaz não dava a mínima abertura para que isso fosse possível. Apesar da postura rebelde e desleixada, o detetive era eficiente no trabalho e ganhou notoriedade após obter sucesso em dois casos envolvendo criminosos de alto risco.

— Qual foi o resultado da perícia? — inclinou-se sobre a cadeira para que pudesse verificar os documentos acima da mesa.

Holden abaixou o olhar e empurrou um dos inúmeros papéis em sua direção. Baekhyun apanhou a folha impressa nas mãos e a analisou antes de bufar frustrado.

Fazia dois anos que estavam caçando um assassino em série em vão. Embora o FBI tenha sido bem sucedido na maioria dos casos envolvendo psicopatas, este ainda permanecia inalcançável, levando caos e estresse para os envolvidos que não faziam ideia de como solucioná-lo. Para evitar embaraços, os agentes eram proibidos de falar sobre o assunto em público até que obtivessem provas concretas.

E, para a infelicidade de Baekhyun, ele era o responsável por aquele caso. Toda pressão da imprensa e do governo estavam sobre seus ombros. Cada deslize que cometia anulava todo seu prestígio conquistado durante a carreira. Estava pelo fio da navalha e enlouquecendo aos poucos. Aquele emprego era desafiador e testava seus limites a todo momento, mas, quando se passavam anos estagnado em um caso, conseguia ficar pior.

A perícia da última cena do crime era sua esperança de pegar qualquer rastro do assassino, mas não encontraram nada, assim como nas tentativas anteriores. Era como se o suspeito fosse um fantasma. Ou, de acordo com diversos fóruns na internet: um gênio do crime.

Sem nada a acrescentar, saiu da sala em silêncio e agradecido por não ter recebido outras provocações vinda de seu chefe. Recostou-se sobre a parede de concreto do corredor e soltou um longo suspiro exaurido. Bagunçou os fios escuros de seus cabelos — a fim de aliviar o nervosismo — e se pôs a andar em direção ao escritório da sua equipe de investigação. Assim que passou pela porta, foi abordado por seu parceiro, Oh Sehun, que também tinha os cabelos alvoroçados, denunciando que tinha negligenciado o sono na noite anterior.

— Eu disse que essa perícia não nos levaria a nada. Temos que nos concentrar nos padrões. Sabemos que existe mais de um assassino nesses crimes e estamos perdendo tempo seguindo ordens de superiores que nem se importaram em investigar o mínimo do caso. — apontou para o enorme quadro abarrotado de post it, recortes de jornais e anotações interligados por diversos fios vermelhos que ficava no centro da parede. — Isso está errado! — gesticulou com as mãos, indignado.

Baekhyun foi em direção a sua mesa e apoiou o quadril sobre a parte desocupada da superfície branca. Ao seu lado, arquivos em pastas amarelas se empilhavam próximas de seu computador ligado na tela azul de login. Cruzou os braços e lançou um olhar fatigado ao parceiro.

— Já disse que não temos evidências suficientes… — Sehun o interrompeu de maneira brusca.

— Temos evidências óbvias! Você sabe que essas burocracias são a nossa maior barreira para concluir a investigação! — ergueu as mãos, aborrecido. Mas sabia que aquela discussão acabava por só aumentar a tensão no ambiente já carregado e não ajudava no andamento do trabalho.

Travavam uma batalha de moralidade desde que o Capitão ordenou que a investigação seguisse um rumo. Já tinham problemas o bastante com um assassino em mãos, e a possibilidade de existirem dois não era encorajada por trazer uma situação extremamente caótica para o FBI. Baekhyun discordava veemente dessa posição de seus superiores; chegou a retrucar seu chefe diversas vezes, mas foi em vão. Infelizmente, a hierarquia era poderosa ali dentro e solucionar o caso não era a maior prioridade, mas sim manter a reputação da agência.

Entretanto, Sehun era petulante e — como novato — tinha dificuldade em seguir comandos pré estabelecidos. Ele fazia suas próprias regras e isso dificultava o relacionamento com o detetive, que tentava manter o equilíbrio entre o que era ordenado e o que acreditava ser verdade. Era o responsável por cada falha naquela investigação, mesmo que não fosse diretamente culpado; e o fato de seu parceiro ignorar aquilo o aborrecia a ponto de pensar nele como um orgulhoso inflexível. Em contradição, Oh pensava o mesmo a respeito de si.

Encerraram aquele assunto quando um dos agentes anunciou que estavam discutindo sobre o caso em um canal importante de televisão na Europa. Logo, todos se aproximaram da tela plana pendurada na parede, nos fundos da sala, e observaram atentamente uma repórter, de longos cabelos castanhos, falar com forte sotaque britânico.

Acredito que o Assassino do Xadrez possa vir a ser o Zodíaco da nossa geração. Talvez seja prepotente da minha parte fazer essa comparação, mas devemos observar que vivemos em um mundo de tecnologia avançada e com métodos mais eficazes que os dos anos setenta. Escapar durante dois anos do alto escalão de investigação mundial é desafiador em tempos que temos câmeras em todo lugar..”

Baekhyun revirou os olhos enquanto acompanhava a transmissão. Não achava que o tal assassino fosse genial como diziam. Podia ser só seu orgulho ferido falando, mas, honestamente, não enxergava habilidades extraordinárias naqueles crimes. Tudo que o ele fazia era deixar uma peça de xadrez com a vítima e causar euforia nos obcecados em teorias conspiratórias. Mas, levando em consideração o modus operandi, era algo desleixado e não seguia um padrão; o suspeito parecia matar com o que estivesse disponível no momento. Já encontraram vítimas por envenenamento, múltiplas facadas, sufocamento, alguns com lesões corporais e outros com nenhuma. Ele era imprevisível e, no ver de Byun, isso significava mais displicência do que engenhosidade.

Porém, as pessoas se intrigavam com aquelas peças de xadrez e dedicavam-se em saciar a curiosidade acerca do significado delas. Uns achavam que era uma pista sobre a próxima vítima, outros deduziam ser associado a motivação daqueles crimes, mas ninguém tinha certeza de nada, nem mesmo os detetives frustrados que assistiam aos britânicos apontando falhas em sua investigação. Tudo que possuíam eram inúmeras peças de tabuleiro e cadáveres.

O que deixava Baekhyun cismado era como o assassino cometia os homicídios sem deixar nenhum vestígio, nem mesmo uma pegada de sapato ou fio de cabelo, durante seus dois anos ativo. Tirava-lhe o sono tentar entender como alguém que matava de forma tão despreocupada conseguia ser tão cauteloso. Isso alimentava a teoria de que seriam dois assassinos e nada frustrava mais o detetive do que cogitar essa possibilidade. Em parte, compreendia a apreensão do FBI em considerar a ideia, era realmente preocupante ter que lidar com aquilo quando não conseguiam encontrar nem um suspeito, quem diria dois. Estavam na corda bamba e qualquer deslize poderia complicar ainda mais a situação. Precisavam ser cuidadosos e evitar a todo custo espalhar teorias sem provas irrefutáveis.

E a cada dia que o mistério continua, o Assassino do Xadrez ganha mais notoriedade entre os internautas. É exatamente isso que assassinos em série querem, sua própria legião de admiradores e seus feitos reconhecidos. Por isso é compreensível que a polícia omita algumas informações acerca do caso…”

Sentindo-se impotente e fracassado, Byun afastou-se do círculo em torno da televisão e se sentou em sua mesa empilhada de arquivos. Ignorou a papelada e logou no computador sem saber o que procurava, só não queria ficar parado assistindo o que estava cansado de ouvir todos os dias nos noticiários americanos.

Abriu a pasta sobre as vítimas e começou a passar pelas diversas fotografias das cenas dos crimes na esperança de receber uma epifania. Levou os dedos aos lábios finos e ficou a acariciá-los de maneira inconsciente conforme as imagens seguiam como uma apresentação de slides de horror. Baekhyun não se afetava em ver cadáveres e mutilações, embora isso fosse quase intrínseco de todos que escolheram trabalhar na polícia em geral. Para ele sempre foi algo indiferente, mesmo quando era novo demais para compreender a brutalidade daqueles atos.

E assim, a manhã transcorreu lentamente e sem novidades. Após a transmissão se encerrar, cada agente seguiu para suas tarefas ou tentaram encontrar alguma para ocupar o tempo e não ceder ao iminente fracasso que aquela situação se encaminhava.

Durante o horário de almoço, o detetive optou por pular a refeição — não sentia fome alguma devido a pressão constante — e se dirigiu até o lado de fora do prédio para fumar em um canto mais isolado dos novatos que costumavam perambular no tempo livre. Sentou-se sobre uma mureta em frente a entrada do prédio mais baixo do campo e acendeu o cigarro. Tragou a nicotina com a expectativa de que lhe trouxesse, ao menos, um pouco de alívio. Fechou os olhos por uns instantes e tentou organizar os pensamentos em vão, abrindo-os logo em seguida e praguejando mentalmente. Levou uma das mãos às têmporas doloridas e as massageou enquanto era embriagado pelo efeito do fumo.

Por breves segundos, saboreou da tranquilidade que raramente lhe era oferecida. Puxou sua gravata até que se desfizesse o nó e depois posicionou a peça devidamente em torno do pescoço, arrumando-a adequadamente.

Permaneceu ali durante boa parte do tempo livre antes de acabar seu cigarro e decidir retornar para o prédio principal. Como ainda não tinha acabado o horário de almoço, havia pouca movimentação nos corredores, o que deu a oportunidade para o detetive caminhar despreocupadamente. Ao chegar na sala de investigação, respirou aliviado ao notar que apenas um dos agentes se encontrava ali adormecido sobre a própria mesa. O invejou por conseguir encontrar paz suficiente para dormir dentro daquele ambiente.

Cerca de uma hora depois, Baekhyun notou a ausência de seu parceiro, o que era incomum. Sehun também tinha uma pontualidade impecável — se gabava por isso — e atrasar quase quarenta minutos do tempo livre não era de seu feitio. Curioso, o detetive indagou a um outro agente o que aconteceu e o mesmo disse tê-lo visto saindo apressado sem dar explicações a ninguém.

Não negava que havia uma parte em si preocupada com o que poderia ter levado Sehun a sair de maneira tão abrupta, mas a indignação de ver o parceiro abandonando o caso era maior, deixando Byun frustrado em ter que guiar tudo sozinho até o fim do dia. Por mais que tivesse seus conflitos com o mais novo, ele ainda era uma grande ajuda, principalmente em questão motivacional. Os agentes se inspiravam por sua audácia e confiavam em seus julgamentos atrevidos. Não que a opinião de Baekhyun fosse invalidada, mas sua obediência às regras do Capitão tornava sua rebeldia discutível.

Enviou uma mensagem ao parceiro antes de esquecer o celular acima da mesa e se entregar totalmente a mais um dia de análises perdidas.

Quando a noite caiu, os agentes se retiraram e a sala ficou somente para o detetive, que ainda mantinha os olhos semicerrados diante da tela do monitor. Apoiava a cabeça sobre uma das mãos e sentia as costas reclamarem pelo excesso de tempo na mesma posição desconfortável. O estômago faminto roncava vez ou outra, mas era totalmente ignorado; Baekhyun estava exausto, mas não conseguia desviar a atenção para algo que não fosse aquela investigação. Foi só quando sua cabeça ameaçou explodir de tanto latejar que ele se rendeu e, em um impulso, deixou que seu corpo caísse estirado sobre o carpete azul marinho. Até mesmo aquele chão era extremamente confortável e bem vindo naquele momento. Pousou os braços sobre o rosto para impedir que a luz invadisse sua visão ardida e tentou pensar em onde estava errando.

Sabia que assassinos em série eram chamados assim por conta do padrão de vítimas e da causa da morte. Conseguia enxergar dois padrões distintos naquele caso e se permitiu divagar sobre aquela especulação sem se guiar por regras, seguiria seu raciocínio natural. Fingiu estar assistindo a situação de longe e desligou qualquer emoção que tentava se sobrepor a sua lógica.

A primeira vítima foi em dezembro de 2017, um universitário de vinte anos chamado Charles Moore, encontrado em seu quarto envenenado por toxina botulínica. A única pista deixada pelo suspeito foi um peão do tabuleiro de xadrez ao lado do corpo. No começo, acharam ter sido uma vingança isolada, mas cerca de um mês depois apareceu outra vítima com as mesmas características. E assim se seguiram oito homicídios idênticos com um padrão óbvio. Todos homens, com cerca de vinte a trinta anos, acompanhados de um peão.

Foi no final de 2018 que as peças começaram a mudar. O peão foi substituído por torres, seguido de bispos e depois cavalos. Quanto às vítimas, ainda eram todos homens, diferenciando apenas por suas classes sociais. Nos peões, eram universitários ou trabalhadores de classe baixa, já nas outras peças eram indivíduos mais elevados socialmente, desde pastores respeitados a magnatas empresariais. Não possuíam relação alguma entre si além de serem vítimas do mesmo assassino em série. Até então, Baekhyun conseguia traçar um perfil do suspeito e notar seus métodos, embora não estivesse nem próximo de desvendar a identidade do assassino.

Subitamente, no começo de 2019, começaram a surgir vítimas mulheres com diferentes causas de morte, desde sufocamento a múltiplas facadas, o que divergia completamente do padrão. O único fato que interligava as novas vítimas com as antigas eram as peças de tabuleiro deixadas nas cenas do crime. Foi uma mudança brusca de metodologia, o que o fez suspeitar de um novo assassino em ação. O primeiro padrão seguia uma estratégia articulada e o segundo parecia só desejar saciar seus impulsos, era uma discrepância que não dava para ignorar, mas o detetive o vinha fazendo por pressão.

Entretanto, agora, largado sobre o carpete de textura áspera, se achava um tolo por ter aceitado ir pelo caminho mais fácil e burocrático quando o óbvio era ridiculamente explícito.

Esticou os braços ao lado do corpo e voltou a abrir os olhos agradecidos pelo tempo de descanso. Ficou alguns instantes encarando o teto branco e depois virou o rosto até que sua visão alcançasse o quadro abarrotado de informações inconclusivas. Em um impulso ergueu o tronco, até ficar sentado, e deu um chute na cadeira estofada, que rodopiou nas rodinhas antes de bater contra a parede. Em consequência, a pilha de arquivos se desfez como uma casa de cartas soprada pelo vento, que desabou caoticamente em cima de suas pernas. Praguejou mentalmente e soltou um longo suspiro antes de começar a empilhar tudo novamente.

Durante o processo, encontrou a pasta de Charles Moore, a primeira vítima. Decidiu deixar a papelada no chão para depois e começou a ler os arquivos calmamente, sem saber o que estava buscando ali. Não encontrou nada e atirou os papéis de volta a pilha esparramada. Seguindo seus instintos, ergueu-se sobre os joelhos até que seus dedos conseguissem alcançar o teclado sobre a mesa, iniciando uma busca online sobre a vítima em questão. Tinha feito aquilo anteriormente, mas desanimou por não ter achado nada relevante.

Passou duas páginas sobre o Assassino do Xadrez antes de chegar ao final da terceira e encontrar o que parecia um fórum de denúncias anônimas. Clicou sobre o link e se deparou com um site precário em cores pastéis e o tópico em aberto de uma menina que dizia ter sido abusada por Charles durante um encontro. Logo abaixo, diversas respostas de colegas universitárias que também sofreram assédio por parte do rapaz, seja físico ou verbal. Todas as postagens eram de alguns meses antes dele ser assassinado. Por ser filho de um homem com um cargo na política, as garotas tinham medo de denunciá-lo e acreditavam que estavam sozinhas.

Buscou por outro aquivo na pilha de pastas, dessa vez o de um homem chamado Thomas Humphrey, de quarenta e dois anos, o primeiro a ser encontrado com uma peça da torre ao invés do peão. Novamente, nada de relevante na pasta, coisa que fez o detetive iniciar outra busca online. Como esperado, a primeira página continha somente links sensacionalistas sobre o assassino, mas não demorou muito para que se deparasse com o mesmo fórum e um tópico de denúncia contra aquela vítima, dessa vez postado anos antes de seu assassinato.

Para se certificar que estava certo, apanhou um arquivo aleatório de uma vítima mulher. Seu nome era Angela Morgan, vinte anos, encontrada morta a facadas ao lado de um peão. Fez a mesma busca e não se surpreendeu quando não achou nada, nem naquele fórum, nem em lugar nenhum. Tudo que tinha sobre aquela vítima eram suas redes sociais abandonadas e condolências à família.

E, depois de meses no escuro, enfim, encontrou algo que pudesse dar avanço a investigação. Revigorado, sentiu as dores e a fome se dissiparem, dando lugar a concentração que necessitava para ir atrás daquela nova pista. Agradeceu, mentalmente, ao seu corpo por aguentar mais um pouco e ergueu-se em um salto; puxou uma cadeira aleatória e sentou-se na frente do computador. Assim, deu continuidade às suas buscas.

Separou, de forma organizada, uma pilha para as vítimas mulheres e outra para os homens e as deixou lado a lado. Curiosamente, a pilha feminina era consideravelmente maior e todas datadas após Janeiro de 2019. Quanto a pilha masculina, existia uma estrutura meticulosa onde o assassino, literalmente, montava seu próprio tabuleiro e tinha regras específicas sobre seu jogo. Este deixava claro que os crimes recentes eram de outra autoria.

“Provavelmente, alguém que não tinha sido convidado.”, deduziu o detetive.

Levou um susto quando ouviu alguém bater na porta da sala e, imediatamente, virou-se em direção a entrada com a mão próxima ao coldre. O coração disparava como um motor acelerado e uma sensação gélida percorreu suas veias por milésimos segundos antes que pudesse reconhecer a figura alta de Oh Sehun, que estava igualmente assustado e sobressaltado em encontrar o parceiro ali aquela hora.

— O que está fazendo aqui? — questionou Baekhyun após soprar o ar pela boca em sinal de alívio. Deixou que as costas se encostassem no encosto da cadeira e apoiou os cotovelos na beirada da mesa, não tirou os olhos do recém chegado.

Sehun ergueu as sobrancelhas antes de seguir, em passos arrastados, até a cadeira que havia sido chutada anteriormente, puxou-a e se sentou em silêncio. O rapaz tinha olheiras fundas embaixo dos olhos e os cabelos pretos permaneciam desordenados e com alguns fios caídos sobre seus óculos finos.

— Fui trapaceado. — declarou com a face coberta pela vergonha. Mantinha a cabeça baixa e a postura desleixada. O terno, antes impecável, estava desalinhado, a gravata torta e com o nó quase desfeito e os botões do paletó e da camisa estavam abertos. Soprou um riso amargo, ainda sem encarar o parceiro — Você deve ficar satisfeito em ouvir isso.

— Depende, se foi um encontro mal sucedido pelo Tinder eu posso relevar. — brincou, arrancando um sorriso divertido do mais novo, que relaxou os ombros e agradeceu por Baekhyun dar brecha para um clima leve se instalar após um dia exaustivo.

Na realidade, nenhum dos dois estava com a mínima vontade de trocar farpas naquela noite. Costumavam ficar mais irritados durante o dia por conta da movimentação e cobranças vindas de todos os lados, mas isso se amenizava conforme a madrugada se aproximava e não sobrava quase ninguém no prédio principal.

Sehun suspirou novamente, dessa vez inalou o ar como se buscasse coragem. Ergueu a cabeça, sem muita confiança, e deixou que o olhar pousasse sobre o quadro de investigação de maneira vaga. Baekhyun esperou, pacientemente, o parceiro se manifestar.

— Um jornalista freelancer me contactou no horário de almoço. — Byun virou o corpo em direção ao rapaz. — Ele dizia ter informações sobre a identidade do segundo assassino e que eu precisava encontrá-lo imediatamente. Não dei credibilidade no começo, mas ele disse algo que me intrigou: “Ele é o rei”. — franziu o cenho ao relembrar aquilo — Em seguida, me passou um endereço e desligou. Ele parecia alterado… — divagou alguns instantes antes de retomar — Entrei no carro e dirigi por cerca de duas horas até uma fábrica de tinta. Esperei por mais de três horas e o sujeito não apareceu e nem mandou mais mensagens. Tentei ligar para ele e o número tinha sido desligado. — deu de ombros — Enfim, retornei de mãos vazias e sem gasolina.

— Não acho que tenha sido em vão. — Sehun o encarou, curioso — Olha, eu encontrei algo enquanto você estava fora.

Baekhyun se aprumou na cadeira e contou detalhadamente sobre sua recente descoberta. Mostrou os diversos tópicos daquele misterioso fórum online e sobre as diferenças entre as vítimas masculinas e femininas.

— Todos os homens foram acusados de algum tipo de abuso. Tem desde estupradores a agressores. Também tem pais violentos, maridos e assediadores. Não encontrei nenhuma denúncia semelhante nas mulheres assassinadas e deduzi que foram escolhidas aleatoriamente, não seguem nenhum tipo de padrão além de mortes violentas.

— Então o primeiro assassino é uma espécie de justiceiro vigilante?

— Exato. Ele deixa claro que está caçando predadores e não presas. E as únicas peças que ainda não foram encontradas são a da rainha…

— E a do rei. — acrescentou Sehun com as pupilas dilatadas diante da revelação. Retirou os óculos e apoiou o queixo sobre o punho cerrado, que era sustentado pelo cotovelo pousado acima do braço da cadeira. Sua armação arredondada pendia pelos dedos longos enquanto absorvia as novas informações.

— Seu informante não desapareceu à toa. Ele estava perto da vítima seguinte e do assassino. Talvez próximo demais para a própria segurança… — deduziu.

— Nas vítimas femininas, não foram encontrados nenhuma rainha e nenhum rei, certo? — a questão fez o detetive analisar as informações novamente. Desviou o olhar para baixo por alguns instantes e os ergueu novamente antes de assentir.

— O que isso significa? Eles não parecem parceiros. É como se fosse uma competição… — inclinou-se para frente até que os antebraços se apoiassem sobre seus joelhos, que balançavam inconscientemente devido a ansiedade. — Mas qual é o objetivo? — mantinha o olhar fixo em um ponto distante da sala.

— Nunca vi nada parecido. Mas, penso que os assassinatos do primeiro suspeito não sejam parte dessa competição. — viu o parceiro mais velho concordar com a cabeça antes de voltar a recostar na cadeira e deixar que o corpo deslizasse alguns centímetros pela mesma, Baekhyun já começava a sentir os indícios da fadiga.

— O primeiro é maquiavélico e não aparenta duvidar de suas habilidades. Já no segundo, consigo identificar uma certa frustração… — direcionou o olhar para o quadro ao passo que levava os dedos aos lábios e iniciava uma carícia involuntária sobre estes. — Ele é muito mais agressivo. — observou.

— Bom, — suspirou Sehun colocando os óculos de volta e endireitando a coluna, o que deixava seus ombros largos em evidência. Cruzou os braços com um olhar contemplativo em direção ao quadro. — agressividade são impulsos emocionais e, em casos assim, instabilidade e descontrole. O segundo assassino é o arquétipo perfeito de um psicopata clássico como Ted Bundy. Já o primeiro é como… — franziu o cenho tentando encontrar um termo que se aproximasse.

— Lex Luthor. — completou Baekhyun, soprando um riso sarcástico com a própria comparação. Sehun o acompanhou.

— Talvez devêssemos chamar pelo Superman. — brincou Oh antes de balançar a cabeça em negação e relaxar os braços.

— Precisamos de um dia de folga. Estamos começando a delirar. — constatou o mais velho antes de massagear as têmporas, que começavam a dar pontadas agudas devido a falta de sono e alimento por mais de vinte horas.

Sehun inspirou o ar pela boca antes de concordar com o parceiro. Estavam no limite da exaustão e não conseguiriam aguentar mais um dia sem o devido descanso. Pensavam que até mesmo os assassinos que caçavam tinhas seus momentos de relaxamento, então, também tinham direito; ao menos por algumas horas. Como estavam na madrugada de domingo, decidiram prosseguir com o caso na segunda; agora que encontraram novas pistas, a sensação de trabalho cumprido os permitia se desligarem daquele ambiente por um tempo.

Seguindo sua rotina, Baekhyun passou na pizzaria vinte e quatro horas do centro antes de rumar para seu apartamento minúsculo, mas confortável. Tal apartamento consistia em apenas um cômodo dividido para quarto, cozinha, um banheiro e um armário que vivia bagunçado e com roupas espalhadas. As únicas peças que permaneciam arrumadas eram os pares de terno que utilizava no trabalho. O restante, apenas tentava deixar empilhados para que não caíssem porta afora.

O relógio indicava vinte minutos para as três da manhã. Esgotado, o detetive apenas tomou um banho rápido, vestiu uma camisa longa, que usava para dormir, e comeu dois pedaços da pizza antes de desabar na cama coberta por um lençol acinzentado. Não tinha paciência para decoração e, como mal ficava em casa, não via motivo de perder tempo com algo tão banal. Preferia manter o ambiente neutro e com o suficiente para suas necessidades básicas.

Embora seus olhos tenham se fechado quase imediatamente, levou quase uma hora para que conseguisse pegar no sono profundo e sem sonhos, mas com diversas preocupações.

[...]

Baekhyun sempre achou domingos tediosos e arrastados. Havia algum feitiço naquele dia que fazia as horas parecerem uma eternidade.

Por mais que não tivesse dormido mais do que suas quatro anos de costume, permaneceu na cama por toda manhã, sem a mínima energia para qualquer atividade. Levantou-se apenas quando não dava para ignorar a fome e agradeceu por não ter deixado para comprar a pizza depois, caso contrário, não teria nada para comer e nem vontade de ir atrás.

Foi em torno das duas da tarde que seu corpo sentiu-se devidamente descansado e recarregado. Como era impaciente, decidiu arrumar o apartamento; não atentou-se em detalhes, apenas retirou as peças de roupa do chão, lavou a louça e trocou o lençol e a fronha dos travesseiros, substituindo-os por um do mesmo tecido de algodão, mas de uma cor acobreada que combinava com o assoalho. Deixou a janela aberta para que que entrasse ar e diminuísse o acúmulo de pó e, logo após, voltou a comer mais uns pedaços da pizza, que já estava acabando.

No fim daquela tarde, se permitiu tomar um banho demorado e aproveitar a água quente escorrendo por sua pele. Saiu do chuveiro quando a noite começava a cobrir o céu e decidiu se arrumar para passar o restante das horas de folga na boate do centro, que frequentava assiduamente. Praticamente todo fim de semana ele estava por lá e em toda vez saía com um rapaz diferente, levando-o para sua casa ou indo até onde eles moravam. Como não gostava de compromissos, deixava claro que buscava apenas uma diversão para aquele dia específico e que, após o amanhecer, voltariam a seguir suas vidas separadamente. Afinal, não tinha espaço para um relacionamento na rotina do detetive.

Despreocupadamente, remexeu no armário até encontrar sua camisa de seda preta, vestindo-a e mantendo os primeiros botões abertos. Gostava de deixar amostra parte da sua clavícula e do peitoral depilado. Também gostava de ousar quando se tratava de aparência e aproveitava quando tinha a oportunidade de abusar desse privilégio. Em contraste com a camisa folgada e de tecido delicado, optou por uma calça que era o oposto: extremamente apertada e de material grosso que parecia couro preto.

Preencheu os dedos finos de anéis prateados e finalizou com um pingente de crucifixo sobre o pescoço, que se destacava sutilmente por cima da pele desnuda e o dava um charme peculiar conquistado apenas por integrantes de bandas famosas.

Deixou o apartamento cerca de sete da noite e fez o trajeto em direção a boate Lotto. Sabia que era cedo, mas não queria ficar sozinho em casa aberto a pensamentos estressantes sendo que, no dia seguinte, seria esmagado por eles quando voltasse a sede de Quântico.

No momento que botou os pés dentro do recinto, seus ouvindo foram preenchidos pela música alta, que o ajudava a sufocar as vozes em sua mente. Caminhou por entre as poucas pessoas que dançavam na pista — por ainda ser cedo — e parou em frente ao balcão do bar, acomodando-se em um dos bancos da ponta e apoiando os cotovelos na bancada. Por conta do globo de luz e da iluminação baixa e colorida, as garrafas cintilavam como se tivessem líquidos incandescentes. Era um ambiente retrô cuja temática se baseava nas antigas discotecas dos anos setenta, onde as cores primárias prevaleciam na decoração. Os únicos detalhes modernos eram os pole dances na pista de dança e a região do bar, que era sofisticada e confortável.

Não demorou para que o detetive avistasse a figura de Kim Minseok se aproximando com seu habitual pano de prato sobre o ombro e alguns copos de vidro nas mãos. Este exibia um sorriso gatuno enquanto seguia em direção ao recém chegado.

— Olha se não é o meu cliente fiel. — pousou os copos abaixo do balcão e depois apoiou as palmas sobre a bancada. — Deu sorte, soube que alguns universitários estão vindo para cá hoje. — ergueu uma sobrancelha sugestivamente.

— Você faz eu me sentir um predador sexual. — franziu o cenho para o amigo, que respondeu com uma risada insinuativa.

— Não tem nada de errado em gostar de sexo casual, B. — Minseok era o único que utilizava aquele apelido. Tinham uma amizade duradoura desde que Baekhyun se mudou para Quântico e, como não possuíam família, eram a única companhia um do outro. — Você não é o único que está aqui para isso. — apontou ao redor.

— Isso é reconfortante. — riu acompanhado do barista antes do Kim ir atender alguns clientes.

Suas conversas giravam em torno de casos amorosos que se envolviam, algumas questões do trabalho, fofocas acerca dos outros frequentadores da boate e outras coisas banais. Era o único momento que Baekhyun se sentia normal, vivendo como uma pessoa comum de vinte e sete anos.

Pouco tempo depois, Minseok retornou até o amigo de longa data. O Kim preparou bebidas enquanto trocavam as novidades sobre a semana que passou. Obviamente que o detetive ocultava boa parte da sua investigação e tentava focar mais em contar sobre Sehun, que costumava ser o maior interesse do barista.

— E quando você vai trazer ele aqui? É injusto que eu fique preso somente às suas descrições e as poucas fotos que ele posta no Instagram. — lamentou.

Baekhyun não conteve uma risada.

— Primeiro, eu não fazia a menor ideia que ele tinha Instagram. Segundo, acho que ele não se interessa por homens, infelizmente. — deu um gole no seu drink de líquido azulado recém servido.

— Já tentou dar em cima dele?

— Por céus, Minseok! — disparou indignado — Eu não flerto com todo cara que acho atraente, especialmente no trabalho.

— Então admite que acha ele atraente?

— Correção: — ergueu o indicador para o alto — admito que ele é bonito e não que me atraia . — enfatizou antes de abaixar a mão e dar outro gole na bebida. — De toda forma, ele me irritou demais para que eu fosse capaz de nutrir qualquer tipo de interesse.

Baekhyun parou de ingerir álcool quando sentiu a euforia começando a deixá-lo mais espontâneo do que gostaria. Não era de seu feitio ficar bêbado, por mais que tivesse aquela postura selvagem, costumava ser muito responsável quando se tratava de bebidas e alucinógenos. Jamais excedia seu limite.

Em algum momento, se envolveu em uma conversa sobre músicas antigas com um rapaz desconhecido sentado ao seu lado. Minseok alternava entre servir os clientes e participar do assunto.

Perdeu-se por um tempo naquela discussão amigável antes que o sujeito — que o detetive nem sabia o nome — se levantou e foi dançar com um homem que o tinha convidado. Continuou o assunto com o dono da boate por mais alguns minutos até que o balcão ficou lotado e o trabalho exigiu toda atenção de Minseok.

Baekhyun virou o corpo de frente para a pista de dança e ficou observando a diversidade de pessoas por ali. Haviam rapazes recatados, extravagantes, algumas mulheres e rodinhas de amigos alterados que pulavam um em cima do outro. Por ser uma boate gay, a maioria dos frequentadores eram homens, desde jovens a mais velhos. O local começou como um barzinho simples, liderado por Minseok, antes de ganhar notoriedade e se tornar o clube requisitado de hoje.

Seus olhos vagaram para o lado oposto da pista, onde ficava o lounge, um espaço mais tranquilo e longe da multidão. Seguindo a temática retrô, era composto por diversos estofados, que alternavam entre tons neon de laranja ou vermelho. Possuía uma iluminação favorável e que permitia uma visão bem mais ampla do que a área dedicada a dança, que era uma espécie de breu com flashes coloridos piscando como fogos de artifício no céu noturno.

Observou os diversos casais aos amassos nos sofás até que avistou um rapaz solitário entre eles, sentado ao lado de dois homens mais velhos — e aparentemente chapados — que faltavam se engolir. Baekhyun torceu o nariz achando aquilo estranho e engraçado ao mesmo tempo. Porém, danou-se a focar a atenção no jovem misterioso de cabelos cacheados, que se espremia para que não encostasse nos afoitos se pegando ao seu lado. Não soube dizer se aquele casal era conhecido dele, mas, julgando pelo visível desconforto estampado na face do rapaz, tinha certeza que não.

Obviamente que a atenção do detetive não foi atraída apenas por compaixão. O misterioso rapaz era muito bonito e diferente de todos os outros que Baekhyun viu até então. Ele era, aparentemente, alto e com um bom porte físico, mas, em contraste com o corpo grande, possuía traços faciais delicados e que passavam um ar de ingenuidade extremamente gracioso. Sua cabeça estava inclinada sutilmente para baixo e parecia estar desenhando alguma coisa.

Subitamente, o tal casal pervertido se esparramou ainda mais sobre o estofado, empurrando o jovem desenhista. Ele lançou um olhar descrente para a dupla fervorosa e depois olhou ao redor, parecia buscar outro lugar para ficar, o que foi em vão, já que a boate estava lotada.

Baekhyun verificou rapidamente o bar, mas também não tinha espaço por ali. Voltou a fitar o rapaz misterioso em tempo de seus olhares, enfim, se encontrarem. Aproveitando a oportunidade, lançou um sorriso galante em sua direção e notou uma confusão no jovem, que virou a cabeça para ter certeza que o flerte foi para si. Visivelmente constrangido, retornou ao seu desenho, ignorando a existência dos homens que continuavam rolando pelo estofado.

Intrigado, o detetive abandonou o bar e seguiu ligeiro em direção ao lounge, parou em frente ao casal despudorado enquanto o rapaz solitário permanecia com o olhar abaixado em seu desenho.

— Ei, otários. — chamou em voz alta antes de dar um chute indolor nas pernas enroscadas daqueles homens que, no mesmo instante, pararam de se agarrar e encararam o detetive com olhos arregalados. — Caiam fora. — ordenou com uma audácia que poucos teriam naquela situação.

Pensou que retrucariam — ou atacariam —, mas, surpreendentemente, se retiraram dali sem nenhuma discussão. Baekhyun riu baixo e balançou a cabeça antes de sentar-se no espaço liberado. Cruzou as pernas elegantemente e virou o corpo em direção ao desenhista misterioso.

— Posso ver seu desenho? — indagou tirando a concentração do rapaz, que piscou algumas vezes antes de virar o rosto para Baekhyun. Quando pode fitá-lo de perto, o interesse do detetive cresceu.

— Hm, — murmurou alternando seu olhar do caderno para o recém chegado. — Claro. — estendeu o caderno em direção a Baekhyun, que não hesitou em apanhá-lo nas mãos finas e esbeltas. Lançou um sorriso afável ao desenhista antes de pousar o olhar sobre o caderno e surpreender-se.

O desenho se tratava de uma cópia do interior da boate. Os traços eram habilidosos e sombreados de modo quase realístico pelo lápis preto. Podia ver o contorno das pessoas dançando e até mesmo a área do bar com todos bebendo.

— Caramba! — exclamou espontaneamente — É impressionante! — voltou a encarar o rapaz, que exibia um sorriso acanhado. — Você é estudante de arte? — puxou assunto enquanto devolvia o caderno ao seu dono.

— Não, eu só faço por diversão. — respondeu gentilmente. — A propósito, — ajeitou-se sobre o sofá e fechou o caderno — obrigado por me livrar daqueles dois.

— Lidei com folgados a vida toda. — brincou fazendo o rapaz sorrir. — Posso saber seu nome? — deixou seu interesse explícito.

— Hm, Park Chanyeol. — seu olhar ainda era acanhado, mas conseguia manter o contato visual. — E você?

— Byun Baekhyun. — seu timbre melódico fez parecer que estava cantarolando enquanto falava — É a sua primeira vez por aqui, Chanyeol ? — fez questão enfatizar o nome dele.

— Não, eu vim outras vezes. — desviou o olhar por uns instantes. — É solitário passar o fim de semana em casa, então, venho para cá. — confessou.

— Eu entendo. — teve vontade de comentar sobre sua solidão, mas não o fez. Durante o flerte, gostava de assuntos mais descontraídos que lhe permitissem esbanjar seu charme. Se abrir era difícil. — Então, você é um lobo solitário com habilidades artísticas extraordinárias. — Chanyeol riu graciosamente. — O que mais pode me revelar? — ergueu uma sobrancelha sugestivamente.

Desceu o olhar até os lábios do desenhista. Eram relativamente grossos e tinham um leve tom rosado. Teve o desejo de sentir a textura daquela região, mas conteve-se e voltou a se concentrar nos olhos do maior.

— Bom, — Chanyeol franziu o cenho de maneira engraçada. Ergueu o olhar, como quem busca por uma lembrança. — eu ganhei uma competição de patins na escola. — voltou a fitar o detetive.

— Impressionante. — acenou antes de cruzar as pernas. — E qual foi o prêmio? — ergueu o canto dos lábios achando adorável o modo ingênuo do desenhista.

— Um capacete. — brincou, o que fez o detetive rir. — Na verdade, foi apenas por diversão, então não houve prêmio.

— Mas teve o prestígio de vencer.

— Lembrarei disso. — meneou a cabeça, visivelmente constrangido, e resolveu mudar de assunto. — Mas e você? — os olhos de Baekhyun brilharam. — Pode me contar alguma coisa? — sugeriu.

O detetive deslizou pelo assento em direção ao rapaz e apoiou o cotovelo sobre o encosto do estofado. Virou o tronco de frente para Chanyeol elegantemente. O canto dos lábios se mantinha inclinado, sem abandonar a postura charmosa.

— O que deseja saber? — baixou a voz devido a proximidade.

A sombra de um sorriso perpassou pelos lábios de Chanyeol. Calmamente, pegou seu caderno e o guardou na mochila, que estava no chão próxima de seus pés calçados com um converse vermelho que combinava com sua camisa xadrez da mesma cor. Em seguida, apoiou os braços sobre o colo e apertou os lábios, parecia indeciso sobre o que perguntar. Deu uma breve olhada ao redor e voltou a fitar o detetive, que o encarava descaradamente.

— Se todas as pessoas dessa boate se tornassem zumbis, o que você faria? — a pergunta saiu com a voz falha, deixando nítido o receio do rapaz em tentar aquela abordagem.

Baekhyun fez um breve suspense, estreitou os olhos felinos em direção a pista de dança e analisou a situação hipotética enquanto o desenhista aguardava em expectativa.

— Certo. — estalou a língua antes de responder. — Poderia me arrastar até atrás do balcão durante o início do caos, aproveitando a distração da bagunça para apanhar algo que pudesse usar como arma. — inconscientemente pousou os dedos sobre os lábios, o que destacou seus anéis metálicos. Era um hábito frequente, principalmente quando estava a divagar ou planejar alguma coisa.

— Em seguida, — prosseguiu — puxaria um zumbi, o mataria e me cobriria com seu sangue. Faria uma camuflagem. Bem, isso supondo que se guiem pelo faro. — observou e depois continuou o raciocínio. — Tentaria me esgueirar o máximo para longe da concentração deles e iria em direção ao banheiro. Lá as janelas levam a uma viela com latas de lixo, isolada da movimentação da avenida. — deslizou os dedos até o queixo. — Pularia por uma delas e correria para os fundos da boate, onde tem uma escadaria que leva até o telhado. Subiria e ficaria abaixado para analisar a gravidade do perigo e as rotas para uma fuga segura. — abaixou a mão e voltou a mirar Chanyeol — O que acha? — indagou presunçoso.

— É… Impressionante. — concordou fazendo Baekhyun espichar um sorriso satisfeito. — Você deve ter assistido muitos filmes de zumbi. — supôs o desenhista.

— Na verdade, não. Eu cumpri cinco anos de serviço militar. — revelou, deixando o rapaz surpreso. — Infelizmente, não posso dar detalhes sobre isso.

— Não deve ser um assunto fácil para você. — o detetive apertou os lábios sem saber o que dizer. — Hm… O que gosta de fazer? — agradeceu quando Chanyeol mudou de assunto.

Aprumou-se antes de responder:

— Eu aprecio atividades físicas. — a insinuação implícita não passou despercebida — Detesto ficar parado por muito tempo. Eu gostava de videogames de ação, mas, nos últimos anos, não tenho tido a chance de jogar devido ao trabalho.

— Qual foi o último que jogou? — Baekhyun não se surpreendeu com o interesse de Chanyeol naquele assunto. O estilo dele agir e a postura mais recatada gritava que tinha passado a vida viciado em games e hobbies do gênero.

— Nossa… — desviou o olhar brevemente. — Foi Call Of Duty . — o desenhista soltou uma risada divertida.

— Desculpa… — pediu — é que isso foi irônico. — explicou abafando o riso e repuxando o canto dos lábios, o que evidenciou suas covinhas. Baekhyun achou aquilo adorável. — Quero dizer, gostar de jogos de guerra. — acrescentou.

— Eu costumo ser bastante controverso. — brincou o detetive. Umedeceu os lábios suavemente e pousou a mão sobre os dedos do rapaz ao lado. Logo, iniciou uma breve carícia nos dedos alheios. — Tenho um desafio para te propor.

— O que seria? — Chanyeol entrelaçou seus dedos aos de Baekhyun, coisa que fez o menor abaixar o olhar para suas mãos e depois voltar a erguê-lo, um sorriso pretensioso se espalhou pelos lábios.

Permitiram que aquela troca de olhares se prolongasse por alguns segundos enquanto apreciavam o contato entre suas peles.

— Dance comigo. — ergueu a sobrancelha desafiadoramente.

Chanyeol franziu o cenho e riu da proposta inesperada. Era evidente que não fazia o tipo que gostava de dançar e, por alguns instantes, o detetive achou que o desenhista recusaria.

— Eu aceito seu desafio.

Baekhyun surpreendeu-se e não escondeu a empolgação. Puxou Chanyeol do sofá e o guiou em passos ligeiros para a parte da pista que se encontrava mais vazia. Soltaram as mãos quando se posicionaram um de frente para o outro; o detetive tomou a iniciativa e passou os braços ao redor do pescoço alheio antes de colar seu corpo ao do maior.

Ergueu a cabeça para que pudesse fitar os olhos do rapaz, que, por sua vez, o envolvia pela cintura. Tão logo iniciaram a dança. Não se preocuparam com coreografia, apenas balançaram o corpo suavemente em total discrepância com a música agitada e típica de boates que tocava ao fundo. Estavam absortos demais no próprio mundo para se preocuparem com esse detalhe.

Naturalmente, iniciaram um beijo calmo; movimentaram as línguas tranquilamente enquanto exploravam o interior da boca alheia.

Logo, uma sequência de músicas lentas ajudaram a tornar o clima envolvente e carregado de sensualidade. Baekhyun levou o rosto em direção ao pescoço de Chanyeol e distribuiu selares pela pele alva e macia da região. Em contrapartida, o maior pressionou os dedos sobre a lombar alheia antes de deslizar as mãos até pousá-las no quadril do detetive.

Iniciaram outro beijo, dessa vez com mais intensidade. Baekhyun afundou as mãos nos cachos alheios enquanto o desenhista pressionava ainda mais seus dedos pelo corpo do menor. O calor entre eles aumentava conforme suas línguas se saboreavam em uma dança lasciva, deixando o detetive embriagado pela excitação que começava a ser despertada em si.

— Quer ir para o meu apartamento? — Baekhyun sussurrou com os lábios colados no ouvido do Park.

— Sim… — respondeu em um sussurro rouco.

Trocaram alguns selinhos antes de abandonarem a pista de dança. Retornaram ao lounge para que Chanyeol pudesse apanhar sua mochila e depois se encaminharam para a saída sem mais delongas. Baekhyun queria ter se despedido de Minseok, mas, por conta da movimentação, não conseguiu encontrá-lo e optou por contactar o amigo no dia seguinte.

Trocaram risadas cúmplices enquanto iam em direção ao carro do detetive — um Volkswagen T-Cross na cor preta — que estava estacionado em frente a boate. Durante o percurso, conversaram sobre aleatoriedades com o bom humor que Baekhyun sentia falta em seus dias nublados de estresse. Descobriu que Chanyeol adorava histórias em quadrinhos e que suas favoritas eram as do Batman , o que o deixou indignado.

— É clichê! — exclamou com uma careta — Todo fã de quadrinhos sempre responde Batman. — revirou os olhos dramaticamente.

— E o que você responderia? — questionou o desenhista.

— Qualquer um que não fosse o Batman. — respondeu como se fosse óbvio e observou, pelo canto dos olhos, Chanyeol abrindo um sorriso gaiato.

Para Baekhyun, somente aquela conversa já era o suficiente para apaziguar todo estresse que tinha passado durante aquela semana. Já tinha saído com diversos rapazes, mas nenhum se empenhou em criar um ambiente divertido ou se deu o trabalho de puxar assunto e fazê-lo rir sem precisar forçar para agradar. Havia algo peculiar no humor de Chanyeol que conseguia deixá-lo relaxado.

Entraram no apartamento ainda aos risos. Retiraram os sapatos e deixaram próximo a porta, em seguida, o anfitrião começou a ambientar seu convidado, lhe mostrando o cômodo único e a porta para o banheiro, caso precisasse. Ficou agradecido por ter tido a coragem de arrumar o lugar antes e torceu para não ter esquecido alguma peça de roupa suja pelo chão.

— Pode deixar sua mochila ali. — apontou para o pé da cama. E assim Chanyeol fez, largando a bolsa e voltando a atenção para Baekhyun.

Inesperadamente, o maior cortou o espaço entre eles. Se aproximou do anfitrião e o puxou pela cintura para um beijo que foi imediatamente retribuído. Baekhyun ficou surpreso por ele ter tomado a iniciativa, gostava de ser o dominante, porém, apreciava muito mais quando o parceiro tomava as rédeas. Sentia-se desejado e nada deixava o detetive com mais tesão do que isso.

Empurrou Chanyeol em direção a cama até que este caiu sobre o colchão. Sentou-se no colo do Park, apoiando uma perna de cada lado do corpo do rapaz, e encaixou seu quadril sobre o dele de forma a pressionar sua ereção na semelhante. Chanyeol soltou um suspiro arrastado e apertou suas mãos em torno da cintura do detetive. Em resposta, Baekhyun começou a movimentar a pélvis em uma fricção gostosa que acabou atiçando ainda mais a ereção do desenhista.

Embriagado pela luxúria, Baekhyun começou a desabotoar a camisa xadrez de Chanyeol de forma afoita. Uma vez que se livrou da peça, examinou os músculos desnudos. Sacana, umedeceu os lábios enquanto os admirava e começou a deslizar os dedos pelos contornos do abdômen alheio. Quando voltou a encarar Chanyeol nos olhos, sentiu as mãos grossas começarem a desabotoar sua camisa de seda. Beijaram-se vorazmente antes de tirarem as roupas restantes e rolarem pela cama totalmente entregues um ao outro.

Exploraram diversas posições confortáveis e que proporcionou ainda mais prazer durante o ato sexual. Para o deleite de Baekhyun, seu companheiro revelou ser um amante vigoroso e o satisfez duas vezes sem dificuldade, coisa que provou que o porte físico era tão resistente quanto aparentava. Além disso, Chanyeol soube tocá-lo em seus pontos mais sensíveis e levá-lo a um êxtase enlouquecedor. Saboreou cada segundo com intensidade e gozou como se não houvesse amanhã.

No fim da noite caíram sôfregos sobre os travesseiros. Baekhyun contemplava a face ruborizada de Chanyeol, os lábios inchados e os cachos alvoroçados, uma visão deleitosa de pós sexo. Entrelaçaram as pernas desnudas e ficaram a trocar carícias despudoradas.

— Você acabou comigo. — murmurou o detetive com a voz tão suave que mal se reconhecia nela depois de tanto tempo se ouvindo estressado.

Chanyeol riu orgulhoso.

— Isso é bom? — a voz saiu com uma rouquidão gostosa de se ouvir.

— Com certeza. — Baekhyun sorriu cafajeste — Podemos nos ver de novo? — não tinha intenção de perguntar, mas estava tão relaxado que nem se preocupou em filtrar o que dizia.

— Com certeza.

Não trocaram mais palavras e apenas aproveitaram da companhia um do outro antes de serem embalados pelo sono profundo.

[...]

Baekhyun despertou pouco antes do alarme tocar.

Ainda de olhos fechados, ergueu o braço preguiçosamente até que sentisse o celular sob seus dedos; agarrou o aparelho e esfregou as pálpebras com a mão livre antes de as abrir e forçar a vista para enxergar o horário na tela. Tinha tempo suficiente de se levantar tranquilamente antes de voltar a sua rotina penosa de trabalho.

As lembranças da noite anterior invadiram sua mente e ele arregalou os olhos, virando-se na cama, mas não encontrou ninguém. Ergueu-se sob os cotovelos e verificou o chão em busca das roupas de Chanyeol, mas também tinham sumido, assim como sua mochila. Baekhyun bufou e voltou a se deitar, esfregou o corpo sobre os lençóis como se aquilo pudesse lhe devolver as sensações da noite anterior. Inspirou o perfume do desenhista, ainda impregnado nos travesseiros, antes de se conformar e se levantar da cama.

Seguiu sua rotina normalmente, indo tomar banho, escovar os dentes e tomar café, sem açúcar, para espantar a letargia. Enquanto ingeria a cafeína amarga, ouviu seu celular tocando e franziu o cenho ao ver o nome de Sehun piscando na tela.

Baekhyun? Baekhyun? — ouviu o parceiro com a voz alterada chamar antes que pudesse dizer alô. — Você atendeu? Por Deus… — o detetive o interrompeu.

— O que houve? Estou aqui, acabei de acordar. — deu mais um gole no café e depois largou a xícara sobre a pia.

O assassino se entregou! — disparou Sehun fazendo Baekhyun despertar com mais eficácia do que toda cafeína do mundo. Com os olhos arregalados, o detetive deu alguns passos incrédulo pelo apartamento. — Liga a televisão! Estão transmitindo tudo nesse exato momento!

Atordoado, Baekhyun buscou apressado pelo controle e ligou sua televisão. O coração disparava dentro do peito conforme a tela iniciava, mostrando um repórter na frente da sede de Quântico. Abaixo, a manchete em letras brancas se destacava por uma faixa azul: “ASSASSINO DO XADREZ REVELADO” .

Ouviu Sehun começar a narrar sobre o ocorrido até que a reportagem mostrou a fotografia de um rosto que o detetive reconheceu de imediato. Por alguns instantes, sentiu o ar desaparecer de seus pulmões e a mente entrar em estado de choque ao ponto de esquecer completamente da existência do parceiro e que este ainda falava ao celular consigo. Deixou que o corpo caísse sentado sobre a cama e que o aparelho escorregasse até tombar no colchão. Tudo que conseguiu ouvir foram as seguintes palavras ditas pelo repórter:

Park Chanyeol se entregou no começo dessa manhã e soluciona uma investigação acirrada de dois anos a procura do Assassino do Xadrez, responsável pelo homicídio de trinta e duas vítimas.”

Baekhyun sentiu o estômago revirar o café, mas o enjoo se dissipou tão rápido quanto veio e foi substituído por uma onda de assombro. Cerrou os punhos fortemente e sentiu os músculos se contraírem dolorosamente devido a tensão. Não sabia como reagir e muito menos pensar com clareza. Um vazio angustiante preenchia sua mente e fazia qualquer som ao redor soar extremamente distante, como se estivesse caindo em um abismo escuro e silencioso.

Vagou o olhar desorientado pelo chão e parou em um ponto específico quando notou algo estranho. Como se a mente despertasse, abaixou-se, estendeu a mão em direção ao pé da cama e retirou de lá uma peça de xadrez de cor preta com um post it colado logo abaixo. Baekhyun pode identificar o formato da rainha, utilizada no tabuleiro de xadrez, antes de puxar o pedaço de papel com a seguinte mensagem:

Bem vindo ao jogo”

Chapter 2: Tabuleiro

Chapter Text

Capítulo 2 — Tabuleiro

Fazia cerca de vinte minutos que Baekhyun entrou em seu carro para seguir em direção à Quântico. Sua mente estava tão inundada em conflito que nem tinha notado o percurso para fora do apartamento, ou que não tinha desligado o celular — mas Sehun o fizera quando percebeu que o parceiro não retornaria —, por conta disso, decidiu permanecer no veículo estacionado até que recuperasse o mínimo de sobriedade para dirigir sem atropelar todos pela frente.

Estava tomado pela vergonha e não suportava nem olhar seu próprio reflexo sem ter vontade de lhe dar um soco por tamanho descuido e estupidez. Não tinha certeza se Chanyeol havia revelado o que compartilharam na noite anterior, mas supôs que não ou Sehun teria o dado um sermão de quarenta minutos sobre como sua vida amorosa era prejudicial para sua carreira. Bem, agora o detetive entendia como isso poderia ser grave. Jamais imaginou que seria enganado dessa forma, ainda mais por um rapaz de feição inocente, e isso o revoltava.

Apertou o volante entre os dedos.

Não tinha ideia de como prosseguir aquele dia. Diria a verdade para Holden? Não achava que era a melhor opção, porém, mentir poderia causar ainda mais problemas. Se perguntava se esse foi o motivo de Chanyeol tê-lo usado, para chantageá-lo e conseguir o que quer. E, afinal, o que ele queria?

Baekhyun repassava todos os homens que precisou matar, tentando reconhecer algum que pudesse ter relação com o assassino. Sabia que ele matava por justiça e, talvez, seja por isso que foi o escolhido. Mas não conseguia resolver aquele quebra cabeça sozinho. Eram muitas peças e ele estava longe de ter todas agora.

Inspirou profundamente antes de, enfim, ligar o carro e dar partida. Sua cabeça doía enquanto tentava impedir que os pensamentos o dominassem. Durante o caminho, vez ou outra, algum deles escapava e o roubava a atenção, por alguns segundos, antes que retomasse o foco na direção.

No momento que seus olhos pousaram no prédio do FBI, congelou. Estacionou o carro de maneira desleixada e sentiu uma onda de desespero passando dentro de si e escorrendo para longe. Tinha a vantagem de ter um bom autocontrole emocional em situações de risco e, graças a isso, conseguiu sair do veículo e se aproximar da entrada cercada de repórteres. Sabia que, se colocasse os pés no campo de visão deles, viriam atrás de si como abelhas raivosas, então seguiu para o outro lado até chegar à entrada de serviço para funcionários da limpeza. Assim que passou pela porta dupla, diversos olhares curiosos caíram sobre si, mas ninguém ousou pronunciar uma palavra. Incerto, Baekhyun rumou até a sala do capitão em absoluto silêncio.

Como esperava, o corredor estava tumultuado e difícil de transitar. Esgueirou-se pelos cantos até alcançar seu destino, mas Holden não se encontrava ali. Tinha deixado a porta aberta e a mesa desorganizada. Não era do feitio de seu chefe esses pequenos descuidos.

Retornou para o corredor e tomou um susto quando sentiu seu braço ser agarrado abruptamente. Instintivamente, defendeu-se com um golpe ligeiro, torcendo o pulso que o agarrava até que seus olhos pousaram sobre o rosto de Oh Sehun. Rapidamente, soltou o parceiro.

Você chegou preparado. — ironizou o rapaz de óculos enquanto massageava a região dolorida — Não temos tempo. Venha comigo. — nem esperou que Baekhyun concordasse e saiu andando em passos apressados.

Onde vamos? — indagou o menor assim que alcançou o parceiro; acompanhava o ritmo acelerado de Oh enquanto desviava das pessoas que circulavam agitadamente pelo local.

Para a sala de interrogatórios. — a resposta fez o estômago do detetive gelar — O capitão o aguarda lá. Mas, antes… — pousou a mão sobre o ombro de Baekhyun e o guiou para um espaço afastado. Verificou se não tinha ninguém ouvindo e encarou o mais velho. — O assassino fez uma solicitação. — hesitou.

O que ele pediu? — o coração do detetive disparava em uma velocidade assustadora — Sehun? — insistiu, impaciente com o suspense.

Ele quer conversar com você antes de começar a falar conosco.

Baekhyun sentiu sua respiração falhar.

Não podia demonstrar insegurança naquele momento, nem para Sehun e muito menos para Holden. Era uma pressão colossal, mas ele conseguia lidar. Só não sabia até que ponto. Se recompôs, limpando a garganta e cerrando os punhos para que o nervosismo se concentrasse naquela região.

Não precisa temer. — disse Sehun, preocupado. — A segurança do prédio é extremamente rigorosa e eficaz.

O detetive conteve a vontade de rir.

Isso é reconfortante. — murmurou antes de inspirar profundamente e voltar seu percurso em direção a sala de interrogatório.

Retomaram o caminho sem trocar mais palavras. Baekhyun aproveitou os breves segundos que teve antes de sair do elevador e colocar o primeiro pé no corredor do quarto andar. Sabia que era o fim de qualquer resquício de paz em sua vida e, mesmo temeroso, manteve a postura confiante e se pôs a andar como se nada daquele caso tivesse se tornado pessoal. Agiria normalmente, como mais um dia de trabalho estressante... Ou assim pretendia.

Não fazia ideia do que aconteceria quando reencontrasse Chanyeol. Seu maior medo era que ele contasse a todos sobre a noite anterior e sua vergonha fosse exposta de maneira humilhante. Jamais teve que lidar com esse tipo de situação; sempre soube se defender sozinho, nunca deixou que alguém o ofendesse ou enganasse, esteve no controle desde criança. Sentia-se ridículo por ter caído em uma armadilha daquelas depois de tantos anos de experiência.

Para sua desolação, assim que virou o corredor deu de cara com o capitão e outros agentes parados em frente a porta da sala de interrogatório. Nenhum deles parecia disposto a serem amigáveis.

Holden o fuzilou com o olhar e avançou em sua direção.

Suponho que esteja ciente da situação. — sua voz era rígida — No momento, o assassino está com o advogado mandado pelo Estado. Entre lá e faça-o falar! — lançou um olhar cortante ao detetive antes de voltar para sua posição com os outros agentes.

Baekhyun não tinha tempo para hesitação e, se o fizesse, despertaria a dúvida de seu chefe sobre sua aptidão para aquela tarefa. Trincou a mandíbula e manteve-se o mais inexpressivo que conseguia. Recebeu um olhar de incentivo do parceiro antes de seguir em direção a sala. O estômago se contorcia de maneira incômoda e precisou se esforçar em dobro para não evidenciar o desconforto aos outros.

Sua mão tremeu antes de pousar a mesma sobre a maçaneta gélida e a virar até abrir a porta em um ruído, inicialmente, suave, mas que logo soou agudo nos ouvidos do detetive aflito.

Podia sentir os olhares de seu chefe e dos outros queimando suas costas. Engoliu em seco. Adentrou o recinto e tomou fôlego antes de virar a cabeça em direção a mesa metálica e encontrar a temida figura que tornou-se seu pior pesadelo naquela manhã.

Prendeu a respiração e sentiu um arrepio na nuca quando encarou Park Chanyeol. Ele tinha a mesma aparência, os cabelos cacheados, as feições relaxadas e as roupas da noite anterior; entretanto, algo crucial havia mudado: os olhos. Fisicamente, era o rapaz que conheceu, porém, aquele olhar era de um completo desconhecido.

Soltou a respiração quando foi despertado pela voz do advogado. Baekhyun nem tinha notado sua presença até então.

Olá, detetive. — cumprimentou antes de se levantar — Bom, os deixarei a sós. — acenou com a cabeça antes de sair da sala sem maiores explicações.

Baekhyun piscou algumas vezes, intrigado em como Chanyeol conseguiu que tivessem privacidade. Ele parecia ter até o advogado sob controle. Teria que ser extremamente cuidadoso em como iria abordá-lo. Já tinha experiência com terroristas e criminosos em geral, mas ali era diferente e não se recordava de ter encontrado um assassino tão meticuloso e indecifrável antes.

Eu disse que nos veríamos novamente. — falou o rapaz de cabelos cacheados em tom de provocação. O detetive surpreendeu-se em como até a voz dele estava diferente. Tinha um tom confiante e pretensioso, completamente oposto ao desenhista ingênuo da noite anterior.

Conteve um impulso de raiva ao ouvir aquilo e apertou os lábios antes de puxar uma cadeira para se sentar. Cruzou os braços e o encarou.

Não é bem o segundo encontro que eu esperava. — rebateu em tom debochado e viu os olhos de Chanyeol brilharem. Sabia que não venceria usando uma abordagem comum. — Então, o que você quer?

Em ordem alfabética ou cronológica? — provocou exibindo um sorriso de canto petulante.

Baekhyun estreitou o olhar em resposta.

Foi uma pergunta muito vaga. — continuou Chanyeol — Seja mais específico.

Certo. — deu de ombros — O que você quer de mim?

Baekhyun não se surpreendeu quando recebeu um olhar carregado de malícia. Apenas o retribuiu com a postura mais imparcial possível. Fitou de relance as mãos de Chanyeol presas as algemas acima da mesa, apenas para verificar; embora desconfiava que, se ele quisesse escapar dali, o faria.

A questão era: Por que ele se entregou logo após deixar uma peça em seu apartamento? E por que o deixou vivo? Essas eram as perguntas que perturbavam o detetive no momento.

Você joga xadrez, Baekhyun? — o menor se incomodou em como Chanyeol pronunciou seu nome de maneira íntima. Entretanto, não demonstrou o desagrado e manteve-se neutro.

Não, mas estou familiarizado com as regras.

Sabe qual é a função da rainha no tabuleiro? — arqueou a sobrancelha de maneira desafiadora.

Sim, eu sei. — respondeu simplista. Podia atirar todas as suas dúvidas e exigir por respostas diretas, mas não funcionava assim. Antes, precisava conhecer o método de Chanyeol, entender seu propósito. Enquanto isso, não poderia demonstrar vulnerabilidade.

Fingir imparcialidade e, acima de tudo, conter a raiva era o essencial. No entanto, Chanyeol estreitou o olhar como se notasse alguma coisa que o detetive deixou passar.

Você trouxe a peça consigo? — indagou, curvando-se sobre a mesa.

Baekhyun intrigou-se. O que estava perdendo? Era evidente que tinha algo que ele não tinha notado. Ou Chanyeol estava apenas o provocando?

Sem falar nada, retirou a peça deixada no apartamento de dentro do bolso da calça e pousou sobre a mesa. Em seguida, inclinou o corpo para frente e apoiou os braços sobre a superfície metálica que o separava de Chanyeol.

Por que não me matou?

A resposta está, literalmente, na sua frente. — abaixou o olhar para a peça e depois voltou a encarar o detetive, aguardando algo.

Baekhyun fitou a rainha sobre a mesa e analisou seu contorno comum de uma peça de xadrez antes de, enfim, notar o óbvio. Primeiro, sentiu-se um estúpido por não ter visto antes. Saiu tão alvoroçado e nervoso do apartamento que nem tinha parado para analisar a evidência deixada embaixo da sua cama.

É uma peça preta. — interveio Chanyeol. E o detetive lembrava-se claramente que todas as peças deixadas com as vítimas eram brancas. — Estamos do outro lado do tabuleiro.

O menor ergueu o olhar de volta ao assassino. Sentia-se como um soldado atingido por uma brecha na armadura. Não era do feitio de Baekhyun ser desatento ao seu redor, principalmente perder uma pista tão óbvia. Mesmo diante do estresse, culpava-se por não ter notado aquilo antes de chegar ali.

Inconscientemente, mordeu o lábio inferior enquanto analisava a situação. Foi quando conseguiu fazer uma conexão importante naquele quebra cabeça que se desenrolava em sua mente.

Suponho que você seja o Rei? — viu as pupilas de Chanyeol dilatarem com aquela questão. Ele estava concentrado em cada palavra pronunciada naquela sala e, agora, tinham chegado no ponto principal daquela conversa.

Não existe só um no tabuleiro. É por isso que estou aqui.

Baekhyun precisou de uns segundos para processar tudo. Sua mente trabalhava rápido e repassava diversas informações em instantes. Embora conseguisse compreender tudo, não sabia como expressar em palavras.

Chanyeol confirmou a existência de um segundo assassino, por mais que de um modo enigmático, mas era o que precisava. Só restava saber qual Rei aquele misterioso repórter estava se referindo quando ligou para Sehun e o que ele queria dizer com tanta urgência antes de desaparecer.

Então quer me usar como a Rainha para protegê-lo? — deduziu o detetive.

Eu não preciso de proteção, Baekhyun. — sorriu debochado — E nem você. — acrescentou sem desfazer o sorriso. — Mas, o Rei tem movimentos limitados. Não posso percorrer pelo tabuleiro sozinho, infelizmente. Então, para isso…

Me escolheu como a Rainha. — completou Baekhyun soprando um riso indignado com aquela trama — É a única peça que pode mover-se livremente.

Deveria se sentir honrado. — inclinou a cabeça em direção ao menor. Seus olhos faiscavam e eram tão intensos que o detetive sentia-os perfurarem sua pele. — É a peça mais poderosa do tabuleiro.

Baekhyun riu sarcástico.

Pois é, — fingiu um suspiro emocionado — nada é mais gratificante do que ser escolhido por uma mente psicótica para seu brilhante jogo.

Foi a vez de Chanyeol soprar um riso.

Não precisei nem de vinte minutos para despertar seu bom humor. — caçoou — Eu sabia que faríamos um ótimo time. — Baekhyun não conteve a expressão de desagrado. Porém, Chanyeol continuou. — Mas você não está prestando atenção nas vantagens nesse acordo. — observou.

Por favor, — ergueu as sobrancelhas — me esclareça.

Bom, — limpou a garganta de forma dramática — você vai ser o responsável por coletar todo meu depoimento com riqueza de detalhes sobre todos os assassinatos. E irei ajudá-lo a encontrar o segundo rei. Isso trará prestígio a você, certo? Nada melhor do que provar aos seus pomposos superiores que sua teoria estava correta. Terá dois assassinos sob custódia e dois casos encerrados.

Sua prepotência me diverte. — debochou Baekhyun — Eu não preciso da sua ajuda para absolutamente nada. Se essa era a sua tentativa de me manipular, estou decepcionado. Eu esperava mais depois de ontem. — incitou.

Porém, ao contrário do que o detetive imaginava, Chanyeol não aparentou estar ofendido com aquilo. Ele manteve a postura presunçosa e repuxou o canto dos lábios antes de soltar um suspiro.

Nossa noite foi muito especial. — fingiu estar sensibilizado. — Eu não seria capaz de usá-la como chantagem. — se divertiu com a expressão exasperada de Baekhyun.

O detetive sabia que seu plano de imparcialidade tinha caído por terra depois daquilo. Não podia deixar seus impulsos o dominarem e, se ficasse ali por mais tempo, isso seria impossível. Conseguiu boas informações e Holden deveria estar impaciente do lado de fora, não poderia prolongar aquela conversa ou poderia levantar suspeitas sobre si.

É isso que irá acontecer: — Baekhyun guardou a rainha de volta em seu bolso — Eu irei abrir aquela porta e assistir você ser torturado pela burocracia incansável que o aguarda daqui até a cadeia. — levantou-se.

Nossa, — suspirou dramaticamente — assim você me deixa excitado.

Perdendo a paciência, o detetive lançou um olhar cortante ao assassino antes de seguir em direção a porta e fazer exatamente o que tinha dito. Pediu que o advogado entrasse e saiu para poder relatar ao seu parceiro sobre a conversa que teve. Deixou que Holden assumisse — algo que ele estava ansioso para fazer — e levou Sehun para longe dos ouvidos alheios e curiosos.

Contou ao mais novo as informações necessárias e omitiu qualquer coisa que insinuasse uma aproximação íntima com Chanyeol. Ainda não sabia o que fazer com aquela parte do quebra cabeças. Optou por focar inteiramente nas pistas sobre o segundo assassino e depois, quando pudesse ficar sozinho, analisaria com calma a noite anterior e os motivos de ter sido escolhido como a Rainha naquela trama doentia.

Enquanto estava sob vigilância e com Holden em seu encalço, teria que agir como se tivesse acabado de conhecer o assassino.

Como ele sabia da nossa teoria? — questionou Sehun. Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos da calça do terno, dessa vez estava perfeitamente alinhado.

Baekhyun foi pego de surpresa por aquela pergunta. Não tinha pensado nisso e, novamente, sentiu-se estúpido. Precisava urgentemente espairecer a cabeça ou acabaria cometendo ainda mais erros fatais naquela investigação.

Deve ter sido uma suposição. Mas é óbvio que ele pode ter meios de conseguir informações daqui de dentro. — agradeceu por ter conseguido pensar em um argumento antes que o parceiro notasse que não reparou naquele detalhe.

Você acha que ele tem um informante? — estreitou os olhos, desconfiado.

Não sei. — suspirou cansado — Ele pode ter hackeado o nosso sistema. Não sabemos quais ferramentas ele tinha acesso.

Tem razão. Precisamos pensar com calma. — observou Sehun — Tem sido uma manhã conturbada. — Baekhyun apenas concordou com a cabeça e uma expressão de amargura.

Ambos concordaram em seguir para a sala de investigação e revisar tudo que possuíam até o momento. Agora que a teoria do segundo assassino tinha sido confirmada, teriam que analisar os fatos mais atentamente do que antes e não poderiam fazer isso parados naquele corredor e assistindo Holden comandar tudo a sua maneira.

O capitão seria um obstáculo, já que era fortemente contra a teoria de dois assassinos. Precisavam agir rápido, antes que decidissem encerrar o caso e culpar Chanyeol por todos as vítimas sem uma prévia análise. O FBI estava ansioso para fechar aquela investigação e tudo que precisavam era de um culpado na cadeia para conseguir aprovação da população e da imprensa.

Logo, Baekhyun percebeu a cilada que Chanyeol se colocou. Ele estaria disposto a arriscar uma possível pena de morte apenas para capturar seu rival copiador? Não se surpreenderia com isso. Sabia como funcionava a mente de sociopatas e psicopatas; embora sejam narcisistas, nada ficava entre eles e seus objetivos, nem mesmo a própria vida. Mas, ainda sim, valia a pena?

Quando chegaram a sala, o detetive se apressou em direção as pastas sobre as vítimas que tinha organizado. Tudo permanecia intacto e não hesitou em começar a revisar alguns arquivos que comprovavam que todas as vítimas originais tinham somente peças brancas do xadrez na cena do crime. Porém, no segundo assassino, eram aleatórias. Intrigado, sentou-se a cadeira.

Foi quando ele notou que o copiador estava zombando do assassino original. Todo aquele método desorganizado era um desacato, era proposital. Baekhyun não podia ter absoluta certeza, mas o segundo assassino não seguia regras, ao contrário, ele parecia gostar de quebrá-las. Ele transformou os cenários limpos em sujos e violentos, bagunçou as peças e, o principal, tirou o aparente propósito de justiça do primeiro assassino.

Mas, por quê? O que teria dado início aquela rivalidade?

Checou a primeira vítima do copiador. Era uma mulher de vinte anos que trabalhava em uma loja de eletrônicos. O crime ocorreu em 27 de janeiro de 2019. Pesquisou sobre aquela data na internet, mas não encontrou nada que se relacionasse com o caso ou que pudesse indicar o motivo do segundo assassino ter escolhido aquele momento para atacar.

Logo, outra dúvida o veio a mente: Chanyeol estaria dizendo a verdade ao se afirmar o assassino original? Não tinha lhe dado nenhuma evidência sobre isso e não poderia confiar na palavra de um criminoso manipulador. Ele poderia ser o copiador e estar aqui debochando de todos. Afinal, para que enganá-lo na noite anterior e nem usar o sexo como chantagem? Qual foi o propósito daquilo se não apenas humilhação? Essas características se aplicavam ao segundo assassino.

Eu reparei uma coisa. — Sehun se manifestou e Baekhyun desviou a atenção de seus arquivos para o parceiro. — Park Chanyeol tem uma estatura alta, certo? — o detetive assentiu — Julgando pela aparência, os crimes violentos tem mais chances de serem obra dele. Afinal, por que utilizar veneno nas vítimas se tem a força necessária para enforcá-las?

Também me pergunto isso. Eu achava que o veneno seria por conta da fragilidade física do assassino original. Não é do feitio de um psicopata utilizar esse método. — refletiu.

Compartilhou sua teoria sobre a rivalidade entre os dois e como o copiador zombava do original.

Faz todo sentido. E, pelo que me contou sobre a conversa com Chanyeol, pode ser que ele não seja o original. Bom, temos que levantar todas as suspeitas.

Baekhyun concordou e os dois se colocaram a pensar se tinham deixado alguma coisa escapar. Estavam lidando com duas possibilidades e precisavam descartar uma delas o mais rápido possível. Aquela investigação ganharia mais notoriedade agora e o dobro da pressão por parte dos superiores para encerrar de uma vez. O detetive perguntava-se se Chanyeol tinha planejado algo para fugir da condenação a morte ou para aliviar sua pena. Não tinha nenhuma pista sobre as verdadeiras intenções dele e isso o incomodava. O único meio de se vencer uma batalha é conhecendo seu inimigo como conhece a si mesmo. Essa é a lição mais importante que aprendeu durante seu tempo no serviço militar.

Subitamente, um dos agentes entrou correndo na sala, o que assustou os detetives presentes, que encararam a porta com os olhos arregalados. O rapaz recém chegado tinha suor pingando da testa e a gravata desengonçada.

Encontraram uma nova vítima do assassino do xadrez. — anunciou exasperado.

Baekhyun levantou-se de supetão, acompanhado pelo seu parceiro, e nem hesitaram ao correr em direção a saída. O agente passou os detalhes da denúncia anônima que receberam a poucos minutos, sem muitas informações, apenas que haviam encontrado um cadáver com uma peça de xadrez ao lado.

Confirmaram o endereço e partiram apressados em direção ao local. Um carro da perícia os acompanhava logo atrás.

Durante o percurso, Baekhyun se concentrava ao máximo e todo seu corpo estava em estado de alerta. Apertava o volante entre os dedos enquanto guiava o veículo de maneira habilidosa pelas ruas abarrotadas de carros. Com a sirene em uso, ficava mais fácil se esgueirar pelas avenidas rapidamente, o que facilitou para que conseguisse fazer aquele trajeto em menor tempo.

O local informado era um bairro de classe baixa e habitado por pessoas humildes. Quando chegaram, notaram as casas precárias de madeira e a falta de saneamento no rio que passava ali próximo. Um matagal denso se alinhava a beirada da rua asfaltada e dificultava a visão do horizonte. Era um ambiente perfeito para um assassino entrar e sair sem ser visto. Uma vez dentro daquela mata, seria fácil para qualquer um desaparecer como fumaça.

O cadáver estava em uma das casas ao fundo e precisaram percorrer boa parte da rua até conseguirem avistar o local citado. A porta estava escancarada e os vizinhos espiavam tudo através da segurança de suas janelas de vidro embaçado. Algumas crianças curiosas se espreitavam por ali, mas ninguém ousava se aproximar da cena do crime.

Baekhyun ofegou quando, enfim, alcançou seu destino. Inspirou profundamente antes de puxar sua arma e, cautelosamente, ir em direção a entrada da casa. Espiou pela abertura o interior da residência que, aparentemente, estava abandonada. Os móveis eram tão precários quanto o exterior da construção e a iluminação se dava apenas pelos raios de sol que penetravam através das janelas sujas de poeira. Não demorou para que um odor fétido invadisse as narinas do detetive, que prendeu a respiração por alguns segundos, mas conseguiu suportar o cheiro. Estava acostumado com coisas piores do que aquilo.

Deu sinal para que Sehun o acompanhasse e, juntos, entraram na residência em passos silenciosos. Não havia nada na sala e não demorou para que achassem o rastro de sangue que levava até a cozinha. Seguiram nessa direção e o odor quase os sufocou quando adentraram no recinto onde estava o cadáver. Baekhyun apenas torceu o nariz antes de se aproximar e verificar que era uma mulher, mais ou menos trinta anos, assassinada a facadas. Suas roupas estavam empapadas de sangue e o chão se cobria com o líquido vermelho. Respingos podiam ser encontrados na pia e nas paredes, indicando que tinha sido uma morte violenta.

Evitando pisar no sangue, o detetive deu dois passos a frente e abaixou-se, analisando o rosto da mulher assassinada. Os olhos estavam arregalados e pode notar que os dentes e cabelos estavam mal cuidados, talvez um possível usuária de drogas.

Baekhyun julgou que a hora da morte foi, aproximadamente, após a meia noite. Mas não tinha certeza e pediu que Sehun autorizasse a entrada da perícia para poder saber os detalhes com exatidão.

Uma vez que a perícia cercou o local, o detetive começou a vasculhar a casa atrás de alguma pista. Sehun ficou com a parte da sala enquanto Baekhyun foi em direção ao único quarto. Como esperava, encontrou resquícios de cocaína e alguns comprimidos espalhados em cima da cômoda. Bitucas de cigarro se empilhavam perto da cama, assim como roupas sujas, sapatos e outros pertences. Não tinha guarda roupa nem armário, apenas algumas malas abertas e bagunçadas e uma cama de metal enferrujado com os lençóis amassados e amarelados.

Quando verificou tudo, retornou para a sala.

O assassino arrombou a porta. — disse Sehun assim que avistou o parceiro — Não precisou de muito esforço. — apontou para a maçaneta quebrada — E a luta começou aqui na sala, parece que ela tentou fugir pela cozinha, mas ele a matou antes.

Algum sinal da arma do crime? — indagou o detetive.

Sehun negou com a cabeça. Nem o primeiro e nem o segundo assassino deixavam rastros da arma. Por mais que o copiador estivesse zombando, também era meticuloso com evidências.

Detetive, — um agente da perícia se aproximou de Baekhyun — presumimos que a hora da morte tenha sido por volta de meia noite ou meia noite e dez.

Naquele instante, Baekhyun conectou mais uma peça do quebra cabeça. Uma centelha de revelação iluminou sua mente, não conteve um sorriso irônico ao constatar aquilo. Sem dizer nada, seguiu para fora da casa e inspirou o ar com sofreguidão.

Era esse o motivo de Chanyeol ter passado a noite toda consigo, por isso tinha usado o sexo, sabia que aquilo duraria horas e o daria tempo suficiente para formar um álibi sólido. Obviamente que não ajudaria a se livrar da condenação, mas provaria que era, de fato, o assassino original em busca de seu imitador.

Isso intrigou o detetive. Se ele tinha criado um álibi tão bom, por que não o usou? Poderia ter contado a Holden e afirmado a existência do copiador. Não entendia o motivo dele guardar segredo sobre a noite anterior.

Odiava admitir, mas teria que entrar naquele jogo. Feria seu orgulho ter que fazer isso, mas não tinha outra opção. Se arrependia de ter agido impulsivamente na primeira conversa com Chanyeol, mas poderia usar isso ao seu favor: deixá-lo pensar que estava no controle e que tinha conseguido; o que, de fato, conseguiu.

Precisava virar o tabuleiro e sair da posição de manipulado para o manipulador. Não tinha ideia de como faria isso, admitia que estava inseguro e que duvidava das suas habilidades, mas encontraria uma maneira. Afinal, para entrar naquele jogo o principal era ter uma boa estratégia. Teria que montar a sua o mais rápido possível.

Não podia contar com Sehun nisso, obviamente que ele ajudaria com o caso, mas somente Baekhyun compartilhava um segredo com o assassino original e não achava sábio o revelar para ninguém naquele momento, mesmo para seu parceiro de confiança. Tinha um motivo para Chanyeol manter sigilo sobre o envolvimento deles e iria descobrir qual era.

[...]

O caos ainda se mantinha presente na sede de Quântico. A descoberta da nova vítima tinha sido fundamental para que os outros agentes passassem a considerar a teoria dos dois assassinos, mas nada podiam fazer sem provas, essas que somente Baekhyun possuía e ainda não entendia porque Chanyeol não as utilizou a seu favor.

Deixou que Sehun cuidasse da investigação enquanto se dirigia até o andar do interrogatório. Não estava confiante e nem tinha formado uma estratégia boa o suficiente, mas continuar em ação o ajudava a pensar melhor e manter a concentração que o permitia enxergar todos os detalhes necessários.

Como esperava, Holden estava na sala com Chanyeol e o advogado. O andar tinha esvaziado um pouco, sobrando apenas alguns agentes de guarda. Baekhyun passou por eles sem nem encará-los e deu duas batidas na porta de maneira impaciente. Não demorou para que o capitão saísse e estreitasse os olhos para o detetive.

Verificamos a nova vítima. — falou antes que Holden pudesse se manifestar — Todos os detalhes estão com a perícia. — sabia que o capitão precisaria cuidar daquele assunto imediatamente. Era imprescindível que estivesse atualizado sobre as novidades do caso.

Certo. — assentiu a contragosto — Você fica no comando do interrogatório. Eu espero que se saia melhor do que nós. — seu tom irritadiço denunciava que Chanyeol não estava colaborando como ele gostaria.

Assim que seu chefe sumiu no corredor, o detetive adentrou a sala — dessa vez, sem nervosismo — e aproveitou a chance que tinha conseguido. Fitou o advogado antes de direcionar sua atenção aos olhos escuros que o encaravam intensamente do outro lado da mesa metálica. Chanyeol não escondia a satisfação em vê-lo retornar.

Sem dizer nada, Baekhyun puxou a cadeira vazia e sentou-se calmamente. Cruzou os braços sobre a superfície de metal e lançou um discreto sorriso desafiador em direção ao assassino.

Vou liderar o interrogatório agora. Tive um contratempo antes. — virou o rosto em direção ao advogado — Presumo que foram informados da vítima encontrada essa manhã? — o mesmo assentiu.

Isso é intrigante. — comentou Chanyeol de forma sarcástica.

Baekhyun estranhou o fato daquele advogado ser tão quieto e deduziu que, provavelmente, ele tinha algo a esconder. Óbvio que Park planejou até mesmo quem chamaria para defendê-lo e cuidar do processo judicial. E parecia ser alguém bem obediente, não via traços de medo no rosto do tal advogado e supôs que, ou ele era bom em se controlar, ou realmente não se sentia ameaçado. Era curioso, mas o detetive não podia se focar nisso agora.

Entregue para ele. — Chanyeol pediu ao advogado. O último retirou um gravador da maleta de couro marrom e estendeu para Baekhyun, que o apanhou antes de retornar a atenção ao assassino. — É a minha confissão oficial.

O detetive pressionou o play e ouviu atentamente a voz do maior confessar quatorze assassinatos. Era uma confissão objetiva e clara, sem maiores detalhes, somente o que precisavam para dar início ao julgamento. Sabia que aquilo daria uma dor de cabeça no FBI, que esperava obter um culpado para todos as vítimas e não apenas uma parcela.

O que quer em troca? — indagou Baekhyun, sabia que aquela fita não era apenas um peso na consciência.

Que possamos continuar com a nossa conversa.

Certo. — assentiu o detetive deixando o gravador sobre a mesa — Eu também tenho uma condição. — viu os olhos alheios brilharem de expectativa. — Mas antes, — virou o rosto em direção ao advogado — pode nos dar licença por um momento? — este não hesitou em concordar e se retirar da sala sem maiores questionamentos. Baekhyun achava aquilo bizarro.

Então, — Chanyeol inclinou-se para frente, curioso. — qual a sua condição?

Você irá responder a todas as minhas perguntas, independente de quais sejam, sem questionar. — Park ergueu as sobrancelhas enquanto um sorriso de canto se desenhou em seus lábios. Parecia estar esperando por isso.

É justo. — admitiu — Mas também quero propor a mesma condição.

Baekhyun ponderou. Não poderia aceitar aquilo, e nem iria, mas daria corda ao assassino e esperaria até poder vê-lo se enforcar com ela.

Estamos acertados. Então, — recostou-se a cadeira e manteve os braços cruzados a frente do peito — sobre o que quer tanto conversar? — ergueu uma sobrancelha demonstrando interesse no que Chanyeol queria abordar.

Satisfeito, o maior permaneceu inclinado sobre a mesa e em nenhum momento desviou a atenção do detetive, que sustentava o olhar alheio sem aparentar dificuldades para isso.

Suponho que tenha reconsiderado a minha oferta?

Baekhyun sabia exatamente ao que ele estava se referindo.

Talvez. — deu de ombros — Como pretende ser útil se está a caminho da prisão?

Estou exatamente onde deveria estar. — afirmou convicto — Só falta a Rainha se posicionar e podemos começar.

Não seja tão apressado. — voltou a pousar os cotovelos sobre a mesa, encarando Chanyeol com uma proximidade perigosa. — Como sabia que o segundo assassino mataria durante a noite? Não acho que tenha sido um golpe de sorte, certo?

Sorte é uma ilusão. Tudo que eu fiz foi analisar a frequência de vítimas do meu imitador e notar que ele tem uma preferência por fins de semana. Em especial, de madrugada. Então, me certifiquei de estar com você para provar que não sou aquele fraudador incompetente. — o desprezo era nítido em sua voz quando se referia ao segundo assassino.

E por que não usou esse álibi? — aquilo estava atormentando Baekhyun.

Mas eu usei. — respondeu como se fosse óbvio. — Precisava da sua confiança apenas. E não vejo que utilidade teria usar isso no tribunal. Nós sabemos que, independente de quantas vítimas, vão me condenar a perpétua ou a morte.

Primeiro, você tem uma noção bem deturpada de confiança. — franziu o cenho brevemente — Segundo, não poderá me ajudar se estiver morto. O que pretende fazer?

Oh, — Chanyeol fingiu estar emocionado — está preocupado comigo? — riu sarcástico enquanto o detetive apenas revirava os olhos — Bom, eu não tenho planos de morrer aqui. Tenho uma estratégia que pode nos fazer ganhar tempo.

Que seria? — ergueu uma sobrancelha.

Irei declarar insanidade mental. Bem clichê, não é? — repuxou os lábios — Mas é a melhor maneira de conseguir o tempo que precisamos.

Eu espero que suas habilidades de defesa sejam tão boas quanto as de cometer assassinatos em série. — ironizou o detetive e Chanyeol riu de maneira satírica pelo comentário. Baekhyun admitia que existia uma peculiaridade curiosa em torno do senso de humor do maior.

Então admite que eu sou bom? — provocou.

Você está ciente de que eu não irei ajudá-lo com o tribunal, certo? — desviou do assunto.

Não se preocupe com a burocracia, Baekhyun. — sua voz soava tão tranquila que dava para acreditar que ele tinha mesmo tudo sob controle — O nosso jogo não é com o sistema judiciário, mas sim com o imitador. — desprezo pingava de cada palavra.

O que deu origem a essa rivalidade entre vocês? — Baekhyun, enfim, viu a oportunidade de esclarecer aquela dúvida.

Não tenho a resposta para essa pergunta. — o detetive desconfiou — Eu não tenho ideia de quem seja o imitador. Só sei que não é a primeira vez que ele copia os métodos de outro assassino.

Esclareça.

Bom, talvez devesse checar o seu armário. — Baekhyun ficou confuso — Considere uma demonstração da minha confiança deturpada. — sorriu de maneira astuta sem esconder o agrado em, novamente, pegar o detetive de surpresa.

Tem mais alguma coisa escondida no meu apartamento que eu deveria saber? — soprou uma risada irritadiça e descrente na audácia de Chanyeol. Não sabia mais o que esperar dele.

Não existe nada comprometedor. — o detetive balançou a cabeça, desacreditado. — Mas então, temos um acordo? — seus olhos faiscavam em expectativa em direção a Baekhyun.

Ele sabia que não tinham muito tempo sobrando. O processo até a prisão era delicado e não poderiam enrolar sem despertar suspeitas, ainda mais com a confissão em mãos. Seria mais sábio esperar por um momento mais apropriado para dar continuidade aquelas conversas. Baekhyun pensou em uma maneira de conseguir aquilo, mas precisaria checar algumas coisas antes de considerar uma ideia sólida.

Aceitaria aquela proposta, pois, sabia que, caso negasse, Chanyeol se recusaria a colaborar e tal colaboração era essencial para que encerrasse aquela investigação.

Temos. — viu os olhos de Chanyeol brilharem.

Baekhyun sabia que tinha acabado de selar um acordo com o diabo e não teria como voltar atrás. Só esperava que conseguisse virar aquele jogo a seu favor.

[...]

Após algumas horas, o detetive conseguiu uma brecha para sair às pressas até seu apartamento. Disse ao parceiro que tinha encontrado uma pista e não demoraria em retornar com a mesma, assim esperava. Dirigiu como um raio em direção ao seu prédio enquanto checava, no cronômetro, quanto tempo o restava.

Disparou pelos corredores e abriu a porta com uma agilidade invejável, deixando-a aberta enquanto corria até o armário e puxava as roupas para fora sem se preocupar com a bagunça que ficaria para trás. Nem ao menos sabia o que estava procurando e uma ruga de frustração se fixava em sua testa enquanto buscava por algo que não deveria estar ali.

Quando atirou a última calça da pilha, viu um envelope pardo que se assemelhava com uma pasta de arquivos. Ansioso, apanhou-o nas mãos e fechou o armário, resmungando quando olhou o caos que seu chão tinha se tornado com as roupas espalhadas. Suspirou em exaustão antes de retornar para o carro. Não tinha tempo nem de pensar em arrumar o apartamento agora.

Já dentro do veículo, abriu o misterioso envelope e retirou as diversas folhas impressas em tinta preta. Não eram arquivos oficiais, mas continham informações relevantes que confirmavam o que Chanyeol tinha dito sobre o copiador estar em ativa a mais tempo do que suspeitavam.

De acordo com aquelas páginas, tudo pode ter começado em torno de 2008, que era a data da primeira vítima suspeita de ser obra do imitador. Diversos assassinatos que foram cometidos após a prisão dos criminosos, mas ainda associados a eles por preguiça ou desatenção da polícia, já que a maioria das vítimas eram de classe baixa ou de bairros considerados violentos. Baekhyun sabia como o sistema funcionava quando se tratava de pessoas desfavorecidas socialmente.

O segundo assassino era mais esperto do que pensava. Se aquilo tudo fosse mesmo verdade, a habilidade dele em se camuflar é assustadora. Ele sabia onde tinha vantagem e utilizava seu conhecimento para satisfazer seus desejos brutais.

Baekhyun pode notar as semelhanças nos assassinatos, a crueldade, a preferência por facas e uso da força física. Dessa vez encontrou alguns homens na lista, mas todos com menos de vinte anos e longe de serem robustos. O copiador gostava de caçar presas mais frágeis e isso dizia muito sobre sua índole.

Chanyeol e o imitador eram extremos opostos, apesar de ambos serem assassinos em série.

Guardou a pasta dentro do porta luvas e retornou às pressas para a sede de Quântico. Desviou da multidão de repórteres na entrada e só respirou quando alcançou a sala de investigação, sendo recebido por um Sehun extremamente agitado.

Baekhyun ofegou.

Entreguei a confissão como pediu. — anunciou — Estão levando Chanyeol agora para a penitenciária.

O detetive assentiu e seguiu para o hall de entrada do prédio. Podia ouvir os murmúrios dos jornalistas desesperados por um furo do lado de fora. Tentou ignorá-los e recostou-se sobre a parede de concreto para tomar fôlego. O estômago começava a dar indícios de fome e a cabeça pesava por conta da constante agitação desde que acordara. Olhou no relógio que marcava cinco minutos para as três da tarde.

Tomou um pouco de ar antes de ouvir a movimentação se instalando quando Holden apareceu acompanhado de Park Chanyeol, que estava algemado e sendo levado por quatro agentes com o dobro do seu porte físico.

Subitamente, tudo que Baekhyun conseguiu escutar foi o tilintar das algemas e o som de passos ecoando no piso de mármore. Todas as vozes ao redor foram abafadas quando seu olhar cruzou com o de Chanyeol. Se encararam pelo que pareceu uma eternidade, mas durou breves segundos.

Naquele instante ele soube: O jogo tinha começado.

Chapter 3: Peão

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Capítulo 3 — Peão

Passaram-se três dias desde a prisão de Park Chanyeol. Mas, para Baekhyun, pareceram semanas.

Nesse período, o detetive negligenciou seu sono. Dormia cerca de três ou duas horas durante a madrugada, era incapaz de fechar os olhos e desligar a mente; descansar tornou-se uma lenda urbana para o ex militar. Por conta disso, se pegava, constantemente, revivendo suas memórias da época no oriente médio, quando serviu por cinco anos como sniper contra terroristas. Embora fossem lembranças conturbadas, o acalmava se recordar de como conseguiu manter a racionalidade naqueles tempos. Acreditava ser imune a qualquer coisa, mas estava enganado. Park Chanyeol tinha conseguido perturbá-lo em um nível alarmante.

Esticou o braço até alcançar seu celular sobre a cômoda. Na tela marcavam quatro da madrugada e ele ainda não tinha pregado os olhos nem por um instante. Desistiu de dormir e se levantou, apanhou um cigarro e foi até a janela aberta. Sentiu o vento frio batendo contra o rosto e observou a fumaça da nicotina ondular no ar antes de ser levada embora. Seus olhos preguiçosos logo recaíram para as ruas escuras sem prestar muita atenção ao que acontecia ali. Via pessoas andando e alguns carros passando, mas sua mente estava distante. Repassava os últimos acontecimentos repetidamente, sem saber o que exatamente estava buscando. Já sabia das intenções de Chanyeol e o que este queria consigo, mas ainda permanecia em dúvida e se sentia escorregando para um estado de paranoia. Revirou todo seu apartamento em busca de escutas ou câmeras escondidas, fez o mesmo em seu carro; desconfiava até da própria sombra.

E como se não bastasse a mania de perseguição, passou a desconfiar até mesmo dos seus companheiros de trabalho. Holden o impediu de prosseguir uma investigação ao assassino copiador, alegando que era uma teoria inválida. Para Baekhyun era ridículo, mas, para os outros, era o correto a se fazer. Eles não queriam prolongar aquele caso e, com Chanyeol preso, tinham tudo que precisavam para encerrar e conseguir o respeito do público. De toda forma, com Chanyeol confessando todos os assassinatos, ou não, ele seria culpado. Baekhyun já viu aquilo acontecer antes, inclusive com o famoso caso dos assassinatos das crianças em Atlanta no começo dos anos 80. Quando tem muita repercussão, o FBI ignora tudo que for preciso para colocar um fim na investigação e dar a ilusão para a população de que estão seguros novamente.

Algo que intrigava o detetive era o comportamento de Sehun. Nos últimos dias, ele esteve distante e não demonstrou interesse em prosseguir a investigação que o próprio tanto insistiu em iniciar. Baekhyun supôs que poderia ser apenas efeito do estresse que passaram e decidiu deixar o parceiro ter um tempo para pensar e descansar. Enquanto isso, ruminava sozinho em como solucionar aquele caso.

Não demorou para que sua mente traiçoeira o levasse novamente a Park Chanyeol. Baekhyun passou a ter curiosidade em saber coisas sobre o assassino, não apenas sobre seus crimes, mas sobre a pessoa que ele era e o que o levou a se tornar um possível psicopata. Normalmente, não se interessava sobre o psicológico de maníacos violentos, mas Chanyeol era diferente; ele não se assemelhava aos terroristas e assassinos que tinha encontrado. Já leu sobre casos parecidos com o do Park, mas encontrar um pessoalmente era diferente. Toda vez que o detetive fechava os olhos, o rosto dele surgia à sua frente, como se tivesse deixado uma cicatriz marcada a ferro para que nunca mais o esquecesse.

Quando amanheceu, Baekhyun seguiu sua rotina diária de maneira automática. Suas olheiras eram o único sinal que denunciava seu cansaço e descaso com o próprio corpo. Mas, como a fadiga era algo comum entre agentes e detetives, passava despercebido pelos colegas de trabalho.

Naquele dia, seguiu direto para a sala do Capitão Holden, que o notificou noite passada que precisava conversar sobre algo importante. Exausto, o detetive sentou-se de frente para a mesa do chefe sem questionamentos.

Você foi designado para uma tarefa. — Baekhyun estreitou os olhos e inclinou-se em direção a mesa, curioso. — Será responsável por interrogar Park Chanyeol a fim de recolher todos os detalhes dos crimes. Terá autorização para fazer isso diariamente.

Não vejo razão para isso se não vamos utilizar as informações para encontrar o assassino copiador. — rebateu.

Caso não aceite, terei que reportá-lo por desobediência.

Baekhyun riu internamente. Não acreditava que Chanyeol tinha conseguido que eles se encontrassem novamente sem quebrar nenhuma lei. Estava evidente que aquilo tinha sido armação do Park e só fazia o capitão parecer ainda mais idiota por ter cedido tão facilmente e nem percebido as intenções por trás de tudo.

Cumprirei meu dever. — ironizou o detetive — Mais alguma coisa, senhor? — o deboche era explícito em seu rosto.

É só isso. Pode se retirar. — Holden voltou a olhar para a papelada acima da mesa e ignorou a presença de Baekhyun, que suspirou baixo e saiu da sala.

Desanimado, se encaminhou para a própria sala e estranhou quando viu que os agentes não estavam presentes; só Sehun estava ali, sentado em sua mesa e com o olhar distante enquanto rolava uma página da internet. Quando notou a chegada do detetive, desligou o monitor e virou-se de frente para o recém chegado. Retirou os óculos arredondados e coçou os olhos em sinal de exaustão.

Onde estão os outros? — indagou Baekhyun antes de se apoiar sobre a beirada da mesa de Sehun.

Foram tomar café. — colocou os óculos novamente e manteve o olhar baixo.

O detetive achou aquilo suspeito. Não era do feitio de Sehun se comportar daquela maneira mesmo estando cansado. E não deixou de notar que o rapaz desligou o monitor antes que pudesse ver o que estava na tela. Podia ter algo acontecendo ali... ou era apenas sua paranoia desconfiando de tudo e de todos. Baekhyun não descartava nenhuma das hipóteses.

Holden me encarregou de interrogar Park Chanyeol. — o parceiro nem demonstrou surpresa — Podemos conseguir pistas do copiador. Só precisamos de uma boa estratégia para conversar com ele. Você cursou psicologia, acho que deveria ficar com essa parte… — parou de falar quando notou que Sehun permanecia inexpressivo.

Eu sairei de licença por algum tempo. Talvez dias, não sei. — Baekhyun franziu o cenho — Só vim aqui pegar minhas coisas.

O que aconteceu? — pousou a mão sobre o ombro do maior — Você está doente? — Sehun, enfim, o encarou. Ele não apresentava sinais de doença.

É pessoal. De toda forma, — levantou-se e desviou do toque de Baekhyun — o FBI descartou a teoria do copiador.

Então você vai desistir? É isso? — o detetive questionou. Sehun apenas apanhou sua mochila e fez menção de sair da sala, porém, foi impedido por Baekhyun, que segurou seu braço e atraiu novamente sua atenção. — Você que insistiu nessa teoria. Por que está abandonando tudo? — o parceiro o encarava, inexpressivo.

O caso foi solucionado. — puxou seu braço e se livrou da mão do detetive — Eu o avisarei quando retornar da licença. — dito isso, saiu da sala sem mais explicações e deixou um Baekhyun atônito para trás.

O detetive tentava processar o que acabou de acontecer e logo lembrou-se do monitor. Rapidamente ligou a tela, mas só o que surgiu foi a página inicial do Google em branco. Tentou buscar por pistas no histórico, mas estava vazio. Sehun era cauteloso e não deixaria rastros tão fáceis para trás. Baekhyun sabia que, se quisesse descobrir o que estava acontecendo com o parceiro, teria que ser mais esperto do que isso. Mas não poderia focar no assunto agora, ainda tinha que se preparar para o interrogatório, e, dessa vez, sem auxílio.

Praguejou mentalmente e se jogou na cadeira de rodinhas, tentava colocar a cabeça em ordem.

Teria que dominar a situação com Park antes de organizar como investigaria o copiador sem auxílio do FBI. Sabia trabalhar sozinho, mas não podia deixar de admitir que Sehun era essencial, especialmente com detalhes, e tinha se acostumado a tê-lo por perto. Foi quando um pensamento o ocorreu e Baekhyun riu amargo: O único que ele tinha no momento era Chanyeol.

Poderia a licença de Sehun ter sido um plano dele? Baekhyun não podia deixar de se perguntar. Se Chanyeol o manipulou, poderia ter feito o mesmo com seu parceiro… Isso o irritava profundamente. Mas não poderia fazer nada sentado em sua sala, pensando nisso. Levantou-se e seguiu em direção a única pessoa que, talvez, pudesse ajudá-lo na sede de Quântico.

[...]

Seguiu até o prédio dos arquivos, próximo ao local onde costumava fumar escondido. Era um ambiente isolado e pouco visitado. Não havia nada ali além de casos encerrados e diversos papéis datados de antes dos anos 90. Os documentos recentes — dos anos 2000 — permaneciam no prédio principal e em constante vigilância. Por isso, não se surpreendeu quando encontrou o vigia dormindo com os pés estirados sobre a mesa. Nem se deu ao trabalho de acordá-lo e foi em direção aos fundos, onde ficava a imensa sala com intermináveis fileiras de estantes. Parecia uma biblioteca com iluminação precária e o dobro de pó.

Não demorou para Baekhyun encontrar quem buscava e para o alvo de sua procura notar sua presença.

Quando ouvi a porta se abrindo, achei que estava tendo alucinações. — comentou a mulher, em torno de cinquenta anos, que vinha em sua direção com um sorriso receptivo.

Desculpe incomodá-la, mas preciso de sua ajuda.

Sarah Jones era a responsável pela organização dos arquivos desde que tinha vinte e três anos. Apesar de ser uma pessoa gentil e atenciosa, não costumava ser vista fora daquela sala e evitava interagir com os outros. Um dos poucos detetives com quem mantinha contato era Baekhyun. Inclusive, muitos agentes costumavam fazer brincadeiras sobre Sarah ser uma espécie de espírito em Quântico, algo que o detetive achava extremamente idiota e desrespeitoso.

Eu que agradeço por me tirar do tédio. — brincou — Venha, sente-se. — fez sinal para que Baekhyun a seguisse. Deram alguns passos até uma mesa retangular, local que a mulher ficava durante todo seu expediente de trabalho.

Sarah tinha uma habilidade chamada de memória eidética, algo que permite a pessoa se lembrar de todos os detalhes sobre acontecimentos que vivenciou ou de várias passagens completas de livros que já leu. Para Baekhyun, aquilo era invejável. E como a senhora Jones passou parte da vida lendo e relendo arquivos sobre todos os tipos de casos, era a pessoa perfeita para o dar algumas dicas de como lidar com Park Chanyeol.

Preciso que me ajude a traçar um perfil psicológico. — disse o detetive assim que se sentou de frente para a mulher.

Park Chanyeol, certo? — ele assentiu — E onde está o seu parceiro? Ele é muito bom nisso. — indagou, curiosa, fitando-o por cima dos óculos de armação azul.

Sehun está de licença. — limitou-se a responder apenas aquilo — Bom, se importa se eu gravar a nossa conversa?

Fique à vontade. — sorriu com simpatia — Agora, me diga o que sabe sobre esse assassino do xadrez. — pediu ao passo que cruzava os braços sobre a mesa organizada.

Após pousar o celular sobre a mesa, Baekhyun começou a contar o que sabia, mas tomando cuidado para não revelar nada que o comprometesse. Manteve de fora seu envolvimento com o assassino e a parte sobre ser a Rainha do tabuleiro. Citou apenas que Chanyeol demonstrava um interesse em particular sobre si. Sarah ouvia tudo atentamente e, quando o detetive finalizou, a mulher colocou os fios castanhos do cabelo atrás da orelha e ajeitou os óculos.

Preciso interrogá-lo, mas temo que ele saiba mais sobre mim do que eu dele. — desabafou e Sarah assentiu de forma compreensiva.

Bom, é difícil fazer uma análise completa sem mais informações. Mas o seu assassino me parece metódico, paciente e sem indícios de cunho sexual nos crimes. — Baekhyun engoliu em seco quando ouviu aquilo — Isso foge dos padrões comuns de um assassino em série. Por mais que ele não sinta prazer sexual durante os assassinatos, deve existir alguma satisfação pessoal. Certamente, algo que se originou de algum trauma na infância ou adolescência.

Como eu poderia descobrir esse trauma?

Ora, basta perguntar a ele. — Baekhyun franziu o cenho — Pelo que me disse, ele possui um interesse especial por você, certo? Por algum motivo, ele deseja a sua atenção, então, acredito que ele ficará empolgado se você demonstrar curiosidade sobre a vida pessoal dele.

Você acha que ele deseja alguma espécie de vínculo comigo? — tomou cuidado com as palavras escolhidas para aquela pergunta.

Não saberia dizer. Pelo comportamento dele, diria que é um psicopata, especialmente pela mente estratégica e manipuladora. Mas as vítimas dele eram criminosos, então, ele se vê como um justiceiro. E, bem, isso não me parece característico de um psicopata. A falta de violência e impulsividade é intrigante, e veneno não é atrativo para quem mata apenas por prazer. Ele é complexo. — Sarah pousou os dedos sobre o queixo, reflexiva.

Naquele momento, Baekhyun ficou tentado em contar toda a verdade para a mulher, mas conteve-se. Ela, certamente, poderia lhe dizer muito mais se soubesse do envolvimento que teve com Chanyeol, mas era extremamente arriscado. Não sabia se podia realmente confiar na senhora Jones, ao menos não dessa forma. Por enquanto, teria que continuar mantendo as dúvidas sobre isso apenas para si.

Mas, no momento, posso te dizer que ele aparenta ter o típico transtorno de personalidade narcisista. O sarcasmo e o modo calculista de se pensar me levam a crer nessa possibilidade. Se eu estiver correta, você vai conseguir as respostas que precisa se demonstrar interesse nele.

Como posso saber se ele sente empatia? — indagou Baekhyun.

É muito cedo para conseguir essa resposta. Mas tenha cuidado, Ted Bundy era afetuoso com a esposa e com a filha dela. Não é fácil ler uma pessoa desse tipo, por isso obtenha o máximo de informações possíveis antes de chegar a alguma conclusão.

O detetive sentiu um frio na espinha naquele momento. Estava lidando com um perigo desconhecido e permanecia sem informações relevantes. Tudo dependia de seu desempenho durante os interrogatórios, não só para conhecer seu inimigo, mas para que pudesse capturar o copiador antes que ele encontrasse outros assassinos para camuflar os seus crimes. Não podia ser ingênuo de pensar que ele e Chanyeol estavam em algum tipo de parceria ou que o Park tinha boas intenções consigo.

Precisava se situar e conhecer todas as peças postas naquele tabuleiro. Não seria precipitado e optou por se concentrar e se preparar ao máximo para que iniciasse seu plano na manhã seguinte.

[...]

O relógio marcava dez minutos para as oito da manhã quando um dos guardas da penitenciária abriu a porta da cela onde deixaram Park Chanyeol. O rapaz estava deitado e encarando fixamente o teto quando foi interrompido. Os guardas falaram o horário do café e que, dessa vez, o levariam para que comesse no refeitório com os outros presidiários.

Chanyeol sabia que aquilo se devia a antipatia daqueles guardas por si e, provavelmente, planejavam jogá-lo na jaula dos leões e ficar assistindo-o ser destroçado. Se resistisse seria pior, então apenas mascarou-se como um bom rapaz e obedeceu cada ordem que lo era dada.

Durante o caminho, os guardas cochichavam e riam sem esconder as segundas intenções. Mesmo assim, Park permaneceu obediente e lançando alguns olhares inocentes para os lados.

O barulho do refeitório podia ser escutado de longe. Haviam diversas vozes masculinas conversando, ou gritando, todos os presidiários pareciam constantemente alterados e Chanyeol não os tirava a razão. Ficar enjaulado deixava qualquer um estressado. E, no momento que chegou ao local, os guardas retiraram suas algemas e o empurraram para dentro do salão preenchido de fileiras de mesas com os mais diversos tipos de homens loucos que pode existir.

Por um instante, todos os olhares se direcionaram ao recém chegado. Chanyeol agiu normalmente e seguiu para a fila onde serviam os pratos com uma tranquilidade de se dar inveja aos presentes. Uma vez com a bandeja cheia, se dirigiu para a única mesa parcialmente vazia no canto do salão.

Após se sentar, não demorou para que um dos presidiários o abordasse. Ele tinha cabelos grisalhos e quase a mesma altura de Park, era apenas alguns centímetros menor.

Você é uma gracinha. — o homem sorriu maliciosamente. — Posso te proteger aqui se me agradar. — sussurrou quando se sentou ao lado de Chanyeol.

Acha mesmo que sou uma gracinha? — indagou o rapaz de cabelos ondulados com um sorriso falsamente inocente.

Antes que o grisalho pudesse responder, um outro homem se aproximou, sentando-se do lado direito de Chanyeol, o cercando. Este era mais robusto e intimidador e não parecia ter as mesmas intenções maliciosas que o primeiro.

Parece que o garoto está perdido. — zombou — Talvez eu devesse te lembrar onde é seu lugar. — o tom ameaçador daria arrepios em qualquer pessoa normal.

Ele é muito bonitinho, não podemos desperdiçá-lo dessa maneira, Kevin. — rebateu o homem grisalho.

Eu também quero um pedaço. — outro homem surgiu, ficando logo atrás de Chanyeol, que estava totalmente encurralado, mas permanecia tranquilo.

Não demorou para que outros se juntassem e se formasse uma aglomeração naquela mesa. Enquanto isso, os guardas permaneciam imóveis, apenas observando onde aquela comoção iria dar. Eles pouco se importavam com o que acontecia ali dentro, apenas interviam quando alguém tirava alguma faca improvisada ou se o escândalo se tornasse muito alto a ponto de chamar a atenção do diretor local.

No centro da muvuca, Chanyeol permanecia tranquilo enquanto os homens direcionavam diversos comentários maldosos a si. Em sua maioria, queriam sexo ou apenas o prazer da violência e ameaça, como se fosse realmente uma jaula de animais do zoológico e os guardas eram o público animado em ter algum entretenimento dentro daquele lugar horripilante.

[...]

Baekhyun sentia o coração acelerado enquanto passava pelos portões do presídio. Apesar de ter servido no exército e trabalhado em vários casos antes desse, não tinha familiaridade com a cadeia americana. Cada porta que atravessava apitava um sinal de alarme indicando que a mesma estava sendo aberta. Os sons metálicos eram presentes em todo lugar e fazia o detetive se sentir como se estivesse dentro de uma fábrica cheia de engrenagens e vozes alteradas.

Tinha sido avisado que Chanyeol estava no refeitório e estranhou aquilo. Sabia que assassinos em série não podiam ser colocados com os outros, ainda mais alguém que chama a atenção de olhares maliciosos e ansiosos por novidade. O guarda que o acompanhava parecia ser novato naquele lugar e não pode o dar detalhes relevantes.

O detetive apressou o passo e sentiu os batimentos acelerarem quando se aproximou do refeitório e escutou as risadas altas e vozes misturadas que vinham de lá. Quando chegou na entrada do salão, pode ver os guardas zombando da situação e a aglomeração formada em uma das mesas. Baekhyun tinha certeza absoluta que Chanyeol estava ali no meio. Sem delongas, ordenou que os guardas abrissem a grade, estes o fizeram sem questionar, visto que tinham sido pegos em flagrante.

Inúteis. — murmurou antes de adentrar o salão e sair empurrando todos que via pela frente.

Os presidiários que viam Baekhyun se afastavam. Ficavam intimidados com o coldre na cintura do detetive, o qual ele fez questão de deixar evidente. Apressou-se em direção a mesa abarrotada de homens rindo alto e os empurrou até que conseguisse entrar no meio da muvuca e encontrar Chanyeol sentado rindo junto dos outros como se estivesse contando uma piada muito boa.

Confuso, o detetive pousou a mão sobre o ombro de Park, atraindo imediatamente a sua atenção. No momento que seus olhares se encontraram, Baekhyun sentiu como se levasse um soco no peito. Seus batimentos continuavam acelerados e a adrenalina começava a queimar em suas veias.

Venha comigo agora mesmo. — ordenou em voz alta e com a autoridade digna de um soldado militar.

Sua mão sobre o ombro de Chanyeol formigava devido ao contato, mas não a afastou ou denunciaria que tinha se afetado.

Olá, detetive. — saudou Park, como se visse um velho amigo. O sorriso presunçoso e descarado estampava sua face enquanto fitava Baekhyun. — Desculpe, pessoal. O dever me chama. — falou em direção ao grupo de homens.

Quando Chanyeol se levantou, Baekhyun deixou que sua mão escorregasse do ombro alheio em direção ao antebraço do mesmo, apertando a região para impor alguma imagem autoritária diante daquele bando de malucos no refeitório. Pode ouvir os presidiários se despedirem de Park e o mesmo retribuir com alguns gestos típicos de comunicação de cadeia.

No momento que estavam longe o suficiente das mesas, e que o alvoroço foi se dispersando, Chanyeol aproximou a cabeça do ouvido do detetive e sussurrou:

Você é um deleite para os meus olhos.

Em resposta, Baekhyun o lançou um olhar impaciente e esperou que os guardas o algemassem novamente antes de voltar a puxá-lo pelo corredor. O novato que o guiou até ali caminhava logo a frente deles, indicando a direção da sala onde fariam os interrogatórios.

Durante o percurso, não trocaram mais palavras, sabiam que era arriscado e tinham muitos ouvidos curiosos. Aguardaram até que estivessem seguros dentro da sala. Nesta, havia somente uma mesa metálica e duas cadeiras do mesmo material, ambas enferrujadas e gastas. Dois guardas — incluindo o novato — vigiavam a única porta para entrada e saída.

Como conseguiu dominar os detentos? — indagou o detetive assim que se sentaram. Não escondeu sua curiosidade.

Eu contei a eles diversas maneiras de abater os guardas e fugir. — respondeu tranquilamente como se estivesse falando sobre algo trivial do dia a dia.

Baekhyun não conteve uma risada sincera.

E acha que vai dar certo? — apoiou os cotovelos sobre a mesa enquanto encarava fixamente o rapaz a sua frente.

Em breve saberemos. — sorriu de canto, presunçoso.

Enfim, — suspirou o detetive — suponho que eu ter sido enviado para fazer interrogatórios foi uma ideia sua, certo? — ergueu uma sobrancelha.

Correto. — assentiu sem hesitar — Qual outra forma teríamos para poder conversar sem interrupções? — fitou Baekhyun de maneira insinuativa.

E quanto a Sehun? — sua expressão endureceu — Foi ideia sua se livrar dele?

Chanyeol franziu o cenho.

Não, eu não fiz nada contra ele. — afirmou de maneira convicta, porém, Baekhyun não se deixou acreditar facilmente. — O que aconteceu?

Ontem ele pediu licença do trabalho e desapareceu. Não me disse o que estava acontecendo, mas pude notar que era algo grave. — estreitou o olhar em desconfiança — Como saberei que não tem nada a ver com isso?

Porque eu não tenho. Não acho que seja difícil de investigar a situação e descobrir a verdade. — Baekhyun lançou um olhar irritado pelo comentário. Notando isso, Chanyeol acrescentou: — Você é um detetive, afinal.

Baekhyun tinha montado um roteiro mental de como conduziria aquela conversa no dia anterior. Como de costume, passou a noite em claro sem conseguir desligar seus pensamentos incessantes. Embora muitos usassem a artimanha de manipulação, o detetive optou por usar a sua sinceridade, afinal, não era bom em mentir ou fingir emoções, então perderia facilmente aquela partida. No exército, tudo que aprendeu foi como tirar informações na base da intimidação e medo, mas nada disso funcionaria com Park Chanyeol. Tudo que o restava era seguir o conselho da senhora Jones e analisar ao máximo com quem estava lidando.

Pensou em pressioná-lo sobre Sehun, mas não adiantaria. Querendo ou não teria que descobrir sozinho o que aconteceu com seu parceiro, mesmo se Chanyeol estiver envolvido, ele não revelaria tão facilmente.

Bom, já que você quer que eu faça parte do seu tabuleiro da morte, — Chanyeol riu — precisa me falar sobre as outras peças. Quero saber tudo sobre suas vítimas.

Eu imaginei que quisesse. Mas devo avisar que isso pode demorar.

Olha só, terá a vantagem de passar bastante tempo comigo. Não era isso que você queria? — provocou erguendo uma sobrancelha. Em resposta, Chanyeol abriu um sorriso satisfeito com o rumo que a conversa tomava.

São meus momentos mais prazerosos . — fez questão de enfatizar a última palavra e depois ajeitou-se na cadeira, fazendo um som metálico por conta das algemas presas em seus pulsos. — Vamos começar pelos peões. Pode fazer suas perguntas.

Certo. — Baekhyun retirou seu celular do bolso e abriu o bloco de notas em busca de suas anotações sobre as vítimas. Enumerou todas em uma lista para que não esquecesse nenhum detalhe. — Charles Moore, dezembro de 2017. Eu sei que ele era um abusador sexual e sei sobre o fórum onde deixam as denúncias. Me conte como tudo isso começou. — inclinou-se sobre a mesa, curioso.

Chanyeol suspirou, nostálgico, como quem está relembrando de alegres momentos da infância.

É uma longa história, mas, começando a partir desse ponto, foi quando eu estava infiltrado na universidade. Já tinha tudo planejado, tanto que o motivo de eu ter escolhido aquele campus era para ir atrás do Charles. — Baekhyun mantinha os olhos fixos aos de Park enquanto o rapaz narrava. — Falsifiquei documentos escolares e minha identidade para não deixar rastros que pudessem me denunciar depois. Fiquei cerca de dois meses interpretando um aluno inocente até que consegui a oportunidade de me aproximar do meu alvo.

Eu disse a ele que, secretamente, vendia alucinógenos e bastou para despertar seu interesse e confiar em mim. Em uma noite, quando todos estavam chapados numa festa de fraternidade e alheios a qualquer coisa ao seu redor, convenci Charles a me levar ao seu quarto. No momento que entramos no dormitório, eu o agarrei por trás e injetei o veneno paralisante. Depois que ele caiu no chão, fiquei aguardando até que ele morresse. Mas essa não foi a primeira vez que eu matei alguém. Enfim, quanto ao fórum, ele foi criado por outra pessoa há muitos anos. Digamos que encontrá-lo foi um golpe de sorte, ou destino, embora eu não acredite em tais coisas.”

Quando Chanyeol finalizou, Baekhyun teve vontade de fazer diversas perguntas, mas não podia dar voz a impulsividade. Seria arriscado indagá-lo sobre questões pessoais logo de cara — ao menos achava isso — e preferiu esperar até uma oportunidade melhor, talvez no dia seguinte. Não queria dar a impressão de estar apressado ou ansioso para aquilo terminar logo. Iria aproveitar aquela chance para obter mais informações sobre as vítimas e depois poderia avançar.

Qual era o padrão dos peões? Não eram todos universitários, aliás, apenas o Charles tinha pais elevados socialmente.

Ótima observação. — sorriu parecendo orgulhoso do detetive — O padrão geral são homens que abusam de seu poder. No caso dos peões, eram bêbados ou drogados que abusavam de mulheres e crianças.

Os oprimidos que oprimiam, certo?

Muito bem colocado. Eu admito que estou impressionado. — Baekhyun estreitou o olhar achando aquilo mais ofensivo do que o oposto. — Quando são pessoas poderosas eu entendo, afinal, a miséria não faz parte da realidade delas. Mas, quando o indivíduo vive naquele meio e ainda sim escolhe tornar a vida daqueles infelizes ainda pior… — suspirou — É impossível não ter complexo de Robin Hood. — ironizou.

Claro, você é um Robin Hood. — o sarcasmo era evidente na voz do detetive. O mesmo olhou para a tela do celular e depois voltou a fitar Chanyeol, que permanecia o encarando atentamente, lendo cada expressão que fazia. — E Charles podia ser considerado um oprimido?

Ele apanhava do pai desde criança. Mas, sabe, eu acho que seria mais funcional se ele matasse seu progenitor do que descontar sua raiva nas outras pessoas. — Baekhyun não podia deixar de notar a naturalidade de Park em falar sobre tais assuntos. Ele não demonstrava sinais de repulsa ou desconforto. — Enfim, nem todos são espertos.

E não é isso que você faz? — sabia que aquela provocação seria arriscada — Desconta a sua raiva nas outras pessoas?

Mas, ao contrário do que o detetive esperava, Park abriu um sorriso como se soubesse de algo que o faria triunfante naquela discussão. O maior inclinou-se lentamente sobre a mesa e em nenhum momento desviou os olhos de Baekhyun, que também não se intimidou pela aproximação.

23 de agosto de 2009. — foi tudo que Park disse e o que bastou para destruir a armadura de Baekhyun.

O detetive entreabriu os lábios, atônito. Precisou de alguns instantes para conseguir recuperar o raciocínio. Fazia tantos anos que não tocava naquela memória que, por um tempo, achou que nunca tivesse acontecido. Evitava ficar remoendo seu passado e tê-lo jogado assim, sem aviso, em cima de si foi como levar um tiro desprevenido.

Como sabe sobre isso? — indagou, com a voz baixa.

Eu estava lá, Baekhyun. — o detetive franziu o cenho, confuso. Não se recordava de ter visto Chanyeol anteriormente. — Mas você não me viu, se é isso que está se perguntando.

Baekhyun engoliu em seco. Sua cabeça latejava enquanto os pensamentos pareciam explodir dentro de seu crânio. Nunca teria previsto aquilo e não conseguia imaginar como Park tinha visto o que aconteceu naquele dia. Sua mente trabalhava em diversas teorias em segundos e ainda não conseguia achar alguma que fizesse sentido. Pensou que ele estivesse mentindo, mas não poderia. Aquela data não consta em seus arquivos, foi completamente esquecida depois de seu pai se envolver e apagar seus rastros de rebeldia. O único meio de Chanyeol saber seria se ele realmente estivesse presente.

Você está me seguindo durante todos esses anos? — Apesar de indignado com a possibilidade, mantinha a voz calma e baixa.

Claro que não. — Chanyeol negou como se fosse óbvio. — Eu estava ocupado perseguindo pessoas que eu queria matar e tentando não ser pego. Te reencontrar foi apenas uma coincidência que nem eu esperava. Honestamente, pensei que tivesse morrido antes de descobrir que atuava como detetive do FBI.

Então, como sabe tanto sobre mim? — frustrou-se.

Ora, Baekhyun, não seja narcisista. — zombou Park — Eu tenho uma grande afeição por você, — enfatizou — porém, meu mundo não gira ao seu redor. Confesso que li sua ficha do FBI, mas o restante eu descobri lendo nos seus olhos. — piscou para o detetive.

Tudo é uma piada para você, não é?

Não confunda meu senso de humor com irresponsabilidade. Eu levo meus objetivos muito a sério, detetive. Isso o inclui.

E qual é seu objetivo comigo, afinal? Pensei que queria apenas que eu o ajudasse a encontrar o copiador… Mas agora, não tenho certeza.

Chanyeol lançou um olhar indecifrável para Baekhyun. Repuxou o canto dos lábios brevemente em um meio sorriso.

Eu estou esperando você perceber. — a voz de Chanyeol soou tão baixa quanto um sussurro e isso fez com que o detetive notasse a proximidade perigosa entre eles durante os últimos minutos.

Odeio seus enigmas. — sua voz saiu tão baixa quanto a de Park.

Você odeia o que não pode controlar, Baekhyun. — o olhar de Chanyeol era tão intenso que o detetive sentia como se sua alma estivesse nua na frente dele. Era como se fosse um livro aberto, totalmente exposto. Isso o enfurecia; não por ser lido facilmente, mas sim, por não poder fazer o mesmo com o rapaz de cabelos ondulados.

Baekhyun sabia que precisava encerrar aquela conversa e se afastar, mas não conseguia quebrar o contato visual. Tentava imergir nos olhos castanhos e desvendá-los, mas fracassava. Tudo que conseguia ver era uma sombra que parecia estranhamente reconfortante, como a escuridão da noite antes de adormecer. E esse era o perigo em Park Chanyeol, o magnetismo que ele emanava e que conseguia prender totalmente a atenção do detetive. O último não sentia medo, muito menos repulsa, e isso que o amedrontava naquela situação. Nunca foi bom em reconhecer sentimentos e emoções — tanto suas, quanto dos outros — e, no momento, não sabia identificar o que estava acontecendo. Porém, antes que pudesse descobrir, ouviu a porta sendo aberta e, imediatamente, afastou da mesa e virou a cabeça para trás, encontrando o guarda novato.

O tempo acabou, detetive. — anunciou, timidamente.

Baekhyun assentiu e virou a cabeça para frente, encontrando novamente o mar de escuridão que o observava. Pegou seu celular, enfiou no bolso e se levantou.

Nos vemos amanhã. — disse a Chanyeol e teve tempo de ver o sorriso ardiloso dele em resposta antes de se virar e sair da sala.

Enquanto saia do presídio, Baekhyun não soube dizer se aquele primeiro dia tinha sido um fracasso ou o prelúdio de algo muito maior. No fundo, tinha a sensação que seria a segunda opção e isso o assustava mais do que a primeira opção.

Quando entrou em seu carro, permitiu-se esticar o corpo sobre o banco do motorista e recostar a cabeça no estofado de couro. Fechou os olhos e respirou profundamente algumas vezes antes de voltar a abri-los e encarar a estrutura da penitenciária a sua frente. Era uma visão amedrontadora para quem olhava. Todas aquelas cercas elétricas, muros, grades e vigilância deixavam qualquer um incomodado e ansioso para ir embora. Baekhyun odiava se sentir preso e questionava como Chanyeol conseguia se manter tão neutro enjaulado lá dentro.

Não demorou para que a frustração tomasse conta e o detetive começasse a se sentir idiota por ter sido vencido mais uma vez por Park. E, dessa vez, foi uma jogada de mestre, ele precisava admitir. Baekhyun tentava se dar um desconto devido a sua despreparação e o fato de que Chanyeol tinha planejado tudo aquilo desde que era um adolescente, provavelmente, com uns dez anos de vantagem. Obviamente que ele teria muitas cartas na manga e aquela era só a primeira delas. Nem tinha começado a jogar e já estava em xeque.

Passou os últimos dias focado em virar o tabuleiro a seu favor, mas desistiu. De toda forma, nem era esse o propósito de tudo, já que o inimigo de Chanyeol era o copiador. Sabia que estava vendo a situação por um ângulo errado e, por isso, tirou a ideia de vencer aquele jogo da cabeça e buscou se ver como parte dele. Logo, precisava encontrar um bom movimento para começar.

Puxou o celular do bolso e buscou pelo áudio gravado na sala de arquivos. Por alguns minutos, ficou ouvindo a voz da senhora Jones sem saber ao certo o que procurava. Foi no momento que ela citou sobre demonstrar interesse na vida pessoal de Park que o detetive sentiu como se sua mente desse um estalo.

Chanyeol o deu uma pista sobre si sem que o detetive notasse de imediato. Ele não tinha jogado aquela data apenas para assustá-lo, mas sim, com um propósito. Era por onde Baekhyun deveria começar seus movimentos: no lugar onde se encontraram pela primeira vez.

Rapidamente, colocou o cinto de segurança e procurou pela rota necessária em seu GPS. Não seria uma viagem curta, mas calculava que daria tempo de ir até lá e retornar antes da madrugada. De toda forma, não dormia a dias e não seria agora que sentiria falta.

O coração de Baekhyun palpitava enquanto manobrava o veículo e se afastava do presídio. Nunca pensou que precisaria retornar para um dos cenários de sua conturbada adolescência, especialmente daquele dia em particular. Tantos anos se passaram e ele ainda temia o significado do que tinha feito. Estava prestes a entrar no fundo de suas memórias e, enfim, encarar algumas questões que preferia esconder.

Sinceramente, Baekhyun não fazia ideia do que o aguardava naquele lugar, mas estava ansioso para descobrir.

Chapter 4: En Passant

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Capítulo 4 — En Passant

O caminho até Richmond, capital da Virgínia, tinha sido mais rápido do que Baekhyun gostaria. Fazia anos que não retornava para sua cidade natal, e, mesmo que quisesse esquecer tudo sobre aquele lugar, ainda reconhecia diversos pontos turísticos e ruas que costumava frequentar em sua adolescência. Nada tinha mudado, ao menos não drasticamente, e isso deixava um gosto amargo de nostalgia na boca do detetive.

Esteve tão absorto durante a viagem que esqueceu-se completamente dos arredores. Foi quando estacionou próximo de uma cafeteria que viu diversas notificações na tela de seu celular, que estava em modo silencioso. Teria apenas ignorado se não fossem diversas ligações de Oh Sehun. No mesmo instante, apanhou o aparelho e tentou retorná-lo, mas caiu na caixa postal. Tentou mais algumas vezes antes de desistir e enfiar o telefone no bolso da calça preta. Era frustrante ter mais uma questão pendente a resolver. Por mais que tentasse, não conseguia deixar de ficar intrigado com aquelas ligações. Até cogitou em voltar para Quântico, mas de nada resolveria. Levaria horas para fazer o retorno e não podia abandonar a investigação quanto estava tão próximo de respostas.

O relógio no painel do carro marcavam duas e meia da tarde, Baekhyun suspirou. Não tinha tanto tempo quanto gostaria e precisava se apressar. Rapidamente, comprou um café e torceu para aquilo ser o suficiente para mantê-lo durante o resto do dia. Não seria difícil, visto que era desse modo que tinha sobrevivido durante os últimos anos.

A contragosto, dirigiu em direção a escola no lado norte da cidade. Embora aquele fosse o último lugar que gostaria de visitar, não se sentia perturbado pelas péssimas memórias que estava prestes a revirar. Sentia-se receoso de reviver aqueles sentimentos que havia enterrado tão fundo em si, mas não estava amedrontado como pensou que ficaria. Julgou que sua aparente apatia fosse por ter ocorrido há muitos anos e também pela motivação de estar ali. Não era uma jornada pessoal e não estava buscando redenção, era apenas trabalho... Ou era assim que ele tentava se convencer.

Balançou a cabeça, como se isso espantasse pensamentos desnecessários, e procurou um local mais isolado para estacionar o carro. Embora sua família tivesse se mudado dali a muito tempo, o detetive queria evitar encontrar fantasmas de seu passado.

De onde estava podia ver o prédio escolar se erguendo de maneira uniforme e retangular. Teria que refazer todos os seus passos e começaria por ali.

[...]

22 de agosto de 2009, Richmond, Virgínia

O entardecer se aproximava quando Baekhyun e um grupo de adolescentes se reuniram no antigo ferro velho da cidade que, apesar de ainda funcionar, era administrado por um motoqueiro exêntrico e bêbado que costumava liberar o local para qualquer um em troca de dinheiro, até mesmo para menores de idade, e pouco se importava com o que acontecia ali na sua ausência.

Em um dos carros soava uma música pesada de metal no volume máximo, o que fazia as caixas de som reverberarem e a voz do cantor soar ininteligível. Tudo que se podia escutar eram a guitarra e bateria de maneira estrondosa; porém, pelas camisetas de bandas dos adolescentes ali reunidos, dava para ter uma breve pista do que estava tocando no momento. O grupo era composto por cinco garotos e duas garotas, incluindo Baekhyun, e costumavam se encontrar ali todo dia após a aula e nos fins de semana.

O ferro velho tinha um cheiro forte de gasolina e lixo queimado, mas isso pouco atrapalhava aqueles adolescentes; que usavam o fedor para mascarar os odores de álcool e drogas que consumiam as escondidas enquanto conversavam em voz alta e davam risadas agudas.

Você trouxe tudo, Mike? — indagou Baekhyun com o cigarro aceso em uma das mãos cobertas de anéis.

Está tudo no carro. — o garoto de cabelos loiros acenou com a cabeça em direção ao veículo que tocava música alta — Hoje vamos ferrar aqueles merdinhas do norte. — riu de maneira alterada.

Richmond era famosa pela constante rivalidade entre gangues, sendo a principal delas a rixa entre os garotos do colégio particular e os da escola pública, que eram conhecidos como “os do norte”. Não existia uma razão para ambos se odiarem, mas os envolvidos se alimentavam daquele ódio como se tivessem fome de violência. Pouco importava os motivos, as gangues da cidade buscavam apenas o prazer e satisfação de fazerem parte de alguma coisa e experimentar do sabor agridoce de viver na margem da lei.

Porém, para Baekhyun, aquilo significava algo muito maior do que ele mesmo podia compreender.

Eu não gosto dessa ideia. — sussurrou Freddie no ouvido de Baekhyun, que logo virou-se na direção do rapaz e abriu um sorriso sacana. — Por que você tem que fazer isso? — sua voz era tão calma e lamentosa que destoava dos outros adolescentes ao redor.

Você tá’ preocupado comigo? — perguntou, em tom divertido, ao mesmo tempo em que enlaçou a cintura do garoto ao lado e o puxou até que este estivesse quase sentado em seu colo.

Freddie e Baekhyun namoravam há cerca de dois anos; o que era um mistério para qualquer um que os conhecesse, já que Freddie era totalmente o oposto dos membros da gangue. Apesar de usar uma camiseta do Ramones, Freddie era um garoto acanhado e pacífico, tirava as melhores notas e abominava atos violentos ou o uso de entorpecentes. Durante os encontros no ferro velho, sempre se mantinha longe de tudo que era consumido ali, deixando claro que só continuava frequentando aquele tipo de ambiente por conta do namorado delinquente. Ainda que as personalidades destoassem, Baekhyun era um namorado respeitoso, não envolvia Freddie em nada que ele não quisesse e não permitia que ninguém mexesse com o garoto.

Eu sempre fico. — respondeu em sussurro antes de Baekhyun puxá-lo para um beijo demorado.

Não se importavam em ter contato físico na frente dos membros da gangue. Embora fossem delinquentes, não existia preconceito daquele tipo entre eles, principalmente quando o grupo estava ocupado demais batendo cabeça ao som de Slipknot para prestar atenção no casal aos amassos no canto. Eram raros os lugares que ambos podiam trocar carícias, especialmente pelo fato do relacionamento ser um segredo, tanto na escola, quanto entre suas famílias. Só conseguiam ficar juntos quando Baekhyun o levava para o ferro velho ou quando saiam de carro na calada da noite.

Contudo, naquele fim de semana, os pais de Freddie estavam fora da cidade e ele estava sozinho em casa.

Não vá… — murmurou o garoto de cabelos castanhos próximo aos lábios de Baekhyun — Podemos fazer algo muito mais interessante se ficar… — insinuou em tom malicioso.

Baekhyun suspirou, em dúvida. Ficou tentado em aceitar aquele convite, mas não podia abandonar o plano, afinal, tinha sido ideia sua e não negava que estava empolgado para por em prática.

Prometo que passo a noite na sua casa. — respondeu, em voz baixa — Darei um jeito de fugir do meu pai.

Freddie apertou os lábios antes de desistir de tentar fazer com que o namorado não fosse naquela presepada insana. Sabia que Baekhyun era indomável e impulsivo; embora fosse bom em estratégias, ainda era puramente guiado pelas suas emoções e desejos inconscientes. Quando colocava alguma coisa na cabeça, não tinha quem conseguisse fazê-lo mudar de ideia.

Quando anoiteceu, o grupo — exceto Freddie — saiu na caminhonete de Baekhyun em direção aos limites da cidade, que era cercado por estradas parcialmente vazias e uma vasta área campestre. No meio das árvores altas, de galhos secos e finos, existiam algumas cabanas rústicas e abandonadas que antigos caçadores usavam quando a caça era permitida na região. Uma delas era famosa por ser onde os garotos do norte se reuniam. E era esse o alvo de Baekhyun naquela noite.

Uma das garotas, Lizzie, ficou de guarda na caminhonete enquanto o restante do grupo apanharam os galões de gasolina e correram, aos tropeços, por entre as árvores em direção a cabana. Não era muito longe e não precisaram de muita corrida para alcançá-la. Tentando ser silenciosos — sem muito sucesso — verificaram se o local estava vazio antes de se agruparem próximos da entrada.

Mike, despeja esse galão nos fundos. — ordenou Baekhyun — Vou jogar aqui na frente, depois é só acender. — seus colegas riram baixinho enquanto seguiam as instruções.

Com mais empolgação do que o normal, Baekhyun despejou o líquido inflamável por toda extensão da entrada, desde a porta descascada até as janelas com os vidros rachados e empoeirados. Quando avistou Mike se aproximando com um sinal de positivo, afastou-se e atirou o galão vazio na grama seca. Puxou seu isqueiro do bolso e acendeu o rastro de gasolina que, imediatamente, se incendiou e levou chamas altas e ferozes até a cabana, que rapidamente foi consumida pelo fogo.

Cacete! — exclamou um dos garotos — Não acredito que fizemos isso! — soltou um riso alto de satisfação que logo foi acompanhado pelos outros.

Vamos dar o fora daqui antes que a polícia chegue. — alertou Baekhyun antes de sair correndo de volta para o carro. Sentia-se prestes a entrar em combustão de adrenalina.

Pularam para dentro da caminhonete e saíram em alta velocidade de volta para o centro da cidade. Conforme se afastavam, riam e faziam piadas enquanto olhavam a fumaça cinzenta ao longe. Naquela noite, Baekhyun estava alheio a qualquer consequência vinda daquilo. Sabia que os garotos do norte revidariam, mas pouco se importava com isso. Já tinha lidado com eles durantes anos e acreditava que não podiam fazer nada que o causasse algum dano permanente.

Após deixar os colegas no ferro velho, Baekhyun seguiu para a casa do namorado, como tinha prometido. Apesar de não ter se alimentado ou dormido, estava com uma disposição de quem acabou de acordar depois de horas de sono. O efeito da adrenalina era o grande vício do adolescente rebelde. E como qualquer vício, ele não fazia ideia de como parar e muito menos tinha vontade para tal, deixando que seus impulsos o guiassem, como um farol, em direção ao perigo.

Tem certeza que não tinha ninguém lá? — Freddie questionava pela terceira vez com uma ruga de preocupação em evidência na testa.

Já disse que não tinha, nerd . — respondeu com bom humor — Eu precisava deixar um recado depois deles terem arrebentado meu carro. — levou uma das mãos em direção aos cabelos do namorado.

Você podia parar com essa rivalidade. Sei lá… — suspirou frustrado — Não entendo a razão de insistir nisso.

Não se preocupe. Eu sei lidar com esse tipo de gente. — afirmou com uma confiança arrogante — Agora, me deixa te recompensar. — sorriu sacana antes de puxar Freddie para seus braços.

[...]

23 de agosto de 2009, Richmond, Virgínia

Naquele domingo, Baekhyun pouco se importou em acordar cedo. Tinha evitado seus pais o sábado inteiro e prolongaria aquilo o máximo que conseguisse. Pode ouvir algumas batidas nervosas de seu pai durante as onze da manhã, mas não se deu ao trabalho de responder ou destrancar a porta. Notou que a casa estava vazia lá pelas duas da tarde e aproveitou a chance para levantar e sair dali antes que eles retornassem de sabe lá onde.

Tentou ligar para Freddie e pedir sugestão a ele de um lugar para passar o dia, mas o namorado não atendeu às ligações. Julgando não ser nada, Baekhyun tomou um banho rápido e buscou qualquer coisa para comer. Sem resposta de Freddie, decidiu seguir para a casa de Mike, mas esse estava enrolado com alguns assuntos, o que fez Byun ficar sem opções de refúgio.

Perto das quatro da tarde, enfim, recebeu uma ligação do namorado:

Ei, nerd ! Achei que tinha me esquecido. — brincou assim que atendeu, mas logo parou ao ouvir Freddie gemendo de dor. — Nerd ?

Baek… Preciso que venha no ferro velho… — a voz chorosa deixou Baekhyun com o coração disparado. Algo tinha acontecido.

No mesmo instante, o rapaz apanhou as chaves da caminhonete e não hesitou em dar partida no veículo e atravessar as ruas em alta velocidade. Sua respiração estava pesada e dificultosa, não conseguia raciocinar devidamente e isso o deixava ainda mais impulsivo. Quando chegou no local, largou a porta do carro aberta e saiu em disparada para dentro do ferro velho. De primeira, não viu nada, porém, logo avistou um par de tênis all star próximo de um amontoado de peças, o que o fez correr em direção a este.

Atrás do entulho estava um Freddie estirado no chão com diversos hematomas e ferimentos. O choque inicial fez Baekhyun ficar paralisado por alguns segundos, sem acreditar no que estava vendo. Assustado, ajoelhou-se no chão e verificou a pulsação do namorado, que ainda estava estável, mas seu estado era grave. Tinha muito sangue espalhado pela camisa do rapaz desacordado e marcas arroxeadas pelos braços expostos. Seguindo seus impulsos, Baekhyun o pegou no colo e o colocou cuidadosamente dentro da caminhonete antes de seguir para o hospital.

Tudo aconteceu muito rápido e ele mal teve tempo para processar. Observava, de longe, o corredor onde os médicos tinham levado Freddie, sem a mínima noção do estado dele ou alguma informação que ajudasse. Como não era parte da família e se identificou apenas como “um amigo da escola”, não podia entrar e nem conversar com os funcionários, tudo seria resolvido apenas com os responsáveis do namorado. Por mais que Baekhyun fosse teimoso, resolveu não insistir naquilo ou acabaria chamando muita atenção para si. Sentou-se na recepção e começou a analisar a situação. Não tinha quase ninguém ali e o espaço tranquilo e quieto o ajudou a recuperar os sentidos.

Baekhyun não tinha dúvidas de que aquilo foi obra dos garotos do norte. Ambas as gangues tinham uma regra clara sobre não envolver inocentes naquela rivalidade, mas parece que isso pouco importava para eles agora. O ataque a Freddie tinha sido a gota d’água e era óbvio que o roqueiro não deixaria aquilo barato. Durante as horas que ficou aguardando por notícias do namorado, elaborou diversos planos que pudessem quebrar seus inimigos da mesma forma que o quebraram. Afinal, agora não existiam mais regras e tudo seria permitido.

Foi perto das nove da noite que um enfermeiro se aproximou e disse que Freddie o chamava no quarto do segundo andar. Baekhyun se levantou e apressou-se, ansioso, em direção ao local citado.

No momento que abriu a porta e seus olhos encontraram o namorado acordado e respirando, sentiu-se aliviado. Com todo o sangue limpo pode notar que os ferimentos, em sua maioria, eram cortes superficiais, só os hematomas arroxeados que estavam com uma aparência horrível.

O que aconteceu?! — correu em direção ao lado direito da cama, pousando as mãos na beirada do colchão enquanto analisava o rosto machucado de Freddie.

A gangue do norte… — engoliu em seco — Disseram que é uma mensagem para você... — a voz de Freddie soava amarga.

Vou matá-los! — rosnou enquanto apertava o colchão entre os dedos para se conter. — Farei com que eles provem do próprio… — fora interrompido pelo namorado.

Baekhyun, pare. — o roqueiro se calou — Te chamei aqui porque meus pais estão chegando e não quero que eles o encontrem. — seus olhos lacrimejaram — Eu… — parecia ter dificuldades em falar — Eu quero terminar com você.

Ah… O quê? — indagou um Baekhyun atônito. De todos os rumos que aquela conversa tomaria, aquele era o único que ele nunca considerou.

Sério? Essa é a sua reação? — era evidente na voz de Freddie que ele estava profundamente magoado. — Eu estou cansado das suas imprudências e desse seu comportamento. Você achava que nunca viriam consequências para suas atitudes, mas elas vieram, Baekhyun. — Freddie se alterou — Se lembra que eu te pedi para não ir queimar a cabana deles? — lançou um olhar cortante em direção ao roqueiro.

Se eu soubesse que algo aconteceria com você, eu… — novamente foi interrompido.

É claro que não. Por Deus, — deixou uma lágrima escorrer — você nunca disse que me ama… — trocaram um olhar demorado — Seu imbecil de merda! — as feições de Freddie se contorceram em dor — Nem sei se você é capaz de amar alguém. — aquilo foi como uma facada no peito de Baekhyun — Quando entrou aqui você nem parecia triste, só com raiva e com o sangue fervilhando com o desejo de vingança. Nem mesmo agora você parece triste.

Me desculpa. — foi tudo que Baekhyun conseguiu responder, sabia que merecia aquelas palavras.

Você é inacreditável. — riu amargo enquanto as lágrimas escorriam pelas bochechas machucadas — Nunca se importou com ninguém além de si mesmo. Como eu fui estúpido em acreditar que poderia mudar você se o amasse bastante… — desviou o olhar — Tentei te ajudar, Baekhyun, mas a questão é que você não quer ajuda. — fungou — Enfim, saia e não volte, por favor.

Atordoado, o roqueiro nada disse e saiu do quarto em silêncio. Nem mesmo cogitou a ideia de argumentar e tentar se defender, afinal, sabia que Freddie estava certo em cada palavra. Era doloroso ouvir a verdade de uma forma tão direta e crua, mas Baekhyun não se sentiu triste, seu peito parecia um buraco vazio por dentro. De início, pensou em como era um fracassado egoísta e relembrou das constantes vezes em que seu pai repetia aquilo para si. Toda pessoa que tinha um relacionamento mais íntimo consigo saia machucado de alguma forma.

Recostou-se na parede do corredor e pensou que as lágrimas viriam, mas não. No lugar da tristeza, que seria comum naquela situação, veio uma explosão de raiva e, novamente, aquela necessidade absurda de ceder aos seus impulsos violentos. Socou o concreto onde se recostava e sentiu uma breve sensação de alívio quando seus dedos começaram a latejar. Sem muito a perder, e sentindo que iria entrar em erupção emocional a qualquer minuto, saiu às pressas do hospital. Seguiu o caminho até a caminhonete e, uma vez dentro desta, deu partida sem um rumo definido. Queria apenas dirigir e ter a sensação de estar no controle de alguma coisa.

O interior de Baekhyun queimava como se ele tivesse ingerido ácido. Seu estômago ardia conforme a cólera subia pela sua garganta e deixava um gosto amargo em sua boca. Suas mãos coçavam para despejar todo aquele ódio reprimido na primeira coisa que visse a sua frente, mas não podia sair como um vândalo quebrando a cidade, até mesmo naquele estado Baekhyun tinha uma voz — mesmo que baixa — de razão em sua cabeça que o impedia de ir longe demais. Foi quando ele decidiu dar voz a mais um impulso: iria atrás da gangue do norte.

Toda sua energia foi direcionada para o desejo de revidar o que os garotos fizeram com seu ex namorado. Sem pensar nas consequências, dirigiu pela cidade em busca do seu alvo. Conhecia todos os lugares que gangues frequentavam, mas eles não estavam em nenhum deles, o que deixou sua fúria ainda maior. Foi encontrá-los atrás da escola pública norte, não estavam todos ali, apenas três e, para Baekhyun, aquilo bastava.

O trio estava em torno de uma lata de lixo, onde queimavam algo dentro enquanto bebiam e conversavam. Cego de raiva, Baekhyun apanhou um pé de cabra, que sempre deixava dentro da caminhonete, e abandonou o veículo de qualquer jeito; seguiu em direção ao grupo, que não notou sua aproximação até este surgir na frente deles.

Ei, é o otário da escolinha dos riquinhos. — zombou um dos garotos nortenhos e os outros o acompanharam aos risos. — Gostou do que fizemos ao… — o garoto não teve tempo de terminar a frase, pois, sem aviso, Baekhyun partiu para cima dos rapazes como um touro. Na primeira troca de socos, o roqueiro perdeu completamente a razão, sendo dominado apenas por seu impulso destrutivo. Foi difícil dominá-los, mas depois que conseguiu desacordar um, foi fácil dar conta dos outros dois. Embora sentisse alguns ferimentos abertos em seu corpo, não conseguia parar sua selvageria; quanto mais cedia ao ódio, mais violência era necessária para suprir sua necessidade.

Estava tão entregue aos se instintos que nem notou quando um carro de polícia se aproximou e dois homens o agarraram com força. Baekhyun lutou com ambos, mas conseguiu ser dominado e arrastado em direção ao veículo. A sirene incessante e aguda disparando em seus ouvidos foi aquela que conseguiu o despertar do frenesi.

Garoto! — gritou um dos policiais que o segurava. Seu rosto tinha uma expressão de espanto enquanto encarava o deliquente. — Pare imediatamente ou terei que usar a força! — ameaçou colocando a mão sobre o coldre da arma.

Baekhyun sentiu um outro policial atrás de si, havia notado que ainda continuava a tentar se soltar do aperto dos policiais, mas, subitamente, parou. Não fazia ideia de onde estava seu pé de cabra ou do que tinha acabado de fazer durante o seu surto. Já tinha tido momentos parecidos com aquele, por isso não se preocupou. Na sua cabeça, os garotos nortenhos estariam apenas com machucados superficiais. Tendo isso em mente, julgou a reação dos policiais exagerada. Eram só adolescentes brigando.

É o filho do senhor Byun. — disse um dos policiais, em tom de alerta. O outro, que mantinha a mão no coldre, engoliu em seco.

O pai de Baekhyun era um dos empresários mais influentes da cidade, dono de diversos estabelecimentos e isso intimidava os moradores locais. Todos sabiam que o senhor Byun não era um homem honesto e que estava envolvido em alguns atos ilegais, mas ninguém ousava fazer nada. Fingiam não ver nem ouvir sobre o assunto, especialmente a polícia.

Leva ele para a delegacia, eu cuido daqui.

Foi quando o policial saiu de seu campo de visão que Baekhyun pode ver os três corpos estirados na calçada. Um deles estava deitado de bruços, mas os outros tinham os rostos sangrentos, coisa que os tornou irreconhecíveis aquela distância. Em choque, o roqueiro foi atirado para dentro do carro e, só então, reparou que suas mãos e roupas também estavam cobertas do líquido vermelho.

Atônito, ficou em silêncio por longos minutos antes de conseguir processar o que acabou de acontecer. Estava assustado com a própria capacidade — que sempre julgou ser inofensiva — e não fazia ideia do nível que conseguia chegar. Embora estivesse assombrado, Baekhyun não se arrependia. Não achava que tinha feito alguma coisa errada, apenas que tinha excedido o limite de sua força.

No momento, o que mais intrigava o roqueiro era que sua raiva tinha desaparecido. Em seu lugar, uma onda de satisfação o invadia e permitia que ele relaxasse como se nada tivesse acontecido. Porém, Baekhyun tinha consciência do que aconteceu e que as consequências daquilo não seriam nada agradáveis.

Chegando à delegacia, notou que o policial estava com medo de se aproximar, então, apenas esticou os braços em sinal de rendição e deixou que o homem o algemasse antes de o retirar do banco traseiro do carro e o levar para dentro do prédio da polícia, que estava parcialmente vazio naquele dia devido ao horário e pela baixa taxa de criminalidade de Richmond.

Foi levado até a sala do xerife, mas este estava ocupado com outro garoto que Baekhyun não se importou em dar atenção.

Espere aqui. — ordenou o policial apontando para uma das cadeiras que ficavam de frente a porta da sala. Baekhyun obedeceu, sentando-se de maneira relaxada e rindo internamente da sua situação.

Pode ouvir o tal policial e o xerife discutirem alguma coisa antes de ambos saírem da sala e virem em sua direção.

Permaneça aqui até que seus pais cheguem. Não tente nenhuma gracinha, não sou um guarda assustado. — alertou o xerife em tom ameaçador antes de retornar para a sala. Trocou algumas palavras com o garoto que estava lá dentro e depois saiu, sumindo pelo corredor.

Curioso, Baekhyun olhou em direção ao vidro que permitia enxergar boa parte do interior da sala do xerife. Infelizmente, não teve uma visão clara do indivíduo lá dentro, mas pode notar que o rapaz o observava discretamente. Este tinha um tufo de cabelos escuros encaracolados e usava óculos redondos. Para o roqueiro, ele tinha cara de ser só mais um otário, então desviou a atenção para o teto, desejando apenas desaparecer dali.

Uma policial se aproximou, apressada, e sussurrou para o guarda ao lado de Baekhyun que deveria tirar as algemas dele, pois, seu pai estava a caminho e não iria gostar de encontrar o filho preso como marginal, embora ele fosse oficialmente um marginal. Imediatamente, o roqueiro teve suas algemas retiradas.

Não demorou para que o xerife surgisse no corredor com seus pais ao lado. Como sempre, seu pai tinha uma postura rigorosa e desagradável, só em vê-lo o roqueiro sentia-se enojado. Quanto a sua mãe, ela mal abria a boca, mesmo se a obrigassem a se manifestar. Era totalmente submissa ao marido e isso deixava Baekhyun enfurecido.

Levante-se! — ordenou o progenitor assim que colocou os olhos no filho. O roqueiro obedeceu a contragosto. — Seu ingrato de merda! — esbravejou enquanto se colocava de frente ao adolescente. — Que porra você estava pensando?! Tem noção de como vai ser difícil apagar isso do seu histórico?! Diga a ele, xerife, explique a situação para esse imbecil! — gritava, furioso.

Garoto, — o xerife se aproximou com um olhar julgador — um dos rapazes que você agrediu não sobreviveu. — o coração de Baekhyun disparou — Quanto aos outros dois, estão tendo dificuldades, mas parece que vão sobreviver. Entende a situação?

Ele entendia perfeitamente. Tinha se tornado oficialmente um assassino e isso não era só uma transgressão de vandalismo que conseguiria se livrar facilmente com a influência do pai, era algo extremamente delicado e teria que ter cuidado com as palavras que escolheria a seguir:

Entendo. — acenou apático.

Apesar de tudo, sentia-se mais calmo do que quando estava no hospital. A verdade é que Baekhyun pouco se importava com o bem estar daqueles garotos. Embora não tivesse a intenção de agir com tanta brutalidade — reconhecia que não deveria ter feito aquilo —, não conseguia se arrepender. Estava confuso e não conseguia entender o que acontecia dentro de sua mente. Se sentia como uma bomba relógio pronta para estourar quando fosse acionado o gatilho. No fundo, sabia a fonte de todos os seus impulsos violentos, mas se recusava a pensar naquilo por ser extremamente desconfortável e, às vezes, insuportável.

Fala como homem, seu viado de merda! — gritou o senhor Byun enquanto puxava o braço do filho de maneira agressiva.

Por puro reflexo, Baekhyun avançou em direção ao pai e desferiu um soco no nariz do mais velho, que se enfureceu e atacou o filho de volta. Iniciaram uma troca de golpes no meio do corredor, o xerife e os outros policiais tiveram medo de intervir em um primeiro momento, mas logo tentaram separá-los. Enquanto isso, a senhora Byun apenas se encolhia em um canto e assistia a tudo sem fazer nada.

Seu pedófilo de merda! — vociferou Baekhyun com o rosto vermelho de ódio — Acha que eu não sei o que você fez?! O que acha se eu gritar para todo mundo ouvir o que fez com meu irmão?! — ameaçou enquanto era segurado por dois guardas.

Você está delirando, moleque ingrato! Nunca mais quero ver a sua cara suja novamente! Está me ouvindo?! E me larguem! — ordenou ao xerife e ao policial que tentavam contê-lo. Logo, ambos o libertaram e o homem saiu em passos estrondosos pelo corredor.

Imagens do que Baekhyun tanto negou começaram a surgir em sua cabeça. Não conseguia lidar com aquilo agora, estava desamparado, sozinho e encrencado até o pescoço. Ele não tinha mais ninguém que pudesse confiar além de si mesmo e, no fundo, achou que merecia que fosse dessa forma. Conturbado, seguiu para o banheiro da delegacia e se trancou em um dos boxes e, pela primeira vez em muito tempo, deixou que as lágrimas escorressem em um choro angustiante.

[...]

Baekhyun teve medo de sentir uma explosão de raiva quando passou próximo dos fundos da escola pública norte. Para sua infelicidade, o local permanecia do mesmo jeito que se lembrava, o que fez com que suas memórias fossem ainda mais vívidas.

Depois de muitos anos treinando no exército, conseguiu compreender a origem daqueles gatilhos violentos, mas não significava que os tinha superado. Tudo que o detetive fazia era tomar alguns calmantes quando se sentia mais nervoso do que o normal. Como soldado, precisou fazer algumas avaliações psiquiátricas, o que o deu certo conforto, mas o tratamento o ajudou apenas a desviar o foco da sua raiva para as batalhas e aprender a não descontá-la nas pessoas ao seu redor. Com o tempo, o detetive conseguiu desenvolver seu foco e paciência, o que não foi fácil e precisou de muito esforço e cobrança. No fim, aprendeu a conter seus impulsos e criar disciplina em seu comportamento. Baekhyun era um ótimo soldado, o que surpreendeu a todos na época, inclusive ele mesmo. Nunca tinha sido bom em nada, odiava tarefas monótonas e não conseguia ficar parado por muito tempo, precisava sempre estar em movimento: seja mentalmente ou fisicamente. Ser detetive era o trabalho perfeito para isso. Não sobrava espaço para tédio ou vazio, ele estava sempre com a cabeça cheia e as mãos lotada de tarefas pendentes.

Como consequência disso, desenvolveu uma certa apatia por relacionamentos pessoais. Conseguia fazer amizades e socializar quando necessário, mas de uma maneira bem superficial, nada que fosse verdadeiramente significativo. Porém, o detetive não sentia falta disso. Era raro alguém o interessar a ponto de que abrisse a mente para alguma aproximação além da física. Sentia-se confortável em ser apenas dedicado ao seu trabalho, onde não era obrigado a mostrar empatia, já que perseguia criminosos. Com esse tipo de pessoa ele sabia perfeitamente como lidar.

Seguindo sua intuição, entrou na escola e buscou pela secretaria local. Para sua sorte, conseguiu chegar lá pouco antes do sinal anunciar o encerrando das aulas e liberar dezenas de estudantes ansiosos para irem embora. Baekhyun os observou passarem pelo corredor enquanto aguardava alguém aparecer na recepção. Não precisou esperar muito, logo uma senhora, na faixa dos sessenta anos, apareceu com várias pastas nos braços.

Posso ajudá-lo? — indagou enquanto deixava as pastas em cima da mesa e seguia a passos calmos em direção ao detetive.

Sim, — puxou o distintivo do bolso — estou aqui procurando informações sobre um possível ex aluno.

Qual o nome desse aluno?

Chanyeol Park. — não viu nenhuma reação vinda da tal senhora. Ela assentiu e foi em direção ao computador, digitando alguma coisa e mexendo nos arquivos durante alguns minutos.

O único ex aluno com sobrenome Park é um chamado Chandler. — fitou Baekhyun, curiosa. — Você teria uma foto dele?

O detetive assentiu e puxou o celular do bolso, desbloqueando a tela e deslizando os dedos por ela até encontrar uma foto de perfil de Chanyeol, tirada pelo FBI. Mostrou a senhora, na esperança dela reconhecê-lo, mas a mulher apenas franziu o cenho como se não fizesse ideia de quem era.

Espere aqui, vou trazer alguém que pode te ajudar. — disse antes de se retirar da secretaria e sumir pelo corredor lotado de alunos.

Baekhyun apoiou os cotovelos sobre o balcão da recepção e fitou a imagem de Chanyeol estampada na tela de seu celular. Qualquer um que o visse diria que é apenas um rapaz normal, talvez um universitário, nada além do comum. Não se conformava em como alguém como ele conseguia ter traços faciais tão ingênuos e até empáticos. Mesmo com o rosto sério, ainda parecia uma pessoa inofensiva, exceto pelos olhos. O detetive não sabia se era por ter visto a verdadeira face de Park, mas conseguia ver a insanidade explícita naquelas íris castanhos escuros.

Levou um susto quando ouviu passos atrás de si e virou-se imediatamente, suspirando de alívio ao ver que era a senhora de antes. Dessa vez, ela estava acompanhada do que parecia ser o zelador da escola. O homem era baixinho e na mesma faixa de idade da secretária, mas com os cabelos e barba totalmente brancos.

Detetive, esse é George, nosso funcionário mais antigo da escola. — ela fez sinal para que o homem se aproximasse — Mostre a foto a ele.

Ele é familiar para o senhor? — ergueu a tela do celular em direção ao zelador, que não levou mais do que alguns segundos para arregalar os olhos. O peito de Baekhyun se encheu de expectativa.

É o garoto, Chandler. — respondeu sem qualquer dúvida na voz — Eu o vi na televisão. O assassino do xadrez, não é? — indagou, com espanto, deixando a senhora ao lado igualmente chocada. — Eu sabia que tinha algo errado com ele. — balançou a cabeça, desacreditado.

Chandler? O nome dele não é Chanyeol? — foi a primeira pergunta do detetive.

Não, o nome dele é Chandler. Quero dizer, a família dele é descendente de coreanos e lembro que a avó o chamava por um nome como o que você pronunciou agora. Mas o pai dele o chamava de Chandler.

Foi então que Baekhyun entendeu o motivo de não ter encontrado nenhuma informação sobre ele antes.

E o que quis dizer quando mencionou que sabia que tinha algo errado com ele? — o detetive guardou o celular novamente no bolso.

Bem, — cruzou os braços — ele era um garoto bem introvertido, sabe? Mas, depois que começou a andar com aquele delinquente do Cameron, eu desconfiei que algo estivesse errado, eles ficaram amigos muito rápido e nunca se desgrudavam. Chegava a parecer algo, digamos, diferente do que dois rapazes tem, me entende? — era visível que o homem se sentia desconfortável em insinuar aquilo.

Entendo. — assentiu — E por que diz que esse Cameron era um delinquente?

Ele foi pego diversas vezes com facas e canivetes dentro da mochila, gostava de ameaçar os professores e fazer piadas sobre assuntos macabros, como morte e essas coisas. Era um garoto muito estranho e perturbado.

Baekhyun conteve a vontade de soltar um riso carregado de escárnio com aquele comentário. Talvez aquele zelador surtasse se descobrisse que estava conversando com um “ex delinquente”.

Mas isso é comum por aqui. — observou a senhora que, até então, estava apenas ouvindo a conversa. — É uma escola pública, detetive, temos mais casos de violência e vandalismo do que gostaríamos.

Eu imagino. — engoliu em seco lembrando da sua época — E o que mais pode me contar sobre Chandler e Cameron?

Bom, — o zelador franziu o cenho como quem se esforça para se recordar de algo. — sei que ambos não tinham mãe e eram criados apenas pelo pai. Chandler, depois de um tempo, foi morar com a avó. Cameron desapareceu uns meses antes da formatura no último ano, ninguém sabe para onde ele foi, mas deve ter fugido para não ser preso.

Não achou esse sumiço suspeito? — ergueu uma sobrancelha.

Não, senhor. — negou com a cabeça — Cameron tinha advertências por faltar muito nas aulas, era comum que ele sumisse. Ele acabou levando Chandler para o mesmo caminho, inclusive. Ao menos Chandler conseguiu se formar e depois sumiu da cidade. Nunca mais vi nenhum dos dois.

E quanto ao pai de Cameron? Ele não buscou pelo filho?

O pobre velho era um bêbado esquecido. Ele também desapareceu na mesma época que Cameron, devem fugiram de algum agiota ou coisa parecida. Aquele homem tinha dívidas por toda cidade.

E quanto ao pai de Chandler? — Baekhyun ainda estranhava chamar Chanyeol por aquele nome.

Ele morreu quando Chandler tinha dezessete anos, logo no começo do último ano dele na escola. Foi por isso que teve que ir morar com a avó.

Entendo. — assentiu o detetive assimilando as novas informações — E o que os dois faziam quando estavam na escola? Maltratavam alguém?

Não que eu me lembre, senhor. — negou com a cabeça — Na verdade, me recordo que Chandler era caçoado pelos outros alunos por um tempo. Sabe como são as crianças, não é? — suspirou — Garotos introvertidos não são do tipo que fazem sucesso com a molecada. Mas, fora isso, só me lembro dos dois sendo esquisitos por aí. Talvez tenham roubado ou usado drogas escondidos, mas nada nos limites da escola.

Baekhyun desviou o olhar para baixo, pensativo. Chanyeol conseguia se tornar ainda mais misterioso conforme desvendava partes de sua vida. Pensou que encontraria diversas transgressões relacionadas a ele, talvez atos criminosos, mas o rapaz parecia ter sido um garoto até que normal se comparado ao que o detetive tinha presenciado em seus tempos naquela cidade. Entretanto, tinha a possibilidade dele ter sido esperto o suficiente para cometer os crimes sem nunca ter sido descoberto, acreditava mais nisso. Tal hipótese o deixava intrigado, afinal, é difícil alguém na fase da puberdade conseguir pensar meticulosamente ou controlar seus impulsos, especialmente quem tinha inclinações a sociopatia ou psicopatia. Eles sempre deixavam rastros em algum lugar.

Pediu que a senhora o fizesse uma cópia de todo histórico escolar, tanto de Chanyeol quanto do tal Cameron, e agradeceu pela ajuda dos dois funcionários.

Em seu caminho para fora da escola, pensava em como conseguiria descobrir algo sobre a família Park sendo que o único membro vivo era quem estava investigando. De acordo com os registros escolares, o pai e a avó foram os únicos responsáveis a comparecer em reuniões. Havia uma cópia da certidão de nascimento de Chanyeol, onde constava como Chandler Park, sem nenhum nome do meio. Baekhyun anotou mentalmente o nome do pai e, naquele momento, sentiu falta de um parceiro que pudesse buscar pelo homem no banco de dados em Quântico. Pensou em pedir para um dos agentes da equipe, mas não confiava neles e não queria que Holden descobrisse o que estava fazendo.

Checou seu celular, mas o parceiro desaparecido não tinha ligado novamente. O detetive suspirou e deu de ombros, já estava mais do que acostumado a ter que fazer as coisas sozinho. Quando entrou em seu carro, revisou os arquivos e encontrou inúmeras advertências na pasta de Cameron, desde ofender professores até o porte de canivetes e facas, como o zelador contou. Além disso, alguns atos de vandalismo, como pichar as paredes, chutar portas e quebrar propriedade escolar. Era o perfeito estereótipo de um possível sociopata adolescente. Mas não havia nada sobre agressões aos outros alunos, o que deixou Baekhyun intrigado. Afinal, por qual outro motivo ele levava facas para a escola se não atacava ninguém?

Quanto a pasta de Chanyeol — ou Chandler — havia apenas advertências sobre faltas. Não tinha nem mesmo problema com notas, sendo todas em níveis considerados normais, nem muito altos e nem baixos. Nem mesmo uma reclamação de mau comportamento com os professores, o que era estranho para o detetive. Mas, conhecendo Park como conhecia, tinha quase certeza que todo aquele comportamento de aluno comum não era um acaso, sabia que tinha sido planejado, o que deixava-o ainda mais impressionado com a capacidade de manipulação do assassino. Isso levava a pergunta principal: há quanto tempo ele orquestrava tudo?

Para Baekhyun, era espantoso que uma criança desenvolvesse esse lado calculista tão cedo. Já tinha visto casos — raros — de crianças psicopatas que manipulavam adultos como marionetes antes de saírem da sétima série. O caso recente mais famoso era de um rapaz que assassinou a irmã caçula quanto tinha apenas treze anos num ato meticulosamente planejado. Naquele instante, lembrou-se que Chanyeol tinha lhe dito que seu primeiro assassinato não tinha sido como assassino do xadrez. Ele matou alguém muito antes disso e quando era muito jovem, talvez entre seus quinze a dezoito anos. Cogitava a possibilidade da vítima ter sido o tal Cameron ou até o próprio senhor Park.

Pensou em tentar investigar sobre na delegacia local, mas temia ser reconhecido. Embora eles não pudessem fazer nada para o atingir, ainda era desconfortável ter que encarar aquela situação. E foi quando começou a relembrar daquele fatídico dia que um detalhe o chamou sua atenção.

Não pode ser…” pensou o detetive.

O garoto que estava na sala do xerife, que ele julgava ser apenas um otário irrelevante, era Park Chanyeol. Pasmo com a descoberta, entreabriu os lábios enquanto visualizava a figura de cabelos cacheados e óculos que o observava através daquele vidro. Na época, seus cachos eram muito mais volumosos e chegavam a cobrir sua testa, tornando difícil que alguém analisasse suas feições. Os óculos redondos também dificultavam e atraiam toda atenção do seu rosto para aquela armação. Apesar da aparência relaxada, passava despercebido como um garoto tímido e inseguro se escondendo em seu moletom.

Baekhyun soltou um riso irônico com aquela coincidência. Então era por isso que Chanyeol o conhecia tão bem e lia facilmente seu comportamento. Ele sabia de tudo, apenas naquela noite do dia 23 de agosto ele conseguiu desvendá-lo por inteiro e conhecer o lado que o detetive tanto tentava esconder atualmente. Park ouviu tudo, sabia dos seus problemas com o pai, as acusações que fez contra o mesmo e, principalmente, que ele também era um assassino, mesmo que não intencionalmente. Não o surpreendia que estivesse sempre em desvantagem durante os interrogatórios e como Park conseguiu se aproximar sem que desconfiasse.

Filho da puta. — praguejou.

Era espantoso e surreal para Baekhyun o fato deles terem sido vizinhos por todo aquele tempo. De acordo com os registros, Chanyeol entrou para a escola norte na quarta série do fundamental e, desde então, permaneceu ali. Durante uns oito anos eles estiveram há apenas alguns metros de distância. Parecia obra de um destino extremamente sarcástico.

Logo, o detetive se questionou o que Park estava fazendo na delegacia aquele dia. Supôs que devia ser algo relacionado ao desaparecimento do amigo, mas lembrava-se perfeitamente de vê-lo sendo muito bem tratado pelo xerife, quase como se o homem estivesse compadecido de sua situação. Não parecia que ele estava sendo acusado de algo, mas sim, que estava denunciando algo onde ele era a suposta vítima.

O relógio no painel marcava quatro e vinte da tarde. Baekhyun suspirou e decidiu aproveitar o tempo que o restava para ir atrás de mais informações. Seu primeiro destino foi a antiga casa de Cameron, cujo endereço estava nos arquivos escolares. Como esperado, os atuais moradores não faziam ideia de quem eram os antigos proprietários e contaram que a residência foi reformada por alguns anos antes de ser colocada a venda. Todos os vestígios que o detetive tinha esperança de encontrar não existiam mais.

Depois, seguiu para a antiga casa da família Park. Assim como na anterior, os moradores não sabiam nada de relevante, apenas que a senhora Park era amável e amiga de todos pela vizinhança até que faleceu devido a idade. Já Ben Park, pai de Chanyeol, era um homem recluso, embora também fosse descrito como uma figura agradável e inofensiva. Quanto a causa de sua morte, ninguém sabia dizer ao certo, apenas que foi súbito e, provavelmente, de uma doença.

Sem outras opções, dirigiu até o antigo ferro velho e tentaria a sorte com o dono que, apesar de excêntrico e irresponsável, ainda tinha contatos com todo submundo da ilegalidade local. Porém, infelizmente, o sujeito tinha falecido há alguns anos e agora era o sobrinho que tomava conta. Com a última alternativa descartada, Baekhyun não viu o que mais poderia investigar naquela cidade. E como estava anoitecendo, precisava retornar para casa a tempo de poder descansar um pouco e não se atrasar para a entrevista com Park durante a manhã.

Exausto, fez o trajeto de volta a cidade de Quântico. Enquanto estava na estrada, deixou que seus pensamentos rumassem para Park Chanyeol, Cameron, 23 de agosto e como tudo aquilo estava conectado.

[...]

Baekhyun questionava se seria capaz de dormir naquela noite depois de tudo que descobriu. Quanto mais próximo da verdade, mais difícil era para o detetive se focar em qualquer outra coisa, até mesmo se alimentar. Sua mente estava desperta e pronta para prosseguir, mas seu corpo tinha chegado ao limite da exaustão naquela viagem. Precisava se dar um tempo ou teria consequências desagradáveis.

Vencido pelo cansaço, saiu do carro com as pastas debaixo do braço. Teria apenas caminhado normalmente em direção ao seu apartamento se não fosse por uma figura encolhida na porta do prédio como uma criança assustada. Como estava de noite, não conseguiu reconhecer o indivíduo de imediato, mas logo notou algo familiar:

Sehun? — chamou, ainda na dúvida de que fosse realmente ele.

Prontamente o rapaz ergueu a cabeça, confirmado ser o parceiro desaparecido. Seus olhos estavam fundos e avermelhados, como quem não dorme a semanas ou passou por alguma situação profundamente estressante.

Eu preciso da sua ajuda. 

Chapter 5: Torres

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Capítulo 5 — Torres

Baekhyun estava surpreso em encontrar o parceiro naquelas condições. Pensou em recusar, devido ao cansaço, e pedir que ele voltasse amanhã, mas não o fez. Por um lado, estava curioso em saber do que se tratava aquela visita inesperada, por outro, não queria abandonar Sehun naquele estado no meio da rua.

Sem perguntar nada, pediu que o rapaz o seguisse. Em silêncio, entraram no prédio e fizeram o caminho até o apartamento do detetive. Para alguns, poderia ser uma situação desconfortável, mas Baekhyun não gostava de tratar assuntos delicados no meio dos corredores ou elevadores, onde qualquer um poderia ouvir.

Destrancou a porta de sua moradia e fez sinal para que Sehun entrasse, indo logo em seguida.

Fique à vontade. — murmurou o anfitrião enquanto gesticulava em direção a mesa, que ficava na área da cozinha. O apartamento não tinha uma sala de estar, o detetive nunca precisou de uma. Restava usarem a cama ou a mesa, e, naquela situação, Baekhyun achou a mesa mais apropriada.

Sehun puxou uma das cadeiras e sentou-se com a coluna reta e colada ao encosto, como um aluno exemplar em uma sala de aula. Pousou as mãos sobre a mesa e aguardou enquanto Baekhyun deixava as pastas em cima da cama antes de se juntar ao parceiro.

Perdoe-me por aparecer sem avisar. Eu tentei te ligar, mas caiu na caixa postal e depois meu celular descarregou. — explicou-se com uma postura polida.

Está tudo bem. — assentiu o detetive — O que aconteceu? — cruzou os braços sobre a mesa e atentou-se ao rapaz.

Sehun suspirou pesadamente.

Meu pai faleceu. — respondeu curto e direto. Embora o tom de voz fosse frio e apático, o detetive conseguiu ver a profundidade da tristeza nos olhos avermelhados e exaustos do Oh.

Sinto muito. — limitou-se em dizer. Baekhyun não era bom com aquele tipo de situação e não fazia ideia de como consolar alguém. Felizmente, o parceiro voltou a se pronunciar, o que fez o detetive ficar aliviado.

Isso ocorreu no dia que pedi licença. Eu sei que não foi uma forma madura de lidar com o trabalho. — retirou os óculos arredondados e depois coçou os olhos — Ele era a única pessoa que eu tinha, a perda dele acabou me abalando mais do que imaginei.

Em nenhum momento Sehun fitou Baekhyun, parecendo envergonhado do seu estado e de suas atitudes anteriores.

Não seja tão duro consigo mesmo. Está tudo bem. — tranquilizou o parceiro — Mas... por que veio até aqui? — não queria soar rude, mas não podia deixar de se perguntar o motivo de Oh tê-lo escolhido para se confortar. Eram companheiros de trabalho e não amigos; o detetive nem sabia que Sehun tinha família ou o que fazia fora de Quântico.

Preciso voltar a me focar na investigação. — mirou Baekhyun pela primeira vez desde que entrou no apartamento — Não tinha intenção de abandoná-la. Peço desculpas por isso.

O mais velho suspeitou. Não achava que a parte do luto fosse mentira, mas havia algo que o parceiro não estava o contando. Sehun parecia muito mais perturbado do que deixava aparentar e o detetive sabia disso por ter se sentido da mesma forma durante boa parte de sua adolescência. Além disso, não era comum o rapaz tomar atitudes tão impulsivas e irracionais, especialmente a de ir até seu prédio a pé e ficar sentado na entrada por horas o esperando.

Baekhyun analisou cuidadosamente a situação e resolveu não questionar Sehun naquele momento. No fim, ele precisava das análises psicológicas do parceiro naquele caso e agradeceu por poder ajudá-lo dessa forma, embora, por dentro, estivesse receoso que tal atitude fosse insensível. Entretanto, não achava que o parceiro queria consolo emocional, ao menos não demonstrava.

Certo. — meneou a cabeça — Você quer fazer isso agora? — indagou franzindo o cenho antes de puxar o celular e checar o horário. Já passava da meia noite.

Ah, sim… — murmurou Sehun antes de recolocar seus óculos — Perdoe-me, perdi completamente a noção do tempo. — suspirou pesadamente.

Era evidente, para o detetive, que o rapaz estava atordoado e sem condições de tomar alguma decisão sensata naquele momento. Podia sugerir que Sehun passasse a noite no seu apartamento, mas não tinha espaço para duas pessoas, ao menos não de uma maneira que não os deixassem desconfortáveis. Além disso, Baekhyun precisava urgentemente descansar e não queria negligenciar aquela noite, sabia que o dia seguinte exigiria todas as suas energias.

Faremos isso amanhã, certo? — o parceiro assentiu — Vem, eu te levo para casa. — afagou o ombro do mais novo antes de se levantar e apanhar as chaves do carro.

[...]

Naquela manhã, Baekhyun acordou alguns minutos antes do despertador tocar. Chovia muito e o céu acinzentado cobria todo o horizonte, fazendo um contraste melancólico e sombrio com os prédios de concreto e as avenidas asfaltadas cheias de carros.

O detetive pouco se importava em como estava o clima. Tempestades nunca o impediram de fazer alguma coisa. Sentindo-se disposto, se levantou e fez a rotina matinal às pressas, mesmo não estando atrasado. Não tinha certeza, mas achava que tinha dormido cerca de cinco horas, o que era suficiente para outra rodada de dias imprevisíveis e bate papo com assassinos em série.

Enquanto dirigia até a penitenciária, deixou que seus pensamentos seguissem o rumo que quisessem. Tudo que tinha descoberto no dia anterior começava a se encaixar como um quebra cabeça, o que o tirava a sensação de impotência e o deixava mais confiante no que estava fazendo. Se sentia como um trem que, enfim, conseguiu encontrar o trilho correto; embora ainda não fizesse a mínima ideia de onde o destino o levaria, estava ansioso para descobrir.

O som da chuva torrencial era reconfortante e parecia lavar sua mente. Permitiu-se abrir um pouco a janela do carro apenas para sentir o aroma tempestuoso e gélido. Agradeceu por aquele momento de alívio antes de encontrar Chanyeol. Finalmente, estaria com a cabeça limpa e pronta para lidar com qualquer coisa que acontecesse na entrevista. E, no fundo, admitia que estava curioso para escavar o passado do Park.

Uma vez com o carro estacionado e devidamente fechado, apanhou as pastas, as colocou embaixo do braço e abriu um guarda chuva preto. Devido a intensidade da chuva, respingos de água batiam em seu rosto e deixava partes do seu terno molhado, especialmente a barra da calça. Quanto aos sapatos, nunca tiveram chance de escaparem ilesos. Embora o clima adverso, o detetive sentia-se satisfeito. Caminhou em passos calmos em direção ao prédio retangular do presídio, não tinha pressa para escapar da tempestade que o açoitava.

Um guarda novato o atendeu assim que adentrou o local, logo, foi recebido pelos sons dos alarmes anunciando a abertura das portas. O novato avisou que as entrevistas, agora, seriam na cela de Chanyeol por conta dele ter perdido o direito de interagir com os outros presidiários. Curioso, Baekhyun questionou a decisão:

Ele incitou fuga e rebelião. — respondeu, fazendo o detetive conter um riso pela situação. Já esperava aquilo e desde o começo achou uma péssima ideia deixá-lo perto de qualquer pessoa ali dentro. — Preciso que entregue seu guarda chuva, senhor. — pediu o guarda — Não pode entrar com nada que possa ser usado como arma.

Baekhyun entregou tudo que estava consigo, sendo permitido ficar apenas com as pastas. Teve que deixar até mesmo o celular, mas pouco se importava com isso. Seu objetivo ali era questionar e desvendar o assassino que o aguardava.

Percorreu o corredor de segurança máxima em passos tranquilos até que parou em frente a uma das últimas celas. A porta de aço era extremamente grossa, havia apenas uma pequena abertura de vidro para que os guardas pudessem checar o interior quando passavam ali. Prontamente, o novato abriu a cela e liberou passagem para que o detetive entrasse.

Baekhyun foi recebido pelo olhar voraz de Chanyeol assim que colocou os pés dentro da cela de concreto cinza. O espaço quadriculado era minúsculo e havia apenas uma pequena abertura com grades que chamavam de janela. Mal caberia uma cabeça ali. Fora isso, tudo estava perfeitamente limpo, sem nem mesmo restos de comida ou qualquer coisa no chão. O detetive esperou que o guarda fechasse a porta para se aproximar do rapaz de cabelos cacheados, que o devorava com as íris castanhas.

Havia uma mesa ao lado da cama com alguns desenhos em cima. Baekhyun colocou as pastas sobre ela antes de puxar a cadeira. Sentou frente a frente ao assassino que, no momento, estava sentado na beirada da cama com algemas em seus pulsos e o típico macacão laranja. Apesar disso, mantinha a postura confiante e a expressão serena.

Você está deslumbrante, Baekhyun. — elogiou Park assim que o detetive se sentou.

Em resposta, Chanyeol recebeu um riso descrente.

Fui até Richmond. — viu um brilho passar pelos olhos de Park — Estou extremamente curioso, — cruzou os braços — o que fazia na delegacia naquela noite? Ou foi apenas para me observar? — provocou.

Chanyeol repuxou o canto dos lábios em um sorriso presunçoso.

Foi uma coincidência inusitada e intrigante, não é mesmo? Honestamente, eu não fazia a mínima ideia do que você estava fazendo. Inclusive, se soubesse, teria adorado assistir toda carnificina. — sorriu com atrevimento.

Não foi uma carnificina. — rebateu o detetive. — Não tive a intenção de matar ninguém naquela noite.

Quanta defensiva. — ironizou — Mas, respondendo a sua pergunta, eu estava dando depoimento sobre um acidente que tinha acontecido poucas horas atrás. E não, o ocorrido não foi comigo, mas sim com outra pessoa. — era explícito o seu contentamento em relembrar daquilo, o que atiçou ainda mais a curiosidade do detetive.

Era sobre seu amigo, Cameron? — indagou Baekhyun, erguendo uma sobrancelha ao fazer aquela jogada. Pode ver, por breves segundos, a confiança de Park tremeluzir em seus olhos castanhos. Ficou satisfeito em conseguir chegar, mesmo que minimamente, por baixo da armadura do assassino. Entretanto, em poucos segundos, ele recuperou a postura pretensiosa.

Finalmente, Baekhyun! Parece que nossa relação está progredindo. — provocou. Porém, aquelas insinuações não mais deixavam o detetive irritado. — Já estamos na fase de revelar segredinhos íntimos — sorriu com malícia. — Lembre-se que concordamos em sermos recíprocos quanto a isso. Eu falo, — inclinou-se levemente para frente — e você também. — seus olhos faiscaram.

Foi a vez do detetive esticar os lábios em um sorriso cínico.

Certo. — nem hesitou em concordar — Então, me conte sobre Cameron. Ele era seu namorado?

Chanyeol riu debochado.

Ora, Baekhyun, não utilizo termos superficiais para nomear meus relacionamentos. Eu prefiro classificar como uma conexão. Para mim, não existem namorados ou amigos no senso comum da palavra.

O detetive concordava com aquilo, mas, obviamente, não diria isso a Park.

Está fugindo da pergunta? — incitou, com o olhar desafiador. Novamente, um brilho perpassou os olhos de Chanyeol, o que deixou evidente sua satisfação com a postura adotada por Baekhyun.

Cameron e eu nos conhecemos nas férias antes do segundo ano. — começou — Tínhamos dezesseis anos na época. Ele foi a pessoa mais interessante que eu conheci em toda minha vida. Bem, até agora. — sorriu sugestivamente para o detetive — Pode parecer que era uma relação conturbada, mas, estranhamente, éramos muito tranquilos um com o outro. Eu era fascinado pela mente dele, queria dissecar cada pensamento ali dentro. — desviou o olhar com a lembrança — Compartilhamos experiências bem específicas. Mas, enfim, — voltou a encarar Baekhyun — é uma longa história.

Teremos tempo suficiente, não se preocupe. — adicionou — Então, era ele que estava envolvido no tal acidente? — franziu o cenho, instigado.

Não, mas o acidente aconteceu por conta dele.

Baekhyun não esperava uma resposta esclarecida por parte do assassino, sabia que Chanyeol amava ser enigmático e começou a se acostumar com isso. Inclusive, até mesmo passou a achar divertido, de certa forma. Tinha que admitir que nunca conheceu alguém como Park e ainda não sabia definir como se sentia sobre essa experiência, mas, no momento, era mais instigante do que estressante.

Você não vai me contar sobre isso hoje, certo? — deduziu o detetive.

Perderia a graça entregar todo o mistério em um dia só. — respondeu sem esconder o contentamento — Agora é sua vez de revelar algo.

Certo. — Baekhyun deu de ombros — O que você quer saber? — cruzou as pernas e recostou-se na cadeira. Sustentou o olhar voraz e cobiçoso que o rapaz de cabelos cacheados o lançava. Era como se ambos estivessem conectados por uma linha invisível que os impedia de quebrar aquele contato visual.

Chanyeol inclinou-se novamente para frente, não ficando nem muito perto e nem muito longe do detetive. Era uma distância perigosa, mas, ao mesmo tempo, confortável; era como andar em uma corda bamba: enquanto se equilibrar, não há com o que se preocupar.

O que você sentiu enquanto machucava aqueles garotos?

Baekhyun hesitou por alguns instantes. Só tinha falado sobre aquilo com o psiquiatra do serviço militar, e, mesmo assim, não tinha sido completamente sincero na sua resposta. Entretanto, ainda foi possível que fosse feito um diagnóstico que o ajudou a entender o que se passava em sua mente na época.

Ódio. Não a vontade de gritar e chorar. Era como a mais pura cólera que pulsa pela destruição. — umedeceu os lábios — Raiva era o único sentimento que eu conhecia desde criança. — sorriu amargo.

E agora? — Baekhyun franziu o cenho — Quais sentimentos você conhece? — lá estavam as faíscas nos olhos castanhos de Park.

O detetive ficou em silêncio, por alguns segundos, sem quebrar o contato visual que mantinha com Chanyeol, que aguardava ansioso pela sua resposta.

Após o serviço militar, tudo que Baekhyun conheceu foi apatia. Por isso mantinha um trabalho onde isso era vantagem. Não sabia o que era alegria, amor, amizade, contentamento, melancolia ou toda vasta gama de sentimentos que uma pessoa comum conhece desde pequena. Sua vida era como um grande incêndio que, depois de ser apagado, deixou apenas as cinzas e o céu nublado; uma sensação vazia pós apocalíptica de um mundo que ele nem se lembrava de existir. Tinha sobrevivido e isso o bastava.

Entretanto, ali, encarando Park Chanyeol, sentia uma mistura em seu peito que ainda não sabia definir. Não era paixão, tampouco amor, não era nada que tinha visto no dia a dia das pessoas. Sentia-se curioso e atiçado, como quando você senta no carrinho da montanha russa e o conhecimento do perigo o deixa excitado e ansioso para percorrer os trilhos. Havia algo de emocionante em estar perto de Park; o desconhecido, os enigmas... A sede de adrenalina só aumentava.

Baekhyun poderia ter dado voz a todas as suas divagações, mas, ao invés disso, sustentou uma expressão ousada no rosto e respondeu:

Estou descobrindo.

Chanyeol sorriu sacana.

Te perturba se lembrar das pessoas que matou durante o serviço militar? — a pergunta fez o detetive sorrir ironicamente.

Não, mas eu sei onde você quer chegar. — Park atentou-se — Eu não sou um psicopata adormecido. Não tenho prazer em matar pessoas e o serviço militar era meu trabalho, apenas isso.

Foi a vez de Park rir ironicamente.

Eu sei que você não é um psicopata.

Então, por que o interesse em mim?

O detetive estava ansioso para fazer aquela pergunta faz um tempo. Pensava que o motivo era de Park desconfiar que eles fossem iguais, mas, aparentemente, estava enganado, o que deixava-o ainda mais intrigado com aquele interesse em particular que o assassino demonstrou em si desde que se conheceram.

Vou te contar um segredo. — ergueu o dedo indicador no ar e logo o abaixou, deixando as mãos algemadas sobre o colo. — Na delegacia, quando você entrou todo alterado, eu imediatamente fiquei curioso. Eu nunca esqueci aquela cena. — seu olhar divagou — Você estava com uma camiseta do Slipknot toda ensanguentada. Tinha respingos em seu rosto e, um deles, escorria pela sua bochecha como uma lágrima. E quando deu uma surra no seu pai, — riu — foi espetacular. — voltou a encarar o detetive — Você foi a visão mais bonita que eu vi na vida.

Baekhyun ficou sem reação. Não esperava por aquilo e demorou para conseguir assimilar tudo que Park lhe disse. Tinha consciência de que aquela declaração era bastante problemática, mas, ao mesmo tempo, sentia-se afetado. Sua única visão de si mesmo naquele dia era de ser um monstro, uma criatura perversa e feia; ouvir que alguém não pensava assim o deixou inquieto. Entretanto, não queria pensar muito sobre aquilo no momento, precisaria de um tempo para processar o bizarro fascínio que Park Chanyeol tinha por si.

Então... seu interesse em mim é só por eu ser bonito? — provocou, recuperando sua postura confiante.

Claro que não. Embora, devo admitir que fiquei encantado quando o vi caminhando com o guarda chuva preto. Parecia um ceifador chegando para colher almas. — riu e o detetive não pode se conter em fazer o mesmo. Park Chanyeol era imprevisível e inacreditável. — Você é extremamente complexo — franziu o cenho fitando-o de cima a baixo, o analisando. — Eu não consigo te desvendar e isso me deixa curioso.

Bem, — suspirou o detetive — é recíproco. — achou engraçado a surpresa no rosto de Park ao ouvi-lo admitir isso. — Tenho outra pergunta.

Fique à vontade.

Baekhyun notou, desde do primeiro interrogatório, que Chanyeol adorava responder perguntas e gostava de ser o foco da atenção e curiosidade das pessoas, especialmente do detetive. Park queria a chance de se gabar de seus feitos e, por isso, não recusava uma chance de poder realizar esse desejo.

Chandler Park. — o assassino riu ao ouvir seu verdadeiro nome ser mencionado — Afinal, como você se chama?

Quando eu nasci, meu pai obrigou minha mãe a utilizar um nome “adaptável”, ou seja, algo americano. Mas, em segredo, ela me chamava de Chanyeol. — franziu o cenho, desviando brevemente o olhar em direção a parede. — Falando assim até parece uma história doce e amorosa. — riu debochado.

Era óbvio para o detetive — e para qualquer um — que o assassino tinha sérios problemas com a família, portanto, não se surpreendeu pelo tom de zombaria ao citá-los. Entretanto, não achava o momento apropriado para começar a questioná-lo sobre isso, o tempo deles estava acabando e a chuva tinha cessado. Baekhyun precisava deixar sua curiosidade de lado — o que foi difícil — para trazer à tona o assunto que deveria ser o principal naquelas entrevistas.

Preciso que termine de me contar sobre suas vítimas. — pediu enquanto puxava a pasta em cima da mesa — Podemos continuar com as torres?

É claro, Baekhyun. — assentiu com entusiasmo.

Park contou que as torres se tratavam de homens com cargos de policiais ou seguranças, aqueles que, supostamente, deveriam proteger as pessoas inocentes e não machucá-las. Os assassinatos ocorreram no final de 2018 e as vítimas eram Thomas Humphrey, um policial que espancava a enteada, e Adam Cutter, um segurança noturno que tirava vantagem das mulheres que saíam sozinhas do trabalho no meio da noite. Tudo no mesmo padrão com o mesmo veneno utilizado e as peças correspondentes. Durante a narração, Chanyeol deixou evidente o desprezo por suas vítimas, algo que intrigou o detetive. Havia muita coisa incomum nos assassinatos em série do rapaz de cabelos cacheados. Estava acostumado com homens cruéis que tinham cobiça ou desejo por suas vítimas — em sua maioria mulheres e crianças —, mas Park era diferente. Ele matava o que lhe causava repulsa e não demonstrava satisfação sexual durante os atos, apesar de, aparentemente, ser atraído somente por homens.

Infelizmente, o tempo daquela manhã encerrou antes que Baekhyun pudesse saciar mais dúvidas. Antes de se retirar da cela, Park indagou sobre seu parceiro, o que foi uma surpresa para o detetive:

Ele está bem. — respondeu, simplista.

Traga-o com você na próxima vez.

Ficou intrigado do porquê ele sugeriu aquilo e passou todo percurso, até o lado de fora da penitenciária, pensando sobre isso. Coincidentemente, Baekhyun tinha combinado de ir até a casa de Sehun logo depois da entrevista. No começo, também achou suspeito que o parceiro pedisse que o encontro fosse em sua residência, mas o detetive era cauteloso e queria evitar ter aquela conversa no prédio de Quântico, onde Holden poderia questionar.

Deu partida em seu carro e deixou que uma sensação vitoriosa tomasse conta de si. Tinha progredido bastante e aquela foi a primeira vez que saiu satisfeito com o resultado do interrogatório. Cada dia que passava, conseguia mais uma peça do quebra cabeça e estava disposto a montá-lo até o fim.

[...]

Baekhyun não tinha reparado na noite anterior, mas a casa de Oh Sehun era requintada e se estendia de forma majestosa no final da rua. Era uma parte nobre da cidade, praticamente um bairro exclusivo e com preços exorbitantes de aluguel. Para o detetive, era curioso que alguém com tanto poder aquisitivo decidisse trabalhar para o FBI, onde o salário não era o foco. O único prestígio que se ganhava no ramo policial e investigativo eram as conquistas curriculares.

Deixou o carro estacionado próximo da calçada e seguiu em direção a porta da residência branca. Só precisou tocar a campainha uma vez antes do parceiro aparecer, vestido em roupas de tons pastéis. Os óculos arredondados permaneciam como de costume e os cabelos alinhados com perfeição. Porém, seus olhos ainda estavam fundos e cansados, denunciando que ele não tinha dormido bem na última noite.

Pode entrar. — convidou dando espaço para que o detetive passasse. — Desculpe pelo pedido inconveniente, mas não me sinto preparado para retornar ao trabalho em Quântico. — explicou-se antes de fechar a porta.

Não se preocupe. — Baekhyun mostrou-lhe as pastas — Trouxe tudo que consegui nos últimos dias. — queria demonstrar empatia pelo parceiro em luto, mas não sabia como. Toda aquela situação era desconfortável e o detetive se questionava se ir até a casa do rapaz foi uma boa ideia.

Obrigado. — hesitou, parecendo querer dizer alguma coisa, mas desistiu. — Tenho um espaço adequado para trabalharmos. Venha comigo. — indicou com a cabeça para que o detetive o seguisse.

Sehun o levou até um escritório refinado e com diversas estantes de livros embutidas nas paredes. Logo atrás da mesa — onde estava um computador com dois monitores — tinha um quadro semelhante ao que eles tinham na sede do FBI. Porém, estava longe de ter informações o suficiente para sustentar o caso, deixando o parceiro a mercê de suas próprias teorias.

Baekhyun colocou as pastas acima da mesa e puxou uma das cadeiras para se sentar. Sehun fez o mesmo, ligando o computador e fazendo ambas as telas dos monitores se acenderem. Em seguida, deram início a reunião e o detetive compartilhou as informações que obteve em Richmond, omitindo, parcialmente, sua história ao dizer ao parceiro que tinha apenas se envolvido em uma briga de rua. Também não mencionou sobre a fascinação de Park consigo ou nada que insinuasse que ambos tinham alguma relação indevida.

Toda a conversa foi estritamente profissional, o que aliviou o ambiente, deixando ambos mais confortáveis em estarem na presença um do outro fora do prédio do FBI. Em certo momento, esqueceram-se de tudo e o único foco era a investigação, em especial, as motivações por trás dos atos de Park Chanyeol.

Ele se classifica como psicopata, certo? — Baekhyun indagou. Mantinha uma mão sobre o queixo e a outra sobre a mesa. Seus olhos fitavam um dos monitores, mas a mente estava concentrada na análise de Sehun.

Bom, se vamos falar em termos científicos, psicopata e sociopata, atualmente, são classificados dentro do Transtorno de Personalidade Antissocial. — explicou o parceiro — E nem todos que possuem esse transtorno vão se tornar criminosos ou assassinos em série.

Mas todo assassino em série é psicopata? — questionou, confuso. Estava familiarizado com o conceito mais superficial do assunto. Encarou o rapaz ao lado, retirando a mão do queixo e pousando sobre a mesa.

Não. — Sehun ajeitou os óculos — É uma questão complexa, a maioria das pessoas apontam todo criminoso como psicopata, mas não é bem assim. Embora, no caso de Park Chanyeol, ele realmente seja um.

E quanto às características peculiares dele? Quero dizer, a ausência de sadismo nos assassinatos e a síndrome de justiceiro. Sei que isso não é muito comum nesse perfil.

Bom, o Transtorno Antissocial é um espectro. Existem indivíduos com sintomas mais moderados ou graves, não são todos iguais. Toda experiência é diferente, até porque temos os fatores sociológicos e afetivos que podem agravar esse quadro. No caso em questão, creio que exista algum trauma por trás das escolhas dele.

Você conhece algum caso parecido?

Em relação a escolha de morte por envenenamento, tem um caso famoso de um médico britânico que matou mais de duzentos pacientes com overdose de substâncias. Ele não tinha requinte de crueldade durante os atos, mas isso não o torna menos perigoso, na minha visão. — fez uma breve pausa — E quanto a síndrome de justiceiro, eu diria que o termo vingador se aplicaria melhor.

Ele não me parece alguém em busca de justiça. — concordou — E a vingança seria contra um abusador da infância, talvez?

Creio que sim. Tenho a teoria que ele pensa ter empatia por vítimas de abusadores, mas, na verdade, só está refletindo a própria imagem nelas. É como se, matando esses homens, ele estivesse matando aquele que o fez mal na infância.

Então seria um ato narcisista? Ele não se importa verdadeiramente com as vítimas, está fazendo isso para ter a vingança que, possivelmente, o foi negada.

Ou ele está fazendo isso para reviver a vingança. — Baekhyun estreitou os olhos, pensativo. — É o que um assassino em série busca: reviver a sensação de prazer e satisfação gratificante; por isso a maioria deles tem desvios sexuais em seus crimes. No entanto, também temos o desejo por dominação presente, esse nem sempre está ligado a questões sexuais. Por exemplo: o Zodíaco, que se regozijava em caçar pessoas como se fossem animais.

Poderia ser o pai? Ele morreu subitamente sem nenhum histórico de doença ou alguma explicação.

É difícil dizer. — ajeitou-se na cadeira e cruzou os braços — Mas posso afirmar que foi uma figura masculina. A maioria dos assassinos em série buscam vítimas que eles cobiçam, por alguma razão específica, mas há quem procura a imagem de alguém que os maltratou no passado. Por exemplo: o Ed Kemper, que matava mulheres por conta do ódio que nutria da mãe que o desprezava.

E quanto a Cameron? Ele poderia desenvolver alguma espécie de interesse em uma figura masculina?

Baekhyun tinha uma curiosidade pessoal naquela pergunta, mas tentou não demonstrar. Não era tolo de acreditar que Park era capaz de nutrir alguma afeição por si — também não sentia isso por ele —, no entanto, se questionava se o interesse dele vinha realmente de um fascínio ou se estava sendo manipulado para algum fim perverso. Não podia descartar aquela segunda possibilidade, sabia que Chanyeol o queria para algum propósito. Ganharia um grande aliado contra o copiador, porém, não podia acreditar totalmente nas intenções que ele dizia ter.

Talvez. Porém, se ele for homossexual, vai reprimir isso e sentir repulsa de própria sexualidade. — essa resposta afetou o detetive. Por anos, sentiu o mesmo sobre si, não entendendo o motivo de gostar de homens sendo que, a vida toda, sofreu abusos e agressões de um.

Você acha que conseguiria analisar melhor se conversasse pessoalmente com o assassino? — indagou. Notou que Sehun ficou hesitante e aguardou pacientemente até que ele se pronunciasse. Não o julgava se tivesse medo daquela situação, afinal, é normal que as pessoas reajam assim, no entanto, não pode afirmar se era isso mesmo que o parceiro estava sentindo.

Sim, acho que seria o correto. — assentiu, inexpressivo. Baekhyun pensava se ele era muito bom em camuflar as emoções ou se realmente não tinha o que expressar.

Podemos ir amanhã? — teve receio de ser precipitado, mas arriscou.

Para a surpresa do detetive, o parceiro concordou com a ideia. Não precisavam de muitos detalhes e apenas combinaram um horário para que Baekhyun fosse buscá-lo de carro em casa. Notou que Sehun parecia evitar a todo custo dirigir e ficou curioso se isso tinha alguma relação com a morte do pai. Pensou que, talvez, tenha sido um acidente relacionado que o deixou temeroso em pegar o volante. No entanto, não perguntaria sobre aquele assunto por saber que o deixaria desconfortável.

E quanto ao copiador? — foi Sehun quem questionou — Tem alguma novidade?

Nenhuma. O assassino ainda não me contou suas suspeitas. — e estava sendo sincero. Park não tinha o revelado nada sobre o copiador ou qual era seu plano para capturá-lo. — E você, alguma teoria nova?

Não. — negou com a cabeça, cansado. — Só que é um homem na faixa dos trinta ou quarenta anos. Deduzi a idade por conta do crimes mais antigos.

Foram interrompidos pelo toque do celular de Baekhyun. Quando o detetive viu “Holden” na tela, revirou os olhos e lembrou-se que devia explicações e relatórios em seu trabalho. Como presumiu, seu chefe exigia sua presença na sede do FBI e ele não podia argumentar contra esse pedido. Tinha que demonstrar responsabilidade com o emprego ou daria motivos para questionarem sua posição.

Despediu-se de Sehun e seguiu para Quântico. O detetive admitia que, embora não tivesse uma relação harmoniosa com o parceiro, gostava do modo direto dele de tratar as coisas em geral. Por exemplo: ele não enrolava com despedidas e nem fazia muitas perguntas.

Durante o percurso até o FBI, pensava sobre o que o parceiro tinha dito em relação a psicopatia. Não podia negar que possuía algumas semelhanças com o Transtorno Antissocial, embora não tenha esse diagnóstico. Quando adolescente, pediu emancipação dos pais e, após terminar o ensino médio, se alistou no exército, onde recebeu ajuda psiquiátrica para o que foi chamado de desvio de conduta adolescente. Porém, todo o seu comportamento foi causado exclusivamente por conta dos abusos vindos do pai; caso tivesse uma criação comum, não teria agido daquela forma. O que não se aplica ao Transtorno de Conduta ou Antissocial, onde mesmo a criança crescendo em um ambiente acolhedor, ainda desenvolvem esse comportamento.

Baekhyun tinha uma bússola moral torta. Para ele, mesmo nos dias de hoje, é difícil distinguir o certo do errado e não ser tomado pelos seus impulsos. Quando persegue criminosos, costuma questionar o motivo de não poder matá-los, mas guarda esse pensamento, e outros semelhantes, para si. Sempre busca tomar decisões da forma mais lógica e imparcial possível em seu trabalho.

Quando estacionou o carro, notou uma pequena comoção na frente do prédio. Dois agentes puxavam uma mulher pelo braço para longe do local enquanto ela parecia desesperada. Como o detetive estava longe, não pode ouvir o que a senhora — na faixa dos quarenta anos — estava dizendo. Observou os agentes a deixarem alguns passos da entrada e depois retornarem para dentro sem dizer uma palavra.

Curioso, seguiu em direção a calçada e, antes que pudesse se aproximar da tal mulher em prantos, a mesma veio até si em passos apressados:

Você é detetive? — perguntou com a voz alterada e Baekhyun pode notar seus olhos vermelhos que denunciavam o choro recente.

Sim. O que aconteceu? — respondeu com cautela.

Graças a Deus! — limpou o rosto antes de puxar o que parecia ser um papel de dentro da sua bolsa. — Olhe senhor, — mostrou uma foto ao detetive — é a minha filha, Lana Torres. Ela está desaparecida faz cinco meses, senhor. — soluçou — Pedi ajuda em todo lugar, mas a polícia não me dá ouvidos. Eles acham que eu sou louca. — soluçou novamente — Por favor, me ajude a encontrá-la. — suplicou em desespero.

Senhora, acalme-se. — pediu antes de tomar a foto em suas mãos e observar a adolescente na imagem. Era uma menina de longos cabelos escuros, rosto fino, olhos alegres e um sorriso comum. — Como ela desapareceu? — voltou a olhar para a mulher.

Ela estava voltando da escola. Os professores afirmam tê-la visto saindo da aula normalmente, mas ela nunca chegou em casa. — pousou a mão sobre o peito — Isso faz cinco meses, senhor. Aqui, — ela puxou uma pasta de dentro da bolsa — tudo que consegui reunir sobre o desaparecimento. Vai me ajudar, senhor? — o encarou, suplicante.

É claro. — concordou sem hesitar. Queria ajudar aquela mãe desesperada, mas também viu uma oportunidade ali e teve uma ideia. — Me dê seu telefone e eu entrarei em contato.

Observou a mulher ir embora enquanto o agradecia. Uns passos depois, viu que ela pegou o celular e parecia contar a novidade para alguém com um sorriso esperançoso no rosto. Aquilo afetou o detetive. Pensou que não existia ninguém que o procuraria daquela forma, nem alguém que ele buscaria, e notou que sua vida era um grande vazio emocional. Não se sentia mal por isso — só seus pais tinham o feito se sentir assim — e aprendeu a reconhecer seu problema em criar vínculos há algum tempo. Em compensação, gostava de ajudar mães desesperadas ou pessoas que estavam dispostas a tudo para resgatar quem amam.

Com a pasta embaixo do braço, entrou no prédio e seguiu direto para a sala do Capitão Holden, que o aguardava com impaciência.

Como está indo com o assassino do xadrez? — questionou assim que Baekhyun colocou os pés dentro do cômodo.

Estou progredindo. — respondeu antes de se sentar — No momento, estou investigando a infância dele.— Holden, enfim, ergueu o olhar para o detetive.

Ótimo. Me traga tudo que descobrir. — abaixou o olhar novamente, focando em alguns papéis sobre a mesa. Seus óculos estavam quase na ponta do nariz.

Senhor, — Baekhyun conseguiu a atenção do chefe — conhece o caso de Lana Torres? Uma garota desaparecida?

Holden suspirou como quem está cansado do assunto mencionado.

Não se envolva com isso. Essa garota tinha um namorado em cada esquina, deve ter fugido com um deles para escapar da família pobre. — era visível o desprezo em sua voz e isso incomodou o detetive — Um de nossos agentes investigou e não encontrou nada de anormal. — voltou a olhar para os papéis.

Indignado, Baekhyun cogitou a ideia de o repreender por aquela atitude, mas não o fez. Já estava fazendo muito sem a permissão ou conhecimento de Holden e não seria agora que ele faria diferente. Engoliu seus impulsos de questioná-lo e manteve a expressão mais neutra possível. Sem cerimônias, despediu-se do chefe e prometeu voltar no dia seguinte com um relatório completo. No fim, nem soube o motivo de ter sido chamado na sede só para aquilo. Podiam ter tido a conversa por telefone, mas não se deixaria ficar irritado por isso, afinal, se não tivesse ido até ali, não teria conhecido a senhora Torres.

Quando entrou no carro, abriu a pasta sobre a garota desaparecida e começou a analisar. Ela tinha quinze anos e parecia ser uma adolescente comum, notas boas na escola, sem reclamação de mau comportamento por parte da mãe, apenas elogios. No arquivo, havia o endereço de três rapazes com quem a menina tinha se relacionado recentemente, todos na sua faixa etária e sem condições de bancar uma fuga. Aliás, ela não tinha levado malas, computador e nenhum item pessoal. O celular estava desligado desde que desapareceu e a mochila da escola só continha os livros.

Baekhyun nem precisou de mais dados para ter certeza que a garota tinha sido sequestrada e não foi por um namorado adolescente. Parecia ser o trabalho de alguém esperto o suficiente para apanhar uma garota que não levantaria suspeitas. Já estava calejado de casos semelhantes.

Teria começado uma investigação imediatamente, porém, precisava trocar a roupa molhada e tentar comer alguma coisa. Deixou a pasta no banco do passageiro e seguiu para seu apartamento. Chegando lá, tomou um banho e colocou uma roupa comum para evitar chamar a atenção. Como não tinha alimentos em casa, vagou pelo centro em busca de algum lugar tranquilo, parando em frente a uma lanchonete parcialmente vazia e longe das avenidas principais.

Embora tentasse dar um tempo a si mesmo, não conseguiu evitar que seus pensamentos fossem em direção a Park Chanyeol enquanto comia. Seus olhos estavam fixos no vidro ao lado do banco estofado onde estava sentado, mas não prestava atenção na rua. Tinha tantas coisas a serem solucionadas. Mesmo que estivesse progredindo, ainda restava o mistério do copiador, que ainda não tinha nenhuma pista. Teria que focar em Park primeiro, afinal, precisaria dele para chegar ao segundo assassino. De nada adiantaria frustrar-se em tentar solucionar dois casos ao mesmo tempo.

Suspirou e começou a pensar em como iniciaria a investigação do caso de Lana Torres. No momento, aquela seria a sua prioridade.

Chapter 6: Xeque

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Capítulo 6 — Xeque

O amanhecer trouxe consigo uma tempestade e nuvens acinzentadas cobrindo todo o céu. Baekhyun podia ouvir o murmúrio distante das pessoas na rua reclamando do clima e os motoristas ainda mais impacientes do que em dias normais. Ninguém gostava de ficar ensopado antes de chegar ao trabalho, exceto o detetive. Ele achava o cheiro da chuva inebriante.

Diferente do dia anterior, Sehun o acompanhava. Este estava sentado em silêncio no banco do passageiro, seus olhos estavam fixados no vidro molhado da janela. Era difícil saber se ele estava nervoso ou apenas entediado, pouco demonstrava em suas expressões. O detetive optou por não forçar nenhuma conversa até chegarem ao presídio.

Fique tranquilo, é seguro. — começou enquanto estacionava — Entretanto, devo lembrá-lo que ele tentará te provocar, esteja preparado.

Estou preparado. — afirmou antes de tirar o cinto e puxar seu guarda-chuva, abrindo-o antes de sair do carro. Baekhyun apenas suspirou antes de fazer o mesmo e seguir com Sehun até a entrada da penitenciária.

Como esperado, seus sapatos ficaram ensopados, assim como a barra da calça. O vento estava mais forte do que antes, deixando as pontas dos cabelos escuros do detetive molhadas, fazendo com que alguns fios grudassem em seu rosto. Enquanto isso, Sehun parecia ter alguma redoma invisível que impedia a chuva de o atingir das pernas para cima. Somente seus pés não escaparam.

Antes de saírem, repassaram algumas informações e precauções para usarem durante a entrevista. Embora soubessem que muita coisa não sairia como planejado, tentariam manter o foco no copiador, que era a prioridade. O detetive sabia que Park Chanyeol se negaria a revelar qualquer coisa sobre seu passado na frente de Sehun; poderia se surpreender, mas apostava que ele desviaria do assunto. Não sabia o que Park pretendia com seu parceiro, e, por conta disso, deixou que o mais novo guiasse a entrevista enquanto iria apenas observar. Tinha um palpite de onde Chanyeol queria chegar com aquela proposta e não gostava muito dessa opção.

Quando chegaram ao corredor de segurança máxima, onde ficava a cela de Park, deixaram os guarda-chuvas, armas e qualquer outro pertence com os policiais. Todavia, o detetive manteve uma pasta fechada consigo, tinha dito a Sehun que eram documentos de rotina, mas não eram. Uma vantagem de Baekhyun naquele ramo de trabalho era não sentir culpa de mentir para os outros, até mesmo seu parceiro.

Uma vez que a cela foi destrancada, um frio subiu pela barriga do detetive. Não gostava de admitir, mas ficava nervoso quando estava perto de Park. Anteriormente, achou que era apenas raiva, porém, depois que esse sentimento amenizou, pode notar que havia algo além. Era a curiosidade, um interesse peculiar, como uma Píton Albina; um animal perigoso e que deve ser evitado, mas possui uma beleza exótica que acaba despertando um certo fascínio e vontade de observá-la mais de perto.

Foi quando Baekhyun riu internamente ao comparar Park com a serpente no Jardim do Éden. Ele entenderia perfeitamente a Eva, caso ela fosse real, de ter caído nas graças de uma criatura tão manipuladora e perigosamente atraente. O detetive não entendia como estava levando aquela situação de forma bem humorada, queria estar com ódio, queria desejar matá-lo por seus crimes, mas não conseguia. Quanto mais tempo passava com aquele indivíduo, menos intimidado se sentia. Sabia que isso, provavelmente, era a intenção de Chanyeol para que conseguisse sua lealdade como Rainha do tabuleiro. Baekhyun não era idiota e, embora curioso, ainda tinha plena consciência de com quem estava lidando.

Bom dia, detetives. — cumprimentou o assassino assim que viu os dois homens entrando em sua cela. Chanyeol se mantinha sentado na cadeira de frente para a cama perfeitamente arrumada.

Baekhyun esperou por alguma insinuação a seu respeito, mas nada veio. Park se mantinha com uma postura ereta e polida, como se estivesse pronto para uma entrevista de emprego importante. Nem mesmo seus olhos demonstraram algum sinal de malícia.

Bom dia. — respondeu o detetive, trocando um olhar rápido com Park antes de voltar sua atenção para o parceiro e pedir que ele se sentasse na cama, ao seu lado. — Podemos começar? — indagou a Sehun, que assentiu, ainda inexpressivo. Porém, suas mãos se mantinham unidas e, pelos dedos esbranquiçados, pode notar que ele estava descontando todo nervosismo naquela região.

Eu fico contente que tenha aceitado meu convite, detetive Oh. — foi a vez de Park se pronunciar. — Não tivemos a chance de nos conhecer apropriadamente, não é mesmo? — sorriu minimamente.

Não tivemos. — Sehun respondeu com a voz serena — Tenho muitas perguntas que gostaria de fazer, espero que não se incomode.

De forma alguma.

Para o detetive, que se sentia um espectador, achava um pouco cômico ambos em uma batalha de quem consegue manter a melhor postura. Sabia que aquilo era uma característica inerente dos dois, entretanto, era evidente que Park estava escondendo sua verdadeira face. Baekhyun não era especialista em linguagem corporal, mas sabia, por experiência, que Chanyeol agia naturalmente quando estavam sozinhos. Todo aquele senso de humor debochado e politicamente incorreto era sua pura essência. Como estava interessado no desenrolar da conversa deles, optou por permanecer apenas como observador.

O que você sabe sobre o assassino copiador? — foi a primeira questão que Sehun mandou.

Não muito mais do que você. No fim, nós dois estamos seguindo apenas deduções. — seu olhar estava fixo em Sehun de uma forma intimidadora. Com a ausência do tom debochado, Park ficava com um aspecto frio e impenetrável. No entanto, o detetive mais novo tinha a mesma habilidade, embora estivesse longe de conseguir intimidar como o assassino fazia naturalmente.

Por que não compartilhamos nossas deduções, então? — sugeriu, surpreendendo Baekhyun pelo tom astuto em sua voz. Não achava que o parceiro fosse conseguir conduzir aquele diálogo sem sua ajuda, mas estava errado.

Claro. — concordou Park — Pode começar. — desafiou.

Sehun ajeitou os óculos e retornou para a mesma posição; dessa vez, com as mãos mais relaxadas que anteriormente, parecia confiante.

Eu acho que o copiador deva ter em torno de trinta anos, parece que ele faz vítimas desde novo, talvez começou na adolescência. — Park apenas o observava atentamente. Seus olhos estavam tão fixos no mais novo que os mesmos pareciam feitos de vidro. — Ele é sádico, tem prazer na brutalidade, creio que não existe um motivo para os assassinatos além disso. Para se esconder, ele utiliza características de outros assassinos, o que o permite se camuflar facilmente. É um homem meticuloso, mas não consegue controlar seus impulsos. Ele necessita daquilo e a obsessão o permite pensar em meios eficazes de sair impune. É algo comum em todos os assassinos em série, suponho. — estreitou o olhar em direção a Park — Por isso aparentam serem tão inteligentes.

Baekhyun sentiu um arrepio nos braços com a provocação do parceiro. Admirava a audácia dele em questionar o intelecto de Chanyeol daquela maneira. Talvez tenha sido uma estratégia de atacar o assassino antes que ele o fizesse. Não sabia dizer se foi um bom movimento, mas aguardava para ver os resultados. Estava curioso para saber o que Park faria a seguir.

O que te motivou a se tornar detetive, Sehun? — foi uma pergunta inesperada e ambos os detetives ficaram intrigados com a súbita mudança de assunto.

Por um instante, houve hesitação por parte do mais novo. Enquanto isso, os olhos de vidro do assassino faiscavam como quem tem um plano diabólico em mente. Isso fez com que Baekhyun ficasse atento a qualquer sinal de perigo para seu parceiro. Sabia que Park não era estúpido de atacar um oficial na prisão, mas ainda preferia se precaver e estar pronto para tudo.

Eu gostava de ler romances policiais. — respondeu, simplista.

Park estreitou o olhar e sua postura tornou-se ainda mais ameaçadora. Para o detetive, que apenas assistia tudo, era estranho vê-lo sob aquela perspectiva. Já estava acostumado com seu humor atrevido e o modo como o encarava maliciosamente, deixando claro suas intenções impuras; era quase como uma brincadeira entre eles. Mas ali, com Sehun, era completamente diferente. Pela primeira vez, Baekhyun realmente o achou assustador. Logo, começou a se perguntar se era daquela forma que ele abordava suas vítimas e se pegou em um devaneio imaginando tal cena.

Gostava de escrever romances policiais, Sehun? — o tom que Park utilizava ao pronunciar o nome do mais novo era carregado de prepotência.

Sim. — demonstrou estar entediado com o rumo da conversa. Baekhyun não soube dizer se ele realmente estava se sentindo assim ou se era uma estratégia.

Interessante. Sabe, — Park cruzou os braços despretensiosamente — escritores de histórias policiais costumam ser péssimos detetives. Afinal, o autor está planejando todo o crime, então, ele pensa como um assassino e não como o investigador. — ergueu o canto dos lábios — É só uma teoria, claro.

Subitamente, Sehun ficou tenso, mas manteve-se inexpressivo. Por uns instantes, desviou o olhar em direção a Baekhyun, que interpretou aquilo como sendo um pedido de ajuda, porém, havia outra coisa que não soube identificar. Talvez, medo? No entanto, não teve tempo de pensar em alguma coisa e, logo, o parceiro tinha desviado a atenção novamente para o assassino que os observava.

Quanta insegurança, Sehun. — provocou Park — Está apaixonado pelo detetive Byun? — disparou, o que fez Baekhyun encará-lo surpreso enquanto Sehun apenas franziu o cenho como se tivesse ouvido alguma piada sem graça.

Não. E você? — rebateu e o detetive o encarou desacreditado no rumo que aquela conversa tinha tomado. Por um momento, teve medo de que o parceiro tivesse descoberto sobre o envolvimento que teve com Chanyeol.

É claro que o motivo da sua insegurança não é algo tão banal quanto uma paixão reprimida. — sorriu cínico — O seu segredo é muito mais sombrio, não é? Por isso passou a vida tentando preencher sua cabeça com trabalho e fingir que nada aconteceu. Gosta de assassinos, Sehun? — inclinou-se suavemente para frente e Baekhyun podia sentir Park queimando o parceiro com o olhar — Talvez se identifique mais conosco do que queira admitir.

O detetive ainda estava atordoado com a menção de seu nome na conversa. Afinal, qual foi o propósito daquela pergunta? E por que Sehun rebateu daquele modo? Baekhyun tentava entender o que estavam pensando ao seu respeito. Mas, talvez, não significasse nada, poderiam apenas querer alfinetar um ao outro e deixar o clima desconfortável — o que realmente aconteceu.

Você acha que sou eu, não é? — indagou o mais novo. Foi então que o detetive entendeu onde Park queria chegar. — É uma teoria patética.

Eu acho que todos nós aqui sabemos que as aparências enganam. — fitou Baekhyun rapidamente e o detetive se tencionou com a insinuação. Naquele ponto, até mesmo um idiota teria percebido que existe um segredo entre eles.

Não tem nada que eu possa dizer para fazê-lo mudar de ideia. Se foi para isso que me chamou, eu acho que terminamos aqui. — falou antes de se levantar e sair pela porta sem mais explicações, deixando o detetive e Park sozinhos.

Por um breve segundo, o ambiente ficou silencioso. Baekhyun tinha muito a processar sobre o que tinha presenciado. Já suspeitava que tinha algo errado com seu parceiro, mas ser o assassino copiador? Não era impossível, porém, era absurdo devido às circunstâncias. Talvez houvesse um segredo sombrio em seu passado — assim como havia no seu —, entretanto, não via provas suficientes para acusá-lo de ser um criminoso em série.

Não devia ter feito isso. — foi tudo que conseguiu dizer a Park que, agora, tinha uma postura mais relaxada e cruzava as pernas ao invés dos braços.

Eu peguei leve com ele. — falou naturalmente — Tinha que eliminar as minhas suspeitas.

Suas suspeitas de que ele é apaixonado por mim? — provocou erguendo uma sobrancelha e vendo o familiar sorriso libertino que o maior sempre exibia para si. — Por que perguntou isso? — não podia conter a curiosidade.

Não gosto de concorrência. — o detetive não sabia dizer se ele estava brincando ou falando sério, mas optava pela primeira opção.

Que presunçoso. — riu anasalado enquanto pousava a pasta que trouxe em cima da cama, ao seu lado. — Tenho uma proposta para lhe fazer. — encarou o assassino, que retribuía com a típica malícia usual.

Estou excitado para ouvi-la. — o duplo sentido não passou despercebido.

Neste arquivo, — apontou para a pasta — tem o caso de uma garota desaparecida chamada Lana Torres. O FBI se recusa a investigar sob alegações de que não existem provas suficientes. Quero que você me ajude a encontrá-la. Será um teste para ver se conseguimos trabalhar juntos. — cruzou as pernas — O que me diz?

Interessante. — inclinou-se para frente até ficar numa proximidade perigosa do detetive, que não recuou, manteve-se imóvel e com o olhar fixo em Park. O maior puxou a pasta e se afastou. Naqueles segundos, Baekhyun teve certeza que a gravidade ficou mais pesada. — Fico contente que tenha me escolhido como seu parceiro. — insinuou — Eu aceito. — abriu a pasta e analisou o conteúdo.

Veremos se somos compatíveis como Rei e Rainha. — atiçou de maneira ardilosa e recebeu um olhar satisfeito de Park. Suas íris escuras faiscavam ambiciosamente, deixando evidente o quanto ele estava ansioso por aquilo. Já Baekhyun, ergueu o canto dos lábios sentindo que estavam progredindo.

Sabe, — ele fechou a pasta e depositou-a acima da mesa ao lado — seu cabelo molhado me lembra da nossa primeira noite. — o detetive sentiu a barriga gelar. Logo, as íris de Park se escureceram e Baekhyun foi envolvido pela intensidade que o maior emanava. — Eles estavam desse jeito enquanto você estava em cima de mim. — sorriu descaradamente.

É mesmo? — ergueu uma sobrancelha — Eu me lembro melhor de quando você estava ajoelhado entre minhas pernas. — rebateu vendo os olhos alheios arderem diante da ousadia. Sabia que Park não esperava que tivesse esse tipo de atitude e divertia o detetive surpreendê-lo.

Não deveria me provocar dessa forma. — sua voz saiu mais rouca do que o de costume. Praticamente engolia o detetive com o olhar.

Baekhyun se levantou e cortou a distância entre eles, inclinando o corpo para baixo e pousando as mãos sobre as pernas de Park, espalmando-as na região da coxa sem nenhum pudor. O ambiente ficou quente a ponto de fazer o detetive ofegar levemente. Era como se, subitamente, estivesse debaixo do sol em dias de verão. Não era uma sensação ruim, mas era incômodo senti-la quando estava coberto de roupas pesadas como aquele terno.

Seu rosto estava a centímetros de Chanyeol e, enquanto se encaravam, sentiu como se tivesse sido engolido para dentro das íris castanhas. Como um ímã, seu corpo parecia ser puxado na direção do maior. Se não se controlasse, cederia ao impulso de beijá-lo.

Ou o quê? — sussurrou em tom de desafio.

Park não respondeu, apenas sorriu perverso e ficou parado, aguardando a próxima ação do detetive. Porém, essa não veio. Baekhyun queria observar de perto a forma como ele o encarava, queria sentir na pele e gravar perfeitamente em sua memória, para que nunca se esquecesse. No fundo, gostava de ser o único a receber aquele tipo de atenção do maior. Infelizmente, não tinha muito tempo sobrando e sabia que seria suspeito demorar muito depois do ocorrido com Sehun que, provavelmente, o aguardava impaciente do lado de fora.

Bom, eu preciso ir. — falou enquanto se afastava, sentindo o ar entrando novamente em seus pulmões. Já estava a caminho da saída quando Park segurou sua mão e o impediu que prosseguisse.

Pense em mim enquanto estiver tomando banho. — murmurou antes de abrir um meio sorriso atrevido. Baekhyun soprou uma risada e sentiu sua mão sendo solta.

Já faço isso. — respondeu em um sussurro antes de se virar e sair sem olhar para trás; caso olhasse, sabia que não conseguiria ir.

Aquela foi a primeira vez que saiu daquela cela com a palavra final. Sentia-se vitorioso, embora soubesse que nenhuma batalha havia sido vencida. Ao mesmo tempo que era invadido por uma sensação boa, também a temia. Entendia perfeitamente o motivo de ter gostado da companhia de Park naqueles últimos minutos — e nos últimos dias — e o que lhe atraía: adrenalina. O perigo iminente era excitante e o fez sentir o gostinho do seu antigo vício. Não sabia que sentia tanta falta daquele sentimento até prová-lo novamente. Atualmente, não era tão impulsivo quanto antigamente e, embora aquilo fosse estimulante, tinha consciência dos riscos e controle de suas ações.

No momento que colocou os pés no corredor, retomou sua linha de raciocínio e avistou Sehun parado a alguns passos de distância, o rosto abaixado e os braços cruzados como se estivesse em um profundo devaneio. Com a cabeça no lugar, seguiu em direção ao parceiro, que logo notou sua aproximação e ergueu o olhar. Não aparentava estar com raiva, mas sim melancólico. Por um momento, se sentiu mal por ter se divertido alguns instantes atrás.

Você está bem? — indagou.

Sim. Só estava repensando sobre tudo.

Pegaram seus pertences e saíram do presídio em silêncio. Não queriam conversar sobre aquilo ali e esperaram até que estivessem dentro do carro para iniciarem um diálogo. De acordo com Sehun, Park era extremamente narcisista, algo comum em psicopatas, e tinha a habilidade de virar qualquer situação ao seu favor, sem medo de cutucar as feridas dos outros. Foram as análises óbvias e o detetive notou que o parceiro estava com dificuldade em pensar logicamente sobre o assunto. O tal segredo que Chanyeol mencionou parecia ter um grande peso sobre o mais novo, não sabia se deveria perguntar sobre, e achava que, mesmo se o fizesse, Oh não o revelaria, ao menos não agora.

Baekhyun também tinha medo de que, caso começasse a fazer perguntas, o parceiro também faria a ele. Não confiavam plenamente um no outro — ou achava isso — então, deixou que as coisas fluíssem naturalmente por enquanto. De toda forma, precisava focar no caso da Lana antes que seu chefe o importunasse ou o designasse para outra tarefa. Tinha que aproveitar o tempo que possuía e algo lhe dizia que, eventualmente, chegaria uma oportunidade de Sehun e ele serem totalmente honestos um com o outro.

[...]

Naquela tarde, o detetive se encarregou de visitar a casa de Lana Torres e tentar descobrir algumas pistas. O local não era precário, ao contrário, a residência, embora pequena, era bem cuidada e tinha um clima aconchegante de família reunida para a ceia de natal, algo típico e tradicional. Por todos os cômodos, pode ver decoração característica da cultura mexicana, o que demonstrava que eles não tinham vergonha de suas raízes. Aquilo deixou Baekhyun reflexivo enquanto relembrava de como seus pais faziam de tudo para esconder sua linhagem asiática e se misturarem entre os americanos nativos.

Não sabia muito sobre suas origens, lembrava-se de passar o fim de ano com sua avó materna e que esta lhe contava algumas histórias, porém, era muito novo naquela época e pouca coisa restou em suas memórias. Com seus pais, tudo que aprendeu foi violência e intimidação. Era deprimente para o detetive revirar sua infância e adolescência, por conta disso, balançou a cabeça, espantando aqueles pensamentos, e focou apenas no presente e em encontrar a garota desaparecida. Ao contrário dele, ela ainda poderia ser salva.

Senhora Torres foi extremamente gentil e não parava de agradecer pela chance que tinha recebido. Ela apresentou seus outros dois filhos, Miguel e Henrique, ambos na faixa dos quatorze anos, estes também receberam o detetive de forma educada e receptiva. Quanto ao marido, ele era ausente; não sabiam o paradeiro e não pareciam dispostos a irem atrás. Por um instante, Baekhyun cogitou a ideia da menina ter sido raptada pelo pai. Não tinha nenhuma pista acerca disso, mas sempre mantinha-se aberto a teorias.

Este é o quarto dela. — anunciou a mulher antes de abrir a porta. Seus olhos lacrimejaram com a visão do cômodo e o detetive presumiu que ela não entrava ali com frequência. — Fique à vontade para investigar.

O ambiente não tinha nada de incomum, Baekhyun viu diversas revistas, livros e brinquedos antigos. Lana parecia ser uma garota introvertida, notou muitas roupas compridas e sapatos fechados, ela não aparentava gostar de chamar atenção como o FBI achava. Ali o detetive soube que nenhum dos outros agentes sequer se deram ao trabalho de ir até a casa da garota. Senhora Torres afirmou que a filha não era do tipo namoradeira, tinha tido uma paquera com um vizinho, mas nada sério.

Ela ficou com uma reputação ruim após recusar sair com um garoto da escola. Esses meninos de hoje são bem cruéis, sabe? — dizia enquanto aguardava o detetive concluir a análise — Lana é uma ótima moça.

Eu entendo. — murmurou lembrando dos seus tempos de colégio e do quanto os rapazes conseguiam ser babacas. — Senhora, tem algum homem adulto que mora sozinho aqui no bairro? — indagou enquanto se dirigia até a janela e observava as outras casas.

Ah, acho que não. Todos que conheço são casados.

Nenhum demonstrou comportamento suspeito? — virou o rosto em direção a mulher sentada sobre a cama — Pode ser honesta comigo.

Por um momento, senhora Torres ficou em silêncio. Imaginou que ela estava hesitante em denunciar alguém, provavelmente uma pessoa que deveria ter uma reputação perigosa pelo bairro.

Tem o Lion no fim da rua. — começou, insegura — Ele deve ter uns vinte e oito anos e mora com a mãe. É um rapaz… Excêntrico.

Ele tem histórico de assédio ou violência?

Não… Bem, não sabemos de nada que ele tenha feito com alguma moça, mas tem algo suspeito. Ele parece ser parte de alguma dessas seitas, anda por aí falando e usando coisas macabras. Meus filhos dizem que é só fantasia, porém, nessas horas, toda informação é válida.

Nisso a senhora tem razão. — concordou enquanto anotava as novas informações em um pequeno bloco de notas que trouxera consigo — Vou investigá-lo. Bem, por enquanto é só isso. O quarto está limpo, creio que sua filha não era íntima do sequestrador. Se fosse, teriam presentes, bilhetes, qualquer rastro de algum relacionamento às escondidas.

Muito obrigado, detetive. E o que eu faço agora? — perguntou enquanto se levantava da cama, aflita.

Me avise de qualquer coisa que descobrir. Farei o mesmo, não se preocupe.

Senhora Torres agradeceu novamente antes de guiar o detetive em direção a saída. Logo, Baekhyun seguiu para seu carro e deu uma olhada na rua antes de ligar o motor e se dirigir para a escola onde Lana estudava. Sua única certeza era que ela tinha comparecido à aula naquele dia e foi confirmado pelos professores que permaneceu até o encerramento, às três da tarde. Depois disso, a garota poderia ter ido para qualquer lugar com qualquer um. Não era fácil rastrear pessoas desaparecidas, mas, naquele caso, Baekhyun sabia que deveria ser obra de algum predador sexual e que o criminoso não deveria morar muito longe dali. Provavelmente, ficava observando as meninas saírem e espreitando quem era a presa mais fácil.

Por uns instantes, aguardou para ver se algum carro suspeito aparecia, mas nada aconteceu. Deu algumas voltas aos arredores da escola, procurando um ponto cego onde seria perfeito para um criminoso se esconder. Encontrou um lugar abaixo de uma árvore há alguns metros de distância do portão da escola. Era visível, mas passava despercebido, especialmente de pessoas desatentas como estudantes.

Supondo que Lana tenha ido para casa, Baekhyun fez o trajeto da escola até a residência Torres. No caminho, observou atentamente as moradias, mas todas aparentavam ser normais, nada de incomum. De acordo com os cálculos, a garota não levaria mais de vinte minutos andando, no entanto, era um espaço extenso para investigar num único dia. Sabia que de nada adiantaria ficar vagando por ali, precisava de alguém que conhecesse os moradores, ou apenas dar uma olhada no banco de dados do FBI. Como a última opção era mais rápida, optou por ir até a base de Quântico e seria até benéfico para si mostrar a cara por lá e dizer que ainda estava vivo.

Para sua sorte, Holden não estava presente e a maioria dos agentes ficavam intimidados em tentar puxar assunto com o detetive, portanto, conseguiu utilizar sua sala sem ser incomodado. Fez cópias da lista de moradores dos arredores onde Lana tinha desaparecido e checou por antecedentes criminais, porém, só havia alguns casos de ex-viciados e alcoólatras, nada que fosse alarmante. Quanto a Lion, o suspeito que a senhora Torres mencionou, tinha algumas passagens na polícia por vandalismo e pichação de propriedade privada, mas nada sobre abusos sexuais ou assédio. Descartou todos que tinham filhos — crianças e adolescentes — e marcou apenas casais que moravam sozinhos ou homens solteiros que viviam com algum familiar.

Quando recolheu tudo que precisava, deixou a base e seguiu para seu apartamento que estava praticamente abandonado. Pensou em arrumar o local, mas optou por focar no caso primeiro e depois pensaria sobre outras tarefas. Lá pelo anoitecer, recebeu uma ligação de Sehun pedindo para se encontrarem no dia seguinte para conversarem sobre Park e o detetive concordou, deixando marcado para o fim da tarde. Teria que reservar o restante para sua investigação pessoal.

No entanto, mesmo com a mente fervilhando com o novo caso, isso não o impediu de pensar em Park Chanyeol quando entrou no banho. Não fazia nada despudorado como disse, inclusive, deixava a temperatura fria para que conseguisse amenizar aqueles pensamentos que surgiam sem permissão. Gostava de provocá-lo e do jogo que faziam um com o outro, mas não queria ser ingênuo e nem impulsivo; tinha que manter a cabeça no lugar e se lembrar que estava andando sob um campo minado, precisava calcular cada passo que dava para não explodir tudo ao seu redor.

[...]

Naquele amanhecer, a chuva deu uma trégua e apenas as nuvens acinzentadas se faziam presentes no céu. Seguindo a rotina, Baekhyun saiu cedo e ansioso para ouvir o que Park tinha a dizer sobre aquele caso. Seus instintos lhe diziam que conseguiria ajudar a família Torres, além disso, precisava entender como trabalhar com alguém como Chanyeol às escondidas. Afinal, quando fossem atrás do copiador, fariam isso por baixo dos panos também, exceto por Sehun, que era o único envolvido na investigação além deles. Por mais que desconfiasse do parceiro, o mesmo permanecia de licença do trabalho, então tinha seus segredos e não tentaria fazer alguma coisa que os colocasse em risco — assim esperava.

Tudo seguiu em seus conformes e o detetive estava se habituando com o cenário penitenciário fazendo parte de seus dias. Tinha decorado o caminho até a cela de Park e parou de ficar nervoso enquanto passava pelos corredores, restando apenas o característico frio na barriga, que indicava mais expectativa pelo encontro do que insegurança. Baekhyun orgulhava-se de si mesmo por isso.

Quando adentrou a cela, trocou um sorriso astuto com Chanyeol, que estava sentado na beirada da cama de frente para a cadeira vazia. Na mesa, a pasta que havia deixado e alguns desenhos perfeitamente empilhados um ao lado do outro. Não deixava de se admirar com a aparente organização do maior. Logo, tomou seu lugar, ocupando o assento livre e pousou outra pasta no colo, com as novas informações que tinha encontrado.

Você está estonteante, Baekhyun. — foi o modo de Park cumprimentá-lo. O detetive esticou o canto dos lábios brevemente, sem quebrar o contato visual com o rapaz de cabelos cacheados.

Por um instante, permitiu-se observar os fios encaracolados do maior. Estes estavam mais espessos por conta da falta de corte e, provavelmente, do shampoo de baixa qualidade da prisão. Passou a achar engraçado em como a aparência de Park destoava, os cabelos o conferiam um aspecto jovial, mas o macacão laranja e o porte físico eram ameaçadores e marcavam a verdadeira natureza daquele homem peculiar.

E como vai a nossa investigação? — arqueou uma sobrancelha.

Interessante esse caso. Eu não pude fazer muitas deduções fora do óbvio, apenas uma, que considero uma opinião pessoal.

E qual é?

Foi alguém que trabalha na escola.

O que te levou a essa conclusão?

Park ficou em silêncio por breves segundos. Não estava hesitante, parecia procurar pela melhor forma de se explicar. Enquanto isso, desviou o olhar, fitando algum ponto atrás do detetive. Era a primeira vez que via o assassino pensativo. Em todo momento ele estava sempre atento a cada movimento seu, raramente abria espaços para ser observado sem fazer o mesmo.

É a opção mais provável até agora. — voltou a fitar Baekhyun — Mas suponho que tenha trazido informações novas. — apontou para a pasta no colo do detetive.

São os nomes dos vizinhos. — entregou os arquivos ao rapaz — É muito comum em casos de sequestro o criminoso morar perto da vítima.

Park repassou as folhas cuidadosamente e concentrou-se, por alguns instantes, apenas nos documentos. O detetive o observava com uma enorme curiosidade de poder ter um vislumbre do que se passava na cabeça do assassino. Imaginava se ele fazia tabuleiros mentais para analisar tudo ou se utilizava outros meios, afinal, será que o cérebro dele funciona continuamente como um jogo? Ou existia algum minuto, mesmo que breve, onde ele pensava em banalidades como as pessoas comuns fazem? Perguntava-se se existia alguma parte dele que fosse genuinamente livre de estratégias e ambição. Se pegou curioso sobre os desejos mais profundos que habitavam em Chanyeol. O que teria levado ele a matar? Seria uma maldade intrínseca ou fruto da crueldade no mundo? Queria questioná-lo sobre isso.

Sinto seus olhos me queimando, Baekhyun. — comentou o rapaz de cabelos cacheados antes de erguer a cabeça e lançar um sorriso de canto ao detetive. Não escondeu seu contentamento em saber que estava sendo observado tão atentamente.

Agora, sabe como eu me sinto todos os dias. — retrucou e Park soprou uma risada — E então, o que você acha? — fez sinal com a cabeça em direção aos papéis.

Quem são esses nomes que você riscou?

Casais com filhos abaixo dos dezoito anos. — Chanyeol fez sinal de desaprovação — Eu sei que isso não os descarta como suspeitos, — esclareceu — porém, descarta a opção de que escondam a vítima na residência familiar.

Nisso você está certo. — concordou — Seu plano é investigar as possíveis casas que servem de cativeiro primeiro?

Exatamente. Mas, confesso que fiquei intrigado com o que disse sobre a escola.

É natural que não desconfiem de professores ou trabalhadores educacionais. Eles inspiram confiança facilmente.

O que os tornam predadores invisíveis. — murmurou reflexivo — Investigarei sobre isso durante a tarde. E o que me diz sobre esse Lion?

Ele me lembra o Cameron. — olhou rapidamente para a imagem do rapaz excêntrico e depois voltou a mirar o detetive — Tenho certeza que ele não oferece nenhum perigo. Entretanto, vale a pena verificar. — Baekhyun pode notar um vislumbre de nostalgia perpassando as íris castanhas alheias.

Cameron não era perigoso? — indagou sem querer perder a oportunidade de descobrir mais sobre aquela parte da vida dele.

Depende da sua definição para perigoso. Ele nunca machucou alguém fisicamente, se é isso que quer saber. Na verdade, ele não teve tempo o suficiente para que pudesse fazer isso. — desviou o olhar. — Posso sentir sua curiosidade borbulhando, Baekhyun. — voltou a encarar o detetive.

Faz parte do nosso trato, se lembra? — arqueou uma sobrancelha — Eu conto sobre mim e você conta sobre si mesmo. Até agora, você não me revelou muito sobre seu passado.

Justo. — concordou — Quando quer começar?

Por enquanto, foque em encontrar a Lana. Afinal, temos que ver se conseguimos trabalhar juntos. Não é esse o propósito de tudo?

Uma parte, sim. — apoiou os cotovelos sobre as pernas e inclinou-se na direção do detetive — Mas não tudo. — seus olhos faiscaram.

Pensei que eu só lhe fosse útil como sua Rainha. — também inclinou-se para frente de propósito. Não recuaria em nenhum avanço vindo do assassino.

Eu também pensei isso. — diminuiu o tom de voz — Parece que nós dois estamos fazendo descobertas, Baekhyun . — fez questão de enfatizar o nome dele.

E aquelas palavras se repetiram em um ciclo infinito na mente do detetive durante o restante do dia. Não deixou que atrapalhasse seu foco e determinação em solucionar o caso da Lana, porém, elas continuavam ali como um plano de fundo, alguém sussurrando pelos bastidores. Queria ter perguntado a quais tipos de descobertas ele se referia, mas não o fez, deixou a questão no ar por enquanto. Sabia que essa tinha sido a intenção de Park ao dizer aquilo, apenas provocá-lo, fazer questão que sua voz ecoasse na mente de Baekhyun mesmo quando não estivesse presente.

No começo da tarde, o detetive seguiu para o bairro onde Lana morava e interrogou o tal Lion, descobrindo que o rapaz sofria de Transtorno de Personalidade Esquizotípica, o que explicava o comportamento que os moradores julgavam como bizarro e excêntrico. Inicialmente, pensou que pudesse ser atuação da parte dele, mas a mãe confirmou com documentos dos médicos e, inclusive, deu o telefone deles para que pudesse verificar por conta própria. E, naquele momento, pensou se Cameron sofria de algo parecido; provavelmente sim e, como Lion, não deve ter recebido muita ajuda e compaixão das outras pessoas.

Quanto aos outros moradores, não havia nada anormal; só alguns que não deram permissão para que sua casa fosse revistada. Infelizmente, o detetive não podia obrigá-los a isso e apenas anotou quem se esquivou da investigação para analisar calmamente depois. Havia diversas residências que podiam facilmente esconder um porão ou sótão para uma vítima encarcerada. Permaneceu por algumas horas observando o movimento da rua e notou que era muito quieta e pacífica, o que tornava ainda mais fácil para um predador.

Por fim, seguiu para a escola e solicitou uma lista com todos os funcionários, desde zeladores a professores. Como esperado, não havia nenhum aparentemente suspeito ou com ficha na polícia. Logo, recebeu um e-mail da senhora Torres que reuniu as fotos que sua filha tirou nos últimos meses, desde encontro com os amigos a reuniões familiares.

Como tinha que se encontrar com Sehun, não teve tempo de analisar tudo como gostaria. Deixou o material recente em seu apartamento antes de seguir para a casa do parceiro.

[...]

Baekhyun bebericava sua xícara de café enquanto observava Sehun cozinhar algum prato que ele desconhecia. Não tinha pretensão de permanecer ali por muito tempo — precisava dedicar-se ao caso da Lana —, porém, não havia comido nada o dia todo e nem se lembrava da última vez que fez uma refeição de verdade, sem ser algo congelado; então acabou aceitando o convite do parceiro para que o acompanhasse no jantar. Pelo que o detetive via, ele parecia habilidoso na cozinha; extremamente organizado e sem deixar sujeira para trás, mantinha o ambiente impecável enquanto seguia de um lado para o outro.

Honestamente, eu acho que Park Chanyeol pode ser o assassino mais perigoso que conheci. — dizia ao passo que terminava de mexer em uma das panelas no fogão — Ele não quer apenas matar. Existe uma ambição maior, me parece que ele acredita estar dentro de uma teia de conflitos.

O que quer dizer com isso? — questionou dando um último gole no café antes de abandonar a xícara ao seu lado.

Ele pensa que está em uma guerra contra o mundo e pode criar paranoias conspiratórias por conta disso. — o detetive sabia que o parceiro estava se referindo às acusações que o assassino fez contra si. Não negava que eram absurdas, mas também era suspeito. — E ele tem um interesse peculiar em você. — comentou antes de retornar ao balcão onde Baekhyun estava sentado. Puxou um pano e começou a limpar a superfície do mesmo.

Ele só quer me provocar para causar distração. — fingiu não se importar com aquele assunto, dando de ombros.

Sehun assentiu antes de colocar o pano no que parecia ser um cesto de roupa suja e depois retirou o avental azul escuro; o dobrou cuidadosamente e o guardou em uma das gavetas. Em seguida, pousou os braços sobre o balcão, de frente para o detetive que tentava parecer o mais natural possível. Era estranho para Byun estar em um ambiente tão comum com o parceiro. Tinham passado tanto tempo apenas no âmbito profissional que Baekhyun nunca o viu como uma pessoa normal que pode ser um ótimo cozinheiro e ficar elegante em suéteres cinzas.

Creio que você sabe a história de Ted Bundy, certo? — o mais velho assentiu — Enquanto estava na cadeia, ele teve um filho. Era comum que recebesse muitas cartas de admiradoras.

Onde quer chegar? — indagou ao passo que encarava Sehun. Já sabia o que ele queria dizer e não pode evitar de ficar ansioso a respeito.

Homens como eles são manipuladores. O perigo pode parecer atraente, mas não é. — o tom de alerta irritou o detetive.

Talvez algumas pessoas sejam atraídas por serem iguais a eles. — lançou um olhar desafiador para o mais novo. Sabia que era arriscado falar daquela forma, e que deveria ser cauteloso, no entanto, não pode evitar. Pensou que Sehun o daria um olhar indignado ou de desprezo, mas, ao invés disso, foi condescendente. — Nunca sabemos do que alguém é capaz. — acrescentou.

Sim. — meneou a cabeça — Quanto a isso, concordo plenamente com você. — uma sombra melancólica passou pelo rosto do mais novo antes dele desviar o olhar e ajeitar os óculos. — Está quase pronto. — falou enquanto se dirigia ao fogão e deixava aquele assunto morrer.

Quando Sehun começou a colocar os pratos na mesa, foram surpreendidos por duas batidas fortes na porta. No mesmo instante, ambos olharam em direção a sala de estar, curiosos.

Está esperando alguém? — o detetive perguntou antes de voltar a fitar o parceiro.

Não. — checou seu relógio de pulso — Já passou da hora do correio. — deu alguns passos para fora da cozinha. Logo, mais duas batidas foram ouvidas. — Vem comigo, rápido! — pediu antes de sair apressado em direção ao escritório. Sem hesitar, Baekhyun o seguiu.

Chegando lá, o detetive viu Sehun correr para os computadores e digitar alguns comandos antes de várias imagens de câmeras de segurança surgirem nos dois monitores. Todos os cômodos — exceto banheiros — tinham vigilância, assim como o lado de fora, tanto nos fundos da casa quanto na entrada. No começo, pareceu estranho tanta prevenção de segurança, mas Baekhyun não o questionaria sobre isso, afinal: era normal os membros do FBI ficarem obcecados com proteção depois de terem perseguido criminosos extremamente perigosos.

Um homem encapuzado estava parado na porta de entrada. Não fazia nada, apenas ficou ali por um tempo antes de sair, deixando alguma coisa no chão, parecia uma espécie de carta ou bilhete. Inicialmente, não entenderam o que estava acontecendo, mas era fácil deduzir que foi uma ameaça. Baekhyun olhou por cima do ombro em direção ao quadro de investigação e teve um péssimo pressentimento. Puxou a arma do coldre e viu Sehun puxar um revólver de debaixo da mesa. Fizeram sinal um para o outro e seguiram em passos surdos em direção a sala.

Passaram pelo cômodo em silêncio e chegaram à porta de entrada. Através do olho mágico, Sehun verificou se o homem misterioso tinha realmente ido embora. Sinalizou para o detetive e se prepararam para sair. O mais novo ficou atrás da porta enquanto Baekhyun ficou na outra extremidade, a arma em punho e o ombro encostado na parede.

Cuidadosamente, Sehun destrancou a porta e girou a maçaneta, procurou fazer o mínimo de ruído possível. Um rangido baixo ecoou quando a porta foi aberta e o ar noturno entrou e levou um arrepio até a espinha de Baekhyun, que não pensava em nada no momento, estava concentrado demais na ameaça de perigo. Por alguns segundos, nada aconteceu, então ambos espiaram e não encontraram ninguém do lado de fora. Tudo parecia tranquilo, mas ainda se mantinham preparados para algum ataque surpresa.

No chão, próximo ao tapete de entrada, havia um envelope branco do tamanho de uma carta comum.

Me dê cobertura. — pediu a Baekhyun, que manteve o olhar afiado ao redor enquanto o parceiro se abaixava para apanhar a carta misteriosa. Uma vez com esta em mãos, retornaram para dentro e trancaram a porta novamente.

Sehun guardou o revólver na calça e, em seguida, abriu o envelope. Dentro, havia uma foto polaroid de um homem com a garganta cortada.

Quem é ele? — indagou o mais velho.

É meu contato sobre o copiador… ou, era. — sua voz estava carregada e, embora fosse visível que estivesse assustado, não tremia. — Tem mais… — murmurou enquanto puxava um bilhete de dentro do envelope. Nele, estava escrito apenas uma palavra com letras cursivas em tinta preta:

Xeque.”

Chapter 7: Zugwang

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Capítulo 7 – Zugwang

Baekhyun e Sehun encontravam-se em estado de alerta máximo. A tensão no cômodo era palpável e, devido à adrenalina recente, conseguiam escutar até mesmo as respirações um do outro — esse detalhe estava irritando o mais velho — e qualquer outro ruído. Toda casa permanecia em silêncio enquanto ambos estavam perdidos dentro de suas próprias teorias fervilhantes.

Sehun tinha contado sobre aquele misterioso jornalista e que este estava atrás do Assassino do Xadrez e do copiador durante meses. Parece que ele realmente conseguiu chegar muito perto do último citado, o que instigou os detetives a perseguirem as pistas deixadas pelo tal homem que, agora, não estava mais entre os vivos. De toda forma, eles suspeitavam que algum rastro existia, mesmo que mínimo. Cogitaram a ideia de irem investigar a casa do falecido, entretanto, não sabiam se ainda estavam sendo vigiados. Qualquer passo em falso poderia ser fatal naquele momento e a pressão da situação parecia fazer a gravidade pesar sobre seus ombros. Era difícil até mesmo de respirar.

Passaram-se cerca de vinte minutos antes que voltassem a interagir. Nesse tempo, o parceiro não tirou os olhos das câmeras de segurança e Baekhyun perdeu-se em pensamentos relacionados a Park Chanyeol e seu envolvimento nisso. Sua intuição lhe dizia o que seria necessário fazer em breve, porém, aquilo deixava o detetive mais nervoso. Sua cabeça latejava enquanto analisava aquela opção radical e extremamente perigosa. Duvidava que fosse capaz de realizar aquele plano sozinho e não sabia se poderia contar com Sehun. Aliás, ainda tinha Lana Torres e não poderia abandonar a garota logo agora que estava avançando na investigação. Estava sobrecarregado e precisava focar em um assunto de cada vez ou surtaria.

Preciso ir até meu apartamento. — anunciou e Oh o encarou como se tivesse dito algo absurdo. — Pode vir comigo ou ficar aqui, você que sabe. — fitou o parceiro com o olhar determinado.

Sehun suspirou:

O que é tão importante para que precise ir lá?

O detetive cruzou os braços e ficou na dúvida se contava ou não sobre Lana. Sabia que a indecisão só o atrasaria, então, optou por uma meia verdade:

Tenho arquivos importantes sobre o caso. Preciso pegá-los. — não mentiu, mas também não especificou a quais documentos se referia. Pode ver que Sehun suspeitou, até pensou na hipótese dele recusar, mas acabou se surpreendendo:

Vamos. — foi tudo que o parceiro disse antes de se levantar.

Antes de saírem, Sehun acionou o alarme e verificou os fundos e a entrada, viu se estava tudo trancado. Obviamente que aquilo não era o suficiente para impedir uma invasão de alguém tão meticuloso e astuto quanto o copiador, porém, bastava no momento. Decidiram ir no carro de Baekhyun, afinal, o parceiro não era muito bom em lidar com o volante em estado de aflição. Deixou que o detetive o guiasse até entrarem no veículo, apressados, apenas checando o banco traseiro para ver se não tinha nada ali. Na correria, o mais velho deu partida e saiu em velocidade média pelas ruas antes de notar algo estranho.

Por precaução, Baekhyun apertou o freio, mas não funcionou. Repetiu o ato três vezes antes de ter certeza que aquilo tinha sido manipulado. Praguejou mentalmente por ter esquecido de verificar algo tão importante, mas não esperava que o copiador fosse tão ardiloso a ponto de sabotar o seu carro. Nervoso, chutou o freio antes de soltar seu cinto e virar-se para Sehun, que o encarava com os olhos arregalados.

Pula! Agora! — foi tudo que conseguiu dizer antes de abrir a porta e, com uma mão firme no volante, respirar fundo e saltar em direção ao asfalto.

Na queda, colocou os braços na frente do rosto para se proteger, mas não pode escapar de receber algumas lesões. De primeira, sentiu apenas o baque dos cotovelos e das pernas contra o chão cinzento, pode ouvir o som do seu corpo chocando-se e teve medo de ter quebrado alguma coisa. Quando conseguiu se equilibrar, apoiou os braços doloridos sobre o asfalto e ergueu a cabeça, avistando Sehun do outro lado da rua e seu carro colidindo contra um poste depois de atropelar algumas lixeiras.

Ignorando as dores, colocou-se de pé, com certa dificuldade, e correu aos tropeços em direção ao parceiro caído que, felizmente, estava bem. O detetive sentia sua pulsação frenética retumbando em seus ouvidos, impedindo-o de escutar outra coisa, até mesmo a colisão do carro parecia um ruído distante. Seu coração acelerado parecia que explodiria em seu peito a qualquer momento, porém, eram sensações familiares para o ex militar. Tinha enfrentado aquilo tantas vezes em campo que mal conseguia se lembrar de todas elas.

Cuidadosamente, puxou o braço de Sehun e o apoiou sobre seus ombros, ajudando o mais novo a se levantar. Na queda, o parceiro perdeu os óculos e parecia desorientado sem eles, cerrava os olhos para poder enxergar. Sem tempo a perder, Baekhyun saiu da rua — puxando Oh consigo — e correu rapidamente de volta para a casa. Precisavam de um lugar seguro para se recomporem e não podiam fazer isso a céu aberto, expostos. Depois daquele ataque, não podiam prever de onde viria o próximo, ou se viria algum; de toda forma, não ficariam para descobrir.

Enquanto corriam, o detetive sentia o peito dolorido e o fôlego lhe faltando, mas isso não o impediu de conseguir chegar ao seu destino. Quando sua visão estava ficando turva devido ao excesso de esforço, alcançou a porta e respirou fundo antes de Sehun, com as mãos trêmulas, o passar as chaves. Nervoso, o mais velho destrancou a entrada e empurrou o parceiro para dentro, fechando-a após estarem seguros novamente. Ou assim esperavam.

Baekhyun recostou-se a parede e respirou fundo por alguns segundos até que sua visão voltasse ao normal, entretanto, a pulsação permanecia incessante em seus ouvidos. Sehun estava sentado no chão com as pernas esticadas, parecia sentir dor em uma delas, mas não havia ferimentos. Os dois estavam com as roupas sujas de fuligem e alguns arranhões nos braços, porém, nada grave. Quando se recuperaram, seguiram para a sala e jogaram-se acima do tapete felpudo no centro do cômodo luxuosamente decorado. O detetive esticou o corpo e fechou os olhos para tentar estabilizar seus batimentos agitados.

Que merda foi essa? — murmurou Sehun com a voz rouca.

Parece que chutamos um vespeiro. — respondeu o mais velho, que ainda mantinha os olhos fechados — Por um lado, vamos ser picados, mas, por outro, quer dizer que estamos perto do Rei. — abriu os olhos e fitou o teto branco de tintura impecável.

Eu achei que tínhamos encontrado o Rei.

Somente de um lado do tabuleiro.

Ficaram em silêncio por alguns instantes, um tentava adivinhar o que se passava na mente do outro. Baekhyun podia sentir a desconfiança do parceiro pinicando sua nuca, assim como suspeitava que o mais novo sabia que estava escondendo muitas coisas dele. Não tinha medo de admitir isso, entretanto, era um péssimo momento para começarem a temer um ao outro. Por um lado, o detetive sabia que seria extremamente sádico se Sehun tivesse planejado tudo aquilo, embora Park tivesse suas teorias, Baekhyun não concordava. Por outro, não podia negar que era muita coincidência que tudo tenha acontecido justamente quando recebeu um convite para jantar naquela casa. Mesmo que Oh não tenha nada a ver com isso, o copiador parecia ter um informante, alguém que os conhecia e sabia que se encontrariam naquela noite. Ou talvez só tenha agido como stalker e perseguido ambos, vigiando suas rotinas e analisando de perto. O detetive odiava essa última opção, ele não era desatento e dificilmente deixaria passar algo tão importante. E Sehun, com sua segurança de primeira classe, é alguém difícil de ser monitorado.

No momento, o mais velho optava pela teoria de que o copiador conseguiu as informações com uma pessoa próxima a eles. Mas, quem seria? Era essa a questão que não deixaria o detetive dormir nas próximas noites.

Sehun se levantou e caminhou, desajeitado, em direção a uma mesa com algumas gavetas, próxima ao sofá. De lá, tirou um par de óculos novos, colocando-os e voltando a ter a aparência de sempre. Enquanto isso, Baekhyun ergue-se e ficou parado no centro da sala sem saber o que fazer.

Não podemos ficar aqui para sempre. — comentou olhando ao redor antes de pousar os olhos no parceiro.

Só faz trinta minutos que estamos aqui! — retrucou, indignado — Esse é seu problema, Baekhyun, você é muito apressado! O que sugere que façamos? Ir para a rua com tochas e caçar o assassino? — sua voz se alterou e o detetive se surpreendeu em vê-lo perder a compostura. Era a primeira vez que isso acontecia.

Não. — respondeu calmamente antes de morder o lábio inferior — Mas eu preciso ir até meu apartamento. — viu Sehun revirar os olhos e passar as mãos aflitas pelos cabelos escuros.

Me dê um bom motivo. — pediu após respirar fundo. Cruzou os braços e manteve o olhar afiado no mais velho.

O detetive pousou as mãos sobre a cintura e suspirou, indeciso. Desviou o olhar brevemente, pensando se deveria ou não contar a verdade ao parceiro. No fim, optou por ser sincero, afinal, era a vida de uma garota em risco e, mesmo que Sehun não fosse confiável, ele não seria capaz de fazer mal a uma criança, nem mesmo Park fez isso. Tinha esperança que ao menos os inocentes ficassem fora desse campo minado que estavam envolvidos.

Eu peguei o caso da Lana Torres. — Sehun ficou surpreso — E estou perto de encontrá-la. Mas, preciso dos documentos para continuar a investigação.

O mais novo ponderou a situação enquanto Baekhyun aguardava sua decisão. Caso ele não quisesse participar, iria sozinho a seu apartamento. Pouco se importava, afinal: lidar com assassinos atrás de si não era problema. Porém, algo o dizia que Sehun poderia vir a ser essencial nisso e também admitia que toda ajuda seria bem-vinda agora que precisava resgatar a menina e fugir de um psicopata ao mesmo tempo. Tinha Park, mas na cadeia ele não podia fazer muita coisa; precisava de alguém do lado de fora e o ataque recente deixou isso claro.

Vamos. — foi tudo que Sehun disse antes de apanhar as chaves. Ele não era um homem de muitas palavras, assim como Baekhyun, que decidiu não questionar quando o parceiro concordou em lhe seguir.

Por precaução, Sehun sugeriu que fossem em uma caminhonete antiga que ele guardava na garagem. Mesmo assim, verificaram cada canto do veículo e se asseguraram que não tinha sido sabotado antes de dar partida e seguir ao apartamento que o detetive tanto insistia em ir.

[...]

O prédio estava normal. Na cabine, o porteiro disse não ter visto nada estranho naquela noite, além dos detetives cobertos de fuligem. Revirando os olhos, Baekhyun pediu licença para checar as câmeras de segurança e levou alguns minutos para conseguir achar algo importante. Enquanto analisava as últimas horas no andar onde morava, notou o mesmo homem encapuzado caminhando tranquilamente em direção ao seu apartamento, destrancando a porta com uma chave e entrando. Ficou lá dentro por cerca de dez minutos antes de sair e retornar para o elevador. Em nenhum momento o sujeito deixou alguma parte de seu rosto visível, até mesmo suas mãos estavam cobertas por luvas de couro preto. Ele estava longe de ser um amador e o detetive sentiu um frio na espinha ao pensar em como o perseguidor conseguiu uma cópia da sua chave. Pode ter sido do porteiro? Segurança? Não sabia dizer, haviam muitas opções. Um psicopata esperto como ele pode ter conseguido de muitas formas.

Como não viu isso? — indagou o mais velho ao porteiro, que mantinha os olhos arregalados, evidentemente assustado com a sua desatenção. Quanto ao detetive, este mantinha o cenho franzido enquanto o encarava.

Eu… Não sei, senhor… — passou a mão na testa — Perdoe-me… Ah, eu devo chamar a polícia? — perguntou confuso.

Inacreditável. — foi tudo que Baekhyun respondeu antes de sair da cabine, seguido pelo parceiro, e ir em direção ao elevador.

Enquanto subia, o detetive sentia a raiva formigando em sua pele. Era assim que respondia a tudo, a única emoção que estava intimamente familiarizado. Sua mente se resumia em um ciclo infinito de irritação, apatia e impaciência. Gostava da fase apática, era o único momento que encontrava algo próximo de paz e tranquilidade, embora nunca tenha conhecido tais sensações verdadeiramente. Logo, lembrou-se do dia chuvoso quando foi visitar Park e que tinha apreciado brevemente um sentimento diferente. No entanto, Baekhyun admitia para si mesmo que não conseguiria viver sem a adrenalina da morte iminente. O perigo é a única coisa que o faz sentir-se vivo e, por mais que o vício não o controle, ainda é difícil livrar-se completamente. No fundo, sentia prazer naquilo.

Quando as portas do elevador se abriram, o mais velho dispersou-se de seus devaneios e empunhou a arma, saindo devagar em direção ao corredor. Fez sinal positivo para Sehun e ambos seguiram até o apartamento. Como Baekhyun suspeitava, a porta estava trancada e ele sabia que o assassino fez isso para deixar comprovado que podia entrar e sair quando quisesse. Cuidadosamente, destrancou a entrada e ouviu o leve ranger da madeira. Aguardou por alguns instantes, mas nada aconteceu; um indicativo de que o caminho estava livre. Uma vez dentro, verificaram todo o local antes do detetive olhar em cima da mesa, onde tinha deixado os arquivos de Lana, e notar que eles tinham sumido. No lugar, havia um bilhete idêntico ao que receberam anteriormente:

Que merda. — murmurou Baekhyun assim que apanhou o envelope e o abriu, revelando um bilhete com as letras cursivas “xeque” .

Irritado, apertou o papel entre os dedos e sentiu o sangue fervendo. Podia recuperar os documentos sobre Lana, não era isso que o enfurecia, mas sim, ter sido enganado novamente. Odiava a sensação de ser passado para trás e ainda por cima que envolvessem uma vida inocente. Não sabia se o copiador tinha intenção de ir atrás da garota, pode ter sido apenas uma forma de debochar da polícia, entretanto, sua intuição dizia que precisava agir rápido. Logo, pensou na mãe de Lana e sentiu-se culpado. Tinha se responsabilizado por encontrá-la e era exatamente isso que faria, independente de ter um psicopata o atacando indiretamente. Furioso, chutou uma das cadeiras e sentiu um breve alívio.

Você vai me ajudar? — questionou a Sehun, este último não precisou de explicações para saber ao que o detetive se referia.

Vamos atrás dela. — essa era resposta que esperava ouvir.

No fim, restava uma esperança. Baekhyun achava irônico ter que admitir que, talvez, sua solução para tudo estivesse em Park Chanyeol. Um psicopata para derrotar outro psicopata. O detetive nunca achou que veria algo tão intrigante em sua vida; queria dizer que era horrível e doentio, porém, algo naquela batalha o fascinava e o fazia querer participar também. Riu internamente ao pensar que, talvez, fosse realmente tão insano quanto eles.

[...]

Baekhyun já estava acostumado a não dormir e, por isso, foi fácil passar a noite na casa de Sehun. Não podia retornar ao seu apartamento e um hotel também seria arriscado, a região não oferecia quartos muito confiáveis, se o copiador conseguiu uma cópia da chave em um prédio bem vigiado — nem tanto —, imagine em um hotel de três estrelas que, raramente, recebia visitantes. No fim, ser o hóspede de Sehun não foi tão desconfortável quanto pensou e ficou esperançoso de conseguir descobrir o que o parceiro tanto escondia. Entretanto, trocaram poucas palavras antes do mais novo cair no sono. Sehun pareceu relaxar sabendo que alguém estava de guarda, já o detetive aproveitou as horas de escuridão para refletir sobre sua situação.

Quando amanheceu, arrumou-se às pressas para encontrar Park Chanyeol. Precisava conversar com ele urgentemente e, por conta disso, deixou o terno de lado e foi até o presídio com uma camisa preta de manga longa e uma calça da mesma cor. Tinha deixado a maioria de suas roupas no apartamento, não teve tempo para apanhar muita coisa antes de seguir para a casa de Sehun. Porém, isso pouco importava para o detetive, tinha assuntos de vida ou morte para resolver.

Passado por toda burocracia, se viu novamente naquele imenso corredor cinzento e tenebroso que já estava familiarizado. Como sempre, um frio na barriga precedeu sua entrada na cela do Assassino do Xadrez, que o aguardava sentado na beirada da cama perfeitamente arrumada.

Bom dia, Baekhyun. — cumprimentou com o famigerado traço de malícia, característico em sua voz — Tenho boas notícias.

Infelizmente, eu não. — respondeu antes de soltar um longo suspiro e sentar-se na cadeira a frente do rapaz de cabelos cacheados. Em seguida, puxou o bilhete do bolso da calça e entregou ao moreno. — Sabe algo sobre isso?

Park analisou o papel por alguns segundos e depois esticou o canto dos lábios em uma expressão debochada.

Finalmente, começou. — disse antes de voltar a encarar o detetive e devolver-lhe o bilhete — Entretanto, me pergunto, por que agora? — franziu o cenho.

O que quer dizer?

Eu suspeito que o copiador tem sua localização faz meses. Pensei que ele atacaria antes, mas, esperou todo esse tempo. — semicerrou os olhos como se estivesse analisando um quebra-cabeça.

Sabia que ele viria atrás de mim? — A indignação era implícita em sua voz mascarada pela frustração.

E você não? — arqueou a sobrancelha — Começou a investigá-lo antes de me conhecer. Inclusive, seu parceiro pode tê-lo irritado bastante contatando aquele jornalista intrometido.

O que sabe sobre o jornalista? — a imagem do homem morto lhe veio a cabeça. O detetive achou curioso que o homem tenha tido aquele fim enquanto Sehun e ele só receberam um susto.

Sei que ele era esperto. Quase conseguiu chegar até mim uma vez. — suavizou a expressão — Comigo não conseguiu nada, porém, ele achou alguma coisa sobre o copiador, não sei o que, mas o levou a identidade dele. Tentei seguir os rastros, mas não tinha nada, tudo havia sumido.

Baekhyun franziu o cenho. Já esperava por aquilo; felizmente, não tinha cedido ao impulso de seguir as pistas do falecido. Entretanto, pensou se Park estava mentindo sobre aquilo. Ele não teria motivos para isso, mas o detetive estava inquieto desde que recebeu aquele bilhete e mal conseguia confiar na sua própria sombra. No fundo, sua irritação se devia ao fato de que, quando sentia que estava perto de tomar o controle do jogo, o perdia novamente. Estava enfurecido consigo mesmo, mais por não ter previsto o copiador do que com o próprio perseguidor.

Bom, me diga sua notícia boa. Eu acho que preciso de uma. — pediu encostando as costas na cadeira e os braços nos apoios.

Claro. — sorriu astuto antes de puxar o travesseiro e, em seguida, parte do lençol. Baekhyun observava cada movimento com curiosidade. De dentro do colchão, Park retirou um smartphone desgastado. Rapidamente, ajeitou a cama e voltou sua atenção para o detetive. — Fazer amizades na cadeia tem suas vantagens. — debochou enquanto erguia o aparelho no ar.

Conseguiu isso com um dos detentos? Como? — indagou sedento para desvendar aquela façanha. Inclinou-se para frente, mantendo os cotovelos acima das pernas enquanto analisava o celular.

Nunca subestime o poder da sedução, Baekhyun. — zombou dando um sorriso malicioso — É capaz de dobrar qualquer homem. — o detetive revirou os olhos com a indireta. Apesar de tudo, ele não estava errado. — Bom, eu passei a noite conversando com um colega de classe da Lana. Ele me revelou algo interessante.

Park entregou o aparelho para Baekhyun, que logo o apanhou nas mãos e viu o aplicativo de conversas aberto.

Você se passou por uma garota? — questionou sem conseguir conter uma risada enquanto olhava a foto de perfil e o nome “Louise”.

Como eu disse, o poder da sedução. Embora eu seja extremamente atraente, — zombou — não são todos que caem no encanto de um assassino condenado. Talvez, — estreitou o olhar — só alguns. — provocou o detetive.

Eu aprecio seus flertes, Chanyeol , — pronunciou o nome dele como se degustasse do som de cada letra — mas podemos focar no que interessa? — pediu com tom de determinação. Estava concentrado em salvar Lana Torres e não deixaria nem mesmo as provocações de Park o distraírem.

Recebeu um sorriso de aprovação do maior.

Gale, o garoto das mensagens, estuda com a Lana desde o sexto ano. Eles não são amigos, porém, estão sempre na mesma turma. Parece que a vítima era bastante introvertida e se envolveu com um rapaz errado. Enfim, isso trouxe consequências negativas para ela na escola e a fez recorrer ao conselheiro. — esticou a mão — Me permita. — Baekhyun devolveu o celular.

Está dizendo que o conselheiro é o sequestrador? — indagou enquanto sentia o peito se encher de expectativa.

Infelizmente, não posso afirmar nada. — passou o dedo pela tela e entregou o aparelho novamente ao detetive, que se deparou com uma foto da família Torres reunida. — Veja esse homem. — apontou para uma figura alta e esguia ao lado de Lana. Ele devia ter cerca de quarenta anos, o cabelo ralo denunciava. — Agora, — Park passou para a foto seguinte, uma do conselho da escola e lá estava o mesmo homem. — veja isso. Eu não encontrei nenhuma página dele na rede social, mas Gale me confirmou que esse é o conselheiro da escola.

É suspeito, mas pode não significar nada. — suspirou, pensativo — O que te faz pensar que ele é o culpado?

Bom, ele conquistou a confiança da Lana, trabalha na escola, tem uma posição que o torna invisível, passou um tempo considerável com a garota e, provavelmente, foi o confidente dela. Além disso, ele esteve na casa dela, talvez mais de uma vez, e teve acesso a tudo que precisava; inclusive, se certificar de não ser um suspeito para a mãe da vítima.

A senhora Torres nunca o mencionou — refletiu o detetive — Ele foi o único amigo da Lana nesse tempo?

Sim, parece que era a única pessoa com quem ela conversava. É a nossa melhor pista até agora.

Você tem razão. — mordeu o lábio inferior — Vou atrás dele. Tem um endereço?

É óbvio. — respondeu convencido — Está aqui. — puxou um papel de cima da mesa com o local anotado. — Infelizmente, não posso te dar o celular, meu amigo ficaria magoado. E o aparelho me ajuda a não ficar entediado. — esticou a mão, pedindo-o de volta.

Baekhyun o entregou o smartphone e Park rapidamente voltou a escondê-lo dentro do colchão amarelo.

E o que faremos em relação ao copiador?

Por alguns segundos, encararam um ao outro intensamente. Dessa vez, não era sobre provocações ou sedução, era algo diferente, como se estivessem se preparando para saltar e tudo que tinham para se agarrar era um ao outro. Entretanto, nenhum deles estava disposto a entregar a confiança numa bandeja. Para o detetive, era uma decisão complicada, afinal, como se pula ao lado de uma pessoa que você não pode confiar? Talvez pudesse em relação ao copiador, pois, assim como ele, Park detestava perder e o propósito de tudo era se unirem para dar um fim nesse jogo de uma vez. Porém, e quanto ao resto? Estar com um psicopata é como andar sobre o gelo fino; enquanto dá passos cautelosos, está tudo bem, mas, qualquer distração pode deixar passar uma rachadura fatal. Para muitos, seria extremamente exaustivo, mas, para Baekhyun, era instigante. Era a mesma sensação de estar em uma guerra, onde você não pode se distrair nem por um segundo.

Já sabemos que ele vai atacar novamente. Esteja preparado. — alertou — Ele não medirá esforços para vencer.

Nem nós.

[...]

Quando voltou a casa de Sehun, encontrou-o perdido em pensamentos na cozinha. Os cotovelos estavam acima do balcão e as mãos brincando com o garfo. Em seu prato, haviam dois ovos intocados, ele não parecia ter apetite e o detetive entendia isso perfeitamente. Só via o alimento como forma de sobrevivência. No momento, o que menos pensava era em comer alguma coisa, embora precisasse.

Por um instante, lembrou que não tinha mencionado sobre sua estadia com o parceiro para Park. Não achava relevante, porém, tinha certeza que o assassino poderia pensar diferente. Logo, o detetive achou essa ideia absurda. Não devia explicações para ninguém e devia manter sua relação com Chanyeol sob controle, sem lhe dar muita liberdade.

Frustrado, deixou esses pensamentos de lado e voltou a se concentrar em Lana. Estava muito próximo de encontrá-la, podia sentir isso e esperava que sua intuição estivesse correta.

Tenho uma pista sobre a Lana. — anunciou atraindo a atenção do mais novo para si — Quer vir comigo? — convidou.

Por um instante, os olhos de Sehun suavizaram e pareciam agradecidos. O detetive não entendeu aquela reação e achou ter sido impressão sua.

Sim. — foi tudo que o parceiro respondeu.

Baekhyun preferiu não argumentar nem citar que a pista tinha sido descoberta pelo assassino que Oh tanto desprezava. Sabia que deveria contar, porém, não o faria agora. Deixaria para conversar com ele a respeito disso quando Lana estivesse salva e sua única preocupação fosse o copiador.

Como no dia anterior, utilizaram a caminhonete de Sehun. Depois do veículo do detetive ser destruído, ficou sem opções e ainda teve que dar explicações para a seguradora. No fim, abriu mão disso e lamentou que tanto dinheiro fosse jogado fora tão rápido. Tinha que se virar com os recursos que possuía e isso não era um problema, desde que fosse capaz de se locomover pela cidade. Podia ter solicitado um automóvel do FBI, mas não queria envolvê-los, especialmente seu chefe ansioso para qualquer deslize que pudesse causar sua demissão por justa causa.

Trabalhar com assassinos tem suas desvantagens e uma delas é ter que se virar por conta própria. Por sorte, ainda tinha Sehun ao seu lado, ao menos até que ele descobrisse seu envolvimento com Park. Inclusive, suspeitava que Oh já desconfiasse de alguma coisa, mas não tratariam daquele assunto em uma situação delicada como a que se encontravam.

Baekhyun estava no volante e manobrava de maneira habilidosa entre as avenidas movimentadas. Tinha facilidade em dirigir por não ter medo do carro, sempre dizia que esse era o segredo de ser um ótimo motorista. Faça do veículo uma extensão de si mesmo e tenha em mente que o controle está em suas mãos. No entanto, como estava sem autorização do FBI, dirigia em uma velocidade reduzida. Carregava apenas seu distintivo no bolso da calça, mas não tinha intenção de usá-lo, sabia que aquela operação poderia tomar rumos inesperados.

O tal conselheiro se chamava Robert Finnigan e morava em um bairro próximo de Lana numa área de classe média cercada de casas suntuosas, a maioria em tons de branco. Tudo parecia tranquilo, exceto por um ou outro morador praticando corrida pela calçada. Quando se aproximou do número quarenta e sete, estacionou.

Ele não mora no cinquenta e dois? — indagou Sehun.

Sim. — suspirou e apertou o volante — Mas não podemos atrair sua atenção ou daremos tempo dele fugir. — mordeu o lábio inferior, pensativo.

Certo. E qual é o seu plano?

Vamos invadir. — respondeu antes de virar o rosto em direção ao parceiro, que desaprovava essa ideia, no entanto, não a contestou. — Você pode esperar no carro, se preferir. — sugeriu.

Não. — negou com a cabeça — Eu vou com você. — foi sua vez de soltar um suspiro em dúvida acerca daquela ideia.

Tente distraí-lo o máximo que conseguir. — pediu Baekhyun e o parceiro lhe lançou um olhar confuso — Não podemos invadir juntos. É mais seguro se eu fizer isso enquanto você o mantém distraído. Se eu achar a Lana, vou alertá-lo. Não se preocupe.

E quanto ao carro?

O levarei para a rua de trás. Se ficar estacionado aqui chamará muita atenção. Vou invadir pelos fundos. — acrescentou.

Sehun apenas assentiu e trocou um olhar de confiança com o detetive antes de sair do carro e ir em direção a casa citada. Enquanto isso, o mais velho deu partida na caminhonete e saiu disfarçadamente daquela rua. Quando perdeu o parceiro de vista, ficou preocupado de alguma coisa dar errado. Já sabia que as coisas raramente dão certo na primeira vez, então, tentou se manter calmo conforme seguia o próprio plano.

Estacionou a alguns metros dos fundos da casa do suspeito. Naquela rua não tinha tanta visibilidade quanto a principal, o que facilitou para que o detetive saísse do carro rapidamente. Uma cerca de madeira cobria os arredores da residência, e, embora fosse um pouco mais alta que Baekhyun, o detetive conseguiu impulsionar o corpo até que os braços alcançassem a parte de cima. Sentiu os músculos repuxando enquanto erguia-se até conseguir pular para o outro lado. Uma vez no chão, seus ombros ficaram doloridos, mas nada que o impedisse de prosseguir.

Foi em direção a porta do porão, porém, estava trancada. Não poderia arrombar por ali ou faria muito barulho. Verificou a porta da cozinha, mas também estava bloqueada. Já sabia que não seria nada fácil, afinal, se fosse mesmo o sequestrador, não deixaria brechas tão expostas. Olhou para cima e avistou uma janela aberta, provavelmente de algum quarto. Mordeu o lábio inferior e começou a procurar por maneiras de subir até lá. Entre o andar de cima e o térreo havia uma parte do telhado, não era tão alta, mas nem tão baixa para que alcançasse. Pode notar que a espessura parecia frágil e talvez não aguentasse o peso do seu corpo. Entretanto, era a única maneira e precisava ser rápido, afinal, não tinha certeza de quanto tempo Sehun conseguiria enrolar o suspeito.

Deu alguns passos para trás e tomou fôlego. Em um impulso, correu e saltou em direção ao telhado, mas não conseguiu. Tentou novamente, mas falhou. Frustrado, fechou os olhos e fez uma contagem mental até que todos os pensamentos sumissem da sua cabeça. Inspirou profundamente e olhou para cima. Correu e deixou para dar o impulso um segundo antes de bater contra a parede da casa. Por sorte, seus dedos conseguiram alcançar a beirada de tijolos finos. Usando toda força dos braços, puxou o corpo até que conseguisse apoiar os cotovelos sobre o telhado. Soprou o ar, aliviado, e conseguiu subir.

Cautelosamente, ergueu-se de pé e deu alguns passos até que alcançou a janela. No momento que pousou as mãos no batente, seus pés escorregaram por conta dos tijolos serem instáveis, porém, conseguiu se segurar para não cair. Observou o interior do cômodo e viu um quarto comum e vazio. Habilidosamente, adentrou na casa e teve cuidado para não fazer ruídos. Foi em direção a porta entreaberta e espiou; suspirou de alívio quando ouviu vozes masculinas conversando no andar de baixo.

Como o quarto estava vazio, saiu pelo corredor e verificou a porta mais próxima, que levava ao banheiro. No outro lado, levava a outro quarto. Tudo estava quieto e arrumado, sem sinais de que havia alguém preso ali. Mas sabia que o sequestrador não a esconderia em um lugar tão visível. Tinha que descer até o porão. O problema disso era que teria que passar despercebido pelo morador da casa.

Aproximou-se da escada e pousou a mão sobre o coldre da arma. Pode ouvir Sehun e o suspeito falando sobre um professor que ele não conseguiu escutar o nome. Não era importante, então, lentamente, colocou um pé sobre o primeiro degrau de madeira cor de cobre. Inspirou fundo e começou a descer, degrau por degrau, nem mesmo respirava enquanto descia. Na metade da descida, pode ver as figuras masculinas paradas em frente a porta. Seu parceiro gaguejou minimamente quando o viu e pigarreou antes de continuar o assunto como se nada tivesse acontecido. Baekhyun desceu os últimos degraus e estava a uma boa distância das costas do suspeito, que ainda estava alheio a sua presença. Inspirando novamente, deu passos mais largos em direção a cozinha, afastando-se lentamente até que saiu do campo de visão deles. Soprou o ar pela boca e avistou a entrada para o porão perto da enorme geladeira prata.

Para sua surpresa, a mesma estava destrancada. Franziu o cenho e estranhou aquilo, afinal, dificilmente alguém a deixaria aberta. Girou a maçaneta calmamente e espiou pela fresta, encontrando a escada que levava para baixo e alguns feixes de luz solar que entravam de alguma abertura. Quando desceu o primeiro degrau, fechou a porta atrás de si. Desceu os próximos degraus e acendeu a lâmpada acima da sua cabeça. Infelizmente, não encontrou nada além de móveis antigos e muitas caixas velhas. Verificou mais um pouco e, quando estava desistindo, deparou-se com algumas correntes atrás de alguns caixotes. Elas eram finas e estavam acompanhadas de cadeados. Por um momento, o detetive pode sentir que tinha alguma coisa errada. Logo, avistou uma caixa vazia caída. Parecia apenas paranoia, porém, o detetive sentiu um arrepio na nuca. Poderia ele ter removido a garota antes de chegarem? Ou esconde ela em outra casa?

Determinado, subiu as escadas e saiu do porão. Puxou a arma e retornou para a entrada, sem se preocupar com o barulho dessa vez. Sehun arregalou os olhos sem saber o que fazer e, antes que o suspeito se virasse, Baekhyun encostou o cano da arma na cabeça do mesmo. Imediatamente, o homem congelou.

Entra devagar. — ordenou o detetive.

Está bem… O que é isso… — murmurava o conselheiro erguendo as mãos trêmulas em rendição. Deu alguns passos para trás.

Fecha a porta, Sehun. — ordenou ao parceiro, que tinha a desaprovação e aflição estampados no rosto. Entretanto, acabou seguindo o que foi dito e fechou a porta atrás de si. — E você, — pressionou mais a arma na cabeça do suspeito — senta no sofá devagar.

Tremendo, o homem obedeceu sem questionar. Quando sentou-se, ergueu a cabeça para encarar Baekhyun com a arma apontada para sua testa. Já o detetive analisava a expressão dele, notando os olhos avermelhados e os lábios trêmulos, parecia genuinamente assustado.

Podem levar o que quiser… — suplicou — Não me machuque… — mantinha as mãos erguidas.

Não estamos aqui para machucá-lo, senhor Finnigan. — interveio Sehun, censurando o detetive com o olhar.

Fale por si mesmo. — Baekhyun voltou a encarar o conselheiro — Estou impaciente e irritado, então, responda rápido. Entendeu? — o homem assentiu, aflito — Você sabe onde está Lana Torres?

Não…

Certo. — o detetive meneou a cabeça e pressionou fortemente o cano da arma na testa do conselheiro, que entrou em desespero. — E para que servem aquelas correntes no seu porão?

O que… — murmurou confuso e Baekhyun puxou a trava da arma para demonstrar que estava falando sério — Está bem! Eu falo! Eu falo!

Então fale.

Eu uso elas na minha casa de campo. — sua voz continuava trêmula, embora conseguisse formular frases inteiras — Mas não vou lá faz meses. Quem cuida de tudo é meu irmão.

Quando viu seu irmão pela última vez?

Não sei… — gaguejou — Eu acho que no mês passado.

Seu irmão conhecia Lana Torres?

Não… Quer dizer, — engoliu em seco — ele estava aqui um dia que a chamei para almoçar comigo, mas só isso, eu juro!

Que tipo de pervertido chama adolescentes para almoçar? — debochou com um breve riso ácido — É vergonhoso. — curvou-se até ficar cara a cara com Robert, que tinha o rosto coberto de suor — Você pode não ter feito nada com aquela garota, mas também não fez nada para impedir. Olhe só para você. — balançou a cabeça negativamente — Tremendo como um covarde. Nem vai tentar negar, não é?

Eu… Eu… Não fiz nada… — choramingou.

Mas deixou seu irmão fazer, não deixou?

Não… Eu não queria…

Enfurecido, Baekhyun puxou o homem pelo colarinho e o colocou de pé. Em seguida, ainda com a arma em punho, o empurrou em direção a cozinha enquanto o mesmo suplicava pela própria vida e se desculpava. Ignorando tudo isso, o detetive abriu a porta do porão e o lançou escada abaixo sem se preocupar em machucá-lo. Depois, puxou uma cadeira e deixou a porta emperrada para que ele não saísse. Podia ouvi-lo desesperado no andar de baixo.

Que merda você está fazendo?! — questionou Sehun, descrente com as atitudes do mais velho.

Para o inferno com a diplomacia. — murmurou no calor do momento e seguiu para fora da casa apressadamente, sendo seguido pelo parceiro indignado. De volta à rua, o detetive virou-se para Sehun — Caminhe tranquilamente. — pediu com a voz baixa.

Oh suspirou pesadamente e seguiu o mais velho, em silêncio, até a rua de trás, onde estava a caminhonete. Foi só quando Baekhyun deu partida no veículo que voltaram a conversar.

O que pretende fazer agora? — foi a primeira pergunta do parceiro.

Vou atrás do irmão dele.

Você nem ao menos sabe onde fica a casa. Aliás, lhe ocorreu a ideia de questioná-lo sobre isso? — arqueou uma sobrancelha com a voz irritadiça.

Como se ele fosse contar a verdade. — riu anasalado — Se o deixássemos livre, ele alertaria o irmão.

Podia ao menos ter tentado. — suspirou estressado.

Temos acesso aos dados do FBI. Não precisamos perguntar a ninguém, apenas checar as posses no nome dele.

Talvez isso seja a consequência de se relacionar com um psicopata. — lançou a indireta de maneira cortante e o detetive soltou outro riso anasalado.

Vamos deixar algo bem claro: Eu não me importo com o que pensa sobre mim. — sua voz era dura, assim como sua expressão enquanto dirigia — Estamos aqui para salvar a garota e eu farei tudo a meu alcance para isso.

Sehun calou-se por alguns instantes, mas logo voltou a falar:

Espero que você esteja certo.

O detetive não sabia se estava. Tinha altas possibilidades de encontrar Lana e também de perdê-la. Sentia-se na corda bamba e, embora tenha achado uma pista, teria que tomar cuidado com cada passo que daria. Ele admitia que deixou se levar pela raiva, mas aquele assunto o afetava de maneira pessoal. Podia ouvir aquelas lembranças que tanto tentou esconder retornando para lhe atormentar com imagens que faziam sua barriga revirar de ódio. Teve vontade de socar o volante, porém, conteve-se e se esforçou para espantar as memórias assombrosas. Precisava de toda atenção naquele caso e buscar alguma fonte de calma. Não podia ceder a raiva.

Inspirou lentamente antes de responder:

Eu também espero.

Chapter 8: Cobertura

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Capítulo 8 – Cobertura

Enquanto Baekhyun procurava pela localização da casa de campo do conselheiro, seu parceiro preparava uma bolsa com alguns itens, entre eles uma caixa de primeiros socorros, uma arma reserva, munição e alguns panos que se assemelhavam a toalhas. Os últimos itens intrigaram o detetive e, quando questionou a respeito, Sehun disse que era para o caso de precisarem cuidar de algum ferimento. O mais velho não discutiu, na verdade, admirou o fato do rapaz ser extremamente cauteloso e preparado, quase parecia uma obsessão.

Com acesso ao banco de dados do FBI, não foi difícil encontrar o endereço das propriedades em nome de Robert Finnigan. O sujeito era descuidado, as informações ao seu respeito estavam praticamente expostas e isso fez com que o detetive tivesse certeza de que ele não era o responsável pelo sequestro de Lana. Todavia, tinha sua parcela de culpa e Baekhyun ainda não sabia dizer se ele tinha entregado a garota propositalmente ou se o irmão o manipulou para isso. Não obteria uma resposta agora e os detalhes não o importavam muito, a prioridade era salvar a menina e, só então, ela poderia contar o que realmente aconteceu.

Encontrei. — anunciou assim que achou a localização da casa de campo. Logo, seu parceiro veio na sua direção e enfiou o rosto na tela do monitor. — Fica em Westchester, próximo do Lago Jackson. — verificou uma rota no mapa — Chegaremos em cerca de quarenta minutos, no máximo.

Certo. — Sehun assentiu e, em seguida, abriu um armário que ficava preso à parede de seu escritório. De lá, tirou dois coletes a prova de balas, deixando Baekhyun impressionado com o arsenal que tinha ali. Fora os coletes, havia algumas armas e uma delas lhe chamou a atenção. Era um modelo Colt antigo. — Vista, rápido.

O detetive desviou o olhar e se levantou às pressas, logo vestiu o colete. Por cima deste, usava uma jaqueta de couro. Fechou o zíper até o pescoço, para esconder a proteção e, em seguida, verificou sua arma, checou a munição e a travou antes de enfiá-la novamente no coldre pendurado na cintura.

Combinaram de usar o carro comum de Sehun para evitar chamar a atenção. Dessa vez, eles checaram todo o veículo antes de utilizar. O mais velho pensou que não seria agradável para Lana ficar apertada em uma caminhonete, portanto, optou pelo mais prático. Sem questionamentos, eles se organizaram e partiram com Baekhyun no volante. Para o detetive, era estranho que seu parceiro o deixasse dirigir, afinal, Sehun parecia bem controlador com seus pertences. Talvez fosse uma demonstração de confiança, mas não queria pensar sobre isso no momento. Uma vez na avenida, deixou que seus pensamentos rumassem para aquela maldita casa de campo no Lago Jackson.

Para sua infelicidade, as ruas estavam cheias e precisou tomar um caminho alternativo e desviar do engarrafamento. Guiado pelo GPS, dirigiu velozmente com o silêncio reinando dentro do veículo. Tudo que o detetive conseguia ouvir era o leve som do motor e o vento forte que entrava pela janela aberta. Não achava aquele clima ruim, entretanto, pensou que Sehun fosse reclamando o caminho todo, o questionando sobre Park ou só se estressando pela situação. Porém, o mais novo permanecia com a expressão inalterada e o olhar distante, como se estivesse tão perdido em seus próprios pensamentos que se esqueceu da realidade.

Levou um bom tempo antes que Baekhyun pudesse avistar o lago. Uma vez que o viu, soprou o ar pela boca, ansioso.

Escuta, — chamou Sehun, Baekhyun piscou algumas vezes antes de o encarar — vamos deixar o carro escondido. Não acho que seja uma boa ideia estacionar em frente a casa ou nos arredores, podemos chamar a atenção.

Concordo.

O detetive meneou a cabeça e respirou fundo. Quando se aproximou do endereço, procurou por um acostamento, logo, deixou o carro embaixo das árvores e em meio a uma estradinha enlameada por conta das recentes chuvas. Saiu do veículo acompanhado do seu parceiro, que ajeitou a caxarrel de gola alta antes de se aproximar.

Está com medo? — indagou Baekhyun encarando Sehun atentamente. Oh negou com a cabeça.

Estou bem. — afirmou com a voz tranquila — Vamos. — fez sinal para que seguissem em frente e o detetive preferiu não argumentar.

Embrenharam-se pelas árvores altas antes de atingirem uma campina que levava até o lago. Seguiram pela margem por alguns minutos até avistarem uma casa de madeira rústica circulada por uma cerca baixa, típica de residências campestres. Não havia sinal de câmeras nem portão, apenas uma abertura no cercado trancado com uma das correntes que o detetive viu no porão do conselheiro. Franziu o cenho e continuou observando. Um carro cinza estava estacionado na porta da casa, porém, não tinha sinal de movimento. O silêncio era quebrado apenas por alguns pássaros cantando suavemente, o que destoava totalmente da tensão daquela situação.

Vamos esperar um pouco. — pediu Baekhyun, aos sussurros. Sehun assentiu, este mantinha a mão sobre o coldre.

O detetive checou o relógio em seu celular e decidiu aguardar por cerca de dez minutos para ter certeza que o caminho estava livre. Por mais cautelosos que tenham sido, o sequestrador poderia ter visto algum sinal deles, portanto, preferiram se certificar que não teria nenhuma tentativa de fuga. Enquanto esperava, Baekhyun lembrou-se de um fragmento da infância que lhe atingiu a mente como um flash de câmera indesejado, o que levou desconforto ao seu peito. Não queria pensar nisso agora, mas sabia que era inevitável, afinal, aquele caso o fazia se recordar do que tinha presenciado em seu passado.

Piscou rapidamente, espantando aquelas memórias e voltando a focar somente no presente. Checou o relógio e constatou que tinha se passado o tempo necessário. Inspirando profundamente, guardou o celular no bolso e tirou a arma do coldre, destravando-a e a empunhando habilidosamente. Estava mais familiarizado com armamento do que com a própria sombra. Podia atirar dormindo de tão acostumado que estava em ter uma arma nas mãos.

Quando correr até lá, — começou o detetive e Sehun o encarou — não tem mais volta. — trocou um olhar com seu parceiro. Na verdade, estava falando aquilo mais para si mesmo do que para ele.

Eu sei. — assentiu o mais novo.

Com um impulso, dispararam em uma corrida silenciosa em direção a casa. Sem dificuldades, Baekhyun saltou sobre a cerca e olhou por sobre o ombro para verificar que Sehun estava em seu encalço. Voltando a atenção para frente, abaixou-se e foi em passos ligeiros em direção ao parapeito da janela, tomando cuidado para que não fosse visto. Calmamente, ergueu a cabeça e olhou através do vidro, para o interior da residência, e deparou-se com uma sala simples, alguns móveis rústicos e um tapete circular. Entretanto, não encontrou sinal de ninguém por lá.

Baekhyun seguiu até a porta da frente. Ainda abaixado, puxou um grampo do bolso. Logo, usou para remexer na fechadura.

Pensei que fosse arrombar. — murmurou Sehun com o cenho franzido.

Estou fazendo isso de um modo sutil. — respondeu enquanto remexia o grampo até que ouviu a tranca se abrindo. Rapidamente, enfiou o grampo de volta no bolso da calça preta e girou a maçaneta.

Quando abriu a porta, esperou alguns instantes antes de colocar os pés para dentro da sala. Evitava a todo custo fazer algum barulho, mesmo que mínimo. Entretanto, no instante que soltaria um suspiro aliviado por ter conseguido entrar, um ruído no andar de cima os chamou a atenção. Imediatamente, Baekhyun sentiu sua pele se arrepiar enquanto seus sentidos se aguçaram pela adrenalina começando a correr em suas veias. Ouviram uma porta sendo aberta e trocaram um olhar antes de Sehun puxar o detetive para fora. Cuidadosamente, fecharam a porta. Ficaram imóveis enquanto mantinham os ouvidos colados na madeira. Byun mantinha uma mão firme na maçaneta.

Ouviram passos na escada e mais alguns em direção a cozinha, que ficava logo depois da sala. Escutaram alguns ruídos distantes antes dos passos retornarem para o segundo andar da casa. Foi só quando escutaram o som da porta de cima sendo fechada que retornaram para a sala. Tendo certeza que tinha alguma coisa errada, Baekhyun seguiu até os degraus e acenou para Sehun antes de começar a subir o mais silenciosamente possível. Cada passo era acompanhado de uma inspiração ansiosa. O ar se prendia na garganta do detetive conforme se aproximava do andar superior e avistava duas portas no corredor pequeno.

No momento que chegou ao topo da escada, ouviu outro barulho vindo da segunda porta, a esquerda. Parecia que alguém tinha caído no chão. Com o coração disparado e a pulsação retumbando nos ouvidos, Baekhyun se encaminhou naquela direção.

Pressionava a arma entre os dedos enquanto se posicionava na frente da porta, de onde vinham aqueles sons. No mesmo instante, o maldito flash de memória o atingiu como uma agulha no peito. Sua têmpora latejava por conta do nervosismo, mas ignorou. Engoliu em seco, como se aquilo o fizesse ingerir todas as emoções para o mais fundo de si.

Trocou um olhar com Sehun antes de girar a maçaneta e enfiar um chute agressivo na porta, que bateu na parede com um estrondo ao ser aberta bruscamente. Baekhyun ouviu um grito masculino e novamente aquele barulho de antes. Quando colocou os olhos na cena dentro do quarto, revoltou-se.

O detetive sentiu uma pontada de alívio ao, finalmente, encontrar Lana Torres, entretanto, não pode evitar de ser tomado pelo ódio.

O barulho que ouvia era o corpo da garota colidindo com o chão enquanto ela era puxada e forçada a ficar de pé pelo sequestrador. Em torno dos pulsos da garota, a mesma corrente que encontrou no porão do conselheiro os prendia de maneira dolorosa. Lana estava caída no assoalho com os olhos vermelhos e piscando incessantemente como quem está em uma overdose. Do outro lado do quarto, havia uma câmera em um tripé e um homem alto e franzino encostado na parede, assustado e encarando os detetives com os lábios entreabertos.

Baekhyun sentia o sangue fervendo conforme verificava as lesões arroxeadas na pele da menina que estava parcialmente vestida. Era evidente que o sequestrador tinha dopado tanto ela que a mesma nem aguentava ficar de pé.

Sehun, leve ela daqui. — pediu ao parceiro, que murmurou alguma coisa, tentando argumentar, mas calou-se ao receber um olhar mortal do mais velho. Cuidadosamente, ergueu Lana em seus braços e saiu às pressas, preocupado.

Baekhyun fechou a porta e retomou o olhar para a figura trêmula do sequestrador. O homem tinha cabelos loiros e um rosto anguloso, aparentava ser uma pessoa comum, como a maioria dos pedófilos. Devia ter em torno de trinta anos. Em um impulso, ele tentou correr em direção a uma cômoda, mas o detetive atirou em sua perna antes que desse o segundo passo. No mesmo instante, o homem caiu no chão e começou a choramingar de dor.

Saia daqui! Isso é propriedade privada! Saía! — gritou em desespero fazendo o detetive o achar patético. — Você não pode fazer isso!

Sem dizer nada, Baekhyun foi em direção a câmera e verificou as últimas fotos tiradas. Sentiu uma pontada no estômago. Era repulsivo e o fazia querer destruir tudo, porém, não podia. Tudo aquilo seria levado como evidência para o FBI depois. No entanto, quanto ao homem desprezível caído no chão, seria diferente. Não se importava com as consequências de seus atos a seguir e deixou que aquele impulso destrutivo o dominasse completamente. Em sua mente, uma mistura de memórias do passado e imagens de Lana estirada no assoalho faziam seu ódio transbordar.

Por favor, não me mate… — suplicou o sequestrador fazendo o detetive franzir o cenho em descrença com covardia alheia. — Ela queria… — E aquilo foi a gota d’água para Baekhyun, que não deixou o homem terminar a sentença e o puxou bruscamente pelo colarinho.

Fique de joelhos. — ordenou enquanto pressionava o cano da arma contra a testa do indivíduo.

Eu não consigo… Tá doendo… — choramingou, trêmulo e com os olhos arregalados de pavor.

Fique de joelhos ou o próximo tiro será extremamente doloroso. — insinuou em direção ao meio das pernas do homem, que ficou ainda mais apavorado.

Não, por favor! — implorou ficando ajoelhado e mantendo as mãos pressionadas contra a perna que sangrava.

Que cena patética. — murmurou enquanto observava o sujeito tremendo e chorando de maneira indefesa. Era irônico, aos olhos do detetive, ver um homem capaz de torturar uma criança agir daquela forma tão ridícula quando confrontado por alguém do mesmo tamanho.

Pensou em interrogá-lo, mas sabia que ele não revelaria nada. E, mesmo se o fizesse, Baekhyun não se importava. Seu plano não era levá-lo a julgamento para depois de alguns anos o libertarem. O enfurecia que pessoas daquele tipo conseguissem voltar à sociedade depois do que fizeram. O detetive achava ingenuidade acreditar que alguém assim se reabilitaria. Já tinha visto inúmeras provas que, às vezes, a maldade é intrínseca no indivíduo e não há nada que se possa fazer além de pensar no melhor para as possíveis vítimas.

Por um instante, Park veio à sua mente. Estava pensando como ele? Talvez, ainda era um mistério as motivações do Assassino do Xadrez. Mas Baekhyun nunca teve uma boa bússola moral que apontava o caminho correto. Na sua, as direções sempre eram extremas e baseadas apenas em seu próprio julgamento pessoal. Já tinha prendido diversos traficantes, corruptos e assassinos, mas nunca um pedófilo ou um sequestrador. Não era por falta de crimes do gênero — infelizmente — mas são raros de serem denunciados ou solucionados. Lana era um exemplo, quantas outras garotas não passam pela mesma situação? Ignoradas aos olhos da lei.

Baekhyun lembrou-se de seu irmão. Era doloroso e inaceitável. Não suportava até hoje o quanto aquilo tinha sido uma merda tão injusta . Não entendia porque pessoas boas recebiam torturas desse tipo. O mundo é um lugar extremamente injusto .

O detetive tinha total consciência das suas escolhas e o fato de optar por esse caminho definia quem ele realmente era. No fundo, sabia perfeitamente da sua índole. Havia algo em si que permaneceu adormecido por um longo tempo, só esperando a oportunidade para poder, enfim, se libertar. Seria algo inerente de todo ser humano? Baekhyun não sabia dizer, apenas podia falar por si mesmo. E ele odiava homens que se aproveitam dos mais fracos para satisfazer seus prazeres doentios.

Abra a boca. — ordenou ao sequestrador.

Por alguns segundos, o sujeito gaguejou algo ininteligível e ficou parado, sem reação. No entanto, conforme Baekhyun abaixava a arma, mirando no colo do homem, o miserável se desesperou e abriu a boca, como mandado.

Excelente. — murmurou enquanto encarava com desprezo as lágrimas que escorriam pela face do sequestrador. Outra pessoa poderia recuar por pena, no entanto, o detetive se enfureceu ainda mais.

Ele odiava covardes.

Bruscamente, enfiou o cano da arma dentro da boca do sujeito, que arregalou os olhos em desespero e começou a gritar, porém, sua voz era abafada. Baekhyun esperou alguns segundos antes de puxar o gatilho.

Observou o sequestrador cair no chão, morto.

Desviando da poça de sangue formada no assoalho, pegou a câmera e virou as costas, não olhou para trás nenhuma vez. Logo, saiu do quarto. Quando chegou ao corredor, sentia-se vazio, um grande buraco estava em seu peito como se fosse oco por dentro. Sabia que, se permitisse que suas emoções aflorassem, desabaria ali. Não podia se dar ao luxo de ficar chorando pelos cantos por conta de lembranças antigas, tinha muito trabalho a ser feito ainda. Precisava sair daquela casa maldita e levar Lana para um hospital.

Lana. Pensou na garota e no quanto ela teve que suportar e isso o fazia ser consumido pela raiva. Mas ela precisava de ajuda — muita ajuda — e não deixaria seus pensamentos se prenderem em traumas e no indivíduo morto no quarto.

Baekhyun saiu da casa em uma corrida ligeira e continuou sem parar até que avistasse o carro. De longe, pode ver Sehun com a garota no banco de trás. Quando Oh o viu se aproximando, saiu do veículo e fez sinal para que se apressasse.

Como ela está? — indagou assim que se colocou ao lado do parceiro e olhou para dentro do veículo. Lana estava parcialmente inconsciente.

Eu acho que ele a dopou com heroína, não tenho certeza. Tem marcas de agulhas nos braços. — apontou para a pele marcada da garota — Ela não consegue me ouvir, mas continua abrindo os olhos.

Precisamos correr. — anunciou Baekhyun antes de entrar no veículo, acompanhado de Sehun. O detetive foi no banco da frente enquanto seu parceiro cuidava da menina no banco de trás. Ele tinha o kit de primeiros socorros no colo e tinha envolvido Lana em uma das toalhas.

Baekhyun atirou a câmera no banco do passageiro e deu partida, passando como um redemoinho pela estrada até o hospital mais próximo. No caminho, Lana desmaiou e acordou algumas vezes, mas Sehun conseguiu deixá-la estabilizada por algum tempo, o suficiente para que chegassem na emergência. Entretanto, o detetive não conseguiu deixar de temer perder a garota. Felizmente, chegaram em seu destino e o mais velho correu com a menina em seus braços até que ela foi socorrida pelos médicos e enfermeiros, que a levaram às pressas para uma das salas proibidas para visitantes.

Embora tudo ocorresse rápido, o detetive sentia-se em câmera lenta desde que saiu da casa de campo. As vozes ao seu redor pareciam distantes e os movimentos das pessoas no hospital iam se desacelerando. Se não estivesse pensando logicamente, começaria a suspeitar que a gravidade tinha o abandonado. Só despertou desse loop quando sentiu a mão de Sehun sobre seu ombro. Surpreso, encarou o parceiro, que o dirigia um olhar preocupado. Deu um aceno positivo, indicando que estava tudo bem e puxou o celular do bolso, alertando a senhora Torres de que tinha encontrado sua filha. Nem conseguiu compreender o que a mulher disse antes de finalizar a chamada. Tinha certeza que ela e a família não demorariam a chegar. Após isso, cuidou da papelada hospitalar com a ajuda do parceiro, que era muito bom em lidar com assuntos burocráticos.

Enviou uma viatura policial até a casa de Robert Finnigan, o conselheiro, e esclareceu que o homem estaria preso no próprio porão por tê-lo deixado lá, no entanto, os policiais não questionaram a respeito disso e apenas seguiram o que foi ordenado. Baekhyun sabia que, provavelmente, aquele homem tentaria denunciá-lo, mas pouco se importava com isso agora. Lidaria com o covarde depois, até porque esse sujeito tinha muita sujeira nas mãos para arriscar-se o enfrentando. No fim, teria que esperar pelo que se sucederia para poder tomar uma atitude a respeito.

Quanto ao FBI, apenas relatou para Holden o ocorrido e se certificou que cuidaria de tudo para fechar o caso. Seu chefe não argumentou, sabia que teria problemas se o impedisse, afinal, quando se envolve adolescentes e crianças, tudo se torna mais delicado. De toda forma, não demoraria para a imprensa aparecer. A contragosto, Holden permitiu que Baekhyun fosse responsável por aquela situação. Deu a localização da casa, para que a polícia e a perícia fossem até lá recolher tudo e, em seguida, saiu às escondidas em direção ao telhado do prédio. Precisava muito respirar e, agora que Lana estava a salvo, podia se permitir botar a cabeça no lugar.

Sentou-se no chão e encostou as costas na mureta que cercava o telhado. Recostou a cabeça também e olhou para cima por alguns instantes. Do bolso interno da jaqueta, retirou um cigarro e um isqueiro antigo, que sempre carregava consigo. Infelizmente, aquela era a única coisa que o acalmava. Para sua surpresa, Sehun apareceu alguns minutos depois com dois sacos nas mãos, estes pareciam vir de alguma lanchonete local. Franziu o cenho e esperou até que o parceiro se aproximasse e sentasse ao seu lado.

Tente comer um pouco. — Sehun entregou-lhe um dos sacos e pousou o outro em seu próprio colo — Vamos demorar aqui ainda.

Baekhyun apanhou o saco entre as mãos enquanto o cigarro aceso se mantinha em seus lábios. O abriu e encontrou um lanche que parecia apetitoso, mesmo que não estivesse com um pingo de fome. No entanto, acompanhou o parceiro e deu algumas mordidas no sanduíche, alternando com o fumo. O detetive se recordou dos tempos de soldado, quando almoçavam em meio aos cigarros, espalhando fumaça por toda a comida, o que seria inadequado para muitas pessoas. Mas, para homens em campo de batalha, era como estar no paraíso. Riu internamente daquela lembrança.

Você quer? — ofereceu um cigarro para Sehun.

Eu não fumo.

O detetive soprou uma risada.

Você é todo certinho, não é? — deu uma última mordida no lanche e depois amassou o saco — Tenho inveja disso. — admitiu sem encarar o parceiro e tragando mais uma vez o fumo.

Eu não sou certinho. — murmurou o mais novo, atraindo o olhar do detetive para si. — Eu… — parou e umedeceu os lábios. Olhou para cima por um breve segundo antes de voltar a encarar as próprias mãos. — Meu pai não morreu. — disparou.

Surpreso, Baekhyun empertigou-se e abandonou o cigarro aceso entre os dedos, sua atenção estava presa em Sehun, que tinha uma postura abatida, o pescoço curvado para baixo e o olhar perdido. Teve vontade de fazer várias perguntas, no entanto, deixou que o parceiro revelasse ao seu próprio ritmo. Nem imaginava que o mais novo lhe contaria alguma coisa naquele momento e só deixou as coisas fluírem naturalmente, como tinham sido até agora.

Eu o matei. — revelou.

Chocado, o detetive permaneceu em silêncio, absorvendo a informação enquanto seu parceiro erguia a cabeça e a recostava na mureta, cansado.

Por quê? — indagou após ver que o mais novo se perdeu em pensamentos, exatamente como estava no carro, antes de resgatarem Lana.

Meu pai tinha Alzheimer. — começou a falar enquanto encarava algo distante — A doença o atingiu quando ele tinha sessenta anos. No começo, não tinha noção da gravidade da situação, então cuidei dele. Mas, — suspirou — depois de cinco anos, ele piorou. Não conseguia falar, se mexer, comer. Eu… — engoliu em seco — não suportava vê-lo daquela forma. Os médicos não tinham esperança e eu não sabia mais o que fazer. Não podia salvá-lo… Embora eu quisesse. — fez uma pausa — Então, eu desliguei os aparelhos em uma noite. — riu amargamente — Eu… — as lágrimas começaram a rolar por seu rosto e ele parou de falar.

Inesperadamente, Sehun retirou os óculos e mergulhou em um choro de desespero e arrependimento.

Eu sou um assassino. — sua voz saiu entrecortada e carregada.

Apesar de Baekhyun não compreender aquele sentimento, era palpável a tristeza em seu parceiro. Conseguia sentir em sua própria pele e ficou com receio de não saber o que dizer. Nunca tinha sido bom com as palavras e a única pessoa que viu chorando daquela forma foi seu irmão, anos atrás. Sehun lembrava-o bastante do rapaz naquele momento, sem vergonha de demonstrar sua fragilidade e tendo a coragem de revelar algo tão pesado. Ele admitia que não tinha a mesma força para ser vulnerável na frente de alguém daquela maneira.

Seguindo seu instinto, o detetive puxou suavemente a mão de Sehun e a confortou entre seus dedos. O mais novo o encarou com os olhos carregados de angústia e, em seguida, apoiou a cabeça sobre o ombro de Baekhyun, que ficou surpreso com aquela atitude tão íntima. No entanto, não recuou e permitiu que Sehun chorasse por bons minutos, até que se sentisse aliviado. Nesse tempo, não trocaram palavras, apenas permaneceram ali, sem pretensões, sem expectativas, deixando o mundo caótico de lado apenas por um momento. Até mesmo a cabeça mais forte precisa de espaço e conforto de vez em quando.

Sehun cessou o choro, ergueu a cabeça e fungou um pouco antes de limpar o rosto e colocar os óculos. Nem se preocupou em se recompor e permaneceu naquele estado desleixado, fazendo Baekhyun perceber o quanto aquela dor era profunda, afinal, só tinha o visto perder a compostura uma vez. O parceiro aparentava prezar bastante pela estabilidade e jogá-la longe, como fez agora, era um voto de confiança que o detetive nunca achou que receberia do mais novo.

Eu o matei. — Baekhyun atraiu o olhar de Sehun — O sequestrador — confessou sem nenhum traço de culpa.

Eu sei. — acenou — Já pensou no que vai dizer em seu depoimento?

Já. Mas não quero me preocupar com isso agora. — acendeu outro cigarro e cruzou as pernas — Quero te contar uma coisa.

Dessa vez, Sehun que foi surpreendido.

Você não precisa fazer isso por retribuição. — esclareceu.

Não estou retribuindo. — afirmou — Você sabe que sou sincero. É porque quero compartilhar isso com alguém. — deu uma tragada.

Bom, você não me julgou. Prometo fazer o mesmo, independente do que seja. — Baekhyun ficou agradecido e, estranhamente, sentiu-se confortável em estar na companhia do mais novo. Fazia um longo tempo desde que tinha sentado para conversar com o que poderia chamar de amigo.

Quando eu era criança, meu pai costumava levar meu irmão mais velho para viajar, só os dois. Eu ficava com tanta inveja. — riu anasalado antes de tragar o cigarro e continuar: — Eles não me contavam para onde iam e isso me deixava ainda mais enciumado. Devia ter uns nove anos, era moleque, sabe? Enfim, um dia eu me escondi no carro quando eles viajaram. — apertou os lábios — Era uma mansão luxuosa de um amigo de trabalho do meu pai. Na hora, fiquei bravo que eles iam se divertir em um lugar tão bonito sem mim.

Me escondi no quintal e esperei até anoitecer, pois, assim, teria uma brecha para entrar na casa. Perambulei por lá durante um tempo, encantado com aquele cenário, como qualquer pirralho que é curioso. Foi quando encontrei meu pai sozinho na adega que fiquei intrigado, afinal, por que ele estava lá só? Decidi não o perturbar, sabia que ia ser carregado a porrada de volta para Richmond. Meu pai era estressado e agressivo, mas isso não vem ao caso agora. Enfim, eu subi as escadas a procura do meu irmão para contar a surpresa, que eu tinha ido até ali e poderíamos brincar escondidos como em uma aventura. Quando entrei em um dos quartos, bem, eu encontrei o amigo do meu pai abusando sexualmente do meu irmão.”

Baekhyun fez uma pausa e tragou duas vezes seguidas, expirando a fumaça da nicotina com um longo suspiro, como se pudesse expelir aquelas memórias naquele sopro, jogando-as ao vento e torcendo para nunca mais retornarem. Conseguia falar abertamente sobre os homens que matou enquanto servia no exército, sobre a surra brutal que deu em alguns garotos no colégio, sobre os casos que recebeu do FBI e sobre os tiros que levou. No entanto, sentia muito desconforto em abordar aquele assunto. Seu estômago se contraia e o ódio queimava suas veias como brasa. Por um instante, teve que conter a vontade de chorar. Não sabia se era de raiva, culpa ou tristeza, sempre foi terrível em distinguir seus próprios sentimentos por não ter muita intimidade com eles.

Enfim, — passou uma mão sobre os cabelos — era por isso que meu pai levava meu irmão até lá. O vendia como carne no açougue.

Isso é revoltante. — comentou Sehun com o cenho franzido enquanto digeria o que tinha escutado.

Uma merda. — tragou o cigarro — Quando entrei na casa do Lago Jackson eu senti todas essas memórias de volta. Foi como reviver aquele dia, mas, dessa vez, eu sabia o que encontraria quando entrasse no quarto. Não consegui me conter quando vi aquele… — mordeu o lábio — Já sabia que iria matá-lo.

O que aconteceu com o amigo do seu pai? — Sehun temeu perguntar, mas o detetive não se importava em respondê-lo.

Esse merda nunca foi pego e morreu um tempo depois. Meu pai disse que, se eu abrisse a boca para alguém, ele me mataria. — riu amargo.

E o seu irmão?

Subitamente, o semblante de Baekhyun tornou-se sombrio. Não estava com raiva por conta da curiosidade do parceiro, longe disso. No entanto, aquela era outra parte da história que acabou desencadeando uma série de eventos e escolhas que levaram o detetive a ser quem ele é.

Ele se suicidou quando tinha quatorze anos.

O ambiente ficou carregado e eles passaram um tempo em silêncio. Sehun não sabia o que dizer e estava processando a gravidade da situação. Quanto ao detetive, era difícil lidar com aquelas lembranças. Sentia-se extremamente culpado pelo que aconteceu e nunca foi capaz de superar, nem achava que iria. Podia contar sobre aquilo mil vezes e, ainda sim, sempre teria aquela ferida aberta. Ele amava seu irmão e foi o único familiar que o deu afeto e que conquistou sua afeição. Vê-lo passar por todo esse horror o fez criar um ódio imensurável dentro de si, que foi sendo alimentado com os anos por conta dos ataques e surras que recebia do pai e a ausência da mãe. Não tinha ninguém com quem contar durante toda sua vida, sempre esteve sozinho; por conta disso, tornou-se bom em mascarar seus sentimentos e viver no ciclo apático do seu cotidiano.

Foi surpreendido pelo toque suave e hesitante da palma de Sehun pousando sobre o dorso de sua mão. Fitou o parceiro, que estava temeroso de obter uma reação negativa ao tentar se aproximar. Podia ver o medo nos olhos avermelhados do Oh por conta do choro recente. No entanto, entrelaçou seus dedos aos alheios e, aceitando o consolo silencioso, deu um sorriso fraco ao mais novo e o viu retribuir de uma maneira tímida. Naquele momento, Baekhyun sentiu uma afeição crescer pelo rapaz, assim como tinha sentido por seu irmão antes daquela tragédia.

Subitamente, o celular do detetive tocou e os trouxe de volta a realidade que os aguardava fora daquele telhado. Baekhyun puxou o aparelho do bolso e viu o nome “Senhora Torres” brilhar na tela:

Vamos voltar ao trabalho. — disse antes de se levantar, acompanhado do parceiro, que apenas concordou com um aceno.

Retornaram para dentro do hospital e, assim que chegaram ao térreo, foram recebidos pela família Torres, que chorava e agradecia ao mesmo tempo. Por alguns minutos, deixaram que os parentes extravasassem o que sentiam para que pudessem sentar e conversar calmamente. Senhora Torres pediu para que seus filhos aguardassem enquanto sentava-se ao lado dos detetives. Seus olhos estavam vermelhos e algumas lágrimas ainda escapavam, escorrendo pelas suas bochechas e logo sendo limpas pelo lenço bordado que a mulher carregava entre os dedos nervosos.

Eles me contaram o estado dela. — soluçou com a face enrugada em angústia — O que ele fez com ela… — fungou.

Ela vai se recuperar. Posso certificá-la disso. — O detetive queria dizer algo mais reconfortante, porém, não fazia ideia do quê.

Lana tinha sido dopada por muitos dias seguidos com tranquilizantes misturados a outras drogas, o que a deixou naquele estado catatônico. Baekhyun sentiu o estômago se contrair ao se lembrar das fotos e do motivo para o sequestrador querer que a menina não estivesse completamente inconsciente. Era repulsivo, não sabia como seria para a garota ter que superar algo assim.

Mesmo matando o miserável, as marcas permaneceriam, assim como as suas próprias. No entanto, estar dentro da situação, sendo abusado e torturado, isso o detetive não sabia como era. Embora tenha apanhado do pai, não tinha ideia do quão doloroso poderia ser para uma pessoa que passou por aquilo. No fundo, torceu para que Lana não se lembrasse de muita coisa e que tivesse, ao menos, um pouco de alívio daquele pesadelo.

Baekhyun odiava o quão injusto o mundo podia ser.

Os médicos disseram que, como Lana era de menor, não poderia ceder um depoimento sem passar por uma avaliação psicológica e o detetive compreendeu, inclusive, achava melhor que ela conversasse com profissionais antes de falar com a polícia ou o FBI. Entretanto, levaria alguns dias para que a menina se recuperasse a ponto de conseguir relatar o que aconteceu. Seu estado era delicado e Baekhyun optou por não pressioná-la. Voltaria quando fosse uma hora melhor. No momento, estava agradecido por ter conseguido levá-la para sua família e livrar a sociedade de um ser desprezível.

Com um suspiro cansado, o detetive deixou o hospital e seguiu com Sehun para Quântico, onde resolveria algumas pendências relacionadas ao caso e enfrentar o seu chefe. Burocracias o deixavam exausto, no entanto, dessa vez, elas valeram muito a pena.

[...]

Era cerca de uma da manhã quando Baekhyun e Sehun retornaram para casa, exaustos. Durante o caminho, não trocaram muitas palavras por conta do cansaço, mas foi um silêncio agradável e até reconfortante depois de um longo dia.

Após um banho, os dois se jogaram no sofá espaçoso e macio da sala, deixando que seus corpos relaxassem um pouco. O mais velho sentia cada músculo dolorido, especialmente suas costas. Os olhos já se fechavam involuntariamente, porém, ele os forçava a ficarem abertos, tinha medo de adormecer e acontecer alguma coisa; mesmo que Lana estivesse a salvo, ainda restava o copiador em seu encalço e o mesmo se provou imprevisível, podendo atacar a qualquer minuto. Por conta disso, manteve-se desperto. Pensou em tentar puxar assunto com Sehun, no entanto, o mais novo tinha caído no sono ao seu lado, com a cabeça deitada sobre o braço do sofá e os óculos escorregando do rosto.

Cuidadosamente, Baekhyun retirou os óculos e os deixou acima da mesinha de centro. Em seguida, observou a face tranquila do parceiro e sorriu minimamente, sentia um senso protetor para com o rapaz adormecido. Logo, inevitavelmente, também acabou caindo no sono.

Baekhyun despertou com um susto ao ouvir alguém subindo as escadas. Rapidamente ergueu a cabeça do sofá e encontrou a casa toda escura. Sabia que Sehun não tinha o costume de apagar as luzes durante a noite.

Notou a ausência do Oh ao seu lado e pensou que deveria ser ele a ter ido ao andar superior. Talvez tenha apenas ido pegar alguma coisa ou ido ao banheiro, mas a desconfiança não o abandonou. Seguindo seus instintos, levantou e seguiu em direção aos degraus; subiu lentamente, sem saber o motivo de tanto temor. Conforme se aproximava do topo, seu coração acelerava e uma mistura das memórias do cativeiro de Lana e de seu irmão o atingiram.

O corredor também estava escuro e a única luz vinha do quarto de Sehun, que tinha a porta entreaberta. Nervoso, o detetive seguiu em direção ao cômodo e esticou a mão em direção a maçaneta, arrepiando-se quando tocou a superfície gelada. Podia ouvir alguns gemidos incomuns vindo de dentro do recinto, causando-lhe calafrios e uma pontada dolorosa na barriga. Mesmo assim, empurrou a porta e sentiu o coração falhar quando encontrou um homem encapuzado em cima do corpo do parceiro. Quando correu para cima dos dois, acordou.

Atordoado, o detetive piscou algumas vezes até ter certeza que estava acordado e que tudo aquilo tinha sido um pesadelo. Virou a cabeça para o lado e respirou aliviado ao encontrar Sehun dormindo pacificamente. Passou as mãos pelo rosto e depois puxou os fios da franja para trás. Não se lembrava da última vez que tinha cortado o cabelo e estava quase chegando na altura do nariz, mas isso não o incomodava. Balançou a cabeça e esfregou os olhos, precisaria de algo forte para permanecer acordado. Se recusava a voltar aos seus pesadelos.

Preguiçosamente, levantou-se e seguiu para a cozinha para preparar um café amargo que o deixaria desperto até o amanhecer. Como de costume, as luzes estavam acesas, então andou despreocupadamente. No entanto, quando colocou os pés na cozinha e ergueu o olhar para frente, congelou e teve quase certeza que seu coração tinha parado de bater. Suas pupilas se dilataram e escureceram ainda mais o tom de seus olhos castanhos.

Na janela, do lado de fora, tinha um homem encapuzado parado. O rosto estava todo coberto por uma máscara de pano preto, o deixando com uma aparência sinistra e fantasmagórica. Não fez movimento algum, ficou apenas estático observando o interior da cozinha. Baekhyun não podia ver os olhos dele, porém, sentia em sua pele que ele o encarava fixamente.

Era o copiador.

Por um segundo, o detetive fincou as próprias unhas em sua palma para ter certeza de que não estava em meio a outro pesadelo. Mas, infelizmente, aquilo era real.

Um arrepio subiu pela sua nuca como se alguém estivesse suspirando ao pé de seu ouvido. Manteve-se em alerta máximo e nem mesmo piscava enquanto era observado pelo assassino do lado de fora. Não sabia quais eram as intenções dele com isso, seria apenas assustar? Se fosse, aquele maníaco era mais perigoso e sádico do que ele pensava. Preparou-se para um ataque e manteve os pés firmes e prontos para correr em direção a arma que tinha deixado na sala. Poderia o copiador entrar na casa? Baekhyun não acreditava nisso, afinal, Sehun era meticuloso e achava que o assassino não perderia a oportunidade de os perturbar de maneira mais íntima. Ele não conseguia entrar e por isso atacava apenas no exterior, ao menos era nisso que o detetive queria acreditar.

Logo, o homem encapuzado ergueu uma mão em direção ao próprio ouvido e fez um sinal de ligação. Baekhyun franziu o cenho e aguardou por mais algum movimento, porém, o copiador saiu em passos calmos e sumiu de vista. O detetive aguardou alguns segundos antes de correr para a sala e ir direto até Sehun, o acordando às pressas e alertando sobre o perigo. O rapaz se levantou rapidamente e, assim como o mais velho, empunhou a arma:

Onde ele está? — sussurrou.

Ele ficou parado na janela da cozinha e depois sumiu. Pode procurar uma maneira de entrar. — respondeu no mesmo tom.

Em seguida, o celular de Baekhyun sinalizou uma notificação, o que fez o coração do mais velho disparar. Imediatamente apanhou o aparelho em uma das mãos enquanto a outra empunhava a arma. Deslizou o dedo pela tela e deparou-se com uma mensagem anônima, não havia nada escrito, apenas um arquivo em JPG, um formato de imagem comum. Sem hesitar, o detetive abriu o documento e encontrou uma foto de Lana Torres dormindo na cama de hospital, provavelmente tinha sido tirada a algumas horas atrás. Aquilo o enfureceu de uma maneira descomunal. Apertou com força o celular entre os dedos e conteve a vontade de atirá-lo contra a parede. O largou em cima da mesa de centro e depois coçou os cabelos, nervoso, pensando no quanto daria uma surra naquele maldito copiador se ele tocasse em um fio da garota.

Que merda… — murmurou Sehun após verificar a imagem no aparelho.

Que ódio! — A voz de Baekhyun saiu rouca por conta de ter segurado a vontade de esbravejar. Não queria gritar dentro da casa do parceiro e nem assustá-lo, toda sua fúria era direcionada apenas ao copiador.

O que vamos fazer? — indagou o mais novo.

O detetive sentou-se e largou a arma acima da mesa de centro antes que acabasse fazendo alguma besteira. Em seguida, levou as mãos até os cabelos e descontou sua raiva em seus próprios fios. Tinha tudo sob controle, mas aquela mensagem foi o limite para si, não admitiria que aquele sádico fosse atrás de Lana por sua causa. O jogo era apenas entre eles e envolver os outros nisso deixava o mais velho colérico. Naquele momento, soube que o copiador estava disposto a jogar sujo, então, teria que fazer o mesmo, ignorando as regras e pensando apenas em um meio de vencer. E só existia uma pessoa que podia, e estaria disposto, a fazer isso. Riu internamente com as ideias que vinham à sua cabeça.

Talvez aquele fosse o plano o tempo todo. Não podia deixar de rir ironicamente quando se deu conta. No entanto, não deixaria se abater por isso e viraria aquele tabuleiro, não pela justiça e nem pelas leis, faria isso pelo puro desejo de sair vitorioso. Queria ganhar, não para se provar, mas por satisfação pessoal. No fim, ele não tinha o que perder, ao menos, nada que lhe pertencesse. O copiador o tirou de sua casa e destruiu seu carro. Sabia que seria questão de tempo até que ele viesse atrás das pessoas ao seu redor e isso ele não deixaria barato. Retirou as mãos dos cabelos e deixou que as mesmas caíssem acima de seus joelhos. Mordeu o lábio antes de erguer o rosto em direção ao parceiro, que o encarava com aflição.

Vou ajudar Park Chanyeol a fugir da cadeia.

Chapter 9: Rei

Chapter Text

Capítulo 9 — Rei

Durante o tempo em cárcere, Park Chanyeol foi colocado em uma rotina rígida. Embora fosse o assassino mais famoso atualmente — e tivesse vigilância dobrada — ainda conseguia realizar algumas coisas por baixo dos panos. Para ele, às vezes, era ridiculamente fácil enganar os guardas e alguns detentos, mas sempre tentava não subestimar as outras pessoas, especialmente naquele lugar; onde era cada um por si e qualquer deslize poderia desencadear algo incontrolável. Nunca tinha estado em um presídio antes e, por mais que as coisas seguissem o curso que planejava, ainda precisa aprender como funcionava ali dentro, cada esquema e cada mente por trás do comando principal. Por isso, tinha paciência e seguia à risca as regras até que conseguisse descobrir como burlar cada uma delas.

Lentamente, os primeiros raios solares foram entrando pela pequena abertura quadrada que chamavam de janela. Mal dava para colocar a cabeça para fora por conta das grades. Para muitos, aquilo não tinha a mínima utilidade, porém, para Chanyeol, nada era inútil. O seu ambiente, por mais inóspito que fosse, ainda era a melhor arma que tinha e fazia questão de se aproveitar de cada mínima brecha. Faltavam alguns segundos para os guardas cumprirem a rotina de revistarem a cela. Como forma de estar um passo à frente, sempre acordava antes para que pudesse se preparar.

Sentado na beirada da cama, contou mentalmente até que ouvisse o alarme de liberação, logo os passos pesados ecoaram no corredor. Como sempre, uma dupla de guardas era chamada para efetuar a revista pela cela, mas isso não o intimidava. Pouco tempo depois, escutou a voz grossa de um deles ordenando para que ficasse com as costas na parede e as mãos acima da cabeça. Park obedeceu, com um sorriso sacana nos lábios que logo se desfez, visto que os homens entraram na cela.

Um deles era alto e carrancudo, se chamava Stuart, e o outro era um pouco mais baixo que Park e com braços de músculos grossos, este atendia pelo nome de Ruben. O primeiro começou a revistar de maneira agressiva e, em sua expressão, era evidente que tinha tido problemas sexuais na noite passada. Chanyeol conseguia deduzir isso por conta de tê-lo visto com sutileza em algumas manhãs, o rosto de quem tinha chegado em um ótimo orgasmo. Obviamente que podia ser outro motivo, no entanto, o assassino conhecia muito bem a natureza dos homens e poucas eram as exceções nesse quesito. Outro detalhe que o denunciava era a aliança, que sempre estava no dedo errado, denunciando que ele não se importava muito com o que ela significava.

Stuart puxou o lençol sem sutileza e revirou o colchão amarelo, mas não encontrou nada além de um buraco.

O que é isso? — indagou, irritado.

Está velho. — respondeu Park de maneira trivial.

O guarda resmungou algo inaudível em frustração e depois ordenou que Ruben revistasse Chanyeol. O assassino conteve um sorriso debochado e encarou o homem fixadamente. Chegava a ser cômico o quanto as pessoas revelavam sem saber.

Bastava uma boa observação para que o alvo de sua atenção entregasse tudo, especialmente sentimentos de cobiça e desejo. Esses eram sentimentos que Park reconhecia em qualquer um. Por conta disso, não se surpreendeu quando Ruben o apalpou com uma lentidão desnecessária, espalmando as mãos na região de suas coxas e depois pedindo para que virasse. De costas para o guarda, Chanyeol esboçou seu desprezo quando sentiu-o se aproveitar daquela posição, no entanto, logo retomou sua expressão inabalável e virou-se novamente de frente para o homem, que sorria minimamente em satisfação.

Park não gostava daquilo, porém, fazia parte do acordo que tinha com um detento chamado Kevin, este lhe forneceu o celular. Ruben contrabandeava algumas coisas para sua cela em troca de alguns favores. Quanto a Kevin, tinha lhe dado algo muito mais valioso, por isso conseguia tudo que pedia.

Antes de sair da cela, o guarda musculoso o atirou um fone, discretamente. Park revirou os olhos por ter que se submeter a situações tão humilhantes; o que o confortava era ter a certeza que Ruben seria o primeiro que mataria quando tivesse a oportunidade. Por enquanto, precisava daquele sujeito e o manteria sob seu encanto. Foi em direção ao fone e o apanhou, em seguida puxou o celular de dentro da calça e plugou o fone neste. Quando a música começou a soar em seus ouvidos, permitiu-se sorrir com a pequena vitória daquele dia, felizmente não seria a única. Em poucas horas receberia uma visita importante.

Incapaz de ignorar a bagunça ao seu redor, começou a organizar tudo de volta ao devido lugar antes que os guardas retornassem com o café da manhã. Park gostava de ter tudo sob seu controle, por menor que fosse, até mesmo um pequeno objeto ele precisava ter onde desejava e por isso era tão obcecado por xadrez. Era um jogo que podia mover as peças como queria e planejar como usá-las para chegar em seu objetivo principal: vencer o adversário.

Secretamente, criava diversos diálogos com Baekhyun apenas por prazer, gostava de imaginá-lo em algumas situações e ficava curioso para saber qual seria a reação do detetive diante delas. Baekhyun era a única pessoa que era imprevisível para ele; por mais que pudesse deduzir algumas coisas, nunca conseguia prever com certeza o próximo movimento de sua Rainha e isso o instigava e o fazia ficar cada vez mais curioso a respeito do que se passava na cabeça complexa de sua peça favorita do tabuleiro.

[...]

Por volta das nove da manhã, Park pode ouvir o alarme de liberação e os passos ecoando em direção a sua cela. Já sabia perfeitamente de quem se tratava e sentiu-se satisfeito antes de colocar a folha que desenhava ao seu lado e endireitar o corpo, sentando-se com a coluna ereta na beirada da cama e mantendo os olhos atentos à porta. Uma vez que esta foi aberta e a figura do detetive adentrou a cela, deixou que um sorriso malicioso se espalhasse pelos seus lábios enquanto acompanhava cada movimento de Baekhyun como quem analisa uma pintura caríssima em uma galeria de arte. Na sua visão, ele era extremamente raro , por isso possuía uma admiração peculiar pelo homem, tanto que o fazia protagonista de seus esboços.

Bem-vindo de novo. — cumprimentou e viu o detetive erguer o canto dos lábios brevemente. Gostava disso nele, o modo como não conseguia conter o que desejava, mas, ao mesmo tempo, tentava esconder por achar aquilo errado.

Recebi outra visita do copiador. — disse antes de sentar-se na cadeira à frente da cama. Baekhyun largou o corpo sobre a mesma, não disfarçando o cansaço. — Acho que está na hora de avançarmos. — Demonstrou impaciência.

Park não esperava por aquilo tão cedo. Pensou que precisaria de meses até persuadir o detetive a confiar em si a ponto de concordar com o que viria a seguir. Porém, mesmo se ele não aceitasse, buscaria um modo disso acontecer, embora fosse contra a sua vontade. Queria que Baekhyun cedesse por conta própria e estava disposto a ter paciência até conquistar sua confiança ou o mais próximo dela. No entanto, parecia que tinha atingido parcialmente esse objetivo e deixou transparecer sua satisfação com isso.

E o que você sugere? — arqueou uma sobrancelha, esperando que a ideia viesse do detetive. Mas Baekhyun era esperto e deixava claro, em seus olhos castanhos, que sabia perfeitamente das intenções de Park e tinha conhecimento que foi guiado até aquela decisão, embora a tenha tomado deliberadamente.

Desde quando planejou tudo isso? — indagou. E lá estava a confirmação do que Chanyeol observava nos olhos alheios. Ele sabia e era por isso que o admirava. Mesmo sabendo de tudo, continuava ali, visitando-o, respondendo suas investidas.

Baekhyun era a única pessoa que não tinha nem um traço de medo ou intimidação na sua presença e isso o tornava interessante. O modo como sustentava o olhar de Chanyeol em igual intensidade e curiosidade, ambos em uma sincronia singular de excitação, não apenas em teor sexual, mas a excitação pulsante que consegue estimular o canto mais ínfimo de sua mente. O assassino estava fascinado pelo interior e exterior do detetive, uma parte tinha tido o prazer de explorar, mas, a outra, era mais difícil do que imaginava.

Levei alguns meses, embora alguns detalhes foram improvisados.

E você tem alguma ideia de como fará para fugir daqui? — abaixou o tom de voz ao falar a respeito. Chanyeol gostou daquele timbre de quem está compartilhando segredos íntimos.

Sim. — inclinou-se para frente e deixou que seus olhos recaíssem, brevemente, nas pernas do detetive, fantasiou tocá-las. Ergueu a atenção novamente ao rosto do menor, que permanecia encarando-o. — Mas, antes, lhe darei uma demonstração da minha confiança .

Sua confiança é deturpada. — riu anasalado antes de inclinar-se para frente — Mas, me fale, como será essa demonstração ? — indagou, maliciosamente.

Lentamente, Park afastou-se e não conteve um sorriso de canto quando viu Baekhyun inclinando-se, instintivamente, por um breve segundo antes de piscar e recuar; recostando-se a cadeira e cruzou os braços em uma posição defensiva e determinada. Era como se ele estivesse pronto para levar uma bala, mas, ainda sim, não abandonava o escudo.

Vou lhe contar minha história. — Baekhyun arqueou as sobrancelhas em surpresa — Se decidir continuar com o jogo depois disso, eu revelo meu plano. Caso rejeite, — suspirou, ironicamente — bom, será uma pena, não é?

Mesmo com uma ameaça implícita, o detetive não se intimidou e continuou sustentando o olhar do assassino sobre si, inabalável. Park achou aquilo ainda mais interessante, afinal, até então, Baekhyun não conhecia o seu lado perverso de perto e estava curioso sobre a reação dele ao descobri-lo.

[...]

Chicago, Illinois, dezembro de 2002

Park Chanyeol retornava para casa depois da aula. Observava a agitação dos vizinhos em decorar a casa para as festividades de fim de ano no caminho. Não entendia muito bem o conceito do natal, porém, gostava da data por ser uma das poucas chances que tinha de ficar longe da escola e das outras crianças. Quando chegou em frente a cerca branca, em frente a sua residência, foi recebido pelos altos latidos do seu cachorro, que veio pulando em cima de si. Brincou um pouco com ele antes de ir para dentro. Deu uma olhada na sala e, aproveitando a ausência de seu tio, correu para o quarto e largou a mochila, logo retornou para o andar de baixo e voltou para o lado de fora. Sentou-se próximo da cerca e voltou a brincar com seu animal de estimação.

Após um tempo, ouviu ruídos vindo do interior da casa, em seguida, um homem alto e franzino apareceu na porta vestido com um roupão preto:

Entra agora. — ordenou com a voz baixa para não chamar a atenção dos vizinhos. Intimidado, o garoto obedeceu sem questionar. — Já mandei você não ficar lá fora durante o frio, merdinha. — bateu a porta irritado e Chanyeol ficou estático no meio da sala — Se vira aí que eu estou ocupado. — falou antes de pegar uma garrafa na geladeira e subir as escadas.

Curioso, o garoto aguardou alguns minutos antes de subir silenciosamente e se aproximar do quarto do tio, cuja porta estava entreaberta. Chanyeol parou alguns passos de distância e se encolheu quando ouviu gemidos de uma mulher vindo do cômodo. Ele não entendia o que estava acontecendo, porém, tinha presenciado aquilo diversas vezes desde que o tio foi morar ali e queria saber o motivo de todas as moças que entravam lá gemer como se sentissem dor. Com medo de ser pego, voltou para o andar de baixo e sentou-se de pernas cruzadas sobre o tapete, logo a frente da televisão de tubo. Ligou no canal onde passava repetidamente alguns episódios de The Twilight Zone e ficou ali até o anoitecer.

Encolheu-se quando ouviu o tio e uma mulher estranha descendo as escadas e agradeceu quando ambos passaram direto e foram para fora. No entanto, poucos minutos depois, o homem franzino estava de volta, ainda vestido em seu roupão preto de antes. Em passos ligeiros, foi em direção ao garoto e o agarrou pela blusa, forçando-o a encará-lo.

Se abrir a boca eu mato a sua mãe. Entendeu? — ameaçou com o bafo de álcool batendo contra o rosto de Chanyeol, que apenas assentiu antes de ser largado sozinho novamente. Ele achava aquele cheiro repugnante.

Não demorou muito para que sua mãe chegasse e, finalmente, se sentisse seguro dentro de casa. Mary Park era uma mulher afetuosa e com uma paciência invejável. Durante toda a infância, Chanyeol nunca a viu levantar a voz ou se alterar, sempre manteve a resiliência em qualquer situação. Toda noite, quando voltava do trabalho, abraçava o filho e lhe dava um beijo na testa, o que fazia o garoto sentir-se acolhido e esquecer-se da maldade que morava ali com eles.

Eu trouxe algo para você. — entregou uma caixa de chocolates para o menino, que retribuiu com um sorriso agradecido — O que quer fazer hoje? — indagou antes de bagunçar os cachos do filho em um gesto carinhoso.

Jogar uma partida. — respondeu quase de imediato, fazendo a mãe soltar uma risada gostosa antes de concordar. Já tinha virado um costume jogarem xadrez todas as noites. Chanyeol tinha se encantado pelo jogo uns meses atrás, quando Mary começou a ensiná-lo.

Mas vamos comer primeiro, certo? — ela abriu outro sorriso quando viu o garoto acenar positivamente.

Enquanto a mãe cozinhava, Chanyeol ficava sentado à mesa desenhando personagens e cenários aleatórios. Não tinha uma inspiração, apenas seguia seu instinto; o que lhe vinha à mente passava para o papel com extrema facilidade e riqueza de detalhes, arrancando elogios de Mary e dos professores que tinham a chance de ver seu talento. No entanto, o garoto não tinha ambição de tornar-se artista e não entendia o porquê das outras crianças não conseguirem fazer a mesma coisa, especialmente algo que era tão simples para si.

Quando o jantar estava quase pronto, Jimmy, o tio de Chanyeol, desceu com uma roupa limpa e o cabelo perfeitamente penteado, parecendo uma pessoa completamente diferente da que convivia com o garoto durante o dia. Ele chegou com um sorriso e deu um abraço na irmã antes de tomar um lugar na mesa, fazendo o desenhista encolher-se e manter os olhos apenas no papel. Raramente falava alguma coisa na presença do homem. No entanto, como era uma criança reservada, esse acanhamento perto do tio passava despercebido.

Como foi a entrevista, Jim? — perguntou Mary enquanto servia a mesa.

Foi ótima, irmã. — o homem sorria e lançava olhares falsamente carinhosos, embora somente o garoto ali soubesse disso. Quem não conhecia a verdadeira face de Jimmy acreditava facilmente que ele era um bom rapaz. — Espero conseguir essa vaga para poder terminar a faculdade.

Tenho certeza que conseguirá. — sorriu antes de sentar-se ao lado do filho e de frente para o irmão. — E vocês, se divertiram hoje? — perguntou olhando para Chanyeol e depois de volta para Jimmy.

Naquele momento, o garoto congelou na cadeira e negou-se a levantar a cabeça, afastando o desenho e o lápis para que sua mãe pudesse servir seu prato com todo carinho que só ela possuía. Em silêncio, começou a comer e recebeu um afago da mulher, que compreendia quando ele não queria conversar.

Nós sempre nos divertimos. — o tio respondeu por ele e Chanyeol podia sentir o deboche implícito naquela frase. Odiava ser caçoado pelo homem daquela maneira sem poder reagir ou se defender.

Naquela noite, tudo seguia normalmente. Jimmy se retirou depois de comer alegando que estava cansado por ter acordado cedo — o que era mentira —, mas o pequeno desenhista não se importava e agradecia pelo tio sumir para que pudesse aproveitar o pouco tempo que tinha na companhia da mãe. Como combinado, Mary jogou uma partida de xadrez com o filho e admirava-se em como o garoto aprendia rápido, apesar da idade. Porém, ao final do jogo, ela lançou uma pergunta inesperada:

Querido, você mexeu na minha bolsa essa semana? — indagou com a voz cautelosa para não assustar o menino.

Chanyeol apertou os lábios e manteve a cabeça abaixada, olhando em direção às peças do xadrez sobre o tapete da sala. Ele sabia que o tio constantemente roubava dinheiro da bolsa de Mary quando a mesma estava distraída ou dormindo, no entanto, não podia contar nada ou temia perder a única pessoa que se importava consigo. Já tinha tido provas que Jimmy costumava não blefar em suas ameaças.

Não, mamãe. — respondeu acuado.

Para a surpresa do garoto, sua mãe se aproximou e o envolveu em um abraço aconchegante que se prolongou por um bom tempo antes de guardarem o tabuleiro e irem dormir.

[...]

No dia seguinte, após voltar da escola, Chanyeol nem entrou em casa. Colocou a coleira em seu cachorro e saiu apressado para ficar vagando na vizinhança apenas para evitar encontrar o tio. Por mais que nevasse e o frio fizesse até seus ossos congelarem, ainda ficou o máximo que pode caminhando pelas ruas antes de ter que ceder e retornar para sua residência.

Receoso, abriu a porta e levou o cachorro para dentro, queria tirar a neve dele e deixá-lo se aquecer depois de andarem pelo gelo. No instante em que entraram, Toben saiu latindo, correu para o tapete e rolou pela superfície felpuda enquanto o garoto achava graça da brincadeira. Porém, aquele momento aconchegante durou pouco e não demorou para que Jimmy surgisse pelas escadas com aquele mesmo roupão preto e os cabelos na altura do ombro, desarrumados.

Eu mandei não deixar esse gambá no tapete! — esbravejou avançando em direção ao cachorro e o puxando de maneira bruta pela coleira. — Depois sou eu que tenho que limpar essa merda!

Não machuca ele. — pediu o garoto com a voz temerosa enquanto ouvia o cachorro gemendo, assustado.

Você se importa com esse bicho nojento? — debochou com uma risada antes de erguer Toben pela coleira, de forma agressiva, sem se importar de enforcar o animal. — É isso o que acontece quando você não me obedece!

Consumido pela raiva, o garoto avançou contra o homem e o empurrou, o que resultou no cachorro sendo liberto das mãos hediondas. Teria avançando contra o tio novamente se este não tivesse lhe acertado o rosto com força, o que fez Chanyeol cair no chão e sentir a bochecha ardendo como se estivesse pegando fogo. Na hora, o pequeno não soube dizer se foi um tapa ou um soco, tudo aconteceu muito rápido. Logo, ouviu os latidos de Toben e viu o animal mordendo a parte de baixo do roupão antes de levar um chute do homem enraivecido e se acanhar ao lado do menino caído.

Foram interrompidos pelo som do carro sendo estacionado, indicando que Mary havia voltado do trabalho.

Se contar alguma coisa, eu meto uma bala nela enquanto dorme. — sussurrou Jimmy, próximo do ouvido do sobrinho antes de sair em disparada para seu quarto e largá-lo sozinho.

Naquela noite, o pequeno precisou dizer à mãe que tinha escorregado no gelo e por isso seu rosto estava machucado. Entretanto, pode ver que a mulher não acreditou naquilo, mas, não o pressionou a dizer a verdade e o acolheu num abraço reconfortante até que o menino caísse no sono sob sua proteção.

[...]

Chicago, Illinois, março de 2003

Era costume de Chanyeol e sua mãe que todo fim de semana fossem até a locadora e alugassem um filme para assistirem juntos. Como o garoto era novinho, passavam a maior parte do tempo vendo animações ou algo mais leve. No entanto, naquele dia específico, o pequeno ficou curioso sobre as outras prateleiras e começou a perambular pelo amontoado de fitas cassete dos mais diversos gêneros. Logo, uma capa lhe chamou a atenção por estar bem no centro e exposta, parecia ser um filme importante e muito requisitado. Apanhou a fita nas mãos e foi em direção a Mary, que estava conversando com a dona da locadora no balcão.

Mãe, podemos levar esse? — perguntou enquanto esticava a fita em direção a mulher, que franziu o cenho ao ver o nome do filme.

É um filme pesado. Tem certeza? — arqueou uma sobrancelha.

O Silêncio dos Inocentes? — comentou a dona da locadora esticando a cabeça para verificar a capa — Você sabe que isso tem cadáveres e coisas assustadoras? — questionou ao menino.

Eu li a sinopse. — esclareceu, o que fez as mulheres se entreolharem.

Bom, — Mary sorriu — então vamos levar. — A mãe recebeu um olhar de reprovação da outra mulher, no entanto, deu de ombros.

Seguindo a rotina de sexta, Chanyeol e a mãe pediram pizza e jogaram uma partida de xadrez antes de irem assistir ao filme. Como a mulher não trabalhava sábado nem domingo, aproveitavam para virar as noites, indo dormir depois da madrugada e, algumas vezes, esperavam para poder ver o amanhecer. Eram os únicos momentos que o pequeno sentia-se próximo do que conhecia como felicidade, ainda que esse sentimento fosse muito abstrato para sua mente, assim como a tristeza e outras emoções que percebia nas pessoas. Porém, mesmo que seu coração não funcionasse como a maioria das crianças, sua admiração e respeito pela mãe eram genuínos, assim como o prazer de estar na companhia da mesma.

Mãe, por que matar as pessoas é errado? — indagou o garoto um tempo depois do filme terminar. Não havia malícia nem maldade naquela pergunta, era apenas a curiosidade dele em entender como o mundo funcionava.

É errado machucar as pessoas. — explicou, calmamente, enquanto fitava o pequeno encolhido ao seu lado — Infligir dor é o pior ato que alguém pode cometer. Nenhum tipo de ser vivo merece algo assim. Você sabe o que significa misericórdia? — viu o menino assentir — Devemos sempre ser misericordiosos. — acariciou os cachos do filho.

E se a pessoa machucar os outros? — aquela perguntou pegou Mary desprevenida. Mesmo assim, manteve-se calma a respeito.

Nesse caso, você deve defendê-los, entendeu? — segurou as mãos pequenas do filho entre as suas — Não permita que te machuquem e nem aos outros. — Os olhos da mulher ficaram entristecidos por um momento ao pensar que alguém podia fazer mal ao menino.

Contudo, aquele assunto foi finalizado por aquela noite e o restante das horas passaram apenas aproveitando a companhia um do outro.

[...]

Na segunda, Chanyeol saiu cedo com sua mãe para a escola, como todos os dias. Só tinha que encarar o tio na volta e por isso não reclamava de acordar cedo e se ver livre do homem durante a manhã. Durante as aulas, ele costumava ser muito quieto e reservado, sentava-se sempre no fundo e mantinha a cabeça baixa. Embora aparentasse não prestar atenção em nada, estava atento a tudo que acontecia ao seu redor. Não tinha problemas nas matérias e tirava notas boas, recebia elogios da mãe por isso. Contudo, era impossível não se destacar durante as aulas de artes, o que despertou nele um prazer na sensação de ser admirado, mesmo que, na época, fosse algo pequeno.

Quando saiu da escola naquele dia, encontrou um grupo de meninos — na faixa dos dez aos doze anos — perturbando um cachorro de rua que perambulava pelo estacionamento. No começo, estavam apenas provocando verbalmente, porém, um deles puxou o rabo do animal, que grunhiu assustado e tentou correr, mas foi impedido pelos outros. Foi quando um dos meninos chutou o bichinho que Chanyeol sentiu um forte impulso, como um gatilho de uma arma sendo disparado. Ignorando as consequências, avançou sobre o garoto agressor, derrubando-o no chão e iniciando uma briga física. Não demorou para que uma rodinha de crianças se formasse ao redor incitando para que eles continuassem se batendo.

Como resultado, os pais de ambos foram chamados até a diretoria e, como a mãe de Chanyeol trabalhava como cuidadora, demorou um pouco mais para conseguir organizar tudo antes de ir. Enquanto isso, o pequeno esperava calado na secretaria, sob a vigilância de uma das professoras que tinha separado a briga. Quando Mary chegou, depositou um beijo na testa do filho e pediu que ele aguardasse até ela terminar de conversar com a diretora. No entanto, curioso, o garoto aproximou-se da porta e ficou escutando o que diziam:

Ele é uma criança especial. — dizia a diretora — Eu acho que seria bom se procurasse uma escola preparada.

O que quer dizer com especial? — ouviu a mãe perguntar.

Escute, senhora Park, conheci algumas crianças como ele. Não sou uma profissional nisso, mas vejo sinais de algum transtorno de personalidade. Pode não ser, entretanto, sugiro que busque uma psicóloga infantil.

Tudo isso por conta de uma briga de garotos? — preocupou-se a mãe.

Senhora, — fez uma pausa — Chandler enforcou o outro aluno quase até sufocá-lo. Se a professora não chegasse, o pior poderia ter acontecido. Entende o que quero dizer? Ele estava ciente de suas ações.

Chanyeol ouviu alguns ruídos de cadeira vindos da sala e afastou-se da porta, retornando para o banco no corredor de espera. Manteve a cabeça abaixada até que a mãe saísse e se despedisse da diretora; em seguida, a mulher foi em sua direção com o mesmo sorriso afetuoso de sempre. Ela se abaixou até ficar na altura do filho e segurou as mãos pequenas entre as suas:

Mãe, — O menino se manifestou primeiro — eu sou como o homem das borboletas? — fitou atentamente os olhos da progenitora.

Chanyeol apelidou o assassino, Buffalo Bill, do filme O Silêncio dos Inocentes, como o homem das borboletas. Com o coração apertado, Mary acariciou o dorso da mão do filho e manteve a expressão suavizada.

Eu acho que você está mais para Hannibal. — brincou, rindo baixinho e vendo o filho acompanhá-la — Chanyeol, — somente ela chamava-o dessa forma — a bondade e a maldade existe em todos nós. Nenhuma pessoa é só boa ou só ruim, todos podemos ser um pouco dos dois ao longo da vida. O que importa é como escolhemos agir e como tratamos aqueles com quem nos importamos.

Você vai deixar de me amar se eu agir ruim?

Querido, — pousou uma mão sobre a bochecha do filho — nada me faria deixar de amar você.

[...]

Chicago, Illinois, maio de 2003

Durante a tarde, Chanyeol manteve-se trancado em seu quarto até que a fome o vencesse e resolvesse sair. Enquanto descia as escadas, notou que seu tio estava acompanhado de uma das diversas mulheres estranhas que ele sempre trazia para casa escondido. O garoto ainda não entendia o motivo daquelas ações entre eles e tinha medo de perguntar a sua mãe e ela desconfiar. No fim, apenas ignorava, mas antes que pudesse retornar para cima, ouviu Jimmy o chamando com seu timbre embriagado.

Ei, merdinha. — riu — Encha a banheira para mim, agora. — ordenou e Chanyeol ponderou se deveria obedecer ou não. Contudo, acabou optando por obedecer a ordem para se livrar do tio logo.

Por alguns minutos, o pequeno teve seu momento de paz no banheiro enquanto observava a banheira se enchendo. Infelizmente, sua tranquilidade foi dissipada quando ouviu os passos do tio subindo as escadas e, poucos segundos depois, entrou no recinto azulejado. Acanhado, o garoto não olhou para o homem e permaneceu com os olhos fixos na torneira.

Subitamente, Chanyeol foi agarrado pelos cabelos e, sem aviso, teve a cabeça enfiada dentro da água. O pequeno debateu-se instintivamente e, por alguns segundos, achou que ali seria realmente o seu fim. No entanto, foi puxado de volta e começou a tossir de maneira incessante, sentindo o nariz entupido e a garganta ardendo.

Você é um molenga. — riu Jimmy antes de largar o sobrinho sobre o piso molhado e se levantar — Saia daqui, anda! — mandou e o garoto não hesitou em correr o mais rápido que pode de volta ao seu quarto, trancou-se ali até que sua mãe chegasse.

[...]

Foi em um dia entediante e comum que a situação mudaria drasticamente. Era um domingo como qualquer outro, Mary tinha feito o café da manhã e uma limpeza na casa com a ajuda do filho, que gostava de ficar acompanhando-a pelos cômodos e ouvindo suas histórias de quando era adolescente. Quando terminaram, ela saiu para buscar alguma coisa para o almoço e, assim que retornou, pediu que Chanyeol a acompanhasse até o lado de fora.

Querido, preciso te pedir um favor. — O garoto atentou-se ao rosto inquieto e preocupado da mãe — Pode ficar aqui enquanto vou conversar com seu tio? — ele arregalou os olhos.

Sobre o que vocês vão conversar? — temia pelo que poderia acontecer se fosse o que ele pensava.

Vou pedir para ele se mudar. Mas, sabe como seu tio é, não acho que ele vá aceitar muito bem. — suspirou, entristecida — Pode me esperar aqui?

Mary era a irmã mais velha e cuidava de Jimmy, o caçula, desde que a mãe deles havia falecido por problemas de saúde. Quanto ao pai, ele tinha voltado a morar na Coreia com outra família, o que resultou na perda de interesse em manter contato com os filhos americanos, que precisaram se virar sozinhos. Contudo, Jim não aceitava o abandono e, por mais que agisse como bom moço na frente da irmã, ela nunca deixou de perceber alguma coisa estranha nele, sabia que o irmão escondia algo dela. Porém, não fazia ideia dos abusos que aconteciam com Chanyeol.

Temeroso, o garoto apenas assentiu e achou que não teria problema a mãe conversar com o tio sobre aquilo, afinal, ele manteve a boca fechada sobre o que Jimmy fazia escondido e acreditou que este cumpriria sua parte do acordo de não machucá-la.

Eu te amo, querido. — beijou a testa do filho — Já volto. — E entrou na casa deixando o pequeno esperando na companhia de Toben.

Durante cerca de quarenta minutos, tudo ficou silencioso e Chanyeol continuou acariciando seu cachorro e observando as pessoas passando na rua ou os vizinhos sentados no gramado aproveitando o dia de folga. Ao longe, notou uma garotinha rindo enquanto brincava com suas bonecas. Para o menino, aquilo era peculiar e perguntou-se o motivo de não conseguir agir como aquela criança. Gostava de jogar xadrez e ficar com Toben, porém, não sentia vontade de rir daquela maneira, como se tivesse conquistado a melhor coisa do mundo. Ele entendia que os sentimentos eram algo normal e não havia nada de errado em expressá-los, no entanto, apenas não sabia se os seus eram iguais aqueles que analisava nos outros.

Subitamente, um barulho alto vindo de dentro da casa lhe chamou a atenção, fazendo-o virar a cabeça para trás. Em seguida, outro estrondo que parecia alguém batendo contra as paredes. Ele não entendia o que estava acontecendo e só teve uma ideia quando escutou um grito de sua mãe, não sabia se ela pedia por socorro ou se estava com raiva, para o garoto parecia os dois. Sem pensar, levantou-se e correu em direção a porta. No momento que colocou a mão sobre a maçaneta, ouviu um estrondo mais alto e mais forte, como se tivessem quebrado algum móvel da sala.

Mãe… — chamou enquanto abria a porta.

Estirada no chão, ao pé da escada, encontrava-se Mary em uma posição bizarra e os olhos apavorados sem vida. No momento que Chanyeol a encontrou daquela forma, congelou com a mão ainda apoiada sobre a maçaneta. Por alguns segundos, era como se ele tivesse deixado de existir. Porém, antes que pudesse se recuperar, viu o tio descendo as escadas e vindo para cima de si. Num impulso, o garoto desatou a correr; soltou a coleira de Toben, abriu o portão da cerca e saiu em disparada pela rua com o cachorro latindo atrás de si.

Naquele dia, tudo que Chanyeol fez foi ir até a primeira delegacia que encontrou e relatar o que tinha acontecido. Não sentia nada, porém, por algum motivo, seus olhos não conseguiam deixar de escorrer lágrimas pela primeira vez em sua vida. Era um choro silencioso, uma resposta emocional que, mesmo não sendo sentida de maneira comum, ainda estava presente. Contudo, a raiva que nutriu durante os anos acabou se sobrepondo e tornando-se, a partir dali, o incentivo para as suas próximas ações.

[...]

Richmond, Virginia, julho de 2008

Era por volta das oito da noite quando Park Chanyeol adentrou a locadora de DVD’s naquela sexta-feira. Foi recebido pelo sorriso do dono do local, que ficava sempre sentado com as pernas sobre o balcão enquanto comia aperitivos e assistia a um filme na televisão de tubo pendurada na parede. O lugar era pequeno e nem de longe se comparava onde ia com a mãe em Chicago, todavia, dava para quebrar o galho.

No auge de seus quinze anos, a rotina do adolescente se resumia em escola, casa e locadora. Fazia cinco anos que morava com o pai e a avó e cinco anos desde que sua mãe foi assassinada. Nem tinha se importado com a mudança de cidade, pois, não fazia diferença onde estava, tudo que precisava era de seu tabuleiro e um lugar para pensar sozinho. E, como estava em período de férias, tempo e solidão era tudo que mais possuía.

Passou uns minutos olhando as prateleiras antes de optar por levar um que tinha visto diversas vezes. Sem pressa, foi em direção ao homem na faixa dos trinta anos atrás do balcão, que só retirou as pernas da superfície de madeira para atender o adolescente de moletom preto. Porém, uma figura peculiar chamou a atenção do homem, fazendo-o esquecer-se de Chanyeol e começar a apontar o dedo para um garoto alto de cabelos loiros que se aproximava.

Cameron, eu te falei para não ir aí! — repreendeu, visivelmente impaciente, porém, isso não pareceu afetar o tal garoto.

Pare de ser dramático, Evan. — deu de ombros e depois retirou o pirulito de cereja que mantinha na boca — Ninguém vem aqui além de esquisitões e bichas e eu me encaixo nos dois. — riu e atirou um DVD de pornografia homossexual no balcão — E aí. — lançou um sorriso pervertido em direção a Chanyeol antes de voltar a colocar o pirulito na boca.

Pode, por favor, não expor nossa sexualidade descaradamente na frente de um cliente? — Evan arqueou a sobrancelha em direção ao loiro, que colocou uma mão sobre a boca fingindo estar chocado.

Hm, Zodíaco. — comentou Cameron antes de retirar o pirulito da boca e o apontar em direção ao DVD que Chanyeol segurava, este, por sua vez, encarava o loiro com curiosidade — Eu prefiro o Jeffrey Dahmer, mas, infelizmente, não existem filmes bons sobre ele. — balançou a cabeça em indignação.

Tem livros. — respondeu Park, deixando o garoto surpreso por ele interagir consigo — Sobre o Jeffrey Dahmer. — acrescentou.

Terá sorte se Cameron abrir um panfleto para ler. — debochou Evan enquanto observava os garotos.

Cala a boca. — Cameron semicerrou os olhos enquanto direcionava um sinal despudorado para o dono do local. Em seguida, voltou a atenção para Chanyeol — Interessante. Você pode me indicar algum? — apoiou os cotovelos sobre o balcão enquanto mantinha os olhos castanhos claros no garoto..

Posso. — assentiu.

Perfeito. Evan, — virou-se para o homem atrás do balcão — me empresta uma caneta e um papel. — pediu. Uma vez com o papel e a caneta em mãos, Cameron rabiscou alguma coisa e empurrou em direção a Park — Se estiver entediado é só me ligar. — piscou para o maior.

Chanyeol ficou curioso quanto às atitudes do tal Cameron, não tinha conhecido ninguém com tanta ousadia e muito menos que se aproximasse dos outros, independente de quem seja, sem nenhuma intimidação ou vergonha. No entanto, naquela noite, o adolescente achou que o loiro se tratava apenas de um idiota comum que gosta de se exibir. Lembrava-se de tê-lo visto na escola algumas vezes com a postura rebelde, porém, aquilo não lhe chamou a atenção até então. Talvez pudesse encontrar nele uma forma de passar o tempo, só não sabia ainda qual seria.

[...]

No sábado à noite, Park resolveu ligar para Cameron e combinar de se encontrar com ele. Estava com tédio durante os últimos anos, ainda mais que seu pai tinha transtornos depressivos e vivia isolado e incomunicável. No fim, a única pessoa com quem o adolescente conversava era sua avó, que era uma mulher muito carinhosa consigo e, por isso, a respeitava.

De vez em quando, sabotava alguns alunos na escola apenas pelo prazer de se sentir no controle; se sentia como uma sombra, que cerca a todos e pode fazer o que desejar na hora que quiser sem ser descoberto. Gostava de testar sua esperteza e não tinha medo de ultrapassar alguns limites para isso. Contudo, ainda reconhecia que estava longe de alcançar o patamar que ambicionava e buscava se manter longe de crimes que poderiam colocá-lo em risco de manchar sua ficha, afinal, havia um plano muito maior pela frente e o foco nele era mais importante do que ir atrás de alguns idiotas que não o traria benefício algum.

Que lugar é esse? — perguntou Park quando o loiro o levou até uma cabana desgastada na beira da estrada.

É onde aqueles malucos de gangue vem para se drogar. — explicou enquanto se aproximava de uma das janelas, logo a abriu e pulou para dentro, em seguida, acenou para que Park o seguisse.

Onde eles estão? — questionou antes de se esgueirar pela abertura e entrar na cabana que era ainda mais desleixada por dentro. Havia um sofá cheio de furos e uma mesa cheia de cigarros, copos e garrafas em cima. Para o garoto, aquilo era asqueroso.

Não sei. — deu de ombros — É repulsivo, não é? — comentou enquanto notava o olhar de desprezo do moreno.

Eu não gosto de sujeira.

Você não curte bebidas e drogas? — foi a vez de Cameron perguntar enquanto remexia na bagunça em cima da mesa. Nisso, Chanyeol não pode deixar de observar as unhas do loiro pintadas de vermelho. Era curioso, ele nunca tinha visto outro garoto usar aquilo.

Não vejo utilidade nisso. — Sua postura era rígida e analítica. No começo, ficou curioso se essa frieza incomodaria Cameron, porém, o loiro pareceu nem se importar com isso e agia como se estivesse confortável na companhia do moreno.

Eu também não. — disse enquanto torcia o nariz ao pegar um copo sujo de batom — Já tenho a insanidade e a perversidade correndo naturalmente nas veias. — Arqueou as sobrancelhas, como se revelasse um segredo chocante.

Cameron apanhou uma garrafa com líquido pela metade e girou a mesma entre os dedos antes de a arremessar contra a parede, o vidro explodiu em centenas de pedaços e a bebida deixou uma mancha na madeira velha. Park apenas observou aquilo com a expressão inalterada, embora estivesse intrigado com aquele garoto.

Por que fez isso? — indagou.

Me deu vontade. — O loiro deu de ombros e apanhou outra garrafa na mão, mas, dessa vez, a entregou para Chanyeol. — Quer tentar? — lançou um olhar desafiante ao moreno.

Curioso, Chanyeol pegou a garrafa e analisou a mesma antes de mirar contra a parede e atirá-la. Não sentiu nada diferente, mas admitia que o ato em si era divertido e, por isso, esticou o canto dos lábios enquanto olhava para os pedaços de vidro espalhados pelo chão. Pode ouvir Cameron rindo ao seu lado, porém, os risos cessaram quando escutaram o som de um carro sendo estacionado seguido de vozes. Os garotos se entreolharam rapidamente, porém, não dava tempo de correrem, então ficaram ali até que viram a porta ser aberta e uns três rapazes acompanhados de duas garotas entraram.

O que fazem aqui, pirralhos?! — esbravejou um dos rapazes enquanto retirava uma faca do bolso da calça jeans — Vou cortar a cara dos dois! — ameaçou sob o incentivo dos amigos que mostravam os punhos.

Chanyeol observou a situação com pouco interesse. Em sua mente, trabalhava um meio de conseguir tirar a faca da mão do rapaz, mas não poderia matá-los ou teria problemas com a polícia; mas admitia que estava curioso em saber como seria a sensação de tirar uma vida. Contudo, sua linha de raciocínio foi interrompida quando viu Cameron puxar uma arma de debaixo da blusa de manga comprida e apontar firmemente em direção aos prováveis líderes da gangue.

Não me faça rir! — elevou a voz — O primeiro tiro vai ser no meio do seu rabo! — deu dois passos em direção aos rapazes que, assustados, saíram correndo de volta para o carro enquanto gritavam que iriam pegá-los em outra oportunidade.

Curioso, Park olhou para a arma na mão do loiro.

Sabe usar isso? — questionou.

É falsa. — respondeu, rindo enquanto demonstrava que não era de verdade — Mas aqueles otários não sabem distinguir um pênis de uma linguiça.

Isso foi engraçado. — riu brevemente.

É bom saber. — O acompanhou na risada — Vamos dar o fora daqui.

[...]

Desde o incidente na cabana, Cameron e Chanyeol passaram a se encontrar com frequência. Dessa vez, na casa do loiro, que tinha o lugar livre a maior parte do tempo por conta do seu pai ausente. Costumavam deitar-se sobre o tapete marrom da sala e deixar a televisão ligada enquanto o moreno tentava, pacientemente, ensinar o outro como jogar xadrez.

Não pode sacrificar sua rainha. Ela é a peça mais importante do tabuleiro. — disse Park enquanto apontava para a peça citada.

Mas o jogo só não acaba quando matam o rei? — franziu o cenho.

O rei tem movimentos limitados e a rainha não. Por isso, ela é uma peça vital. — explicou antes de arrumar o tabuleiro para outra partida.

Então para que o rei serve?

Para derrotar o outro rei.

Cameron suspirou, estava confuso com tantas regras e desviou a atenção para a televisão, que tinha parado de passar videoclipes para começar o noticiário. Quase de imediato veio o anúncio de mais uma vítima de um misterioso assassino em série que estava colocando o estado da Virgínia em desespero. Aparentemente, o “estripador noturno”, como o chamavam, invadia casas de mulheres solteiras ou desacompanhadas para brutalmente assassiná-las. Já tinham sido quase dez casos e o FBI estava em polvorosa com a situação fora de controle.

Eu me pergunto o porquê de sempre serem mulheres.

Eles vão atrás de presas fáceis. — Cameron o encarou — São predadores fracos que só perseguem aqueles abaixo de si por medo de enfrentar alguém acima. No fundo, eles são mais frágeis do que se imagina.

Por isso você quer matar homens?

Sabe, — esticou o canto dos lábios — existe uma crença das antigas tribos indígenas de que, ao comer a carne dos adversários mortos, herdariam a bravura, a coragem e a força do oponente em questão. — o loiro riu — Então, ao matar um inimigo mais forte, você adquire o poder dele.

É um modo poético de matar.

No entanto, essa nova vítima não é do estripador noturno. — comentou voltando a arrumar o tabuleiro.

Como sabe?

Ela foi assassinada na rua. O estripador, até então, só matava as mulheres dentro de suas respectivas casas.

Talvez seja um copiador. — brincou Cameron. Contudo, aquilo fez o moreno ficar pensativo a respeito.

[...]

Richmond, Virginia, outubro de 2008

Naquela tarde, Chanyeol encontrou Cameron encolhido no canto do quarto com o rosto em lágrimas e os olhos vermelhos. Para o moreno, tinha se tornando uma situação comum, não era a primeira vez que o via daquela maneira e, embora soubesse que o motivo era uma profunda tristeza que o loiro dizia sentir desde pequeno, ainda era algo incompreensível para sua mente. Podia entender o que estava acontecendo de uma maneira lógica, no entanto, tinha dificuldades em saber o motivo do garoto estar naquele estado. Nesse caso, Park sentava-se ao lado do loiro e, em pouco tempo, o via esquecer-se do choro.

Você se deprime por não ter alguém que o ame? — perguntou o moreno. Cameron soltou uma risada em gozação pela questão. Park achava aquilo intrigante, o modo como o loiro conseguia ter traços de tristeza e divertimento ao mesmo tempo. Ele era a única pessoa que tinha visto rir e chorar simultaneamente.

Eu esperava essa besteira clichê de qualquer um, menos de você. — zombou endireitando o corpo e sentando-se de frente para o moreno.

Você queria que eu te amasse? — estava curioso a respeito daquilo. Nunca tinham tocado naquele assunto e Park ainda não conseguia decifrar quais eram as intenções do loiro consigo.

Não seja presunçoso. — franziu o cenho antes de puxar os fios descoloridos para trás — Eu não estou apaixonado por você. — afirmou, resoluto — Na real, eu gosto do que nós temos.

Isso é incomum.

Cameron riu novamente antes de inclinar o corpo em direção a Park, que permaneceu imóvel e com a expressão impassível. Porém, mantinha os olhos fixos nas íris castanhas à sua frente, que estavam perigosamente próximas. O loiro ainda tinha a vermelhidão do choro recente e o moreno achou curioso como as veias em seus olhos formavam linhas escarlates em seu globo ocular.

Te assusta saber que eu gosto de você sabendo exatamente como sua mente funciona? — arqueou uma sobrancelha desafiadora.

Me deixa curioso.

Não ter sentimentos como a maioria não te faz uma pessoa ruim, Chanyeol. — murmurou por conta da proximidade — Assim como possuir tais emoções não faz alguém ser bom. Tem gente por aí que ama a família e, mesmo assim, assassina e estupra. Todo ser humano tem a maldade dentro de si e nunca sabemos do que alguém é capaz.

Minha mãe costumava dizer a mesma coisa. — recordou-se da conversa que teve com a progenitora quando criança.

Na real, — colocou-se sentado sobre o colo do moreno — não estou nem aí para moral e ética. Já estou condenado ao pecado. — riu e Park o acompanhou. Ele achava interessante a forma como o loiro pensava e gostava do fato de nunca se sentir entediado na companhia dele.

Logo, Cameron selou os lábios aos do moreno e deixou que o momento se prolongasse enquanto podiam aproveitar.

[...]

Richmond, Virginia, dezembro de 2008

Terminei. — anunciava Cameron enquanto dava alguns cliques no mouse do computador branco que ficava em seu quarto. Virou o rosto em direção a Chanyeol, que estava sentado ao seu lado, desenhando em silêncio até então. — O que você acha? — apontou para o monitor.

Park ergueu o olhar na direção apontada e analisou o site que o loiro acabou de criar. Era um fórum de denúncias anônimas, o design era precário e básico, mas ainda achava-o interessante.

E o que fará com as denúncias? — indagou.

Talvez eu dê uma de Batman e persiga todos os culpados. — fingiu uma voz sombria que se seguiu de uma risada.

Mataria eles? — um brilho perpassou os olhos de Park.

Quem sabe. — respondeu em tom misterioso — Tenho que buscar uma entrega para o meu pai. — o moreno sabia ao que ele se referia — Quer vir?

Chanyeol assentiu. Ele sabia que o pai de Cameron estava envolvido com tráfico e contrabando, não tinha certeza de quantos esquemas participava, mas sabia que eram arriscados e desleixados. Todavia, queria saber como funcionava o submundo de Richmond e que tipos de criminosos existiam, como agiam, seus pontos fortes e fracos. Park estava constantemente atento ao seu redor e analisando cuidadosamente o comportamento dos outros. Contudo, nenhuma pessoa lhe cativava a atenção e curiosidade como Cameron. Tinha passado a apreciar a companhia do garoto peculiar.

[...]

Para buscar a encomenda, os dois garotos precisaram ir até os limites da cidade, onde acontecia uma festa com todo tipo de gente. Era uma casa de dois andares com um enorme gramado ao redor e carros estacionados pelo perímetro. No interior da residência, uma música de batida frenética soava incessantemente acompanhada de vozes e gritos exaltados.

Devíamos tacar fogo em tudo. — murmurou Cameron, próximo ao ouvido de Chanyeol, enquanto se mantinham em um canto afastado da sala até que o entregador chegasse.

Com a gente dentro? — pontuou.

Tem razão. É uma péssima ideia. — riu e o moreno o acompanhou — Que tédio. — suspirou impaciente antes de cruzar os braços — Se todos esses otários virassem zumbis, como você escaparia? — indagou subitamente. Park achava intrigante as perguntas sem sentido que o loiro fazia do nada.

Porém, antes que pudessem se engajar naquele assunto, um rapaz se aproximou perguntando se eram os mensageiros e Cameron afirmou. Em seguida, pediu que os dois garotos o acompanhassem até a cozinha para que pudessem efetuar a entrega. Chegando lá, foram abordados por três homens e um deles, que parecia ser o líder, tinha uma pequena bolsa preta nas mãos.

Você é o filho do Marvin? — indagou elevando o tom de voz para que pudessem escutá-lo em meio à barulheira.

Eu mesmo. — Cameron assegurou com um sorriso sacana nos lábios.

Certo. — Meneou a cabeça antes de estender a bolsa em direção ao loiro — E fala para o Marvin… — foi interrompido por um rapaz embriagado que surgiu por trás de Chanyeol aos tropeços.

Aí, cadê o Baekhyun? — sua voz soava embargada e acabou por se apoiar sobre os ombros do homem que fazia a entrega.

Está lá em cima comendo o namorado dele. Cai fora. — empurrou o sujeito bêbado que saiu em passos desleixados para fora da cozinha.

Esse Baekhyun parece ser o meu tipo. — comentou Cameron em seu usual tom atrevido. Porém, acabou chamando a atenção de outro homem ali, que o lançou um olhar de escárnio antes de se aproximar abruptamente do loiro. — Ei, se afaste!

Pensei que gostasse de algo duro. — caçoou avançando de novo e tentando apalpar o loiro, que começou a empurrá-lo.

Para com isso… — Ia alertando o entregador.

Contudo, antes que pudesse finalizar a sentença, foi interrompido por Chanyeol que, subitamente, agarrou os cabelos do assediador e golpeou a cabeça do rapaz sobre o mármore da pia ao lado deles. Na primeira pancada todos ficaram estáticos, na segunda, devido ao sangue que jorrou, o entregador arregalou os olhos e tratou logo de separá-los. Não demorou para que outros viessem para acudir o homem ferido, que tinha desmaiado devido aos golpes.

Vamos cair fora, agora! — gritou Cameron enquanto puxava Chanyeol pelo braço. Em seguida, correram em direção a saída.

Quando alcançaram o gramado, ouviram alguns homens os perseguindo e tiveram que acelerar a corrida em direção ao carro de Cameron, estacionado não muito longe dali. Os dois abriram a porta do veículo de maneira ligeira e saltaram para dentro, com o loiro dando partida e saindo em questão de segundos. Enquanto manobrava, um dos homens pulou em cima do para-brisa, mas, felizmente, Cameron conseguiu fazer o sujeito se desequilibrar e cair no gramado antes do carro alcançar a estrada.

Cacete! — exclamou o loiro antes de soltar uma risada ensandecida e atirar a bolsa no banco traseiro. — Isso foi insano! — lançou um olhar eufórico para Chanyeol.

Pensei que estivesse com medo. — Park franziu o cenho enquanto encarava o motorista, que dividia a atenção entre o moreno e a estrada vazia.

Está brincando?! — riu — Bem, acho que os negócios do meu pai foram para a merda. — arqueou as sobrancelhas — Mas foi sensacional!

Você é imprevisível. — sorriu de canto — O que fará agora?

Eu sempre quis um par de patins. — fez um bico, pensativo — Mas não acho que dê para ganhar a vida sendo patinador. — refletiu e depois voltou a rir.

Deve ter um bom dinheiro nessa bolsa.

Eu resolvo isso depois. — deu de ombros — Mas agora quero me divertir. — sorriu largamente antes de ligar o som do carro e Tainted Love começar a tocar. Durante o caminho, Park apenas observava o loiro cantarolando e fazendo movimentos ao ritmo da música.

Naquela noite, reparou nos dedos longos de Cameron e as unhas que sempre estavam pintadas de vermelho vibrante. Ele usava uma camiseta de manga longa listrada de verde-musgo surrada. Tais coisas eram características do loiro e deixou Park com desejo de ilustrar aquela imagem do motorista rindo e cantando, no ápice de sua insanidade, em um papel.

[...]

Richmond, Virginia, março de 2009

Naquela manhã de domingo, Park estava sentado pela primeira vez dentro de uma igreja enquanto assistia ao velório de seu pai. Pouco se importava com toda aquela encenação, no entanto, fingia estar em grande sofrimento para não levantar suspeitas a seu respeito.

Benjamin Park tinha se suicidado há alguns dias. Chanyeol foi quem o encontrou sem vida dentro do quarto após uma overdose de remédios controlados. Foi só naquele dia que o moreno notou que seu progenitor não significava nada para si, nem raiva sentia daquele homem, era apenas um grande vazio. Ele não entendia o motivo das pessoas precisarem de um pai ou de desejar a atenção paterna. Tinha se cuidado sozinho durante aqueles cinco anos e, se trocou dez palavras com Benjamin, foi muito. Porém, não fazia diferença desde que ele não ficasse em seu caminho, o que não aconteceu. O homem estava tão concentrado no próprio sofrimento que era fácil para Chanyeol fazer o que quisesse sem precisar de permissão.

Você está triste? — sussurrou Cameron, este estava sentado ao seu lado no banco dos fundos na pequena igreja local.

Não. — respondeu naturalmente — Estou entediado. — conteve a vontade de revirar os olhos enquanto ouvia o padre dando sermão.

Supondo que seu pai voltasse como um zumbi e contaminasse a todos aqui. — Park riu baixinho — Como fugiria?

Se ele voltasse como zumbi, só precisaria cortar a sua cabeça, assim impediria que contaminasse as outras pessoas. — zombou.

Bem pensado. — Cameron franziu o cenho — Mas estraga toda diversão. — trocaram um riso silencioso.

Tenho uma. — murmurou fazendo o loiro encará-lo, curioso — Se entrasse um assassino em série aqui, — um brilho perpassou seus olhos — como fugiria?

Eu iria seduzi-lo — inclinou o rosto discretamente em direção ao de Park — e fazê-lo ficar tão obcecado por mim que esqueceria da ideia de me matar. — sorriu de canto maliciosamente.

Chanyeol não soube dizer se aquilo era uma indireta, mas, se fosse, acharia a ousadia de Cameron admirável. Naquele dia, o loiro demonstrou que não tinha nenhum medo do moreno e, talvez, de absolutamente nada, o que deixava Park ainda mais intrigado. Queria entender como alguém que aparentava ter tantos pontos fracos podia não ser afetado por nenhum deles.

[...]

Richmond, Virgínia, agosto de 2009

Consegui um fornecedor em Delaware! — anunciou Cameron enquanto entrava na casa de Park acompanhado dos latidos de Toben — Meu pai nem sonha em saber que farei negócios sem ele. — deu carinho para o cachorro.

Quanto conseguiu?

O suficiente para irmos morar no Canadá. — sorriu de canto antes de erguer o corpo e sentar-se sobre o sofá. — Se quisermos, é claro. — acrescentou acompanhado Park com o olhar enquanto este se aproximava.

É o bastante. Quando será? — sentou-se ao lado do loiro.

Amanhã. Enquanto eu vou até lá, certifique-se que o Dimitri vai terminar nossos documentos. Não confio nele. — puxou os fios descoloridos para trás.

O plano era usarem os documentos falsos para se camuflarem na sociedade. Cameron não se importava com o futuro, admitia que estava apenas seguindo a ideia de Park por achá-lo interessante e divertido. O moreno não sabia dizer quais eram as verdadeiras ambições daquele garoto peculiar; ele estava sempre fazendo alguma coisa, entretanto, não parecia se guiar por mais nada além do que tivesse vontade de momento.

Esperariam a tão demorada formatura em algumas semanas para poderem arrumar as coisas e partirem de Richmond.

[...]

Durante o dia seguinte, Cameron passou o tempo todo na estrada; era uma viagem de quatro horas de ida e quatro de volta, chegaria só de madrugada. Enquanto isso, Park conseguiu pegar os documentos e terminou de ajudar a avó com as coisas antigas de seu pai. Era importante para ele ter uma boa imagem diante dos outros, especialmente da avó, e assim desviar qualquer suspeita de que estava planejando alguma coisa. Por mais que andasse com um delinquente assumido, deixava com que os outros pensassem que o loiro o levava para o mau caminho.

Por volta das onze horas da noite, Chanyeol recebeu uma ligação de Cameron.

Cameron? — atendeu e, por alguns segundos, ouviu apenas uma respiração pesada e depois a risada inconfundível do loiro. Porém, tinha algo estranho; parecia que ele estava engasgado.

Chanyeol… — Cameron parecia que estava com dificuldade para falar — o dinheiro no porta-malas… Que merda… — ofegou — não sei o que dizer… — riu novamente antes do som de sua voz ir se dissipando até que Park não pudesse escutar mais nada além de ruídos noturnos.

Era evidente que tinha alguma coisa errada, embora a ligação ainda estivesse conectada. Por conta disso, o moreno pode rastrear de onde ela estava vindo e franziu o cenho ao ver que era em uma estrada nos limites da cidade de Richmond. Sua primeira hipótese era que Cameron tinha se envolvido em algum acidente de carro e isso o teria deixado largado em meio ao nada. Com o celular em mãos, dirigiu-se até o carro de seu falecido pai e saiu sem avisar ninguém.

Depois de uns trinta minutos percorrendo a escuridão, viu o carro de Cameron parado no acostamento com as portas fechadas e o farol apagado. Não foi um acidente como esperava. Intrigado, Park saiu do veículo e verificou os arredores até encontrar um pé do par de tênis surrados que o loiro sempre usava. Seguiu em passos silenciosos para dentro das árvores altas e andou por cerca de cinco minutos antes de notar alguém estirado a poucos passos de si.

Ele não precisou verificar para saber quem era. Contudo, agachou até ficar de joelhos sobre a grama seca e colocou a luz, emitida pela tela do celular, sobre o rosto de um Cameron sem vida. Os olhos castanhos claros estavam abertos e vazios como os de um boneco. Ao lado da cabeça do loiro, o aparelho ligado ainda conectado à última chamada que fez a Park antes de morrer.

Chanyeol ergueu a blusa listrada do corpo e viu três perfurações que foram feitas por alguma faca. Notou também que havia sinais de abuso. Por um tempo, apenas ficou ali observando o corpo enquanto sentia-se traído pelo destino ter lhe tirado Cameron. Odiava quando as coisas fugiam do seu controle e não queria que o garoto tivesse morrido, não estava em seus planos. Frustrado, agarrou o tecido da blusa ensanguentada entre os dedos.

Não era para isso ter acontecido” pensou.

No carro, encontrou o dinheiro no porta-malas, cerca de duzentos mil dólares. Investigou um pouco e notou que o motor estava danificado e essa devia ser a razão de Cameron ter estacionado ali naquela hora. Provavelmente, pediu ajuda em meio a estrada e encontrou pessoas erradas.

Contudo, independente de quem fosse, Chanyeol puniria cada um.

[...]

No dia 23 de agosto, Chanyeol foi chamado na delegacia pelo próprio xerife que disse ter algo importante a dizer, mas o moreno sabia o que era. Mesmo assim, sentou-se tranquilamente de frente ao homem fardado e agiu como se não soubesse de nada a respeito.

Tenho que te informar que Marvin, o pai de Cameron, foi encontrado morto essa manhã. — suspirou enquanto pousava as mãos unidas sobre a mesa que os separava — Foi um acidente de carro.

Park fingiu estar em choque com aquela notícia. Retirou os óculos e esfregou os olhos para que o ajudasse a lacrimejar e aquilo funcionou, visto que o xerife lhe direcionou um olhar piedoso como quem vê uma criança chorando. Na noite anterior, o moreno tinha cortado os fios dos freios do carro de Marvin, o que causou o acidente naquela manhã. No fim, todos achavam que o homem estava bêbado.

E quanto aos assassinos de Cam? — perguntou com a voz falsamente embargada.

O xerife inspirou fundo, parecia que tinha algo muito difícil para dizer. Umedeceu os lábios enquanto desviou o olhar para baixo, mas, tão logo, sua atenção voltou-se para Chanyeol:

Chandler, eu preciso que continue mantendo esse caso em sigilo. — dizia, receoso — Infelizmente, não tenho provas contra os culpados e não posso deixar que a imprensa espalhe isso. — suspirou cansado — Não se envolva, certo? Eu prometo que farei justiça pelo seu amigo. — forçou um sorriso.

Park sabia que aquilo era uma ameaça indireta. Estava proibido de espalhar a notícia do assassinato de Cameron e pensava que, talvez, as pessoas daquela cidade nunca ficassem sabendo do que aconteceu bem na vizinhança delas. Ele não esperava muito da polícia, contudo, aquilo era realmente inacreditável. Pode ver o quanto o mundo dos homens era extremamente sujo. Mas não se preocupou em esperar nada deles e pensava apenas em passar despercebido para que pudesse continuar com o seu plano em segredo.

Logo, um alvoroço no corredor chamou a atenção do xerife. E, dali, acabaria se formando outra relação inesperada no momento em que Park Chanyeol colocou os olhos sob Byun Baekhyun pela primeira vez.

[...]

Baekhyun piscou quando ouviu batidas na porta da cela. Até então, tinha esquecido-se da própria existência e mergulhado profundamente na narrativa do assassino, que sentia-se satisfeito com a atenção recebida. Fez questão de dizer cada palavra enquanto olhava a fundo as íris castanhas escuras que o encaravam fixamente. Durante a história, notou diversas expressões no rosto do detetive, desde surpresa, risos baixinhos, indignação, raiva e, acima de tudo, fascinação pelo que ouvia.

Um momento. — pediu o detetive erguendo o dedo indicador no ar antes de levantar-se ligeiramente e colocar a cabeça para fora da cela. Murmurou alguma coisa para o guarda antes de retornar para seu lugar na cadeira. — O que você fez com os culpados? — indagou cruzando as pernas e voltando a prestar total atenção ao rapaz. — Foi o Toni?

Toni era o nome do homem que tentou assediar Cameron na festa.

Sim. — Imagens daquele dia vieram a sua mente — Ele e mais dois homens. No dia, estavam bêbados e não tiveram a intenção de matar, porém, o fizeram. — fez uma breve pausa — Eu sabia que os três se reuniam constantemente na casa de Toni, então, quando tive a oportunidade, entrei escondido e dopei as bebidas antes que eles chegassem. Quando desmaiaram, os arrastei para o porão, despejei gasolina ao redor e incendiei tudo.

Baekhyun riu silencioso antes de se repreender internamente por isso e assumir uma postura diligente. Park achou aquilo divertido.

E o seu tio? Você foi atrás dele? — perguntou ávido de curiosidade.

Sim. — sorriu de canto com um brilho letal nos olhos — Quer saber como eu o matei? — arqueou uma sobrancelha.

Quero. — assentiu com o interesse evidente.

Hm, — murmurou inclinando-se até que seus lábios estivessem próximos ao ouvido do detetive, que sentiu a nuca se arrepiar conforme a respiração de Park roçava em sua pele sensível — não teria graça sem um pouco de mistério. — sussurrou antes de se afastar.

Tinha apreciado demasiadamente a atenção alheia ao seu respeito e não queria que se esvaísse. Deixaria Baekhyun com aquela questão em aberto, assim como muitas outras, e continuaria aproveitando-se da curiosidade do detetive, gabando-se internamente em ter conquistado-a de forma genuína.

A questão é: Você vai ficar ao meu lado? — era uma pergunta perigosa e os olhos escuros do moreno faiscavam. Ele observou o detetive ponderar por alguns segundos, a tentação pelo proibido era evidente em suas íris castanhas. Baekhyun estava em conflito interno, embora tentasse não transparecer.

Por fim, o detetive sorriu num misto de ironia e excitação.

E como você pretende sair daqui? — embora a resposta não tenha sido dada diretamente, Park pode notar que ela não estava tão longe de seu alcance.

Ele esticou o canto dos lábios de maneira perversa.

Morto.

Chapter 10: Bispo

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Capítulo 10 — Bispo

Baekhyun soprou o ar pela boca lentamente quando entrou no carro. Tudo que tinha escutado naquela manhã tomou conta de sua mente. Não tinha escapatória, só conseguia pensar a respeito da história de Park Chanyeol e nas dezenas de dúvidas que queria saciar. E, como se não fosse o suficiente para uma semana de reflexão, o assassino também lhe revelou o plano que usaria para escapar da prisão, e, na opinião do detetive, era pura insanidade e muito baseado em sorte. Porém, precisava tirar um tempo para analisar cuidadosamente.

Enquanto dirigia para a casa de Sehun — que era praticamente sua casa atualmente — batucava os dedos incessantemente sobre o volante revestido de couro, um modo de demonstrar fisicamente como sua mente estava fervilhando com mil questionamentos e possibilidades. Era frustrante, precisava pensar em cada mínimo detalhe e isso fazia sua cabeça latejar e, para piorar, não tinha conseguido dormir direito nos últimos dias. Mesmo sendo teimoso, reconhecia quando precisava parar e tentar, ao menos, descansar um pouco. Não seria útil daquela maneira e, para embarcar naquela loucura, precisaria de cada resquício de seu raciocínio e atenção.

Tomou cuidado ao estacionar o carro de Sehun na garagem e seguiu para dentro com a mente totalmente distante da realidade. Seu corpo se movia automaticamente, seguindo a rotina, enquanto milhares de conflitos ocupavam sua cabeça. Sua mente girava em torno de Cameron, da frieza de Chanyeol em relação ao pai, de Jimmy, da fuga da prisão e do copiador; não conseguia silenciar os pensamentos, tanto que permitiu que toda aquela onda massiva o inundasse por dentro.

Foi depois de poucas horas que o detetive despertou. Tinha adormecido no sofá e, quando ergueu a cabeça atordoada, viu Sehun sentado na poltrona com um notebook no colo. Imediatamente, o parceiro o encarou:

Você estava exausto. — comentou ao mesmo tempo em que parou de digitar — Fiquei aqui para vigiar, temi que o copiador nos abordasse novamente. — suspirou, cansado.

Baekhyun ergueu o corpo preguiçosamente e sentiu os músculos esticando-se de forma dolorosa, tinha escolhido uma péssima posição para dormir. Passou as mãos pelo rosto e esfregou os olhos, piscou algumas vezes até que sua visão se tornasse clara. Logo, não demorou para que o turbilhão de pensamentos retornasse como um soco e o despertasse para a realidade.

Que merda. — murmurou o mais velho antes de passar os dedos pelos fios escuros, que já chegavam à altura do nariz. — Temos muito o que conversar. — falou antes de virar o rosto em direção ao parceiro, que o encarava apreensivo.

[...]

O detetive permitiu-se relaxar na banheira por um tempo antes de descer novamente e encontrar o parceiro na cozinha com um avental branco. Não entendia o motivo do rapaz ser tão cuidadoso, embora admirasse isso. Era incomum, especialmente para o mais velho, que tinha passado a vida toda em meio a soldados, policiais e criminosos. Havia algo peculiar em Oh Sehun que só se conseguia notar caso convivesse próximo a ele. Sehun era como uma caixa que, aparentemente, não demonstra muito, pois é preciso abri-la para que possa entender o que carrega.

Baekhyun não tinha certeza do quanto poderia confiar nele. Enquanto sentava-se sobre o banco à frente do balcão, temia que, se contasse o plano de Park, o parceiro pudesse sabotar de alguma forma, afinal, não sabia até que ponto ele era adepto das leis e fiel ao seu trabalho. Já tinha contado sobre a ideia, no entanto, ainda não mencionou nada a respeito e nem o que faria. Tinha receio. Nisso, começou a indagar-se como poderia testar a confiança do cozinheiro.

Sehun. — chamou e o rapaz o encarou por sobre o ombro — O que aconteceu entre você e Chanyeol no passado? — ele não tinha certeza se realmente tinha ocorrido alguma coisa, porém, precisava demonstrar que sabia e arriscou-se. Dessa forma, o parceiro não teria saída a não ser revelar.

Viu Oh suspirar e tensionar os ombros largos antes de finalizar os lanches que preparava e os colocar sobre o balcão. Pareciam mais apetitosos que os do fast food que comeram no hospital. Contudo, o detetive não deu tanta atenção à comida e manteve o olhar na figura alta e esguia.

Definitivamente, havia alguma coisa.

Você notou, não é? — apoiou os cotovelos sobre o balcão — Foi em 2018, eu estava na faculdade. — começou e o detetive aprumou-se enquanto encarava Sehun, sem esconder a curiosidade. — Nessa época, eu tinha uma namorada. — ele riu minimamente — Ela trabalhava em uma loja para reparos em eletrônicos. Enfim, Park Chanyeol também era funcionário desse lugar. — o mais velho entreabriu os lábios, em choque.

O que ele fazia lá?

Era técnico e minha namorada era recepcionista. — respondeu antes de ajeitar os óculos — Todos os dias eu ia buscá-la depois do expediente e sempre os via interagindo aos risos. — franziu o cenho — Bom, desde adolescente eu sou introvertido e tenho muita dificuldade em criar laços com as outras pessoas. Então, comecei a ficar com inveja dele. — umedeceu os lábios, envergonhado em admitir aquilo.

Eles tinham um caso? — estranhou Baekhyun.

Não, não. — negou rapidamente — Mas eles se davam bem. Ele a fazia rir e eu raramente conseguia fazer isso, normalmente, era o oposto. Eu era inseguro e a figura que Park Chanyeol exibia me fazia sentir inferior. Toda aquela pose confiante, a inteligência, a ausência de qualquer ansiedade, o modo como conseguia cativar os clientes e se dar bem com todos… Por conta disso, comecei a direcionar olhares de desprezo a ele e chegamos a trocar algumas farpas.

Vocês chegaram a brigar?

Não. Era como uma rivalidade de colégio, entende? — o detetive assentiu — No fim, só queria ser um bom namorado, mas não conseguia e ficava frustrado. Pensar nisso hoje me faz querer rir. — riu debochado — Todo esse tempo eu tive inveja de um psicopata. É irônico. Enfim, — suspirou tristemente — em 2019 minha namorada foi assassinada. — disparou.

O que aconteceu? — questionou, abismado com aquilo.

Então, — fez uma pausa — o nome dela era Angela Morgan. — ergueu os olhos e encarou o mais velho, que estava perplexo.

A primeira vítima do copiador. — murmurou Baekhyun, em choque com a revelação. Sem reação, passou a mão pelos cabelos e depois pousou-a sobre o balcão, próximo ao lanche esquecido. — Que merda. — fitou o parceiro, que tinha uma sombra melancólica sobre o rosto.

Depois do assassinato, nunca mais vi Park Chanyeol. Ele pediu demissão da loja e desapareceu. No entanto, eu sabia que não tinha sido o assassino do xadrez desde o começo. É evidente a discrepância entre as vítimas. — embora Sehun tivesse uma postura rígida, seus olhos o denunciavam: ele segurava as lágrimas.

Baekhyun não sabia se o incentivava a chorar ou se tentava distraí-lo. Ficou alguns segundos cogitando ambas as ideias, por fim, soltou um suspiro demorado e pousou uma das mãos, suavemente, sobre a destra alheia. Não sabia o que dizer, então tentava demonstrar que sentia muito por aquilo à sua maneira.

Você tem ideia do motivo do copiador ter escolhido a Angela? — indagou, tentando entender se havia uma conexão ou se foi uma coincidência infeliz. Por experiência, sabia que raramente era a última opção.

Não… — fungou — Mas não consigo evitar de me sentir culpado. — confessou — Se eu estivesse com ela naquela noite… — riu amargo e abaixou o olhar — Isso é tão clichê. — balançou a cabeça como se tentasse espantar tais pensamentos.

O detetive afagou a mão do parceiro antes de afastar-se:

Culpa é o sentimento mais doloroso que existe. — disse, atraindo o olhar de Sehun, que o fitou impressionado. Era raro Baekhyun se abrir daquela forma. — Penso todos os dias que poderia ter impedido meu irmão de… — mordeu o lábio inferior e desviou o olhar brevemente — Mas você não é insuficiente. Saiba disso. — meneou a cabeça.

Trocaram um olhar de compreensão mútua antes de ficarem desconcertados com aquele momento de fragilidade. Desviaram a atenção para seus respectivos sanduíches e comeram em silêncio até que Sehun resolveu mudar de assunto:

Mas e quanto a hoje de manhã? — se referia ao encontro com Park — Você não pode me contar sobre? — arqueou uma sobrancelha, curioso.

Baekhyun terminou de mastigar antes de lamber os lábios inconscientemente. Ele ainda não tinha certeza se confiava totalmente em Sehun. Talvez nunca confiaria verdadeiramente em ninguém, essa era a verdade. Contudo, precisaria da ajuda de seu parceiro para realizar aquele plano e tinha que dar uma chance aquela oportunidade. Não revelou para Park que estava morando com o rapaz, porém, o mesmo não argumentou quando sugeriu incluí-lo no esquema. Estranhamente, o assassino era mais sensato do que esperava e sabia admitir quando necessitava das outras pessoas. No entanto, o detetive admitia que estava receoso em revelar sua recente aproximação com Oh, mesmo que o visse somente como um irmão.

Quanto a Park, nem ele mesmo sabia dizer como o via. Estava em constante conflito interno a respeito disso, só tinha certeza que não o amava e nem o odiava ou algo próximo de ambos. Pensava que, se fossem contar, era capaz dele ter matado mais homens do que Chanyeol, e de maneira mais bruta. Eles eram tão diferentes assim? Se seu trabalho é matar pessoas, isso torna o assassinato aceitável? Não sabia dizer. Nem ao menos teve um motivo plausível para seus atos em serviço militar, estava apenas sedento de adrenalina. No fim, era inevitável encontrar semelhanças com o assassino do xadrez.

Pacientemente, contou a história de Park ao parceiro e depois revelou o plano de fuga.

É muito para processar em um dia. — comentou Sehun quando a narração foi encerrada. — Suponho que esteja me revelando isso porque precisa de mim.

Sim. — assentiu — Mas entenderei se não estiver disposto a se arriscar e não posso prometer que sairemos ilesos.

O silêncio predominou na cozinha enquanto Sehun pensava e Baekhyun aguardava. Era uma decisão difícil e teria paciência em aguardar que o parceiro cogitasse as consequências que aqueles atos trariam caso tudo desse errado. Não podia deixar de pensar nisso, porém, mesmo sabendo da possibilidade, estava seguro de sua decisão. Afinal, nunca teve medo de morrer e pensava se esse era o motivo de Park tê-lo escolhido como Rainha. Somente um soldado se arriscaria daquela forma.

Farei isso. — o detetive entreabriu os lábios, surpreso — É a minha única chance de fazer justiça pela Angela. — sua voz tremeu ao pronunciar o nome dela. — É o que venho buscando desde então. — o mais velho direcionou um sorriso triste ao rapaz.

Lembrou-se de quando conheceu Sehun, e, agora, entendia a obsessão dele em relação ao copiador. Provavelmente, essa foi a razão dele ter escolhido entrar para o FBI em vez de clinicar normalmente. Se pudesse, teria feito a mesma coisa pelo irmão, no entanto, era muito novo e impotente na época que tudo aconteceu. Por um instante, pensou em como as coisas teriam sido diferentes se nada daquilo tivesse acontecido na vida de ambos. Foi quando se recordou do tio de Chanyeol e, curioso, decidiu perguntar ao parceiro a respeito:

Já que conhece a história de Chanyeol, poderia me dar sua visão profissional sobre ele? — deu uma mordida em seu lanche e mastigou lentamente, distraindo-se por segundos com o sabor apetitoso da carne de frango.

Bom, não posso dar um diagnóstico oficial, seria antiético. Contudo, pelo que você narrou, ele tem essa ausência de empatia desde criança, então é uma condição que não foi causada por traumas, mas sim, agravada por eles. Psicopatia não é sinônimo de assassino, na maioria das vezes são apenas pessoas manipuladoras que nem chegam a se envolver em atos ilegais. Eu acho que depende do ambiente em que ela cresce, no caso do Chanyeol, teve muita violência e más influências que o levaram a desenvolver um grau maior em seu quadro psiquiátrico.

Então, — manteve o sanduíche entre os dedos — se ele tivesse sido criado pela mãe, tudo seria diferente?

Certamente. — assegurou antes de ajeitar os óculos — Mas não posso afirmar que ele seria alguém de boa conduta, o destino é imprevisível. Todavia, creio que ele não teria se tornado um assassino.

Isso me faz pensar sobre mim. — comentou um pouco aéreo enquanto imagens de sua infância lhe vinham à mente — Tudo que eu me tornei foi culpa do meu pai. — riu amargo — Se ele não existisse… Fico imaginando… — não sabia como se expressar e deixou que as questões pairassem no ar.

Baekhyun, — era a primeira vez que ouvia-o pronunciar seu nome espontaneamente — a vida é um mar de possibilidades e nós, infelizmente, não podemos escolher a maioria delas. Mas não vale a pena se apegar ao que poderia ter sido. — sua expressão era serena — O passado é imutável. Pense no que você pode fazer aqui e agora com o que lhe foi dado.

Isso foi digno de uma sessão de terapia. — brincou fazendo o parceiro rir e o acompanhou — Já que estamos aqui, nos resta seguir em frente. — meneou a cabeça em concordância.

Sim. Por mais doloroso que seja.

Baekhyun pensou em como teria sido a vida de Park, caso a mãe não tivesse sido assassinada. Talvez ele se tornasse apenas um jovem rebelde, como Cameron, e fizesse algumas coisas erradas, mas não ultrapassaria o limite da sanidade. Uma vez que se mata uma pessoa, não tem como voltar atrás e retornar ao que se era antes disso. Tirar uma vida propositalmente deixa uma marca eterna e tem um preço muito alto que é cobrado sem piedade, levando uma parte sua que jamais poderá recuperar. E, para alguém que matou diversas vezes, como o detetive e o assassino, era difícil enxergar algo além dessas cicatrizes. Estavam tão marcados que não tinha como viverem normalmente e, mesmo se tentassem, não conseguiriam lidar com uma rotina pacata, como construir família, decorar uma casa ou encontros de domingo. Tudo isso fazia parte de uma realidade tão distante que chegava a se tornar uma mera miragem distorcida. Depois que se prova do próprio lado sombrio, do submundo, da profanação, é impossível abandoná-los. O pecado é perigosamente viciante.

Quando terminaram de comer, se arrumaram para irem até o hospital procurar por informações do copiador. Esse era o primeiro passo, a pista mais próxima estava com Lana e sua mãe.

[...]

O detetive não deixou que nenhum outro pensamento lhe invadisse a cabeça até que chegassem ao hospital. Infelizmente, o lado de fora estava cheio de jornalistas nervosos por qualquer brecha e seguranças os barrando para que não entrassem e causassem tumulto. Discretamente, conseguiram passar por toda a muvuca e adentrar o hospital sem problemas. Como Sehun ainda estava de licença do FBI, era Baekhyun que ficava encarregado de abrir caminho com seu distintivo e a permissão de Holden, que foi garantida a contragosto, afinal, ele que tinha solucionado um caso que foi ignorado pelos seus superiores.

Pediram para falar apenas com a senhora Torres, já que não tinham certeza se Lana estava apta para interrogatório. No momento que chegaram à porta do quarto, viram a mulher saindo com seu lenço nas mãos e olheiras fundas nos olhos. Provavelmente, não tinha dormido quase nada, mas, mesmo assim, recebeu-os com um sorriso de gratidão em seu rosto materno.

Lana está perguntando por você. — apontou para Sehun, que a encarou surpreso — O rapaz de óculos, ela disse.

Hm, — o mais novo não sabia o que dizer — posso ajudá-la de alguma forma? — ajeitou os óculos, ansioso.

Claro, meu rapaz. Venham. — fez sinal para que ambos a acompanhassem para dentro do quarto, onde encontraram a garota deitada com um soro no braço esquerdo e um respirador sobre o rosto abatido. — Querida, eles chegaram. — anunciou para a filha, que virou o rosto na direção dos visitantes.

Olá, Lana. — cumprimentou Baekhyun com um sorriso singelo enquanto tentava não focar nos arroxeados na pele da menina e lembrar das imagens perturbadoras que encontrou na câmera. O detetive raramente se afetava por crueldade humana, porém, abuso infantil eram seu ponto fraco. Fingia suportar quando a situação o exigia, mas, por dentro, era angustiante.

Era visível que Lana ainda não estava em condições de conversar e, por isso, Baekhyun manteve-se em silêncio. Ficou parado na ponta da cama com Sehun ao seu lado, que evitava olhar diretamente para a paciente. Evidentemente, o rapaz ficou intimidado ao saber que ela perguntou sobre si. Nisso, o mais velho pode notar que seu parceiro esperava o pior das situações e nem precisava entrar na cabeça dele para saber que estava presumindo que a garota iria acusá-lo de algo.

Lana esticou a mão em direção a Sehun, como um sinal para que ele se aproximasse e, mesmo receoso, o fez. Deu passos cautelosos até que a menina pudesse segurar sua mão de maneira gentil, envolvendo seus dedos aos dele. Com a outra mão, ela retirou o respirador e murmurou com certa dificuldade:

Obrigado.”

Embora fosse apenas uma palavra, tinha um significado muito maior no rapaz de óculos. Era realmente admirável que, naquelas condições, Lana lembrava-se do homem que tinha carregado-a, literalmente, de volta à sua mãe. Em seguida, a garota soltou a mão de Sehun e recolocou o respirador, fechando os olhos e abrindo, como quem tenta permanecer acordada. Notando o cansaço da filha, senhora Torres pediu que eles se retirassem para que ela pudesse dormir e prometeu que os avisaria quando a menina estivesse pronta para conversar.

Já do lado de fora do quarto, Baekhyun enfiou as mãos nos bolsos da calça preta e viu pelo canto dos olhos um Sehun afetado:

Senhora, alguém além de você ou o médico entrou aqui? — perguntou mantendo o tom de neutralidade para não alarmar a mulher.

Meus filhos. — respondeu de imediato e depois colocou-se a pensar — Bom, ontem aquele seu chefe veio aqui. Como é o nome dele? — franziu o cenho tentando lembrar-se.

Holden?

Isso! — exclamou erguendo indicador — Tem algum problema? — preocupou-se.

Baekhyun questionou se deveria contar a verdade a ela ou não. Optou por dizer que estava apenas checando e para ela tomar cuidado com alguns jornalistas disfarçados. Sabia que a senhora Torres era cautelosa e só tinha permitido a entrada de Holden por ele ser do FBI.

Praguejou mentalmente e pressionou os lábios, contendo a raiva que subia dentro de si. Com naturalidade, despediu-se da mulher e fez questão de pontuar que estaria sempre a disposição para o que elas precisassem, independente do dia ou hora. No fundo, ficou com medo de assegurar aquilo, afinal, estava prestes a embarcar em uma missão ilegal e arriscada. Mas, daria um jeito se precisasse, embora torcesse para que não fosse necessário. Faria questão de capturar o copiador antes disso.

Em seguida, solicitaram as filmagens do dia anterior e o detetive observou a figura de seu chefe entrando no quarto de Lana e saindo normalmente. Frustrado, Baekhyun cerrou os punhos contendo a vontade de socar alguma coisa. Não havia nada de comprometedor, contudo, era o suficiente para ele ter certeza que Holden estava, de alguma forma, envolvido com o assassino. E aquilo era extremamente perigoso, não poderia nem cogitar a ideia de confortá-lo abertamente, especialmente por conta da relação conturbada que tinham. Precisava agir rapidamente e ser discreto, fingir que nem ao menos suspeitava de alguma coisa quando fosse a Quântico.

O que faremos? — murmurou Sehun quando eles retornaram para seu carro e trancaram a porta.

Seguimos com o plano. Vai ser mais fácil agora que temos um alvo. — respondeu seguido de um suspiro irritado — Preciso falar com Chanyeol. — disse mais para si mesmo do que para o rapaz ao lado.

Quando começaremos? — era evidente o temor na voz de Oh.

Baekhyun umedeceu os lábios enquanto encarava o estacionamento lotado. Secretamente, considerou a ideia de tentar capturar o copiador apenas com o parceiro, porém, sabia que não daria certo. Embora Sehun tivesse uma grande motivação por trás de tudo, ainda era um rapaz sem marcas, inocente. Não podia saber como ele reagiria diante do que enfrentaria. Lembrava-se de como o mais novo ficou abalado quando encontraram Lana, estava explícito em seus olhos que não era o tipo que mataria alguém, mesmo um sequestrador, a sangue frio. O plano de Park era insano, mas tinha a chance de funcionar caso os envolvidos não hesitassem em momento algum, precisava utilizar-se somente da lógica e suprimir qualquer emoção que tentasse tomar controle. Para o detetive, isso era fácil e tinha anos de treinamento, porém, para Sehun, não tanto. Ser policial era uma coisa, é uma armadura de heroísmo, um salvador, mas não iria atrás do copiador dessa forma, seguindo a lei. Jogaria sujo e não seria a primeira vez, Baekhyun está mais acostumado a quebrar as regras do que obedecê-las, ao contrário de Oh, que ainda tinha uma lealdade admirável e rara na maioria das pessoas daquele meio.

O detetive poderia fazer aquilo legalmente, no entanto, não queria. Holden estava envolvido e imaginava o tamanho da burocracia para passar por ele e levar aquele caso adiante. Não tinha paciência e nem disposição, queria garantir a segurança de Lana, Sehun e todas as possíveis vítimas. Poderia estar errado ao pensar assim, porém, não se importava com sua bússola moral. Para vencer aquele jogo, teria que estar ao lado do Rei e ele aceitava as consequências dessa escolha.

Imediatamente. — respondeu.

[…]

O primeiro passo era ir até a casa de John Bishop, o advogado de Chanyeol, ou que fingia ser. Antes disso, Baekhyun fez uma visita até Holden, na sede de Quântico, apenas para manter as aparências e dizer que estava seguindo tudo que lhe foi ordenado. Tentou revistar a sala do chefe, porém, não teve a oportunidade de olhar meticulosamente e duvidava que ele seria burro o suficiente a ponto de deixar alguma coisa incriminadora dentro do prédio do FBI. Depois de cumprir seu dever profissional, seguiu com Sehun para o ponto de partida do plano.

Por muitas vezes, o detetive se questionou o motivo de fazer aquilo, de verdade, mas teve medo da resposta e procurou não se distrair com questionamentos que não o levariam a lugar algum no momento. Já tinha tomado sua decisão e não tinha como voltar atrás e, para ser sincero, ele nem queria. Estava curioso para saber se aquela ideia absurda realmente funcionaria ou se acabaria em uma cela com Park no fim de tudo. Essa última opção era tão irônica e trágica que ele não conteve uma risada ao imaginá-la.

John Bishop não era um advogado famoso, no entanto, morava em uma casa refinada em um bairro da burguesia. Na garagem, um carro de última linha era exibido como se fosse um prêmio reluzindo. Baekhyun nem precisou de mais para ter uma ideia do tipo de pessoa que aquele sujeito deveria ser. Sozinho, caminhou em direção a entrada em passos calmos. O acordo era que Sehun ficasse no carro e não argumentou quanto a isso, sabia que Park não confiava no rapaz e, embora aceitasse a ajuda do mesmo, não o revelaria seus esquemas.

Cruzou o gramado até que alcançasse a porta de madeira com detalhes em vidro que o permitiam vislumbrar um pouco do interior da residência. Só precisou tocar a campainha duas vezes antes de ser recebido pelo homem que conheceu quando interrogou Chanyeol pela primeira vez. Ele usava um terno de alta-costura e tinha os cabelos penteados com tanto gel que seus fios pareciam grudentos. Cordialmente, convidou Baekhyun para entrar e, sem rodeios, guiou-o para a garagem interna, onde havia uma van enorme coberta por uma capa de plástico branca.

Presumo que ele tenha lhe dado as instruções. — o detetive assentiu.

Preciso perguntar. — esperou até que John acenasse para que prosseguisse — Por que está fazendo isso?

Se o senhor Park não lhe contou é porque não deve saber. — Baekhyun entreabriu os lábios, pronto para retrucar, mas conteve-se. De nada adiantaria discutir com aquele advogado que parecia esconder corpos no congelador. — Tem mais alguma dúvida que eu possa esclarecer? — questionou colocando as mãos atrás do corpo em uma pose elegante.

Eu duvido. — murmurou seguido de um suspiro — Está tudo aí dentro? — apontou em direção a van coberta.

Sim. Tudo que o senhor Park solicitou. — garantiu.

E quanto ao pacote?

É claro. — acenou com a cabeça antes de seguir até uma prateleira de ferramentas e puxar de lá um envelope de espessura grossa em papel pardo. Cuidadosamente, entregou-o ao detetive, que sentiu uma consistência líquida em seu interior. — Na exata quantidade que ele requisitou.

Nem vou perguntar como conseguiu isso. — sorriu ironicamente e viu um brilho perpassar os olhos alheios — Retorno quando for marcado a data. — foi tudo que disse antes de se despedir e sentir um profundo alívio após sair daquela casa que, embora luxuosa, lhe dava arrepios. Havia algo errado ali dentro, no entanto, preferiu não saber e continuar com o plano. Já esperava que Park tivesse se envolvido com pessoas duvidosas para alcançar seus objetivos.

No momento que voltou para o carro de Sehun, engatou a marcha e não hesitou em sair dali no mesmo instante. Viu o parceiro torcer o nariz enquanto olhava para o misterioso envelope sobre o colo do detetive.

Isso é assustador. — comentou desviando a atenção para frente. Contudo, para o mais velho, aquilo chegava a ser cômico.

Em certos detalhes, Sehun permanecia no escuro, até mesmo o detetive achava aquilo melhor. O parceiro estava disposto a ajudá-lo e vingar a morte da namorada, também impedir que o copiador continuasse matando, porém, deixava evidente em seu rosto e olhares que não concordava com metade das coisas que estavam prestes a realizar. Oh tinha consentido apenas por não ter outra opção, mesmo um seguidor leal da lei como ele percebia que aquele era o método mais rápido e o único que teria suporte. Não podiam nem contar com agentes do FBI, afinal, não sabiam quem estava sendo subordinado de Holden. Quântico era um campo minado e eles estavam fazendo o possível para desacreditar qualquer coisa relacionada àquele caso, assim como fizeram com Lana, e esse nem envolvia a corrupção lá dentro.

Baekhyun já estava familiarizado com a corrupção. Cresceu em meio a homens corruptos e no exército não era diferente, embora, um dos generais envolvido em algumas sujeiras tenha se afeiçoado ao detetive na época, não romanticamente, mas de uma maneira paterna. E, graças a ele, conseguiu sua entrada para o FBI depois de cumprir o serviço militar. No fim, também tinha chegado até ali por meios corruptos, afinal, diante das circunstâncias em que terminou sua última batalha, deveria ter sido impedido de retornar a qualquer cargo de segurança, mas não o fez. E o motivo? Ele não sabia viver de outra maneira além daquela. Passou a vida em meio ao perigo e com uma arma nas mãos, desconhecia outra forma de sobreviver. Obviamente, podia ter seguido o conselho de seu psiquiatra anos atrás e tentado um emprego normal e uma rotina tranquila, porém, era incapaz disso.

Como teria que esperar até o dia seguinte para poder encontrar Park, o detetive permitiu-se um tempo de descanso, mesmo que breve, quando chegaram em casa. Conforme a noite tomava conta do céu, os questionamentos dele se aceleravam, não o deixando adormecer novamente e mantendo-o desperto durante toda a madrugada. Afinal, como Holden estava envolvido? Poderia ser ele o assassino? Se fosse, por que ele fazia isso? E por que matar a namorada de Sehun? Realmente foi uma coincidência ou tinha algo ali? Baekhyun não acreditava em casualidades, tudo que aconteceu e acontece é por conta de atos, mínimos ou não, de várias pessoas que acabam afetando outras e assim segue como um efeito dominó. Diariamente estamos influenciando o destino de muitos ao nosso redor ou longe de nós, talvez aquela atitude pequena, que não significou nada para você, pode ter mudado tudo para alguém. Angela Morgan não foi uma mera coincidência, assim como Park se tornar um assassino em série também não era. O mundo é uma enorme teia de aranha e cada fio é conectado a outro. O detetive estava ligado a Chanyeol desde aquele dia na delegacia de Richmond. Se não tivesse atacado aqueles garotos e sido levado pela polícia, Park não teria o escolhido como Rainha e não estaria envolvido agora. Talvez, se não tivesse incendiado aquela cabana, poderia ter se casado com Freddie e estar preso em uma vida infeliz e um relacionamento superficial. Se Cameron não tivesse morrido, Chanyeol nunca teria entrado na delegacia em 2009 e eles poderiam estar longe dos EUA agora.

Era como a merda do efeito borboleta. Estamos constantemente diante de mil possibilidades, uma escolha, um ato… É isso que chamamos de coincidência, mas o acaso não existe. Se seguir o fio, verá que diversos acontecimentos e pessoas fizeram aquele episódio ocorrer daquela forma.

E, agora, Baekhyun estava prestes a iniciar uma nova cadeia de eventos que ele não podia prever como se encerraria, no entanto, estava consciente de todas as consequências, ao contrário do passado. Dessa vez, não se iludiria com o destino e sabia que tudo dependia de seus atos.

[...]

No dia seguinte, seguiu a rotina normalmente. Não tardou para adentrar o presídio para sua visita diária. O combinado era que fizesse isso até o dia da fuga, para que ninguém desconfiasse. Enquanto ia até Park, deixava seu parceiro em casa cuidando do restante; era importante que ele não fosse visto ao seu lado antes de tudo acontecer, se algo desse errado, ao menos conseguiria livrar Sehun de uma enrascada. Quanto a si mesmo, o detetive não podia se livrar do risco, estava enterrado até o pescoço naquilo e isso o deixava ainda mais determinado para que o plano funcionasse.

Passou por toda segurança com um nó na garganta. Dentro do casaco preto, que ia até os joelhos, estava o misterioso envelope. Para sua sorte, estava garoando naquela manhã e o vento frio justificava a escolha de roupa, o permitindo camuflar a entrega que carregava secretamente. Como era familiar aos guardas, eles nem se davam ao trabalho de o revistar, confiando plenamente na imagem de segurança que um detetive do FBI transmitia. Baekhyun apenas lhe entregava a arma e o celular e isso bastava para que não o questionassem e só abrissem passagem em direção a cela. O guarda novato, que o guiava ali desde o começo, apenas o cumprimentou gentilmente e depois se dispersou para dentro dos próprios pensamentos.

No momento que a porta da cela se abriu, o detetive sentiu o habitual arrepio na nuca que tinha toda vez que ouvia o som metálico. Deu um passo para dentro do cubículo de concreto cinzento e encontrou o olhar aguçado e perverso de Park Chanyeol que, imediatamente, recaiu sobre si. Ele usava o mesmo uniforme laranja de presidiário e sentava-se na beirada da cama que estava sempre bem-arrumada. No entanto, reparou que seus cachos estavam mais espessos e os fios cobriam totalmente sua testa. O detetive achava intrigante o contraste das feições do assassino. As linhas suaves em seu rosto, os lábios rosados e os olhos degenerados e carregados de malícia. Park era a própria definição do lobo na pele de cordeiro, o perfeito predador. E o homem tinha plena consciência do seu poder.

Eu visitei o seu mordomo. — ironizou Baekhyun antes de se aproximar e sentar-se na cadeira à frente do assassino — Você soube amansá-lo como um cachorro. — cruzou as pernas.

Eu não o tornei manso, mas sim, obediente. — corrigiu.

Como fez isso?

Ele não te contou, não é? — presumiu e riu ao receber uma confirmação silenciosa por parte do detetive — John estava encrencado com um promotor e eu apenas o livrei desse problema em troca de alguns favores. — respondeu casualmente, como se contasse sobre o que comeu no café da manhã.

Eu não deixo de me admirar com o seu modo cativante de conquistar a confiança das pessoas. — ironizou — Enfim, — endireitou-se e manteve a coluna reta — trouxe o que você pediu.

Lentamente, o detetive abriu o primeiro botão de seu casaco enquanto sustentava o olhar de Park, que se alternava entre seu rosto e o movimento que seus dedos faziam ao desabotoar. Podia ver as faíscas lascivas cintilando nas íris escuras que o observavam atentamente. Quando terminou de desabotoar, retirou o envelope do bolso interno e o estendeu em direção a Chanyeol, que o apanhou imediatamente entre seus dedos grossos. Em seguida, o detetive voltou a recostar-se na cadeira e descruzou as pernas. Quanto ao moreno, rapidamente enfiou o papel pardo embaixo do travesseiro, embora o detetive duvidasse que fosse escondê-lo ali mesmo.

Não vai tirar o restante? — insinuou, erguendo uma sobrancelha.

Não tem nada aqui que já não tenha visto. — ironizou cruzando os braços e voltando a sua postura inabalável. — Podemos voltar ao plano? — questionou em tom de desafio. Já tinha tido sua porção de divertimento com o moreno e não poderia ficar se distraindo.

Claro. — riu anasalado antes de unir as mãos sobre o colo — O que conseguiu no hospital?

Baekhyun mordeu o lábio inferior inconscientemente.

Holden esteve lá. Tenho certeza que ele tirou a foto. — estreitou o olhar — Você já sabia disso?

Suspeitava. Infelizmente, a identidade do copiador é um mistério para mim, assim como é para você. — assegurou — E tem mais alguma coisa, não tem? — encarava-o fixamente. O olhar de Park transmitia uma sensação palpável no detetive que se assemelhava à gravidade pressionando o seu corpo. Suas pupilas eram como vidro, embora suas pálpebras piscassem normalmente, as íris castanhas ainda permaneciam estranhamente estáticas, tão fixas quanto o olhar congelado de um boneco.

Sehun me contou sobre Angela. — revelou.

E agora você entende o motivo de eu suspeitar dele, não é?

Honestamente, não.

Admita que até você achou suspeito a namorada dele ser a primeira vítima do plágio ao meu trabalho. — não deixava de esconder o orgulho que tinha pelos seus feitos — E, coincidentemente, alguém que nutria uma afeição por mim. — dizia como se tudo fosse óbvio.

Você não o conhece. — negou com a cabeça.

E você sim? — estreitou o olhar — Ora, parece que não me contou muitas coisas, não é mesmo?

O detetive sabia que tinha sido pego e não adiantaria mentir ou desviar do assunto. No fim, nem tinha muito a esconder sobre aquilo.

Eu estou morando com ele. — assumiu e, por um instante, atentou-se a reação alheia, porém, o rosto de Park permanecia inalterado. — Depois que o copiador invadiu meu apartamento e destruiu meu carro, fiquei sem opção. — desviou brevemente o olhar num ato inconsciente, mas, em seguida, sustentou firmemente a conexão visual com o moreno.

Então, se afeiçoou ao rapaz. — debochou — Não deveria deixar sua emoção nublar seu julgamento. — ainda mantinha o tom satírico.

Sehun esteve comigo esses dias. Não tinha como ele ter tido tempo para tirar uma foto da Lana, fazer bilhetes e assombrar a própria casa. — conforme ia dizendo começava a perceber o quanto aquilo soava absurdo. Não conseguia imaginar alguém tão sádico a ponto de fazer tudo isso.

Baekhyun, — inclinou-se para frente e o detetive soltou os braços tentando relaxar — o tabuleiro tem dois reis. — o detetive acenou — Mas, também tem duas rainhas. — seus olhos faiscaram.

Está dizendo que ele tem um parceiro? — estreitou os olhos.

Obviamente. — afastou-se — Até eu preciso de um. — afirmou em tom narcisista — E acho que Holden é a Rainha.

O detetive não tinha pensado daquela forma, aquilo fazia sentido. Holden era do FBI e tinha acesso a tudo. Nesse momento, lembrou de quando Park o escolheu por conta desses motivos, porque tinha os movimentos ilimitados que o Rei necessitava para andar pelo tabuleiro. E seria impossível se camuflar por tantos anos da polícia, mesmo sendo extremamente inteligente. O copiador tinha uma Rainha lá dentro e, possivelmente, era o capitão.

Mas porque Sehun usaria Holden sendo que ele já é um membro do FBI?

Eu admito que existem muitas lacunas. Inclusive, a idade também não bateria, mas não deixo de considerar todas as possibilidades.

O detetive sentiu uma pontada na têmpora. Realmente, era suspeito a namorada de Sehun ser a primeira vítima, mas muita coisa não fazia sentido também. Se o parceiro estivesse envolvido, seria um psicopata mais perverso e manipulador do que Park, e isso o assustava. Poderia alguém fingir tão bem? Toda a história sobre o pai doente e as inseguranças… Ele sabia que uma pessoa poderia ser capaz daquilo, contudo, só não conseguia acreditar que Oh Sehun era assim. O modo como ele agiu com a Lana pareceu tão genuíno… Ou só estava com a visão nublada?

Frustrado com tantas questões, suspirou irritado e puxou os fios do cabelo para trás, tentando aliviar a cabeça em vão.

Por que aceitou a ajuda dele se está desconfiado? — questionou, franzindo o cenho.

Trabalhar com alguém não significa que eu confie na pessoa.

Isso vale para mim também? — desafiou.

Park esticou o canto dos lábios.

Pensei que já sabia. — disse como se fosse óbvio — E, bem, vamos admitir que você não está em posição de me julgar por isso. — e o detetive não estava.

Em toda sua vida nunca confiou em ninguém, nem ao menos deu essa oportunidade para alguém. Fechou-se dentro de sua armadura impenetrável por conta dos traumas que passou e assim permaneceu. Tinha aquilo em comum com Chanyeol, vivia olhando por cima do ombro ou pelo canto dos olhos, cada passo era como estar em um campo minado, cada respiração podia ser a última. Podia ter encerrado a guerra no passado, só que ela ainda permanecia consigo. E, algo que ele relutava em admitir, era que gostava daquela sensação. Não achava divertido ser perseguido pelo copiador, obviamente, no entanto, era um maldito viciado em adrenalina, muito mais do que seria com cigarros ou qualquer outra coisa; uma parte sua tinha aceitado participar daquela insanidade porque queria .

Então, — se deu por vencido naquela discussão — que dia será? — indagou a respeito do plano.

No sábado. — esboçou um sorriso maníaco de quem está extremamente ansioso para ver o circo pegar fogo — Você tem que estar aqui às vinte horas em ponto. Tente não se atrasar. — alertou com o olhar afiado.

E quanto a você? — arqueou uma sobrancelha. Park riu brevemente em tom de deboche.

Não é comigo que deveria se preocupar. — piscou para o detetive da maneira absurdamente confiante que só um narcisista conseguiria.

[...]

Restavam três dias até sábado e os preparativos já tinham sido feitos. Baekhyun atentou-se em cada detalhe e manteve a cabeça neutra durante aquele tempo, espantando qualquer insegurança que viesse lhe perturbar. Sehun tentou insistir em puxar assunto sobre isso e incentivou o detetive a se abrir, porém, o mais velho estava incomunicável a respeito e seu único foco era o plano. Inclusive, seu parceiro até chegou a comentar que ele estava se comportando como um “soldado exemplar”, o que, para o ex-militar, era o tipo de elogio que tinha ouvido por todos os anos que prestou serviço ao exército americano.

Seguindo a rotina, continuava com as visitas matutinas até a cela de Park Chanyeol. Naquele dia, o assassino contou que os bispos em seu tabuleiro eram pastores religiosos que, fora da igreja, eram tão corruptos quanto o próprio diabo. Também disse que essas vítimas foram as mais divertidas de matar; segundo ele, era engraçado vê-los morrer rezando para ir ao céu depois de todas as sujeiras que fizeram durante a vida, como: traição, lavagem de dinheiro, assédio e manipulação. Inclusive, o moreno contou que fez questão de ir ao enterro de ambos apenas pelo prazer de se sentir onipresente, como um “verdadeiro Deus”.

Eu controlei o destino deles sem notarem que tinha alguém por trás de tudo.

Park vivia dentro de um jogo e suas vítimas eram como uma etapa, um nível a ser avançado, e quando o conquistava, seu poder se elevava. Baekhyun perguntava-se como seria se ele nunca tivesse aprendido xadrez, qual seria sua obsessão? Talvez matar baseado em filmes? Era intrigante como a mente do assassino funcionava e o detetive sentia sua curiosidade crescer conforme escutava-o narrando seus atos e revelando o que pensava. Em uma das conversas, citou sobre Maquiavel e recebeu uma resposta inesperada por parte do moreno:

É mais vantajoso ser amado do que temido. Quando se é temido, seus súditos estão constantemente com uma faca atrás das costas, só esperando um momento de vulnerabilidade para lhe cortar a garganta. Mas, quando se é amado, — esticou o canto dos lábios — eles entregam sua devoção a você e, Baekhyun, — inclinou-se em direção ao detetive — nada te dá mais poder sobre as pessoas do que fazê-las acreditarem que você é o salvador delas.

E aquilo o fez refletir a respeito. É assim que muitos chegam ao poder, é assim que pastores e padres manipulam as pessoas, eles pregam a salvação e os fazem acreditar fielmente que aquela é a resposta para todos os seus problemas. E nada faz alguém te amar mais do que a crença de que você veio para resgatá-la do sofrimento. Park tinha razão e por isso nunca tinha sido pego, ele aprendeu a cativar quem estava ao seu redor, soube se camuflar com uma imagem de bom samaritano. Mesmo agora, ele ainda possui esse traço, muitos não vão considerá-lo cruel nem psicopata por conta de matar homens corruptos. Baekhyun sabia que ele não os matava para fazer justiça, mas sim, para se satisfazer e aumentar o seu poder, contudo, para um povo sedento de sangue de criminosos, aquilo pouco importava. Já tinha visto vários fóruns na internet enaltecendo o trabalho do assassino do xadrez. Obviamente, Park não conquistou uma legião de súditos fiéis — e nem tinha essa intenção —, mas conseguia fazer com que o admirassem.

Inclusive, conseguiu até conquistar a admiração do detetive que, embora nunca fosse admitir isso, não podia mentir para si mesmo.

Você não hesitaria em matar alguém que te dá medo, certo? — prosseguiu o moreno — Porém, não conseguiria matar alguém que ama.

Baekhyun pensou sobre aquilo por um tempo e questionou se em algum momento, durante as entrevistas, teve o desejo de matar Chanyeol, mas não teve. Talvez no começo, quando foi enganado como um otário pelo charme e sedução do assassino, porém, conforme o conhecia, se identificava em tantos pontos que a ideia nem se passava mais pela sua cabeça. Seria capaz de matá-lo? Não saberia até que a hora chegasse.

[…]

Na madrugada de sexta-feira, o detetive estava bebericando uma xícara de café na sala enquanto Sehun se distraía com seu notebook , parecia ler alguma coisa interessante e o mais velho não ousou interrompê-lo. Ultimamente, não tinham conversado muito sobre o passado e, por um instante, Baekhyun sentiu-se culpado, mas não podia simplesmente começar a criar um laço de intimidade com tantas dúvidas em mente. Não achava que o parceiro era o copiador, no entanto, era impossível se livrar daquela pulga atrás da orelha.

Próximo das duas da manhã, recebeu uma mensagem com número restrito e imediatamente congelou. Não havia nada escrito, apenas uma imagem, assim como Lana. Dessa vez, a foto era da boate de Minseok com o mesmo do lado de fora depositando sacos de lixo na caçamba da rua. Segundos depois recebeu outra notificação:

Essa pista de dança está pegando fogo.”

Sehun! — chamou o parceiro no mesmo momento e lhe mostrou as mensagens recebidas. O rapaz franziu o cenho, assustado e nervoso, antes de fechar o notebook com pressa. — Que merda! — exclamou levantando-se do sofá e largando a xícara em cima da mesa de centro.

Vou com você. — anunciou Oh antes de erguer-se e assumir uma postura preparada.

Eu sabia que ele atacaria de novo. — frustrou-se o detetive antes de seguir para o andar de cima e trocar de roupa com rapidez. Quando retornou para a sala, precisou esperar apenas uns dois minutos antes de ver o parceiro vindo em sua direção e lhe jogar as chaves do carro, indicando que poderia ir no volante.

Embora fossem extremamente diferentes, Baekhyun e Sehun passaram a trabalhar em cooperação com agilidade e confiança profissional, o que era um grande avanço e muito útil para a situação em que estavam. Não deixavam os problemas pessoais ficarem no caminho e aprenderam a separar a missão das dúvidas íntimas. Como as ruas estavam vazias, conseguiram fazer o percurso na metade do tempo que levava normalmente, especialmente pela habilidade do detetive em dirigir de uma forma perigosamente veloz sem bater em nada.

Quando chegaram em frente a boate, o ex soldado estacionou o veículo em uma baliza arriscada que deixou Sehun impressionado em como o carro nem chegou próximo de bater na guia da calçada, ficando na distância perfeita. Para Oh, era surreal a forma como o mais velho dirigia.

Espere. — murmurou Baekhyun retirando uma das mãos do volante e pousando sobre o coldre da arma na cintura.

Com o olhar afiado, varreu os arredores atrás de algo suspeito, mas não encontrou nem mesmo uma sombra. Podia ouvir alguns carros circulando vez ou outra nas ruas distantes e observava as poucas janelas nos prédios que tinham a luz acesa. Mas, se o copiador os estivesse espionando, estaria com a luz apagada, o que tornava mais difícil ter certeza da localização dele. Ele também poderia estar em uma das esquinas e becos, porém, duvidava que ele fosse se arriscar daquela maneira quando estava em desvantagem. Provavelmente, estava à espreita esperando a chance perfeita, o que deveria ser quando Baekhyun e Sehun se separassem; Byun tinha que ter certeza que isso não aconteceria. Permaneceu no carro com os faróis desligados e os olhos atentos no retrovisor.

Rapidamente, ligou para Minseok, contudo, o amigo não atendia. Tentou três vezes e estava prestes a desistir quando, na quarta tentativa, ele atendeu:

Baekhyun? — ouviu a voz do dono da boate.

Oi, Minseok. — respondeu com a voz natural — E aí, como você está? — as batidas de seu coração se aceleravam.

Quanto tempo, cara. — riu — Eu que te pergunto. Tu sumiu.

Estou trabalhando muito. Você entende, não é?

Claro, cara. Não se preocupe. Aliás…

No entanto, a ligação foi interrompida por um estrondo estridente vindo de dentro da boate, causando uma súbita explosão que abriu um buraco na parede externa, fazendo alguns pedaços de concreto espatifar-se sobre o asfalto e uma nuvem de poeira e chamas subirem pelo ar e espalhar-se pela rua, cobrindo-a parcialmente em fumaça cinza. Instintivamente, Baekhyun cobriu o rosto com os braços e depois os afastou, olhando através do vidro o incêndio começando a consumir o local numa velocidade assustadora. Imediatamente, lembrou da mensagem que recebeu e praguejou mentalmente. Não esperava que ela fosse uma ameaça literal.

Puxou a arma e saiu do carro, pode ouvir os protestos de Sehun que, logo, estava ao seu lado. Contudo, ignorou os alertas do parceiro e correu em direção à boate num ato extremamente arriscado. Foi até os fundos do local, onde o fogo ainda não tinha alcançado, e chutou com força a porta até que esta cedeu abrindo passagem e soprando fumaça sobre o detetive, que tossiu antes de tapar o rosto com uma das mãos. Já tinha fumado tanto em sua vida e presenciado tantos bombardeios que seus pulmões se acostumaram.

Seu sangue estava fervendo em adrenalina, levando aquela emoção viciante para sua pulsação, que parecia eletrificar seu corpo a cada batida de seu coração acelerado. Com o olhar extremamente afiado, conseguia ver até mesmo as cinzas que sobrevoavam pelo ar, e encontrou um caminho livre do fogo que levava em direção ao balcão de bebidas, que tinha metade das garrafas quebradas e com seus líquidos vazando pelas prateleiras. Quando as chamas chegassem ali, estaria tudo perdido, era praticamente outra bomba com tanto inflamável. Antes que isso pudesse ocorrer, Baekhyun correu e, como esperava, encontrou Minseok desmaiado com cacos de vidro sobre o corpo. Rapidamente, segurou-o pelos braços e o puxou com força até a saída. No entanto, antes de que chegasse na porta, seus pelos da nuca se arrepiaram e sentiu uma presença atrás de si. Imediatamente, largou os braços do barista desacordado e virou-se em tempo de impedir que um homem alto de máscara preta e capuz o agarrasse desprevenido.

Segurou os pulsos do encapuzado antes do mesmo desviar de suas mãos e tentar lhe acertar um golpe no rosto, que foi bloqueado pelo detetive. Logo, avançou sobre o mascarado e o acertou um chute na barriga, que o forçou a recuar aos tropeços, mas o desconhecido retornou e tentou golpeá-lo novamente, o que acabou por fazê-los entrar em um árduo conflito físico. Baekhyun não foi acertado uma única vez, porém, admitia que aquele homem era habilidoso e estava sendo complicado atingi-lo. Com a força do ódio e adrenalina, o detetive puxou o braço do seu rival e o torceu dolorosamente para trás das costas, prendendo-o e, em seguida, empurrando-o contra o chão e enlaçando seu pescoço numa chave de braço. O encapuzado se debateu inutilmente e teria sido derrotado ali se não fossem pelas chamas aumentando e tornando o calor lá dentro insuportável. O detetive começou a tossir por conta da inalação da fumaça e não conseguiu continuar lutando sem respirar. Num instante de fraqueza, o mascarado se libertou e saiu correndo para a saída.

Baekhyun tossia incessantemente e sentia sua garganta se fechando e o corpo suando e fazendo a roupa colar em sua pele. Balançou a cabeça e, com um último esforço, levantou-se e correu até Minseok, puxando-o entre seus braços para longe do fogo, que quase os pegou antes que conseguissem chegar até a saída. No momento que inspirou o ar noturno, sentiu um imenso alívio.

Você é maluco! — ouviu a voz de Sehun, que se abaixava para verificar a pulsação de Minseok — Ele está vivo. — confirmou.

Fique com ele. — pediu antes de respirar o suficiente até que sentisse a garganta livre e os pulmões mais leves. Embora sua cabeça ainda estivesse um pouco zonza, recuperou-se e depois disparou numa corrida em direção ao beco.

Pode ouvir os chamados do parceiro ao fundo, mas ignorou. Continuou correndo pela via escura e abarrotada de caçambas de lixo mau cheirosas. Em sua testa, o suor escorria como lágrimas e atrapalhava sua visão, porém, não parou. Quando chegou na outra rua, olhou para o final da mesma em tempo de pegar o mascarado dando partida em um carro preto e saindo em disparada. Com esforço, tentou ver a placa, mas não podia ter certeza por conta da escuridão. Guardou os números mesmo assim e, incomodado com o calor, retirou a jaqueta de couro e a amarrou na cintura. Em seguida, inclinou-se para baixo e apoiou as mãos sobre as coxas, respirando fundo e deixando que o ar noturno o ajudasse. Ergueu o tronco e esfregou o rosto antes de virar-se para trás e ver a fumaça e as chamas subindo. Ao longe, sirenes anunciavam que os bombeiros estavam chegando.

Conseguiu ter o copiador em suas mãos e deixou-o escapar. Sentia-se um tolo, devia ter tentado atirar nele, mas era arriscado dentro de um incêndio. Frustrado, ele chutou uma lata de refrigerante que saiu rolando até o meio da rua. Puxou os fios de cabelo molhados de suor para trás. Odiava a sensação de impotência, mas aquilo não tinha acabado, longe disso, pegaria aquele maldito a qualquer custo. No dia seguinte, sairia da defensiva e partiria para o ataque.

Chapter 11: Blindfold

Chapter Text

Capítulo 11 — Blindfold

Foi impossível para Sehun e Baekhyun dormirem naquela sexta-feira.

Durante o dia, tiraram um cochilo ou outro quando tiveram a oportunidade, porém, passaram boa parte da manhã acompanhando Minseok no hospital. O rapaz não tinha se ferido com gravidade, apenas desmaiou por conta de uma pancada na cabeça e por inalar muita fumaça durante o incêndio. Minseok ficou em observação por algumas horas antes de ser liberado para prestar depoimento à polícia; no entanto, ele dizia não se lembrar de nada e que não viu ninguém entrar na boate. Provavelmente, o copiador o atacou por trás ou ele foi desacordado pelo baque das garrafas que caíram em cima de si, aquilo ainda permanecia um mistério que fazia a mente do detetive fervilhar.

O médico disse que era normal alguém que bateu a cabeça sofrer com perda de memória ou confusão por um tempo, mas que logo ele se recuperaria; era uma questão de paciência, algo que Baekhyun estava longe de possuir naquela situação.

Quando deram fim à papelada, Baekhyun se ofereceu para levar o amigo barista para casa, não queria deixá-lo sozinho naquele estado. Sehun ia no banco do passageiro, absorto demais em seus próprios pensamentos para sequer prestar atenção no que acontecia ao seu redor, e Minseok ia atrás em silêncio e com uma expressão atordoada. O detetive não sabia o que dizer para confortá-lo, portanto, se limitou a explicar que estava atrás de um assassino perigoso e que este tinha sido o responsável pelo ataque na madrugada. Sentia-se culpado, mas sabia que toda culpa era do copiador. Homens como ele sempre atacam inocentes para ameaçar alguém específico, algo que é extremamente baixo e covarde, na opinião do ex-soldado.

Você tem certeza que ficará bem sozinho? — perguntou o detetive enquanto dirigia calmamente. Pelo retrovisor, pode ver Minseok encarando sua nuca.

Tenho. — acenou com a cabeça — Afinal, o que esse assassino quer?

Baekhyun suspirou. Ele não tinha uma resposta. O que o copiador realmente queria? Talvez só ver o circo pegar fogo? Se vingar de alguma coisa que lhe aconteceu na infância? Não sabia absolutamente nada sobre ele, apenas que era um homem violento, brutal e que gostava de caçoar de outros assassinos em série. Provavelmente, nem gostava de xadrez e só usou as peças para provocar Park e iniciar uma guerra de quem é o melhor psicopata. Era até cômico pensar por esse ângulo, o tipo de competição que certamente atrairia muitos telespectadores curiosos ou os deixaria totalmente apavorados com o nível da crueldade humana.

Não sabemos. — mordeu o lábio inferior — Mas tome cuidado, certo? — novamente olhou para o retrovisor e viu o amigo assentir.

Deixou o barista na porta do prédio onde este residia, logo, se despediu e partiu para a casa de Sehun. No caminho, o parceiro se manteve quieto e o detetive aproveitou aquele momento para relembrar o que podia do copiador ou o ajudante, não podia descartar aquela opção. Pela luta que tiveram, pode notar que ele era experiente em defesa pessoal, os movimentos eram semelhantes ao treinamento que se recebe no exército e na polícia. Talvez fosse Holden? Já tinha quase certeza disso. Algo nele parecia familiar, embora não tivesse visto nenhum traço do rosto ou escutado o timbre da voz. O mascarado foi extremamente cauteloso quanto a sua identidade. Só podia dizer que o homem era alto e tinha um bom porte físico.

Por um instante, olhou para Sehun e uma coceira de dúvida lhe veio à mente, mas logo a descartou. Era ilógico, afinal, seu parceiro tinha ficado para trás antes que corresse atrás do copiador. Não poderia começar a criar suspeitas logo agora que estavam prestes a libertar um assassino em série da prisão. Tinha que manter a cabeça fria até que aquele plano terminasse. Isso presumindo que tudo ocorresse como planejado e que não acabasse baleado ou preso.

Quando chegaram em casa, seu parceiro quebrou o silêncio:

Podemos rastrear a placa do carro agora. — disse antes de depositar o coldre com a arma em cima da mesa de centro da sala.

Acho que era o Holden. — comentou antes de tirar a jaqueta e largar em cima do sofá. Em seguida, acompanhou Sehun em direção ao escritório.

Eu também. — suspirou o mais novo. Sentou-se na cadeira principal em frente ao computador enquanto o ligava. — Consegue dizer que tipo de bomba foi usada? — lançou um olhar rápido ao detetive, que ocupava a cadeira ao lado.

Tenho quase certeza que foi uma explosão de gás. Uma granada não teria esse tipo de efeito. Aliás, — recostou-se — você o viu sair?

Talvez. — franziu o cenho como quem tenta se lembrar de algo — Quando cheguei, vi apenas uma sombra correr para o beco.

Baekhyun mordeu o lábio e desviou o olhar para a tela do computador. Seu peito se agitou ao pensar em onde estava seu parceiro enquanto estava lutando contra o mascarado dentro da boate. De acordo com o rapaz, este viu o suspeito correr para o beco depois do confronto, o que deixou um espaço de tempo em branco. Podia ouvir as palavras de Park sussurrando em seu ouvido e plantando a dúvida novamente. Cogitou a ideia de confrontar Sehun a respeito disso, porém, optou por fingir que não tinha percebido nada e escondeu sua desconfiança. Precisava ser esperto e, naquele momento, necessitava da cooperação de Oh e sabia que não era a ocasião apropriada para iniciar um interrogatório.

Você foi muito irresponsável em correr para dentro do incêndio. — continuou o parceiro enquanto digitava — Eu não soube o que fazer na hora. — soltou um suspiro de desaprovação.

Já entrei em lugares piores. — brincou, tentando amenizar o clima, no entanto, Sehun permanecia com o olhar de censura. Era visível que o rapaz queria lhe dar uma bronca, mas aquilo seria inútil e até mesmo ridículo dada a posição de ambos. Baekhyun ainda era mais experiente e mais velho naquele ramo, não tinha como argumentar quanto a isso.

Que droga. — murmurou Oh.

O que é? — O detetive inclinou-se para frente.

O número da placa é de um carro que foi destruído em um ferro velho. Ou seja: oficialmente não existe.

Baekhyun cerrou os punhos e depois apoiou a cabeça sobre as próprias mãos. Já esperava por algo assim, era óbvio que Holden não usaria um carro que pudesse ser rastreado. E ainda não podia ter certeza que tinha sido ele, afinal, possuía apenas a filmagem do hospital como prova e aquilo nem chegava a ser incriminador de fato. Precisava ser paciente e dar um passo de cada vez para não acabar se enforcando naquela situação. Primeiro, focaria em como tirar Park da prisão e só depois pensaria em meios de perseguir o copiador e seu ajudante. Não era só o Rei que necessitava da Rainha, a Rainha também precisava do Rei; os dois tinham que trabalhar juntos, por isso o lado inimigo estava em constante vantagem.

O detetive pensou em como deveria ser a relação do copiador com seu ajudante. Podia entender o fato do Park não o forçar a nada, afinal, ele era mais narcisista e obcecado em mostrar o quão inteligente é do que um sádico sedento por sofrimento alheio. Tinha quase certeza que o assassino imitador tinha manipulado sua Rainha ou o sujeito deveria ser tão insano quanto. Por um instante, riu ao lembrar-se do filme Pânico, onde os dois “amigos” se unem para matar os colegas de classe. Talvez fosse algo assim? Ficou curioso a respeito. No entanto, logo retomou sua postura e respirou fundo antes de olhar no relógio e contar quantas horas faltavam para dar início a tão esperada fuga da prisão.

[…]

Park seguiu sua rotina normalmente na manhã de sábado. Como era fim de semana, os guardas estavam distraídos enquanto pensavam nas mulheres que encontrariam depois do expediente. Pouco se importavam com os prisioneiros ali, faziam seu trabalho de maneira robótica, o que facilitou bastante para o assassino. Durante a inspeção diária, Ruben — o guarda que se gabava de tirar vantagem dos presos — parecia mais alegre do que nunca e, por conta disso, se contentou em apenas lançar olhares indecentes e nem notou que havia algo escondido dentro do macacão laranja do rapaz de cabelos cacheados.

Foi concedida a permissão para que Chanyeol tomasse café da manhã no refeitório depois de alguns dias com bom comportamento. Obviamente não tinha intenção de ir apenas para comer, precisava se encontrar com Kevin — o responsável por traficar itens para dentro do presídio — e verificar se estava tudo pronto para aquela noite. Como nada ali vinha de graça, tinha pedido que Bishop entregasse a um parente do prisioneiro uma boa quantia em dinheiro pelo serviço e também lhe deu a chance de escapar da cadeia, caso conseguisse. Havia mais alguns homens envolvidos e totalmente cientes de que, durante o caos, seria cada um por si. Park podia notar que a maioria deles só queria mesmo se divertir com aquele plano, afinal, ficar enjaulado por muito tempo pode ser tão entediante que qualquer loucura parece empolgante, especialmente para quem vive à margem da lei.

O almoço seguiu igualmente comum. Tudo estava tranquilo a ponto de iludir os guardas a pensar que aquele seria mais um dia normal, nem mesmo brigas ocorreram durante a tarde no pátio. Naquela noite, os presos com bom comportamento ganharam um passe para participar de uma sessão de cinema que ocorria todo mês ali dentro. Normalmente, eram filmes sem nenhum tipo de violência, somente histórias sobre família e amizade, nem mesmo conteúdo romântico era permitido por conta de algumas insinuações sexuais que poderiam agitar os homens. Quarenta e cinco prisioneiros tinham recebido permissão e trinta consentiram em participar do plano. Park sabia que tudo sairia do controle, no entanto, isso apenas facilitaria sua fuga.

Enquanto aguardava, Park rabiscava em uma folha de papel mais um desenho de Baekhyun. Todos os seus rascunhos eram sobre o detetive em diversos ângulos e expressões que conseguiu captar durante as visitas. Normalmente traçava seus momentos preferidos, como ele mordendo o lábio inconscientemente, cruzando as pernas, puxando o cabelo para trás e o dia que estava chovendo e o viu com os fios pingando água sobre o terno parcialmente molhado. Fazia questão de destacar os olhos alheios, era sua parte favorita, nenhuma pessoa conseguia esconder o que havia em suas íris. É fácil manipular traços faciais, timbre de voz, mas o olhar é praticamente impossível de controlar. Podia enxergar o que quisesse se apenas encarasse atenciosamente dentro das pupilas de alguém. E, um dos grandes prazeres do moreno, era a forma como o ex-soldado o fitava sem nenhum traço de intimidação, apenas curiosidade e, às vezes, compartilhando seu humor sádico. Desde que o conheceu percebeu que havia algo sombrio dentro dele e também que tinha uma ânsia por se sentir vivo. Gostava da complexidade que cercava a mente de Baekhyun e ficava ainda mais fascinado conforme ia desvendando-o como um quebra-cabeça.

Quando o anoitecer chegou, cobrindo o céu em sua escuridão, Park sabia que a hora se aproximava. Infelizmente, teria que deixar seus preciosos desenhos para trás, contudo, tinha muito mais guardado fora da cadeia e certamente refaria aqueles que abandonaria na cela. Sentou-se com a coluna ereta na beirada da cama e aguardou conforme acompanhava o horário pela tela do celular contrabandeado. O levaria consigo para poder descartar em um lugar onde ninguém pudesse encontrar e rastrear o que tinha acessado. Enquanto isso, deixou-se levar para dentro de suas fantasias de grandeza que envolviam ver seu nome eternizado e, futuramente, assistir a um filme sobre sua vida e se deleitar com diversas pessoas o admirando. Tinha certeza que seria tão lembrado quanto Zodíaco, talvez até mais. E, obviamente, também fantasiava com Baekhyun entregando-se para si e abandonando o que restava de sua moralidade. Porém, antes disso, tinha que matar seu adversário no tabuleiro para, enfim, alcançar o poder que desejava. Matar um assassino em série tão antigo e experiente deixava-o genuinamente empolgado. Depois disso, não existiriam mais limites em suas habilidades; ele seria invencível.

Eram sete e meia quando os guardas foram buscá-lo para a sessão de cinema. Percorreu os corredores contendo a vontade de rir. Park deleitava-se em saber o que aconteceria enquanto os outros nem faziam ideia do que os aguardava. Ele amava a sensação de ser uma entidade poderosa mexendo os fios do destino sem ninguém desconfiar que estava no controle. Mesmo sendo condenado por múltiplos homicídios, ainda conseguia enganar as pessoas com a sua aparência ingênua, inclusive, muitos dos presos caíam em seu charme. Chanyeol admitia que tinha dado sorte de nascer com um rosto tão encantador, caso contrário, teria sido muito mais complicado realizar seus objetivos. Sabia utilizar suas características a seu favor e se adaptar em qualquer ambiente social como um camaleão. O único que o via verdadeiramente, sem máscaras, era Baekhyun. Já teve sua mãe e Cameron, mas, infelizmente, nenhum dos dois sobreviveu. Por um segundo, pensou que talvez fosse seu carma ver as pessoas próximas morrerem tragicamente.

Foi guiado até o pátio interno, onde haviam montado uma tela e cadeiras improvisadas enfileiradas. No canto, um guarda novato estava mexendo sem parar no retroprojetor como se não fizesse ideia de como aquilo funcionava. Park sentou-se na ponta da penúltima fileira e apenas aguardou pacientemente. Cruzou as pernas e manteve a postura ereta como estava acostumado. Conforme os minutos se passavam, os outros presos iam chegando e tomando seus lugares em meio a conversas e risadas altas. Ao lado do assassino, estava Kevin, que acabara de chegar em silêncio. Deu um aceno positivo a Chanyeol, que retribuiu disfarçadamente. Como esperado, os guardas permaneciam distraídos e não estavam em grande número, ao menos não o suficiente para segurar trinta homens. Mas eles não eram o objetivo.

Um rapaz na faixa dos vinte anos sentou-se atrás de Kevin e inclinou-se cuidadosamente antes de sussurrar:

Cuidei do médico.”

Park sorriu de canto. Kevin tinha ordenado àquele rapaz a enviar um de seus irmãos livres para causar um pequeno acidente com a esposa do médico para que ele não pudesse estar presente naquela noite. Tudo dependia disso. Precisavam ter apenas os dois enfermeiros de plantão e o médico substituto inexperiente. O único empecilho eram as câmeras de segurança e, quanto a isso, não podiam fazer muito além de se camuflarem o máximo possível.

Quando, enfim, o guarda aprendeu a mexer no retroprojetor e todos estavam presentes, o filme teve início. It’s a Wonderful Life começou a passar na tela em sua versão colorida digitalmente. Pacientemente, Chanyeol esperou pelo momento certo enquanto, internamente, pensava em como aquele filme era extremamente patético. Uma coisa que nunca entendeu nas outras pessoas era quando faziam algo que diziam não querer, por exemplo: o protagonista do longa-metragem, que não pretendia se casar e acabou o fazendo, e depois precisou conviver com a infelicidade de sua decisão. Toda aquela história clichê era entediante e Park não pôde deixar de se recordar de seus pais enquanto assistia aquele casal na tela. Seu falecido pai era exatamente como aquele personagem, insatisfeito, infeliz, amargurado e deprimido por não ter tido coragem suficiente de viver como desejava. Era um covarde que construiu uma família para depois abandoná-la quando não lhe trouxeram a satisfação necessária para suprir seu vazio. No fundo, o desprezava por ter ido embora e deixado Mary — sua mãe — sozinha com o irmão sádico e golpista. Nem mesmo o assassinato da esposa fez com que o homem mostrasse um pouco de empatia pelo filho, apenas o aceitou em sua casa por conta da pressão dos assistentes sociais e da vó que, felizmente, fez todo trabalho de cuidar do Park sozinha. Ele a respeitava, embora não fosse capaz de nutrir algum sentimento fraterno. Se não fosse por aquela senhora, provavelmente teria assassinado seu progenitor da mesma forma que matou o tio.

Cerca de quarenta minutos após o início do filme, finalmente, viu Kevin lhe dar o sinal que combinaram. Era a hora.

Na fileira da frente, um homem alto de macacão laranja se levantou e, subitamente, acertou um soco no rosto do indivíduo que estava sentado ao seu lado. Isso bastou para que uma comoção se iniciasse e diversos prisioneiros se agitarem, empolgados pelo que estava prestes a acontecer. Logo, os dois entraram em uma briga física e, em um momento, acertaram outros presos, que começaram a revidar e tudo se seguiu como uma bola de neve rolando em disparada. Porém, Park assistia a cada movimento em câmera lenta e observava calmamente sentado no mesmo lugar. Os guardas intervieram e tentaram apartar as diversas brigas que se formaram, mas sem sucesso, afinal, eram muitos para segurar. Todas as fileiras da frente foram tomadas por uma luta caótica de socos, chutes e gritos. Cadeiras eram derrubadas e atiradas contra as paredes enquanto a muvuca só piorava.

Um prisioneiro, conhecido como Steve, socou a cabeça de outro preso com força antes de puxar uma faca improvisada e cortar a garganta do homem, fazendo o sangue espirrar contra a enorme tela que ainda exibia o filme, manchando o rosto do protagonista detestável e arrancando um riso de Park, que achou o longa-metragem muito mais interessante daquela maneira. Logo, percebendo que a situação tinha ficado séria, os outros homens começaram a puxar armas feitas com escovas de dentes e outros objetos que conseguiram contrabandear e, daí por diante, nada poderia pará-los. Os guardas começaram a berrar em desespero, não sabiam como controlar aquela bagunça sanguinária e violenta. Pelo canto dos olhos, Chanyeol viu o rapaz que estava sentado atrás de Kevin puxar um sujeito e esfaqueá-lo na garganta, fazendo o líquido vermelho espirrar contra seu rosto. Imediatamente, virou o corpo em tempo de ver o homem caindo no chão e engasgando com o próprio sangue enquanto o rapaz e Kevin saíram em direção ao centro da desordem.

Park começou a rir ao passo que limpava o sangue alheio em sua bochecha. Consumido pela insanidade, olhou para os dedos sujos e riu ainda mais. Deu uma checada ao seu redor, mas os guardas estavam concentrados na muvuca e nem notavam sua presença na fileira do fundo. Rapidamente, abriu o zíper do macacão laranja e tirou de lá uma bolinha de plástico com líquido vermelho. Enfiou-a dentro da boca e ajustou o outro plástico com o mesmo conteúdo próximo de seu peito. Com a ponta dos dedos, perfurou aquela textura plastificada e rasgou até que o sangue se espalhasse por toda sua roupa e seu tórax. Fechou o zíper e, em seguida, mordeu a bolinha na boca e, por alguns segundos, engasgou com parte do líquido, que escorreu pela sua garganta sem aviso. Inclinou a cabeça para frente e abriu os lábios para que o líquido escorresse para fora e simulasse uma hemorragia interna. Disfarçadamente, deixou que seu corpo caísse no chão e permaneceu deitado conforme o sangue falso expelia pela sua boca e encharcava o macacão. Virou o rosto para o lado e riu incessantemente enquanto assistia ao caos brutal entre os prisioneiros.

Dois homens caíram e rolaram até próximo de si em uma luta de socos até que um deles desmaiou e foi abandonado pelo adversário, que retornou ao tumulto. Já havia muitos feridos e alguns mortos. O pátio interno estava coberto de cadeiras caídas e sangue. Tudo isso conforme o filme rodava na tela manchada pelo líquido vermelho. Aos risos, Chanyeol voltou a abrir o zíper do macacão e retirou uma seringa fina da roupa ensanguentada, em seguida, injetou uma quantidade considerável na veia do braço. Quando terminou, sentiu o corpo dormente e voltou a olhar em direção a muvuca, o riso ia cessando conforme sentia-se dopado. Segundos antes de ficar inconsciente, escondeu a seringa dentro da calça e pensou ironicamente:

É realmente uma vida maravilhosa.”

[…]

Próximo do presídio, Baekhyun e Sehun aguardavam ansiosos dentro da ambulância que John Bishop tinha conseguido para a fuga. Permaneciam em uma rua isolada e com os faróis apagados, estavam logo abaixo da sombra dos prédios, que os ajudavam a se camuflar. Estavam a espera do sinal, que seria enviado através de um alerta no rádio do veículo, que anunciaria quando os paramédicos seriam necessários.

Já faz quarenta minutos. — preocupou-se o parceiro.

Só temos que ser pacientes. — bufou o detetive enquanto mexia em uma máscara branca, usada em cirurgias. Sentia-se como se estivesse novamente em batalha e aguardando os inimigos saírem do esconderijo. Tinha vezes que aquilo levava horas.

Porém, após alguns minutos, o rádio começou a transmitir estática antes de uma voz feminina começar a soar o alerta de emergência informando que todas as ambulâncias próximas deveriam se dirigir até o presídio por conta de uma rebelião violenta. Rapidamente, colocaram as máscaras e verificaram se estava tudo certo com o disfarce de paramédico. Infelizmente, não poderiam cobrir os cabelos, mas não teria problema se conseguissem se misturar em meio a confusão. Para não parecerem suspeitos, esperaram até que uma outra ambulância chegasse na frente e, só então, Baekhyun deu partida no veículo e ligou as sirenes. Correu pelas ruas parcialmente vazias enquanto aquela viciante sensação de adrenalina percorria suas veias e o deixava em alerta máximo.

No momento que parou em frente ao portão da enorme construção cinzenta, pode ouvir as diversas sirenes se misturando conforme viaturas se aproximavam. Seu coração estava acelerado e a respiração pesada quando um policial veio verificá-los, porém, apenas confirmou se eram paramédicos e depois permitiu a entrada. Eles deveriam estar com pressa e isso fez o detetive imaginar que a situação lá dentro realmente deveria estar tensa. Dirigiu até o estacionamento e depois saiu do veículo com Sehun o acompanhando. Abriram a porta traseira da ambulância e puxaram uma maca antes de se apressarem para dentro do prédio.

Havia apenas dois paramédicos além deles, porém, podia ouvir mais sirenes se aproximando. Precisavam ser rápidos e discretos. Como o pátio interno ficava no térreo, não precisavam utilizar escadas, só passar pelos diversos portões de segurança através dos corredores. Baekhyun sentiu os músculos tencionarem quando chegaram na frente da primeira entrada de barras de ferro e o guarda os encarou. Todos poderiam reconhecê-lo e, por isso, não pode evitar de ficar nervoso. Sua garganta engolia em seco enquanto o guarda os analisava com um detector de metais. Quando terminou, liberou a passagem e apontou em direção ao caminho que levava em direção ao tumulto.

Tudo corria bem graças aos verdadeiros paramédicos que também utilizavam máscaras de proteção e os ajudavam a passarem despercebidos. Quando, enfim, chegaram ao último corredor, o detetive conseguiu ouvir o barulho da confusão formada no pátio. Era uma gritaria incessante de vozes masculinas, foi incapaz de distinguir qualquer palavra dita por eles. Conforme se aproximava, conseguia ver os corpos caídos e as cadeiras jogadas em um cenário de anarquia. Um enfermeiro desesperado saia de lá com um prisioneiro inconsciente em uma maca e com um ferimento que parecia de faca ou algo afiado. Logo, outro enfermeiro correu em direção aos paramédicos, sua roupa branca estava coberta de sangue.

Por aqui, rápido! — pediu de maneira exasperada. — O médico substituto está a caminho. — explicou. — Precisamos levá-los para a enfermaria! — apontou em direção aos homens feridos.

No momento que Baekhyun colocou os pés no pátio, varreu com o olhar até encontrar os característicos cabelos cacheados de Park, que estava deitado e inconsciente um pouco distante dos outros. Na frente da tela, onde exibiam o filme, os guardas conseguiram conter alguns prisioneiros por conta de haver mais feridos do que agitadores conscientes. Os gritos vinham daqueles que sentiam dor ou dos que tentavam levantar sem sucesso. Não era nada que o detetive não estivesse acostumado, lembrava um cenário de guerra, por isso não ficou afetado e correu na direção do assassino antes dos outros paramédicos. Quando se abaixou, precisou conter a vontade de rir ao ver como Chanyeol utilizou o sangue que levou no pacote junto da seringa. Era asqueroso pensar na ideia de colocar aquele líquido dentro da boca, no entanto, sabia que não deveria ser algo tão difícil para o psicopata. Ergueu a cabeça até encontrar o olhar apavorado de Sehun e sinalizou para que o mesmo o ajudasse a carregar o prisioneiro adormecido. O parceiro segurou as pernas enquanto o detetive o enlaçou pela cintura e, com certa dificuldade, por conta de Park ser alto e pesado, o colocaram em cima da maca que trouxeram. Em seguida, se apressaram para fora do pátio e em direção a enfermaria.

Conforme levava Park inconsciente, o detetive permitiu-se dar uma risada silenciosa por conta da insanidade daquela situação. Começou a imaginar como ele tinha convencido trinta homens a, praticamente, se suicidarem em uma missão que só o beneficiaria. Somente os gravemente feridos e os mortos conseguiriam sair dali com paramédicos. Por isso, Chanyeol injetou um sedativo que deixaria seus batimentos e a pulsação indetectáveis. Quanto aos aparelhos, por um misterioso motivo, estavam todos quebrados, o que resultou em mais pânico. Não havia nem uma sala de cirurgia, apenas remédios, soro e tratamentos básicos para doenças leves ou ferimentos leves, como os causados por brigas. Os guardas estavam pressionados a permitir que os com risco de vida fossem levados até o hospital mais próximo. E, claro, os cadáveres que precisavam de uma autópsia.

No momento que entrou na enfermaria precária, deixou a maca em um canto e permaneceu ao lado de Park enquanto via as camas sendo preenchidas por diversos prisioneiros feridos que gritavam xingamentos. Dois guardas se posicionaram à frente da porta para assegurar que ninguém saísse sem permissão. Enquanto isso, os enfermeiros continuavam trazendo os homens e demonstrando que eram totalmente despreparados para uma situação como aquela. Baekhyun respirou fundo e fingiu que estava fazendo uma massagem cardíaca que não tinha dado resultado. Tentou deixar seu olhar angustiado embora não fosse muito bom em atuar, contudo, Sehun estava verdadeiramente apavorado ao passo que encarava os ferimentos e o sangue para todo o lado. Pouco tempo depois, o médico substituto chegou e, como supunha, era um rapaz novo que parecia ter acabado de se formar. Pigarreou antes de abordá-lo com um falso tom de aflição:

Finalmente! — exclamou se colocando à frente do mesmo — Ele está sem pulsação faz cinco minutos. — apontou para Park e o doutor correu imediatamente em direção ao assassino inconsciente.

Por Deus… — murmurou o médico vendo a quantidade de sangue e, em seguida, checando a pulsação — Deus… — o homem parecia prestes a desmaiar — Parece que perfurou o pulmão. — pousou a mão brevemente sobre o peito de Park e franziu o cenho — Tentaram uma ressuscitação?

Tentamos, mas o desfibrilador não está funcionando. — fingiu um tom de preocupação na voz.

Deus… — o médico passou a mão sobre a testa — Leve-o para o hospital. Não tem… — foi interrompido pelo enfermeiro aflito que dizia ter muitos casos urgentes — Enfim, não tem nada que eu possa fazer aqui. — foi tudo que disse antes de correr em direção aos outros feridos.

Sem pensar duas vezes, o detetive sinalizou para Sehun e começaram a levar a maca para fora da enfermaria, no entanto, os guardas os impediram e foram obrigados a ficar parados na porta.

Ele está morrendo. — declarou o médico para que liberassem a passagem.

Ele? — indagou o guarda, franzindo o cenho e olhando para Park com uma falsa decepção nos olhos — É uma pena. — abriu espaço para que passassem com a maca e assim o fizeram sem esperar por outra autorização.

Quando se viu no corredor, o detetive sabia que aquele momento seria decisivo e isso o deixou nervoso. Engoliu em seco e tentou manter a cabeça abaixada o máximo que podia para não ser visto pelas câmeras. Não podiam correr ou levantariam suspeitas, por isso caminhavam em passos largos, porém, devagar o suficiente para que não chamasse atenção. Baekhyun sentiu um calor subindo pelo corpo por conta da ansiedade em sair logo daquele lugar. Focou-se na própria respiração quando passaram pela primeira grade de segurança. Parecia um caminho interminável e tinha receio que, a qualquer momento, um daqueles guardas iria reconhecê-lo. Com força, apertou a beirada da maca e manteve os dedos rígidos.

Passou pela segunda grade e um arrepio percorreu sua espinha quando o alarme de liberação soou próximo de seus ouvidos. Aquele som parecia perfurar sua cabeça de tão irritante. Continuou focado em sua respiração e dando um passo de cada vez enquanto o suor escorria levemente por sua testa e o peito se agitava. E se tudo desse errado, o que faria? Não podia pensar nessas possibilidades agora ou cometeria algum erro. Espantou qualquer insegurança da cabeça e continuou andando até que passou pela última grade e se viu livre para seguir até o estacionamento. Mesmo assim, não podiam correr, pois, ali ainda haviam câmeras de segurança e outras ambulâncias. Pode avistar o veículo no qual vieram ao longe e cerrou os punhos com força. Contudo, quando estavam se aproximando do destino, o detetive avistou Holden saindo do carro a poucos metros de distância e arregalou os olhos.

Sehun. — murmurou para o parceiro — Holden está aqui. — viu o rapaz congelar e o alertou com o olhar para se apressar.

Viraram o corpo de frente para a maca e, assim, cobriram o rosto de Park conforme continuavam empurrando-o pelo estacionamento. Baekhyun ficou de costas para Holden e continuou andando. Queria saber para onde seu chefe estava indo, no entanto, não podia se arriscar naquele momento. Rapidamente passou a mão pela testa, enxugando parte do suor e se viu ansioso para tirar aquela máscara e poder respirar direito. Sentia-se sufocado e ofegante.

Quando, enfim, alcançaram a ambulância, não hesitaram em abrir a porta e ajustar a maca, erguendo-a nos braços com certa dificuldade e a empurrando para dentro do veículo. Os músculos do detetive ardiam por conta do esforço, Park era realmente pesado, ainda mais em cima daquela maca metálica. Brevemente, espiou por cima do ombro, mas não conseguiu ver nem sinal de Holden. Isso não era bom e ele tratou de se apressar e entrar na parte traseira do automóvel, afinal, alguém tinha que acordar Chanyeol durante o caminho e vigiá-lo. Ouviu o parceiro correr e, assim que sentou no banco do motorista, ligou o motor e deu partida.

O coração de Baekhyun estava acelerado e sua pulsação batia contra seus ouvidos incessantemente. Manteve os olhos na abertura de vidro que o permitia enxergar parte da cabeça de Sehun e um pouco do lado de fora. Sua respiração quente batia contra seus próprios lábios por conta da máscara, tornando quase insuportável aquela sensação sufocante. Porém, permaneceu concentrado e atento aos sons ao seu redor. Havia diversos carros da polícia e mais ambulâncias que chegavam para socorrer os prisioneiros. Era uma zona caótica de sirenes misturadas e vozes masculinas que berravam alertas. Quando passaram do portão, foram parados por um policial e obrigados a estacionar antes de saírem da calçada. O detetive engoliu em seco, contudo, continuou calmo. Com cuidado, abriu a porta traseira do veículo e arfou quando viu John Bishop disfarçado com a farda da polícia. O mesmo entrou na ambulância e fingiu checar tudo enquanto murmurava:

Aja normalmente. — alertou, no entanto, Baekhyun era sagaz e não cometia aquele tipo de erro — Toda ambulância precisa de uma patrulha até o hospital. Estarei logo atrás de vocês. — acenou brevemente antes de se retirar e seguir até o carro da polícia, que estava parado a uma curta distância.

O ex-soldado fechou a porta do veículo novamente e fez sinal para Sehun prosseguir para longe dali. Logo, o rapaz o obedeceu e seguiram até a avenida, tendo dificuldade em avançar por conta do trânsito desordenado ao redor da penitenciária. Enquanto isso, o detetive batia o pé ritmicamente em sinal de nervosismo e impaciência. Desviou o olhar para o Park adormecido e achou irônico o quanto ele parecia pacífico e inofensivo, os cachos caíam sobre sua testa e os lábios e queixo estavam manchados de sangue. Quem não o conhecesse diria que era apenas uma pobre vítima de algum ataque de vandalismo. Curioso, pousou uma mão sobre o peito do assassino e arrepiou-se quando não sentiu nem sequer um sinal de batimento. Quanto à respiração, também estava imperceptível. Realmente parecia que ele estava morto e isso perturbou o detetive. Franziu o cenho e, por um segundo, desejou que Chanyeol retornasse, de fato, a vida. Naquele instante, percebeu que não queria ter que se despedir dele. Por mais que isso o frustrasse, tinha que admitir que uma parte sua sentiria falta daquele maluco.

Talvez eu também seja maluco” pensou.

Levou cerca de dez minutos até que estivessem em uma distância considerável do presídio e de toda bagunça que havia se formado. De acordo com Park, teria cerca de doze horas para acordá-lo, então não precisava se preocupar. Entretanto, estava apreensivo. Manteve a mão sobre o peito do assassino durante o caminho e teve receio que, caso a afastasse, algo ruim aconteceria. Era bobagem, obviamente, mas estava com a vida dele, literalmente, nas suas mãos e isso era uma grande responsabilidade, uma que o detetive ainda se impressionava em ter recebido, afinal: Chanyeol estava em uma posição totalmente vulnerável. Poderia deixá-lo morrer ali, se quisesse, mas não queria. O assassino sabia disso? Era um de seus métodos para conquistar a confiança genuína do ex-soldado? Tais perguntas começaram a rondar sua mente.

Foi despertado de seus devaneios pelo som da buzina, que era o sinal de Sehun para avisar que estavam seguros em uma rua com menos movimento. Sentiu o veículo desacelerar ao passo que a sirene continuava soando de maneira estridente. Rapidamente, o detetive retirou a máscara e respirou fundo, aliviado. Em seguida, apanhou uma seringa, que estava guardada no bolso interno da jaqueta de paramédico, e a encarou atentamente, sentindo seu peso aumentar. O líquido transparente parecia inofensivo e a agulha era tão fina que nem dava para ser notada. Esterilizou a parte pontiaguda e, com um suspiro nervoso, puxou o braço de Park, esticando-o e limpando o sangue para que, enfim, penetrasse sua pele e injetasse a substância para cortar o efeito do sedativo. Quando terminou, deixou a seringa ao seu lado no banco estofado e voltou a colocar a mão sobre o peito alheio. Mordia o lábio inferior enquanto aguardava ansiosamente por alguma reação, porém, nada acontecia. Inclinou-se em direção ao rapaz adormecido conforme suas pupilas dilatavam e sua respiração acelerava.

Pouco tempo depois, sentiu os batimentos alheios retornando e não conteve um suspiro de alívio. Subitamente, Chanyeol abriu os olhos e arfou, inalando o ar pela boca e tendo dificuldade em ritmar a respiração. Levou alguns segundos para ele retomar totalmente a consciência e, então, encarar o rosto de Baekhyun logo acima do seu. Quando seus olhares se encontraram, o rapaz de cabelos cacheados começou a rir como quem acabou de receber uma boa notícia. Tossiu algumas vezes sem cessar os risos e, em seguida, levou sua mão até a do detetive, que ainda se localizava acima de seu peito, e entrelaçou os dedos aos dele, o que fez o ex-soldado franzir o cenho, mas não desviou o olhar do assassino.

Baekhyun… — murmurou parando de rir e assumindo uma expressão dramática. — Você faz o meu coração bater. — manteve a teatralidade antes de retornar aos risos.

O detetive revirou os olhos, no entanto, não pode evitar de achar aquilo engraçado e rir baixinho da piada. Park retirou a mão da sua e Baekhyun se afastou para que o maior pudesse se levantar.

Como é a sensação de ressuscitar dos mortos? — questionou em tom de brincadeira enquanto observava-o sentar e apoiar as mãos ao lado do corpo para tentar se equilibrar. O efeito de tantas substâncias o deixaria atordoado por um tempo e, para o detetive, era até divertido aquela visão.

Me sinto como Jesus. — zombou fazendo o ex-soldado revirar os olhos novamente e rir do comentário blasfemador.

Deus deve estar orgulhoso.

Com certeza, sou a melhor criação dele. — ironizou com a voz entrecortada antes de recostar-se e fechar os olhos. Respirou fundo, mas logo voltou a abri-los. — E como está a situação? — perguntou em relação à fuga.

John está disfarçado na viatura atrás de nós e Sehun no volante. — apontou com a cabeça em direção a abertura de vidro — Você tinha razão, o médico substituto era bastante negligente.

Mas eles ainda virão atrás de nós. — passou a mão sobre os lábios e depois olhou para a própria roupa com uma careta — Eu odeio sujeira. — voltou a encarar o detetive a sua frente — Onde estamos?

Não tenho certeza. — ergue-se e abriu o vidro da abertura que dava acesso ao motorista — Sehun, onde estamos? — perguntou enquanto enfiava a cabeça no vidro e via o rosto do parceiro pálido. Ficou preocupado, mas supôs que toda aquela agitação deixou-o aflito.

Faltam três quadras para chegarmos. — respondeu com a voz calma e sem desviar os olhos da rua.

Baekhyun assentiu, embora o mais novo não pudesse vê-lo, e retornou para seu assento. Seguindo as instruções de John, abriu o compartimento abaixo do estofado e viu tudo que precisavam ali. Contudo, antes de trocar os disfarces, foi em direção a uma caixa plástica de primeiros socorros, a pegou entre as mãos e a colocou sobre o colo. Por fim, a abriu.

Já que odeia sujeira… — falou enquanto pegava uma garrafa de álcool e uma toalha de rosto e estendia para o Park. Pegou uma para si e começou a limpar as próprias mãos ensanguentadas.

Uma vez que suas palmas estavam livres de sangue, voltou a atenção ao compartimento aberto e puxou um conjunto de farda policial. Quando ergueu a cabeça, encontrou o rapaz de cabelos cacheados terminando de abrir o zíper e deixando parte de seu peito manchado de vermelho à mostra. Logo, livrou-se da parte superior do macacão e começou a passar a toalha pelo corpo. O detetive praguejou mentalmente por ter se distraído, mesmo que brevemente, e desviou o olhar antes que o assassino o notasse. Umedeceu os lábios antes de tirar a jaqueta de paramédico seguida da camisa de botões que levou mais tempo para despir. Inevitavelmente, seus olhos se encontraram com os de Chanyeol, que não perdeu a oportunidade de lançar um sorriso extremamente malicioso e perverso. O interior da ambulância era pequeno e qualquer deslize faria com que acabassem se esbarrando, dificultando para que tivessem alguma privacidade ou distância segura um do outro. Baekhyun tentou se concentrar em se trocar e evitou a todo custo fitar o moreno seminu, mantendo a atenção inteiramente na farda policial que precisava vestir. No entanto, sabia perfeitamente que as íris castanhas de Park o analisavam descaradamente.

No momento que terminou, o detetive suspirou aliviado e ajeitou o coldre da arma e o cinto antes de, enfim, se sentir pronto para erguer a cabeça e encarar o maior que, felizmente, tinha se vestido também, embora a camisa da farda tenha ficado um pouco apertada nele e delineava bastante o contorno de seu peitoral. Baekhyun não conseguiu conter um sorriso irônico ao vê-lo naquele traje. O engraçado era que o maldito conseguia ficar bonito como policial e o fazia lembrar daqueles galãs cobiçados em séries de investigação. De fato, o assassino era bom em se camuflar, se não fosse pelos seus olhos depravados e a expressão debochada, realmente pareceria apenas um inocente e fiel seguidor da lei. Ali, o ex-soldado começou a imaginar se ambos fossem apenas pessoas comuns, porém, por mais que tentasse, não conseguia visualizá-los em uma relação normal. Enquanto se encaravam em silêncio, ficou curioso para saber o que Chanyeol fantasiava consigo em sua mente conturbada e degenerada. Ele estava estranhamente quieto e se perguntou o motivo disso, ainda mais depois da visão íntima que compartilharam instantes atrás.

Qualquer pessoa acharia assustador ter aquele par de olhos castanhos fixos em si, mas não o detetive. Ele ficava intrigado com aquelas íris semelhantes a vidro que reluziam um brilho sinistro, e, ao mesmo tempo, envolventes, como um convite para pular em um belo oceano límpido com tubarões à espreita. Park tinha uma aura perigosa ao seu redor e isso atraía o ex-soldado em vez de o repelir. Seria Chanyeol uma guerra para si? Havia o mesmo risco e também a mesma emoção, talvez essa fosse a resposta.

Baekhyun foi despertado quando notou que Sehun havia desligado as sirenes, assim como John na viatura. Tudo ficou silencioso, exceto pelo motor do veículo ronronando calmamente e os sons dos pneus percorrendo o asfalto abaixo de seus pés. Quebrou o contato visual com Park e olhou através da abertura de vidro, avistando uma rua escura à frente e o prédio em construção onde tinham combinado de estacionar para fazer a troca de carros. Checou para ver se tudo estava em ordem conforme seu parceiro guiava a ambulância para baixo das sombras projetadas pela obra de concreto. Quando estacionou, desligou os faróis e os escondeu em meio a escuridão. Não podiam ficar ali por muito tempo, por isso os policiais disfarçados rapidamente abriram a porta traseira do automóvel e saltaram para fora, pisando em um chão arenoso e empoeirado. O ar noturno estava frio e só conseguiam enxergar por conta do fraco brilho da lua e as luzes da cidade.

Já emitiram um alerta à sua procura. Precisa se apressar. — avisou John assim que saiu do carro e entregou as chaves para Park.

Eu imaginei. — suspirou o assassino antes de jogar as chaves em direção ao detetive, que as pegou no ar. — Vamos precisar de um motorista que saiba correr. — comentou.

Quando viu a figura de Sehun se aproximando, o ex-soldado foi até o parceiro e segurou o pulso alheio, puxando-o para longe dos outros.

Você vai ficar bem? — murmurou para que não fossem ouvidos.

Sim. — Sehun assentiu — Tente chegar ao copiador antes que ele chegue a mim. — brincou dando um sorriso breve, no entanto, era visível que estava ansioso e conturbado por toda situação.

Não se arrisque. Me promete? — pediu, ainda segurando o pulso do mais novo entre seus dedos finos.

Prometo. Infelizmente, não posso te pedir o mesmo, não é? — sua voz soou entristecida e o detetive apertou os lábios — Só tente voltar vivo.

Eu acho que não tem como eu voltar morto. — brincou e os dois riram baixinho por um momento — Cuide da Lana. — Oh assentiu e trocaram um olhar de despedida antes de se afastarem e retornarem para próximo dos carros. Internamente, o detetive pedia para que o copiador não fosse Sehun e que aquela faísca de dúvida fosse apenas paranoia de Chanyeol.

Quando olhou para Park, não conteve um sorriso debochado ao vê-lo com o cenho franzido ao assistir sua aproximação com o mais novo. Não o temia nesse sentido e deixava claro que sua relação com Sehun era algo unicamente fraternal e assim permaneceria, mesmo se o maior não aprovasse. O detetive deu uma última olhada sobre o ombro antes de seguir até a viatura e ocupar o banco do motorista. Seu parceiro iria embora com John na ambulância, e, assim, se livrarem da mesma. Teve vontade de ameaçar Bishop caso ele tentasse alguma coisa, porém, confiava que Oh podia se defender muito bem se precisasse e não queria criar rivalidade com alguém que podia ser útil no futuro. Suspirou e colocou a chave na ignição segundos antes de Chanyeol entrar e, em seguida, fechar a porta com um baque silencioso. Trocaram um olhar breve, que deixou o detetive arrepiado com a curta distância que havia entre eles ali dentro. Já tinha estado em um carro com o moreno, porém, não sabendo que ele era um assassino psicopata e muito menos com aquela tensão constante entre os dois. Quanto ao maior, parecia estar se divertindo bastante com a situação e não escondia isso. Fecharam os vidros e, enfim, o ex-soldado deu partida e acelerou em direção a rua.

Durante cerca de três minutos ficaram em silêncio. Só quando estavam distante da construção, e em meio a uma via parcialmente vazia, que Park soltou um longo suspiro antes de dizer com sua voz rouca:

Enfim, a sós.

Chapter 12: Blitz

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Capítulo 12 — Blitz

O clima dentro do carro ficou carregado. Um pouco de vento entrava pela pequena abertura na janela do motorista, porém, não era o suficiente para diminuir o nível de intensidade que havia se instalado. Baekhyun apertava o volante entre os dedos e respirava pesadamente enquanto absorvia a ideia de estar, pela primeira vez, sozinho com o assassino sabendo que ele é um psicopata. Manteve-se em estado de alerta e teve receio do que poderia acontecer dali por diante, afinal, não tinha nada planejado e não poderia recorrer a mais ninguém além de Park. Provavelmente, Holden colocou uma busca atrás de si, ou pretendia, quando descobrisse que tinha coincidentemente desaparecido junto com o falso cadáver de um dos prisioneiros. Isso deixaria o copiador irritado? Ficou preocupado com a segurança de Lana e Sehun; era frustrante não saber se eles estavam bem e mais frustrante ainda era não poder se comunicar. Teria que ficar longe de celulares até chegar no que Park chamava de “abrigo” e, mesmo quando estivesse lá, seria extremamente arriscado ligar para o parceiro.

Suspirou.

Enquanto mantinha os olhos na rua, podia ouvir o som da respiração suave de Chanyeol ao seu lado. Ele transpirava serenidade e isso era extremamente bizarro para o detetive. No fundo, pensou que ele fosse tentar alguma coisa, ou talvez matá-lo, porém, nada aconteceu. Em seu peito, a expectativa transbordava de maneira incômoda, deixando-o ansioso. Já fazia um tempo considerável desde que Park tinha se pronunciado e aguardava por uma resposta. Baekhyun podia sentir o olhar dele queimando sobre sua pele e tornando o interior do veículo mais quente do que o necessário. O ex-soldado precisaria aprender a lidar com a incerteza durante sua viagem com o assassino. Ao mesmo tempo que poderia não acontecer nada, também poderia acontecer tudo, não sabia o que esperar. Só torcia para que conseguisse pegar o copiador e dar um fim naquele maníaco.

O que faremos agora? — quebrou o silêncio.

Daqui por diante não planejei nada. — O detetive, enfim, o encarou — Será tudo espontâneo. Não é divertido? — esticou os lábios em um sorrisinho cínico.

Achei que você fosse do tipo controlador. — voltou a fitar a rua parcialmente vazia e escura. Passavam despercebidos com a sirene desligada e a imagem de segurança que uma viatura transmitia.

Eu diria que sou um planejador. Enfim, agora estamos trabalhando com possibilidades e não certezas. Por hora, só precisamos chegar a um lugar seguro onde seus amigos do FBI não nos encontrem.

E onde exatamente fica o seu lugar seguro? — fitou o moreno brevemente antes de retornar o olhar para a rua.

Roanoke.

O detetive franziu o cenho.

Eu pensei que fossemos sair de Virgínia. — Achava que permanecer no mesmo estado era arriscado.

Não teríamos chance. — se entreolharam — Todas as estradas estão sendo vigiadas e não podemos nos afastar tanto do copiador.

Certo. — umedeceu os lábios — Temos que trocar de carro assim que sairmos de Quântico.

Por mais que a camuflagem fosse boa naquele momento, a placa do veículo pertencia àquele distrito e poderia levantar suspeitas caso fossem vistos perambulando em outra cidade ou condado. Pelos cálculos do detetive, eles tinham cerca de trinta minutos até a fronteira de Quântico; como precisavam ir por uma rota menos movimentada, talvez demoraria um pouco mais. Não havia muito o que fazer quanto a isso, apenas dirigir cautelosamente e torcer para que outra viatura não se aproximasse.

Cansado, Baekhyun recostou-se ao banco do motorista e acalmou sua respiração conforme vagava os olhos pela rua. Reparou que tinha poucos prédios com as luzes acesas, apenas estabelecimentos comerciais se mantinham ativos, embora a freguesia fosse quase nula naquela hora. Vez ou outra um carro passava acelerado ou alguma pessoa caminhava sozinha de volta para casa. Isso acabou ajudando o detetive a aliviar a ansiedade de antes e manter-se focado. Contudo, não podia ignorar aquele par de olhos faiscantes em sua direção; sentir o olhar de Chanyeol preso em si fazia seus pelos da nuca se arrepiarem e espalhar uma sensação estranha pelo corpo, porém, gostava daquele tipo de atenção. Desde que entraram naquele carro, Park não desviou o olhar de si nem uma vez. Curioso, virou o rosto na direção do maior e encontrou aquele brilho perverso nas íris castanhas.

Por que você tem tanto tesão em mim? — indagou com um sorriso irônico, porém, sem esconder o interesse naquela questão.

Chanyeol soltou uma risada, mas logo a cessou, porém, manteve o canto dos lábios erguido de forma maliciosa. O detetive alternava o olhar da rua para o assassino. Teve vontade de rir da situação também, mas não o fez, era a primeira vez que podiam conversar sem filtro e aproveitaria aquela chance para conseguir as respostas para suas maiores dúvidas. Lentamente, todo seu receio era substituído por curiosidade no rumo que aquele assunto tomaria.

Somos parecidos. — O ex-soldado se surpreendeu com o tom de seriedade que Park utilizava — Você tem tanto em comum comigo, e, ainda sim, é capaz de nutrir empatia e afeto. É como um anjo e um demônio coexistindo dentro do mesmo corpo; você é capaz tanto de tirar uma vida, quanto de salvá-la. Mas, — Inclinou-se em direção ao detetive e afundou os dedos nos fios alheios. Baekhyun arfou baixinho com o contato inesperado e apertou o volante — sabemos qual lado você deseja escolher. — murmurou, em tom de provocação.

Baekhyun engoliu em seco e perdeu a concentração na direção por alguns instantes, algo que não passou despercebido pelos olhos castanhos que o encaravam. Logo, Park soprou uma risada baixa, quase um sussurro, e prosseguiu:

Você é tão lindo. — O modo como o moreno dizia aquilo era disforme, para a maioria soaria assustador. Não era um elogio em tom suave de admiração ou com vínculo emocional, mas sim com um tom possessivo; como alguém que cobiça um objeto extremamente valioso. Lentamente, o maior desceu seus dedos pelo rosto do detetive e percorreu até a região do pescoço alheio. — Queria devorá-lo. — sussurrou.

Sem se conter, Baekhyun riu baixinho pela situação atípica que se desenrolava. Era um riso de nervoso e descrença em ouvir aquelas palavras. Sabia que passar aquele tempo sozinho com o assassino, longe de todos, o faria ver explicitamente o quanto Park era perturbado e insano. Arrepiou-se em cogitar as inúmeras possibilidades do que poderia acontecer e do que presenciaria. Talvez todo fascínio que sentia acabaria depois de conviver com a verdadeira natureza do psicopata, ou pior, a obsessão dele por si poderia se dissipar; essa opção o deixava temeroso. Tinha que admitir que não fazia a menor ideia do que Chanyeol era capaz, ou o que faria, caso perdesse o interesse na sua “Rainha”.

Literalmente? — arqueou a sobrancelha em tom de gozação.

Figurativamente, é claro. — corrigiu Park enquanto permanecia deslizando a ponta dos dígitos na pele do pescoço alheio e assistia os pelos da região se eriçarem. — Seria uma atrocidade cortar algo tão bonito. — riu anasalado antes de se afastar. Voltou a se recostar no banco do passageiro com um olhar sereno de quem tinha acabado de falar sobre o que preparou para o jantar.

E me matar? — se entreolharam intensamente antes do detetive desviar novamente o olhar para a rua — Também seria uma atrocidade? — sua voz era tranquila, embora não pudesse negar o frio que subia pela barriga com aquela pergunta tão arriscada e atrevida.

Não tenho motivos para te matar. — viu Park franzir o cenho como se fosse óbvio — Eu estava tão entediado antes de te conhecer. Fazia tempo que eu não me divertia dessa forma. — inclinou-se até que seus lábios estivessem próximos do ouvido do detetive — Eu sei que você sente o mesmo. — sussurrou antes de se afastar com um sorriso descarado no rosto.

Baekhyun reconhecia que aquilo era verdade. Não negava que parte de si — maior do que gostaria de admitir — estava se divertindo com aquilo, porém, também estava nervoso e preocupado com a segurança das outras pessoas envolvidas. Queria fazer o copiador pagar por todas aquelas vítimas inocentes que ele brutalmente assassinou, inclusive, por diversão. No entanto, aquele caso não era apenas um capricho seu, o copiador precisava ser capturado e aquele tabuleiro tinha que se encerrar. O que sentia durante esse processo não fazia diferença, desde que concluísse seu trabalho.

Eu sinto. — afirmou sem intenção de prolongar o assunto.

Pode ver Park sorrir satisfeito antes de, enfim, desviar a atenção para o vidro e ficar encarando um ponto distante. O silêncio tomou conta do veículo e tudo que o detetive podia escutar era a respiração suave do assassino e o motor ronronando. Tentou pensar em outra coisa, mas não conseguia desfocar a mente do moreno ao seu lado. Embora não o encarasse, ainda podia ouvir cada mínimo movimento que o maior fazia, desde mexer as pernas até o raspar de suas roupas contra o assento de couro.

Já pensou em se casar? — Chanyeol questionou, subitamente, fazendo o ex-soldado estranhar a pergunta inusitada.

Talvez, quando eu era mais novo. — respondeu antes de trocarem um olhar. Novamente, o detetive alternava sua atenção entre a rua e o rapaz.

Hm. — murmurou — Eu encontrei um par de alianças perfeito para nós. — sua voz suave dificultava para que Baekhyun decifrasse se ele estava sendo irônico ou falando sério.

Elas são feitas de ossos humanos? — brincou com uma expressão de gozação e notou um brilho depravado nos olhos alheios.

No momento que o detetive virou o rosto para fitar a rua, ouviu um tilintar metálico e, em seguida, seu pulso foi envolvido por algo gelado e pesado. Instintivamente, freou o carro e arregalou os olhos em direção a sua mão, notando as algemas em seu pulso direito e a outra metade presa ao pulso de Park. Indignado, o ex-soldado encarou o maior e o fuzilou com o olhar. Nem teve tempo para sequer achar alguma explicação plausível para aquela situação.

O que você está fazendo?! — embora estivesse irritado, manteve a voz baixa, inclusive, para não chamar a atenção de alguém do lado de fora.

Não são lindas?! — fingiu estar emocionado — Estamos oficialmente unidos para sempre. — debochou pousando a mão que não estava algemada sobre o peito de forma teatral.

Por um instante, o detetive teve receio de que ele estivesse falando sério. Mesmo que pudesse notar que aquele ato era apenas uma brincadeira por parte de Park, ainda não achava algo aleatório. Talvez ele estivesse sob o efeito das substâncias ou só estava sendo o que sempre foi, não sabia dizer. Já sabia que o comportamento possessivo era algo comum em psicopatas, mas não admitiria ser mantido algemado sob nenhuma circunstância. Uma coisa que Baekhyun odiava eram pessoas tentando forçá-lo ou aprisioná-lo, fisicamente ou emocionalmente. Não tinha medo de Chanyeol e se defenderia caso fosse necessário, independente se isso matasse ambos.

Tira isso agora. — ordenou, pausadamente, conforme sentia o sangue queimando em suas veias.

Para a sua surpresa, Park revirou os olhos antes de abrir as algemas.

Passe para mim. — pediu Baekhyun enquanto estendia a mão em direção ao moreno, que ria contido enquanto o entregava às algemas.

Irritado, o ex-soldado abriu a janela do motorista, atirou as algemas em direção a rua e deu partida no carro, retomando seu percurso. Seu rosto estava vermelho e os olhos carregados de raiva. Quando se enfurecia, não conseguia nem ao menos pensar e precisava se concentrar em qualquer coisa para não ceder aos seus impulsos que, no momento, queriam atirar no homem ao seu lado.

Que agressivo. — debochou Park — Isso foi uma rejeição ao meu pedido de casamento? — provocou.

Instintivamente, o detetive entreabriu os lábios para retrucar, mas se conteve por saber que estava alterado e aquilo poderia desencadear uma situação desnecessariamente estressante. Assim como fazia em batalha, focou-se em sua respiração e começou a enumerar mentalmente os países da Ásia que conseguia se recordar. Era um exercício que parecia idiota, no entanto, o ajudava bastante a se controlar até que a cabeça esfriasse. Enquanto isso, dirigia normalmente e mantinha os dedos pressionados com força contra o volante. Conforme ia se acalmando, sentia o calor da tensão ir diminuindo e o possibilitando raciocinar antes de tomar uma atitude. Sabia que Park aguardava por uma reação explosiva e por isso optou por surpreendê-lo e não lhe entregar o óbvio. Aprumou-se no banco de couro e afrouxou os dedos para que a circulação do sangue voltasse ao normal.

Peça de joelhos que eu penso a respeito. — respondeu com a voz baixa, embora não pudesse esconder o traço de irritação. Em seguida, ouviu uma risada alta por parte de Park e não pode evitar de encará-lo e balançar a cabeça ao ver aquela cena. Chanyeol era inacreditável.

Após isso, um alerta soou no rádio policial dizendo que estavam tendo problemas com fugitivos em ambulâncias e que alguns paramédicos chegaram a ser atacados enquanto levavam os feridos. Todas as unidades estavam sendo chamadas para a penitenciária e para encontrarem o assassino do xadrez. Baekhyun engoliu em seco e sentiu os batimentos se acelerarem conforme pensava na possibilidade de serem capturados durante aquela pequena viagem. Estavam sendo cuidadosos, porém, não podiam subestimar a segurança americana. Já tinha dado muita sorte de conseguir escapar da cadeia sem serem perseguidos e seria ingenuidade pensar que estavam livres de problemas dali por diante. Não podiam ser vistos por câmeras de trânsito ou comerciais, estavam com um alvo nas costas e qualquer deslize poderia encrencá-los. Park tinha admitido que não tinha nada planejado e isso deixava o detetive ansioso, afinal, a fuga foi cautelosamente elaborada e dava uma certa sensação de garantia saber todos os passos a seguir. Ficar à mercê do imprevisível é um enorme desafio.

Por um momento, sentiu inveja de como o assassino conseguia transparecer tanta tranquilidade naquela situação. Provavelmente, ele não tinha medo de nada nem inseguranças, apenas lidaria com o que viesse do seu modo manipulador e calculista, eliminando facilmente qualquer ameaça. Talvez seja por isso que algumas pessoas se fascinam por mentes psicopatas. Normalmente, tudo que conhecemos são sentimentos negativos, pessimismo, ansiedades e sofrimento; as coisas boas parecem uma lenda distante da realidade de muitos. A ideia de não se importar com nada, não se preocupar e não sentir, era tentadora. Isso o fazia pensar em como seria caso não tivesse nenhum vínculo com sua família. Poderia ter apenas matado seu pai e ido embora? Queria poder eliminar tudo que sentia a respeito do seu passado e não ligar para absolutamente nada. Porém, pensou em Lana e em todas as pessoas que salvou durante o caminho. Era complicado.

Antes de irem para a cidade mais próxima, levaram o carro até Arkendale, uma área florestal. Combinaram de se livrarem do veículo jogando-o no rio e depois procurarem por outro, mais discreto, para continuarem a viagem até Roanoke. O detetive dirigiu habilmente até a margem da água, passando por entre as árvores espaçadas umas das outras e sentindo os pneus com dificuldade em deslizar pelo terreno lamacento. Quando saiu do carro, agradeceu pela brisa noturna refrescar sua cabeça e o ar úmido entrar em seus pulmões. Fazia tanto tempo que não pisava em um lugar cercado pela natureza, nem mesmo em batalha teve a oportunidade; a maioria dos confrontos eram em desertos arenosos ou cidades abandonadas. Inspirou fundo algumas vezes antes de puxar os fios dos cabelos escuros para trás e, enfim, encontrar o olhar incisivo de Park sobre si.

Tudo que precisamos está no porta-malas. — anunciou o maior antes de fechar a porta do veículo e andar em passos calmos até a traseira do carro.

Baekhyun apenas assentiu e seguiu na mesma direção, parando ao lado do rapaz de cabelos cacheados e notando novamente a grande diferença de altura entre ambos. Isso não o intimidava, porém, sabia que, quem os olhasse de fora, apostaria que sairia em desvantagem em um confronto físico. Felizmente, não se importava com isso. Já tinha encontrado homens muito maiores em batalha e sabia que, em uma luta, vence quem é mais habilidoso e não o mais forte. Quando abriu o porta-malas, encontrou duas mochilas pretas e deduziu que fosse uma para cada, em ambas havia roupas, identidades falsas — caso fosse necessário —, armas e munição. Após apanhar as bolsas, fecharam o carro e empurraram o veículo em direção a água com certa dificuldade, porém, a lama no solo acabou colaborando. Uma vez que o carro deslizou para dentro do rio, os dois rapazes se afastaram e ficaram observando até que a viatura afundasse completamente.

Se desfazer de um carro roubado é um grande passo para uma relação. — comentou Park, o que fez o detetive erguer os olhos para encará-lo. Estavam lado a lado numa proximidade quase mínima entre seus ombros.

E qual é o próximo? Desovar corpos? — ironizou, arqueando uma sobrancelha e não contendo um riso silencioso.

Por alguns instantes, Chanyeol permaneceu inexpressivo enquanto fitava o menor da forma penetrante que sempre fazia. Era algo quase invasivo, como se ele estivesse lendo todos os pensamentos do detetive sem sua permissão.

Você é tão excitante. — disse por fim e depois lançou uma piscada sugestiva para o ex-soldado, que apenas revirou os olhos.

Eu diria que tenho um psicológico questionável. — franziu o cenho em tom sarcástico — Stafford fica para o norte. — apontou com a cabeça para a direção que precisavam seguir e deu alguns passos antes de Park alcançá-lo. Manteve a mochila apoiada apenas em um ombro enquanto caminhava pela grama enlameada.

Você não precisa de uma bússola? — zombou o maior, que tinha a mochila apoiada nos dois ombros e passos firmes.

Por quê? Você tem uma? — brincou.

Tenho uma que aponta para pecadores. — deu de ombros e o detetive balançou a cabeça com um sorriso de canto — Você podia me ensinar como fazer isso. Posso ser seu escoteiro. — sugeriu maliciosamente.

Não imagino você vendendo biscoitos. Só se eles fossem feitos de corações humanos. — satirizou.

Sou um assassino, não um canibal. Isso é preconceituoso. — fingiu estar ofendido.

Ainda tenho medo de você me comer enquanto eu durmo. — No fundo, aquilo era verdade, embora estivesse apenas brincando.

O único modo que eu desejo te comer é no sentido sexual. — Baekhyun não conteve uma risada com aquilo. Era inacreditável as coisas que Park lhe dizia, por mais que fossem perturbadoras, não deixava de se impressionar pela sinceridade afiada dele — E quero que esteja bem acordado durante o ato. — acrescentou com a rouquidão da voz ainda mais profunda, o que arrancou um riso nervoso do detetive.

Nossa, isso me deixa profundamente aliviado. — respondeu, sarcástico — Essa região está ficando mais densa. — analisou, olhando ao redor e notando que o brilho da lua mal penetrava pelas árvores. Puxou a mochila do ombro e abriu em busca da lanterna. Quando a retirou, acendeu e observou o rapaz ao lado fazer o mesmo.

Baekhyun iluminou o horizonte e não avistou nada além de floresta. Teriam que andar mais um pouco para conseguirem avistar a cidade. Precisava ter cuidado para não se perder, era fácil ficar confuso naquele tipo de cenário, ainda mais com uma enorme distração tagarelando o caminho inteiro. No entanto, admitia que estava se divertindo com aquela conversa e, de certa forma, o tranquilizava. Preferia que Park falasse bastante do que optasse pelo silêncio agonizante.

Baekhyun. — Ouviu o maior chamar e virou o rosto em sua direção. Logo, Park acendeu a lanterna abaixo de seu queixo, fazendo a luz iluminar totalmente seu rosto de uma maneira assustadora, deixando seus olhos com um brilho nefasto e o sorriso perverso destacado. — Qual é o seu filme de terror favorito? — fez uma referência ao filme Pânico.

Por um momento, o detetive sentiu um arrepio na nuca e teve certeza que aquela cena seria um sucesso em filmes do gênero, ainda mais por conta do silêncio ensurdecedor ao redor e a escuridão os engolindo como se fosse um enorme véu em cima de suas cabeças.

Titanic. — respondeu, inexpressivo. Relaxou quando viu o maior dar risada e apontar a luz de sua lanterna para a floresta.

Retomaram a caminhada, que ficou mais tenebrosa sob a iluminação das lanternas que projetavam sombras enormes por onde andavam. O detetive umedeceu os lábios enquanto seu coração se acelerava a cada vez que passava por uma árvore, com receio de que alguém, subitamente, surgisse por detrás dela e o atacasse. Cada ruído distante o fazia tensionar os ombros, no entanto, eram apenas sons característicos de uma floresta noturna, como gravetos e folhas. Seus pés davam passos silenciosos pela grama baixa tentando tornar sua presença o mais imperceptível possível. Era um hábito comum e impossível de abandonar, mesmo em casa ou na rua, acabava fazendo isso inconscientemente.

Está nervoso? — ouviu Park questionar e virou o rosto para encará-lo. Lá estava aquele olhar afiado e imóvel.

Considerando o destino das pessoas que entram em uma floresta à noite com um psicopata, tenho razão para estar. — mascarou o nervosismo com sarcasmo.

Eu nunca matei alguém em uma floresta. — O detetive lançou-lhe um olhar descrente com o rumo da conversa — Não faz o meu tipo. — deu de ombros como se falasse de algo banal — Deve ser trabalhoso esfaquear alguém segurando uma lanterna.

Isso supostamente deveria me tranquilizar?

Não estou tentando te tranquilizar. — retorquiu com acidez.

Nesse caso, uma arma seria melhor. — Park o fitou curioso — Para matar alguém enquanto segura a lanterna. — desviou o olhar antes de notar que o maior ficou impressionado com aquela resposta.

Que tipo de arma você usava no exército?

Um fuzil de precisão. — respondeu ao passo que se recordava de alguns momentos em batalha.

Hm, então você, literalmente, fuzilava pessoas. — provocou e os dois se entreolharam antes do detetive quebrar o contato visual e desviar o olhar para a floresta.

Fuzilava militares e terroristas, não civis. — esclareceu, embora aquilo não tornasse a ideia melhor, apenas dava uma justificativa.

E conseguia usar uma lanterna enquanto isso?

Se está tão curioso para saber, por que não tenta? — arqueou a sobrancelha em um tom desafiador. Tinha sido arriscado, sabia disso, mas não conseguiu evitar a oportunidade de provocá-lo da mesma forma que fazia consigo.

Park parou de andar e encarou o detetive antes de puxar a arma do coldre na cintura e apontar em direção a uma árvore próxima. Com a outra mão, mantinha a lanterna acesa apontada para seu alvo. Por um segundo, o coração do ex-soldado parou e ele realmente pensou que o assassino fosse atirar e chamar uma atenção desnecessária. O som de um tiro é extremamente alto, inclusive, durante as batalhas, ele precisava usar um protetor de ouvido para que, futuramente, não ficasse com deficiência auditiva por conta disso. No entanto, após um instante, o moreno abaixou a arma e a guardou, o que fez Baekhyun soltar um suspiro de alívio e, em seguida, sentir-se irritado por ter dado aquela sugestão idiota. Por vezes se esquecia com quem estava lidando.

É realmente eficiente. — concordou o moreno antes de voltar a caminhar como se nada tivesse acontecido.

Durante o restante da caminhada, o detetive tomou cuidado com as palavras e mantiveram um ritmo tranquilo até que avistaram as luzes e os contornos da cidade de Stafford. Como era interior, não havia prédios nem altas construções, tudo tinha uma escala mediana e retangular que lembrava uma estrutura feita de Leggo . O único local que se destacava era uma fábrica que cuspia fumaça de suas chaminés. Conforme se aproximavam, notaram que a maioria dos comércios estavam abertos, embora não aparentasse ser um lugar movimentado naquela hora. Ainda assim, optaram por continuar com o disfarce de policial; de acordo com Park, seria mais fácil abordar alguém para roubar o carro dessa forma. Baekhyun não era contra aquela ideia, entretanto, sabia que traria consequências.

Desceram um morro baixo de terra antes de darem mais alguns passos para, enfim, alcançarem a calçada com asfalto rachado e desgastado. Diante deles havia um largo estacionamento de um mercado, alguns veículos estavam estacionados por ali, porém, seria arriscado apanhar algum civil à paisana que só estava tentando comprar algo para jantar. Por mais que estivesse do lado de um assassino, o detetive não admitiria que ele envolvesse alguém considerado inocente, em outras palavras: “uma pessoa honesta”. Em um acordo mútuo, decidiram procurar por um local que não levantaria muitas suspeitas no caso de acontecer algum acidente. Seguiram sorrateiramente até a rua principal e viram que nem carros estavam passando, no máximo duas pessoas andavam por ali, porém, distraídas demais para notarem alguma coisa. Cautelosamente, se esgueiraram pelas sombras em passos rápidos e silenciosos em busca de uma oportunidade. Sem nada em vista na rua principal, decidiram ir pelas vias estreitas e foram adentrando cada vez mais na cidade até alcançarem uma área desleixada com construções de pinturas descascadas e manchadas. Uma delas não tinha nenhuma placa ou janelas, mas a luz vermelha neon na entrada era bastante sugestiva, assim como a música que tocava em seu interior. Ao lado, um pouco distante, havia um bar que aparentava estar agitado por conta do barulho e das vozes.

Qual deles? — indagou Baekhyun em um sussurro enquanto espreitava os possíveis alvos.

O que estiver mais bêbado. — Park respondeu casualmente e o detetive não pode deixar de analisá-lo. Era a primeira vez que o via realmente planejando um crime e teve curiosidade em ver suas expressões, em especial, seu olhar.

Chanyeol tinha o rosto impassível e as pupilas dilatadas enquanto varria o ambiente em busca de sua vítima. Não havia nada em seus olhos, absolutamente nada. Era como se ele realmente fosse um boneco de vidro oco por dentro. O ex-soldado achou aquilo peculiar, afinal, estava acostumado com seus rivais e companheiros de batalha transbordando cólera, tremendo de nervosismo ou suando frio, mas o rapaz de cabelos cacheados permanecia imóvel, não de uma maneira amedrontada ou predadora, apenas como uma pessoa que está assistindo algum programa interessante em um dia comum. Queria saber o que o assassino estava pensando ou se sentia alguma coisa, mesmo que minimamente. Talvez satisfação? Era impossível decifrar qualquer tipo de emoção em suas feições duras e perfeitamente alinhadas e isso era frustrante para quem tentasse. O detetive pressionou os lábios e retornou a atenção para os estabelecimentos duvidosos na calçada da frente.

Por um tempo, ficaram apenas observando sem que nada acontecesse. Baekhyun se mantinha encostado na parede de concreto de uma loja de construção fechada enquanto o maior estava à sua frente, ambos escondidos na sombra e perigosamente próximos um do outro. Contudo, Park mantinha sua atenção exclusivamente no bar e na possível casa de prostituição. Tudo que o detetive conseguia ouvir era a respiração alheia e a movimentação nas construções que espiavam. Cansado, o ex-soldado mordeu o lábio inferior e virou o rosto em direção a Chanyeol, encontrando o olhar dele fixo em si. Levou um susto por não esperar por aquilo.

Ouço daqui a curiosidade inquietante em sua mente. — murmurou encarando-o de maneira incisiva.

Baekhyun suspirou afetado e optou por não iniciar uma conversa naquele instante. Voltou a mirar os estabelecimentos e, enfim, viu um homem robusto e barbudo sair aos tropeços do bar, evidentemente tinha tomado mais álcool do que aguentava. Seu peito foi preenchido por ansiedade pelo que estava por vir. Inconscientemente, pousou uma mão sobre o braço de Park e murmurou:

Ali. — fez uma pausa enquanto observava o possível alvo — Ele? — retirou a mão do braço alheio e aguardou uma resposta.

Vamos. — foi tudo que o maior disse antes de ir em passos felinos em direção a calçada da frente com o ex-soldado em seu encalço.

Atravessaram a rua até alcançarem a calçada oposta e passaram ligeiros pela frente da casa com a luz neon. Prontamente, seguiram para os fundos do bar, onde o tal homem estava indo aos tropeços e visivelmente nauseado. Logo, avistaram uma espécie de estacionamento que não estava lotado nem vazio, tinha uma quantidade considerável de carros parados com apenas um poste iluminando-os precariamente com sua lâmpada em tom amarelado. Ficaram à espreita, escondidos nas sombras projetadas pelo estabelecimento enquanto aguardavam o alvo seguir até seu veículo. Não demorou muito para este parar em frente a porta do motorista e balançar as chaves nas mãos antes de deixá-las escorregar entre seus dedos. O homem tentou abrir o carro com força bruta e falhou, logo, abaixou-se em busca das chaves. Nesse meio tempo, Park sinalizou para que o detetive o acompanhasse e foi em passos apressados até a primeira fileira de veículos; avançou como um fantasma silencioso até a traseira do carro do homem bêbado e viu o sujeito barbudo se levantar com dificuldade.

Chanyeol seguiu, calmamente, até o indivíduo e, subitamente, o agarrou pelas costas, enlaçou seu pescoço e tampou a boca do homem para que ele não gritasse. Não sabendo o que fazer, Baekhyun permaneceu parado e vigiando ao redor para assegurar que ninguém estava vendo. Seu coração palpitava acelerado conforme assistia Park atacando sua vítima. Não conseguia nem piscar enquanto tudo acontecia; aos olhos do ex-soldado, cada movimento passava em câmera lenta. Viu o moreno agarrar a cabeça do barbudo e, com uma força descomunal, quebrou o pescoço do homem num estalo que pareceu penetrar os ouvidos do detetive por conta do choque e do alto nível de ansiedade em seu corpo. No segundo seguinte, pareceu que o ambiente foi envolto por um silêncio ensurdecedor e os barulhos no bar tornaram-se ecos distantes.

Park segurou o sujeito morto e o arrastou em direção a traseira do carro, parou quando se aproximou do detetive, que permanecia imóvel. Baekhyun encarou o rosto do maior e encontrou uma frieza cortante nos olhos alheios, até mesmo sentiu um frio subindo pela espinha de tão gélida que era a aura que o moreno transmitia. Suas feições permaneciam inalteradas conforme carregava o homem como se fosse um saco de areia.

Me ajude a colocá-lo no porta-malas. — Chanyeol pediu antes de abrir uma das mãos em direção ao detetive e revelar as chaves do carro.

Baekhyun piscou por alguns segundos antes de apanhar as chaves e abrir o porta-malas. Em seguida, pegou os pés do homem morto e ergueu até que conseguissem encaixá-lo dentro da traseira do veículo. O detetive queria questioná-lo a respeito daquilo, mas precisava ser cauteloso. Se ficassem discutindo ali fora, ambos poderiam acabar em problemas. Por isso, esperou até que entrassem no carro roubado. Iria no volante novamente, portanto, atirou a mochila no banco de trás antes de enfiar a chave na ignição e sair dali o mais rápido possível. Podia ouvir sua pulsação batendo contra seus ouvidos enquanto pensava que a qualquer momento surgiria alguém que tinha visto tudo e os denunciaria. Em um momento de nervosismo, acabou acelerando mais do que deveria e logo freou e diminuiu a velocidade. Não podiam chamar a atenção e, como as pessoas estavam acostumadas com aquele carro circulando à noite, tinham uma chance de passarem despercebidos.

Foi só quando saíram dos limites da cidade que o ex-soldado inspirou fundo e se sentiu livre para falar:

Você não precisava matá-lo. — não sabia ao certo como se sentia a respeito daquilo. O choque inicial tinha sido intenso e, embora soubesse que Park era um assassino, ainda não havia presenciado ele, de fato, matando alguém com as próprias mãos.

Se o deixasse vivo, ele denunciaria o roubo do carro e viriam atrás de nós. — explicou como se fosse uma decisão óbvia.

São só três horas de viagem. Não teria como a polícia recuperar um carro roubado neste período de tempo.

Você está chateado? — franziu o cenho e os dois se entreolharam por alguns instantes. O detetive não sabia como responder.

Eu diria chocado.

Chocado em saber que a vida humana não significa nada para mim? — O detetive pode perceber que ele não teve intenção de debochar, seu tom de voz era sereno, assim como seu rosto. Park estava apenas sendo sincero.

Talvez. — franziu o cenho enquanto mordia o lábio inferior — Eu nunca tinha parado para pensar dessa forma. — confessou.

Baekhyun nunca tinha refletido sobre o valor de uma vida, na verdade, seria hipocrisia de sua parte começar a dar lição de moralismo em Park sendo que tinha matado diversas pessoas por muito menos e sem pensar se elas teriam deixado família para trás. O problema era que estava acostumado a matar homens armados ou que abusam de outros que não podiam se defender — como o sequestrador da Lana —, e, quando se deparou com um assassinato a sangue frio de alguém que não sabia quem era, paralisou. E se tivesse sido um inocente que, por acaso, decidiu se embebedar por conta de um dia ruim no trabalho? Foi então que percebeu que, até então, nunca tinha se sentido culpado, pois, achava que os homens que matou mereciam aquilo. Não começaria a se questionar agora se eles, de fato, eram merecedores, mas era um sentimento novo para si aquele remorso. Tinham literalmente brincado de roleta russa e atirado na sorte. O detetive não queria se tornar esse tipo de pessoa, precisava manter o pouco que restava de sua moralidade. Contudo, não discutiria aquela questão com Chanyeol. Assim como o ex-soldado odiava ser controlado, não tentaria fazer o mesmo com o moreno; apenas não participaria do que considerasse errado.

De toda forma, Park não mudaria e o detetive aceitou isso desde o momento em que concordou em ser a Rainha em seu tabuleiro. Ele não era ingênuo de pensar que poderia oferecer alguma redenção para um psicopata assassino através de algum vínculo emocional. A verdade é que Baekhyun, assim como Chanyeol, é incapaz de amar e se entregar totalmente para outra pessoa; nenhum dos dois abriria mão do controle ou de suas convicções e muito menos buscavam por uma salvação para suas almas degeneradas. Eles estavam inteiramente quebrados como seres humanos, rachados no fundo do âmago, onde nenhuma reparação poderia alcançar. O ex-soldado pensou que mereciam um destino cruel assim como os homens que mataram ao longo dos anos, afinal: não eram tão diferentes deles. Todavia, era uma questão de sobrevivência e poder; nenhum dos dois estava ali para salvar o mundo, nem se importavam com as leis impostas, apenas estavam se garantindo.

Pensar por esse ângulo ajudou que o detetive se acalmasse e aceitasse a culpa por aquele carro roubado. Teria que conviver com ela, assim como o restante da sua carga de vida. Suspirou e analisou o interior do carro. Havia algumas garrafas no banco traseiro e um cheiro fraco de nicotina que atiçou o vício do ex-soldado. Em uma rápida varrida com os olhos, Baekhyun encontrou um maço aberto acompanhado de uma caixa de fósforos. Imediatamente, apanhou ambos e puxou um cigarro, colocando-o entre os lábios e o acendendo enquanto mantinha uma mão fixa ao volante. Porém, quando acendeu o tabaco, sentiu Park puxá-lo de seus lábios e, em seguida, atirá-lo pela janela.

Que merda! — praguejou Baekhyun indignado com a atitude do maior.

Se quer tanto colocar algo na boca, eu tenho uma sugestão melhor. — debochou em tom de malícia enquanto lançava um olhar sugestivo para o motorista. Baekhyun achava intrigante a forma como Chanyeol parecia nem se lembrar do que havia feito há pouco, pois, lá estava o moreno com seu tom satírico de sempre, livre de qualquer remorso.

Você só pensa nisso? — sua voz soou natural mesmo que seu interior estivesse conturbado.

Ficaram em silêncio por alguns segundos e isso deixou o detetive ansioso. Deveria se preocupar? Porém, antes que pudesse dar início a seu ciclo paranoico, Park lançou uma pergunta inusitada:

Você ainda quer saber como matei o meu tio? — virou o rosto para Baekhyun quando finalizou a indagação e o menor começou a alternar sua atenção entre o volante e os olhos escuros que o encaravam.

Quero. — respondeu sincero. Realmente gostaria de saber e sentia que aquele assunto poderia revelar mais sobre o assassino.

Depois que me formei no colégio, peguei o dinheiro do Cameron e fui para Chicago. Eu não tinha recursos, então, precisei me contentar com os velhos métodos de investigação e isso, infelizmente, levou quase seis meses. — virou o rosto para frente.

[…]

Des Moines, Iowa, setembro de 2010

Park Chanyeol se mantinha em silêncio enquanto observava de longe uma área de trailers deploráveis.

Em um dos veículos morava Jimmy, seu tio e também assassino de sua mãe. Tinha visto a figura descuidada do homem algumas vezes antes de escolher um dia favorável para matá-lo. Apesar daquela região ser praticamente abandonada e sem lei, ainda não queria chamar a atenção, especialmente dos indivíduos agressivos que moravam ao redor e atiravam por qualquer motivo fútil que considerassem um insulto.

Aguardava pelo momento certo atrás de uma árvore, e tal hora seria quando o vizinho de Jimmy saísse para o turno de trabalho noturno. No céu, o fim do entardecer se fazia presente com uma tonalidade alaranjada, o que permitia que o garoto enxergasse sem dificuldade ao seu redor. Pousou uma mão sobre o cabo de uma faca de caça, que estava presa em sua calça jeans surrada. O moletom preto cobria a arma e o ajudava a passar despercebido pelos olhos desatentos. Observou um casal sair de um trailer mais distante aos berros e entrarem no carro, ainda discutindo. Deram partida e saíram em alta velocidade. Cerca de dez minutos depois, um homem careca saiu do veículo vizinho ao seu tio e não demorou para deixar a área, o que deu a chance para que o rapaz se afastasse da árvore e caminhasse em passos cautelosos pelo gramado em direção ao seu alvo.

Como Chanyeol era alto, conseguiu alcançar o vidro da janela para analisar o interior. O lugar era caótico. Garrafas de bebidas e pontas de cigarros estavam espalhadas pela superfície da mesa de duas cadeiras e pela pia abarrotada de louça suja. Havia uma porta fechada — provavelmente levava ao banheiro — e uma parcialmente aberta, de onde vinha uma música em uma altura desnecessária que era acompanhada por uma voz embriagada tentando cantarolar no ritmo, mas falhando. O garoto esperou até confirmar que o tio estava realmente sozinho e se encaminhou em direção a porta.

Foi difícil localizá-lo, precisou de alguns meses rastreando fraudes em cartões de crédito e os rastros deixados pelo sujeito para, enfim, encontrar uma garota de programa que trabalhava naquela cidade e identificou-o como seu cliente, acrescentando que parou de atender aos chamados dele por ficar desconfortável com o odor mal cheiroso que se instalava no trailer imundo. Park não se surpreendeu com aquilo, afinal, conviveu com aquele indivíduo por tempo o suficiente para saber que ele desprezava uma boa higiene. Esse foi um dos motivos do garoto ter criado um certo repúdio à bagunça.

Puxou um grampo do bolso e aproveitou o som no interior do veículo para remexer na fechadura até abri-la. Devagar, empurrou a porta e subiu os degraus. Adentrou o veículo e, imediatamente, sentiu um cheiro forte de álcool. No chão havia algumas peças de roupas empilhadas no canto de forma desorganizada. Ignorando aqueles detalhes triviais, seguiu até a porta que levava ao quarto e conseguiu enxergar os pés de Jimmy sobre a cama de lençol verde. Escutou o tilintar de garrafas e copos, o que indicava que o homem estava enchendo a cara. Silencioso como um fantasma, Chanyeol abriu a porta e, devido a altura da música, seu tio levou alguns segundos para notar sua presença. Ao notá-lo, piscou os olhos aturdidos enquanto tentava identificar quem era o intruso. Quando fitou os cabelos cacheados assustou-se. Rapidamente se sentou na cama e deixou o copo e a garrafa caírem no chão, ambos explodiram em centenas de cacos de vidro.

Titio. — Park cumprimentou com o sarcasmo pingando em sua voz ácida. — Eu estava ansioso para reencontrá-lo. — mirou a figura amedrontada com desprezo. Jimmy não teria coragem de enfrentar o sobrinho agora que este estava mais alto do que si.

Chandler! — gritou com a voz embargada. Os cabelos na altura dos ombros pareciam engordurados de oleosidade. — Chandler! Você… — desequilibrou-se, deixando parte do roupão preto aberto. — Sua mãe… Nossa Mary, eu… — mal conseguia formar uma frase.

Eu sempre detestei essa música. — apontou em direção a caixa de som que começou a tocar Sweet Child O’ Mine . — Oh, Oh… — Imitou o refrão e revirou os olhos — É cansativo e um pouco cafona.

Chandler… — Jimmy repetia, confuso. — Sobrinho, você não sabe… Não entende… — tentava se explicar em meio ao desespero.

Tem razão. Não entendo porque acham essa música boa. — debochou apenas para zombar do tio. Enfiou a mão por baixo do moletom e retirou a faca de caça de cabo acobreado. Se deleitou em ver Jimmy tremer ao encarar a lâmina afiada. — Eu sempre tive curiosidade de saber se é possível matar alguém no ritmo de uma melodia. — comentou como se fosse algo trivial. Deu um sorriso perverso ao passo que seus olhos cintilavam com frieza.

Jimmy murmurou o nome do sobrinho algumas vezes antes de começar a gritar, mas com a voz sendo abafada por Axl Rose.

Com brutalidade, Park avançou sobre a figura embriagada e o agarrou pelos cabelos. O arrastou pelo chão e bateu a cabeça do homem contra a caixa de som repetidas vezes até que se formasse uma mancha de sangue naquela área.

Você não está cantando direito, titio. — riu em escárnio enquanto Jimmy gritava e se debatia inutilmente.

Em seguida, o rapaz arrastou novamente o corpo magricela do sujeito e depois chocou o rosto dele violentamente contra o chão, fazendo alguns cacos de vidro perfurarem sua bochecha e sua testa, logo, o ambiente foi preenchido por gritos agonizantes de dor. Entre berros, Jimmy tentava suplicar para que o sobrinho parasse, mas aquilo só fez Chanyeol empolgar-se em continuar. Largou os cabelos oleosos e virou o homem de frente, fingiu uma expressão de pena quando viu os ferimentos e o sangue cobrindo o rosto apavorado do tio de vermelho viscoso. O jogou no chão e sentou-se sobre ele e, com animação, começou a desferir socos até que conseguisse quebrar o nariz do parente. Continuou batendo até que a face do mais velho ficasse irreconhecível.

Empolgado, Park apontou a faca em direção ao peito alheio e não hesitou em começar a fincar a lâmina repetidas vezes com uma força brutal. Era uma sensação de poder gostosa e se permitiu aproveitar cada segundo dela. Esfaqueou Jimmy sem parar conforme a música se tornava mais frenética. Acompanhou o ritmo até notar que o homem tinha parado de respirar. Subitamente cessou os golpes e olhou para o cadáver com o peito aberto e jorrando sangue. Escutou a música chegar ao fim e sorriu triunfante. Deu uma boa olhada em seu trabalho antes de se levantar e ir em direção ao som, desligando-o. Através de um espelho pendurado, viu seu rosto tingido de escarlate e sorriu de canto. Em seguida, voltou a atenção aos CD’s espalhados.

Quando viu a capa do álbum do Soft Cell arqueou uma sobrancelha e colocou para tocar. Pulou algumas músicas até encontrar a faixa Tainted Love, que era a favorita de Cameron.

Cameron sempre escutava enquanto dirigia com ele no banco do passageiro. Deixou a canção tomar conta do ambiente e cantarolou conforme saía do quarto e apanhava algumas garrafas de vodca. Espalhou o líquido no chão e depois atirou as garrafas vazias contra a parede. Logo depois puxou uma caixa de fósforos de cima da pia e atirou contra o álcool antes de abandonar o trailer em chamas.

[...]

Park ficou em silêncio por alguns instantes até que o detetive entendeu que aquela narração havia acabado. Após vê-lo assassinando um homem desconhecido com tamanha frieza, não se abalou pelo que tinha escutado. Jimmy era um sujeito desprezível e o ex-soldado pouco se importava. No fundo, achava que o miserável tinha merecido. Contudo, ainda o arrepiava ver os olhos vazios de Chanyeol conforme falava sobre como tirou uma vida tão facilmente. Não havia nem um traço de emoção em seu rosto sereno e de traços perfeitamente alinhados.

Por que decidiu me contar isso agora? — indagou.

Não quero que se engane, Baekhyun. — assumiu um tom sóbrio e, pela primeira vez, encarava o detetive sem deboche ou malícia. Por um segundo, o menor teve receio daquela mudança, mas manteve-se em silêncio. — Como eu disse, somos parecidos e não iguais. — A voz dele soava mais rouca quando falava seriamente — Espero que você não tenha expectativa de encontrar humanidade onde ela não existe. — Não tinha sido uma ameaça, mas sim um alerta.

Propositalmente, Park sustentou a mesma expressão de frieza usada enquanto estavam em Stafford. Os olhos castanhos, embora cintilantes à luz dos faróis, estavam vazios e impenetráveis, assim como suas linhas faciais, que lhe conferiam uma aura predadora. Naquele momento, Chanyeol se assemelhava a uma escultura de gesso: esculpido com exímia beleza, porém, extremamente rígido e inalcançável. Esse foi o momento que o detetive sentiu na pele onde estava realmente se metendo. Não estavam mais presos em uma cela e precisando conter certos comportamentos e diálogos, agora tudo era permitido e o assassino tinha liberdade para agir como verdadeiramente era. Isso incluía uma série de atitudes questionáveis e, às vezes, cruéis. O ex-soldado não tinha uma opinião formada ainda, tanto que optou por não apressar o seu julgamento pessoal; deixaria as coisas acontecerem. Afinal, não estavam em uma viagem para fortalecer vínculos emocionais, o relacionamento entre ambos não era primordial para Baekhyun, mas sim encontrar o copiador e impedir que ele machucasse mais inocentes. Byun não alimentava o pensamento tolo de encontrar alguma humanidade ou o de resgatar o rapaz de cabelos cacheados. Já estava plenamente ciente disso desde o início, porém, não pode deixar de se chocar com a morte do dono do carro. Sabia que Park tinha interpretado sua reação como uma decepção ou uma condenação em relação a si, mas não foi nenhuma coisa e nem outra.

Não me assustei com você. — olhou para a estrada e pressionou os lábios — Eu me assustei comigo. — esclareceu e, em seguida, deixou que o silêncio reinasse dentro do veículo. Preferiu deixar que aquele assunto morresse e, mesmo com poucas palavras, achava que tinham se entendido perfeitamente sobre a questão em pauta e não necessitavam se prolongar a respeito.

Baekhyun se condenou por ter deixado um desconhecido morrer apenas para que pudessem roubar um carro, mas não se prendeu a esse pensamento, visto que outras dúvidas logo vieram à mente. Já sabia que psicopatia era uma condição biológica e psicológica que nascia com a pessoa, portanto, não era aquilo que tornava Park um criminoso, então, o que era? Queria abordar aquele tópico com o maior, no entanto, não achava que era o momento apropriado para discutir a origem da maldade humana.

Suspirou, pensativo, antes de notar uma luz vermelha acendendo no painel do motorista; a luz indicava que o tanque de gasolina estava se esvaziando. Praguejou mentalmente por ter esquecido de verificar esse detalhe antes.

Precisamos abastecer. — anunciou.

É melhor trocarmos de roupa. Se entrarmos em um posto de gasolina vestidos de policiais, causaremos um alvoroço.

Ambos concordaram e estacionaram no acostamento quando notaram que a estrada estava vazia. Com agilidade, se livraram dos disfarces e colocaram algo que os ajudariam a passar despercebidos. Park usava uma jaqueta de couro preta acompanhado de uma touca, da mesma cor, que cobria a maior parte de seus cachos volumosos e deixava apenas alguns fios à mostra. Já o ex-soldado vestiu uma jaqueta azul jeans e um boné preto que o fazia parecer um universitário acabando de sair de uma festa. John Bishop tinha feito boas escolhas com aquelas peças, afinal, moletons e capuzes levantam suspeitas de longe e as roupas que utilizavam pareciam mais comuns e relaxadas aos olhos distraídos. Chanyeol aparentava ser apenas um garoto viajando para assistir a um show, o que era engraçado aos olhos do detetive, que não conteve um sorrisinho divertido com aquela visão. Obviamente, tal ato não passou sem ser notado pelo maior, que retribuiu com uma piscada maliciosa antes de retornar para o carro.

Levaram cerca de vinte minutos para encontrarem um posto na beira da estrada. Conforme o ex-soldado se aproximava, pode notar que havia cerca de cinco ou quatro motos estacionadas em frente a uma das mangueiras de gasolina, embora não a estivessem usando. Uns rapazes, que aparentavam estar na faixa dos vinte anos, vestidos com a mesma jaqueta de motoqueiro, se aglomeravam ao redor de suas respectivas motocicletas com cigarros na boca. Estes mantinham conversas altas, provavelmente estavam embriagados. Instantaneamente, Baekhyun sentiu o peito se apertar, como se fosse um aviso de mau agouro. Preferiu ignorar e apenas manter a naturalidade. Ele era um homem preparado e treinado, independente do que acontecesse, estaria pronto para lidar com a situação.

Trocou um olhar demorado com Chanyeol, que deu um aceno de cabeça indicando que estava tudo sob controle. Seguiram em uma velocidade moderada e, quando estacionaram em frente a mangueira mais próxima, os motoqueiros o encararam, curiosos, mas nada fizeram; continuaram conversando entre si. Com um suspiro, o detetive abriu a porta do carro e ouviu Park fazer o mesmo. Ambos foram em direção a mangueira e o ex-soldado ficou responsável por encher o tanque enquanto o maior enfiou as mãos nos bolsos da calça preta colada e permaneceu de costas para os rapazes. Como estavam próximos dos homens, o detetive pode escutá-los falando a respeito de mulheres em um contexto sexual, franziu o nariz. O odor da gasolina era menos desconfortável do que o tom e as palavras que eles utilizavam. Optou por se distrair e deixou que seus olhos recaíssem sobre a figura alta do moreno, que estava a poucos centímetros de distância. Chanyeol tinha retornado a sua postura debochada e maliciosa de sempre, o que deixou o detetive aliviado e o permitiu suavizar sua expressão facial. Ficaram se encarando, sugestivamente, alheios ao restante dos presentes no local até que Baekhyun notou que os motoqueiros tinham cessado o assunto anterior, agora cochichavam entre si.

Subitamente, ouviu algo cortando o ar em sua direção e, instintivamente, pousou uma mão sobre a cintura de Park e ergueu a outra acima do ombro alheio em tempo de segurar uma latinha de cerveja que havia sido atirada por um dos motoqueiros. Os rapazes riam até notar que o detetive tinha sido ligeiro e, logo, começaram a soltar deboches. Sua surpresa era que o moreno não tinha notado o objeto vindo e, embora o Park demonstrasse irritação pelo ataque, notou que ele estava mais focado em sua mão sorrateira, que ainda repousava, de forma protetora, na cintura alheia.

Chanyeol lançou um sorriso de canto, deveras ladino, para Baekhyun antes de desviar do toque dele e se virar em direção ao grupo de homens. Por sua vez, o detetive amassou a latinha e a atirou para longe enquanto terminava de encher o tanque do carro roubado.

É verdade que o magrinho é o que fica de quatro? — gritou um dos motoqueiros antes de dar uma risada alta, que logo foi acompanhada por seus companheiros.

Baekhyun cerrou os punhos e precisou reunir todo seu autocontrole para não disparar uma resposta grosseira. Não admitia aquele tipo de ofensa direcionada a si, mas aquela era uma situação delicada. Tinha que tomar cuidado para não chamar a atenção e deixar rastros. Pensou que Park fosse ignorá-los, contudo, o maior permanecia os encarando sem piscar. Novamente, lá estava a mesma frieza em seus olhos castanhos.

Ele tem uma mão rápida, deve ser muito mais útil do que com a boca. — provocou outro motoqueiro, um com cabelos loiros platinados e um cigarro pendendo nos dedos sujos.

Sabem, — disse Park antes de dar um passo à frente e tirar as mãos dos bolsos — assim como Deus, darei a vocês a chance de se arrependerem e se desculparem com o meu namorado. — Baekhyun até se esqueceu da raiva no momento que ouviu aquilo. Era cômico vê-lo falando “meu namorado”. Franziu o cenho antes de retomar a atenção aos rapazes.

Se ele souber fazer um bom boquete, eu peço desculpas. — zombou o mesmo motoqueiro loiro, ele aparentava ser o líder daquele grupo. Os cinco começaram a rir novamente enquanto faziam gestos obscenos com as mãos.

Park soltou um suspiro e, calmamente, foi em direção ao carro e apanhou alguma coisa pequena lá de dentro. Em seguida, puxou a mangueira que estava encaixada ao veículo roubado e virou na direção dos motoqueiros, mantinha-se inexpressivo enquanto jogava gasolina em cima dos rapazes e das motos. Logo, eles começaram a xingar enquanto cuspiam e esfregavam o rosto por conta da ardência causada pelo líquido inflamável. Sem hesitar, o moreno tirou um fósforo da caixinha que tinha pego e o acendeu, erguendo no ar antes de atirar em direção ao chão, bem no meio da rodinha deles; imediatamente as chamas laranjas se espalharam.

Baekhyun entreabriu os lábios e arregalou os olhos, estava chocado pela atitude de Chanyeol. Ficou alguns segundos observando os corpos dos três motoqueiros sendo consumidos pelo fogo enquanto gritavam e tentavam correr com os braços para o alto. Notou que os dois mais distantes, que não foram atingidos pelas chamas ardentes, estavam puxando alguma coisa de dentro da roupa. Instintivamente, Baekhyun tirou a arma do cós da calça e só teve tempo de respirar fundo antes de apertar o gatilho e acertar a cabeça de um e, em seguida, acertar o outro em tempo de o impedir de atacar.

Uma vez que o caos estava feito, o ex-soldado abaixou a arma e permaneceu imóvel diante daquela cena antes de piscar algumas vezes e sentir o peito quase explodindo por dentro. O cheiro de carne queimando invadiu suas narinas e pousou um braço na frente do rosto instintivamente. O calor estava aumentando e fazendo os motores das motos esquentarem perigosamente, logo estourariam e acabariam os atingindo. Procurou Park e o encontrou na traseira do carro, puxando o barbudo morto pelas pernas e o arrastando em direção ao fogo, atirando o corpo contra as chamas segundos antes da primeira moto fazer um estrondo.

Precisamos ir! — alertou Baekhyun enquanto corria para o carro, logo foi seguido pelo assassino. Rapidamente, o ex-soldado deu partida e arrancou em alta velocidade, disparando em direção a estrada sob o som dos pneus deslizando ruidosamente pelo asfalto.

Felizmente, tinha dado tempo de encher bastante o tanque antes de toda aquela bagunça acontecer, mas isso não diminuía a preocupação do detetive em relação ao que tinha deixado para trás. Seus batimentos retumbavam em uma sinfonia ritmada conforme o calor subia pelo corpo, o que o fez tirar o boné e puxar os cabelos para trás. Respirou fundo e apertou o volante enquanto tentava recapitular os últimos minutos em sua mente acelerada. Tudo aconteceu muito rápido e as sensações de raiva, adrenalina e incredulidade se misturavam em si como frutas em um liquidificador. Nem teve como processar cada uma devidamente, contudo, admitia que aquela loucura tinha sido uma experiência excitante.

Vão saber que estivemos lá! — exclamou, alvoroçado.

Surpreendentemente, Park soltou uma risada em tom de satisfação, nem tentando esconder que estava regozijando pelo que tinha feito.

Sim, eles vão. — deu de ombros — Isso se todo o posto não virar cinzas até que os bombeiros cheguem. — tirou a touca e passou a mão pela testa.

Isso foi insanidade! — seu tom de voz saiu um pouco risonho enquanto tentava decidir se aquilo tinha sido divertido ou errado.

Tivemos dois pontos positivos nisso. Primeiro ponto: conseguimos nos livrar do nosso amigo cadáver sem dificuldades.

Sem dificuldades?! — arqueou a sobrancelha sem conter um riso de nervoso — E qual é o outro ponto?

Tivemos nosso primeiro churrasco no fim de semana. — respondeu com um sorriso perverso seguido de uma falsa expressão emocionada.

Baekhyun o fitou, incrédulo, por um segundo antes de entreabrir os lábios e balançar a cabeça. Logo, riu daquela piada infame e passou a mão pelo rosto buscando acalmar o seu interior conturbado. Sentia-se frenético e seu sangue parecia pulsar com cargas de eletricidade que faziam seus pelos se eriçarem e a mente trabalhar fervorosamente; desejando extravasar toda aquela energia, mas se conteve. Por mais que ninguém estivesse vendo, ainda tinha um traço de culpa por estar daquele modo e uma voz baixa em sua cabeça o dizia para reprimir aqueles sentimentos. Mordeu o lábio inferior e depois os umedeceu. Tinha receio de quando atingia picos emocionais altos, embora não tivesse vontade de machucar ninguém, pelo contrário. Era como precisar manter um forno na temperatura mediana e tanto autocontrole acabava se tornando frustrante.

Quero ouvir música. — anunciou Park antes de levar seus dedos grossos em direção ao rádio, que transmitiu apenas estática. O maior começou a mudar as estações até que parou em uma que tocava uma música que o detetive conhecia, no entanto, jamais imaginou que agradasse o assassino. Franziu o cenho em estranheza pela canção escolhida.

Logo, Chanyeol começou a cantar os primeiros versos de Happy Together enquanto fitava o detetive. Por um instante, parou com a cantoria achando que o ex-soldado não o acompanharia; Baekhyun até cogitou essa opção, entretanto, estava ansioso para botar tudo aquilo dentro de si para fora e aquela forma não parecia tão ruim. Subitamente, começou a entoar os próximos versos, fazendo o moreno o encarar com uma expressão de satisfação. Baekhyun, apesar da pose de militar viciado em adrenalina, tinha uma voz suave quando cantava. Propositalmente, pronunciou a letra da canção com um sedutor, embora não achasse que tinha sido bem-sucedido.

Park soprou uma risada antes de se juntar ao menor no refrão em uma sincronia de vozes. O detetive elevou o tom vocal e, enfim, deixou-se libertar de toda sua combustão interna de uma forma estranhamente saudável e inofensiva. Sentia-se eufórico conforme se entregava a canção e via uma retrospectiva das últimas semanas passando rapidamente em sua mente; cada cena tinha uma emoção diferente e todas eram expelidas na melodia de The Turtles . Em toda palavra vocalizada, o ex-soldado sentia um alívio, como se tirasse um peso de seus ombros cansados. Pela primeira vez, estava se permitindo totalmente sem se preocupar com as consequências ou aparências, deixou as regras de lado e apenas cantou com tudo que possuía. Sabia que dificilmente experimentaria algo tão bom nos próximos dias, aliás, nem tinha certeza se estaria vivo na semana que vem. Pensando nisso, deixou-se ser levado por aquela maldita sensação revigorante. O destino que seguiam era incerto e cheio de horrores, talvez estivessem indo para o próprio inferno, porém, no momento, Baekhyun aproveitaria a viagem.



Eu e você

E você e eu

Não importa como jogaram os dados

Tinha que ser

A única pessoa para mim é você

E você para mim

Tão felizes juntos”

Chapter 13: Cavalo

Chapter Text

Capítulo 13 — Cavalo

Baekhyun sentia-se extasiado. Durante o restante da viagem descobriu que Park tinha um gosto peculiar — e cômico — quando se tratava de música. Conforme se aproximavam de seu destino, deixaram que o silêncio reinasse dentro do veículo. A estrada tornava-se densa e dificultosa à medida que adentravam uma área rural cercada por árvores altas, que projetavam sombras sinistras com seus galhos afiados. Os faróis iluminavam a frente com sua luz amarelada, revelando um asfalto pedregoso e uma escuridão que parecia infinita aos olhos do motorista, que não podia deixar de se arrepiar com aquele lugar. Por alguns segundos, cogitou a possibilidade de estarem indo em direção ao purgatório para pagarem pelos seus pecados.

O rapaz de cabelos cacheados permanecia quieto e o detetive podia notar que a mente dele estava distante, onde não poderia alcançar, embora tivesse curiosidade em saber o que tanto ele martelava naquele momento. Manteve seu foco no volante e pensou em que tipo de refúgio se escondia naquele lugar tenebroso que, obviamente, deveria abrigar assassinos em série ou fugitivos da polícia. Tinha certeza que, caso saísse do carro e entrasse na mata, encontraria uma vala de esqueletos ou um laboratório de metanfetamina. Isso o fez rir de nervoso internamente.

Roanoke era famosa por seus contos sobrenaturais sobre bruxas e entidades que atormentavam os turistas curiosos, no entanto, o detetive sabia perfeitamente que o perigo ali era o próprio ser humano. Na verdade, o único demônio que existia era o próprio ser humano. Já tinha visto de perto o que os homens são capazes de fazer por razões fúteis, poder, dinheiro e crenças, poucos estavam realmente se defendendo ou protegendo aqueles que amam. Suspirou profundamente antes de avistar um imenso portão de ferro se erguendo à sua frente, não demorou para enxergar os muros que cercavam um local que parecia ser uma propriedade privada.

Chegamos. — Chanyeol quebrou o silêncio.

Baekhyun franziu o cenho em uma expressão propositalmente engraçada de espanto.

Vamos nos hospedar com a Família Addams? — zombou, ainda sentia os efeitos da euforia de algumas horas atrás.

Não seja tolo. — respondeu seriamente e, por um segundo, o detetive temeu que ele não estivesse brincando. Park virou o rosto para encará-lo, as íris castanhas cintilando na escuridão noturna. — É a hospedagem da família Bates. — soltou uma longa risada, o que fez o motorista revirar os olhos.

Suponho que não esclarecerá minhas dúvidas. — deduziu arqueando uma sobrancelha enquanto estacionava o carro. Parou a uma curta distância do enorme portão, que não parecia tão assustador visto de perto.

Pense nisso como uma lua de mel. — debochou o maior. Baekhyun o encarou impaciente com uma mão apoiada na marcha e a outra no volante.

Seria mais apropriado dizer lua de sangue. — rebateu, o que arrancou outro riso do moreno antes deste sair do carro e seguir, em passos ligeiros, até o interfone que ficava ao lado do portão. Não conseguiu ouvir o que ele disse, porém, Chanyeol não demorou a retornar ao veículo. Não deixou de notar o sorriso presunçoso que repousava na face do rapaz enquanto este voltava a se sentar em seu assento.

Poucos segundos depois, um ruído de alarme eletrônico soou e o portão se abriu, lentamente, como se estivesse sendo comandado por um controle remoto. Baekhyun engoliu em seco e trocou um olhar com Park antes de engatar a marcha novamente e adentrar o local cercado. O caminho era menos denso e dava para perceber que não era uma mata abandonada como as anteriores. Logo, uma construção ampla e vistosa se ergueu no campo de visão do detetive, que entreabriu os lábios, surpreso pelo que havia encontrado. Tinha esperado por um casebre ou até mesmo um bunker subterrâneo, mas nunca por uma casa revestida de vidro e concreto branco polido que parecia ter saído de um seriado de Los Angeles. Era uma arquitetura moderna e minimalista, provavelmente construída nos últimos anos ou, no mínimo, recém-reformada. Uma entrada para carros se estendia à frente e o ex-soldado notou um veículo prateado de última geração estacionado na garagem aberta. Lançou um olhar questionador para o moreno, que, por sua vez, se limitou a assentir, confirmando que poderia seguir adiante; assim o motorista fez, parando a uma distância segura do carro sofisticado.

Cautelosamente saiu do veículo roubado e deparou-se com a imensidão da casa que se estendia por um vasto gramado aparado. Ergueu a cabeça, encantado com aquela estrutura e com suas paredes de vidro que o permitiam vislumbrar seu interior. Avistou uma escada circular que levava para os andares superiores e um espaço amplo com chão que parecia feito de madeira. Toda residência estava iluminada por luzes fluorescentes que a faziam reluzir em meio a escuridão e ofuscar qualquer impressão tenebrosa da região isolada.

Digno de reis, não acha? — ouviu Park indagando e piscou algumas vezes antes de pensar no que responder. Chanyeol colocou-se a sua frente e o detetive pode enxergar os resquícios de poeira nas bochechas dele. Riu internamente da noite absurda que estava tendo.

Quem você matou para conseguir isso? O Donald Trump? — brincou esticando o canto dos lábios em um sorriso irônico.

Chegou perto. — franziu o cenho e deu de ombros antes de esticar a mão direita em direção ao ex-soldado, que arqueou uma sobrancelha com a oferta. — Vamos? — fez um sinal com a cabeça para que seguissem até a entrada.

Isso é mesmo necessário? — Apontou para a mão estendida.

Não.

Vencido pelo cansaço, Baekhyun deslizou sua mão sobre a palma oferecida e o moreno rapidamente entrelaçou os dedos de ambos com um sorriso vitorioso nos lábios. Logo, guiou o detetive até a porta de madeira branca e deu duas batidas suaves antes de ouvirem passos se aproximando. Não demorou muito para o som da maçaneta sendo destrancada se fazer presente, o que fez o ex-soldado sentir uma crescente ansiedade em seu peito; estava curioso a respeito de quem iria ver. Porém, quando a porta se abriu, se viu intrigado ao se deparar com uma mulher de longos cabelos escuros e uma beleza exuberante que nada se assemelhava com um possível psicopata ou de alguém que se envolveria com Chanyeol.

Bem-vindos. — cumprimentou a dona da casa com um sorriso acolhedor em seus lábios pintados de vermelho. Ela abriu espaço para que entrassem e Chanyeol puxou o detetive para o interior da imensa sala de estar.

Olá, Alice. — saudou Park em tom cortês, denunciando que não tinha tanta intimidade com a anfitriã. — Tivemos alguns imprevistos. Espero não ter atrapalhado o seu sono. — O ex-soldado achou interessante presenciar seu companheiro de viagem usando uma máscara de cordialidade. Park era realmente bom em interpretar diversas facetas.

Foram interrompidos pelo som de passos ligeiros e Baekhyun olhou para trás em tempo de encontrar um garotinho correndo e se colocando ao lado da mulher de cabelos longos. O pequeno colocou as mãos atrás das costas em sinal de timidez e manteve a cabeça inclinada para baixo. Um detalhe que chamou a atenção do detetive foi que a criança tinha os cabelos cacheados semelhantes aos de Chanyeol, mas a semelhança se quebrava nos olhos azuis cintilantes que o menino e a suposta mãe possuíam; traços tipicamente americanos, Baekhyun pensou.

Devido a tantas loucuras que presenciou, não pode deixar de cogitar uma possibilidade ridícula que teria guardado apenas para si, caso Chanyeol não o conhecesse bem até demais.

Ele não é meu filho. — Assegurou o rapaz atraindo o olhar de censura de Byun, que se sentiu embaraçado ao ter sua dúvida exposta. Park virou o rosto novamente em direção a Alice e prosseguiu — Perdoe meu namorado, ele é ciumento. — O deboche podia não ser evidente para a anfitriã e o menino, porém, Baekhyun estava intimamente familiarizado com aquele tom de voz.

Eu não sou ciumento. — rebateu enquanto apertava com força a mão do moreno, indicando sua irritação com aquela enrolação.

Chandler e eu não temos nenhum envolvimento romântico. — esclareceu a mulher com bom humor, demonstrando que tinha achado graça daquilo. — Charlie e eu vamos dormir. — anunciou antes de repousar a mão sobre os cachos do filho introvertido — Podem ficar à vontade. Deixei o quarto arrumado e a cozinha está abastecida.

Obrigada, Alice. — Trocaram um aceno de despedida antes da anfitriã se retirar com o garotinho agarrado em sua cintura. Os dois seguiram pelas escadas circulares até que sumiram pelo corredor do andar superior.

Baekhyun suspirou e puxou sua mão para longe dos dedos de Park quando ficaram sozinhos na sala. Deu uma olhada ao redor e não pode deixar de se deslumbrar com a sofisticação dos móveis de madeira e com o largo sofá acinzentado, que parecia extremamente convidativo. Em cima da televisão de tela plana, um relógio de ponteiros finos marcava cinco minutos para as três da manhã. Já era tarde e o detetive sentiu o cansaço tomando conta, seus músculos ansiavam ceder a qualquer conforto que pudessem aproveitar antes de retornarem a ação.

Passou as mãos pelo rosto conforme vislumbres daquela noite surgiam rapidamente pela sua mente. Não conseguia raciocinar devidamente e, se tentasse, acabaria frustrado e com dor de cabeça. Respirou fundo e optou por, ao menos agora, esquecer os problemas que o aguardavam do lado de fora daquela mansão.

Vou te mostrar onde vamos dormir. — informou Park sinalizando com a cabeça para que o ex-soldado o seguisse.

É inútil eu perguntar como convenceu Alice a nos aceitar? — questionou com a voz baixa pela exaustão. Os dois foram em direção a escada em passos calmos e, no caso do detetive, preguiçosos.

Não seja impaciente. — respondeu o maior enquanto subia os degraus — Teremos tempo suficiente para esclarecimentos depois.

Baekhyun não argumentou contra isso. Ele mesmo estava cansado demais para iniciar uma discussão e deixou-se ser guiado até o fim do corredor, onde tinha uma porta de madeira branca que o moreno indicou como sendo o quarto que ficariam. Uma vez dentro do cômodo, franziu o cenho ao ver uma larga cama de casal decorada em tons de azul pastel.

Só pode ser brincadeira. — murmurou e em seguida pode ver um sorriso descarado brotando nos lábios do assassino, que tinha acabado de fechar a porta.

É o único quarto disponível. — esclareceu antes de retirar a jaqueta de couro e atirá-la acima de uma poltrona reclinável no canto do recinto. — Aliás, eu duvido que você se sentiria confortável dormindo sozinho em uma casa desconhecida comigo espreitando nos corredores. — arqueou uma sobrancelha e sentou-se na beirada da cama para retirar o coturno.

Por um minuto, o ex-soldado parou para pensar a respeito daquilo e se sentiria mais aflito caso ficassem em cômodos separados. Passaria a noite toda encarando a porta ou reagindo a qualquer ruído na madrugada, além de se preocupar com a misteriosa dona da casa que, apesar de não parecer ameaçadora, não sabia se podia confiar. Seria melhor poder ficar de olho em Chanyeol o tempo todo e, como tinha um sono leve, estaria preparado no caso de alguma coisa acontecer. No fim, a cama era bastante espaçosa e ambos podiam dividi-la sem a necessidade de se encostarem.

Baekhyun retirou a jaqueta jeans e a deixou em cima da mesma poltrona, em seguida retirou os calçados. Puxou os fios escuros para trás antes de ver o moreno se levantando e abaixando-se ao lado da cama, de lá pegou uma mala preta de rodinhas e a pousou em cima do colchão macio. Franziu o cenho, intrigado, e se aproximou do Park a tempo de vê-lo abrir o zíper e revelar uma quantidade considerável de roupas.

Sua capacidade de me surpreender é assustadora. — comentou e o viu rir conforme remexia nas peças até retirar algumas — Planejou isso por quanto tempo? — indagou sabendo que não receberia uma explicação.

O banheiro fica ali. — apontou para a porta próxima do armário — E essas são para você. — estendeu-lhe uma calça de moletom preta e uma camiseta branca.

Baekhyun entreabriu os lábios para retrucar, porém, desistiu e apenas apanhou as peças de roupa oferecidas e seguiu em direção ao banheiro. Não conseguiria nenhuma informação no momento. Embora Park não demonstrasse, ele também estava cansado e provavelmente ainda um pouco afetado pelas substâncias que utilizou para fingir sua própria morte. Foi uma noite extremamente longa e o ex-soldado admitiu que podiam se dar ao luxo de estarem exauridos até mesmo para ficar trocando comentários afiados. Para seu alívio, tudo que precisava para um banho estava a sua disposição e não hesitou em se despir e entrar embaixo do chuveiro; deixou a água quente escorrer por sua pele e relaxar seus músculos doloridos. Em um certo momento, encostou a testa sobre a parede de azulejos e fechou os olhos, questionando-se como foi se meter naquela situação e suas verdadeiras intenções. Havia experienciando mais sensações diferentes do que nos últimos dez anos de sua vida e isso era conflitante, não estava acostumado a lidar com tantos sentimentos e dúvidas reprimidas. Talvez fosse apenas o esgotamento físico e mental tomando conta e, por isso, ergueu a cabeça e finalizou o banho.

Quando retornou ao quarto — devidamente vestido — encontrou Chanyeol sentado na beirada da cama enquanto assistia ao noticiário na televisão. Instintivamente, o detetive virou o rosto em direção à tela plana e viu um rapaz reportando sobre a fuga da prisão e que estavam à procura dos feridos ou mortos que não chegaram ao hospital, contudo, não citou o assassino do xadrez e terminou dizendo apenas o número da polícia. Após isso, outro repórter entrou e começou a falar sobre o quanto a sociedade atual está desgastada pela violência e que todos os criminosos deveriam ser severamente punidos. Baekhyun revirou os olhos com o paradoxo daquele tópico, afinal, como eles pretendiam acabar com a violência através de mais violência? Era uma conversa contraditória para uma pessoa que tentava fazer o papel de politicamente correto. O mundo era caótico e o ex-soldado, depois de tudo que viu no serviço militar, sabia que isso nunca mudaria. Se olharmos para a história da humanidade, veremos diferentes homens cometendo a mesma estupidez. Estava fatigado e sem paciência para questões complexas como aquela.

Park se levantou e cortou o espaço que havia entre eles. Imediatamente, Baekhyun se empertigou e o encarou, erguendo a cabeça.

Fique à vontade. — sussurrou com a voz rouca — Já volto. — assegurou de forma maliciosa antes de seguir para o banheiro.

O menor pressionou os lábios antes de balançar a cabeça e seguir em direção a cama, deixando seu corpo cair sobre o colchão, agradecido pela oportunidade de descanso. O edredom azul tinha um aroma suave de lavanda e uma textura que deslizava prazerosamente pela pele. Baekhyun sentiu que adormeceria ali mesmo, mas não podia. Se ergueu novamente e enfiou-se debaixo do tecido aveludado, repousando a cabeça sobre os travesseiros que tinham a mesma fragrância refrescante e agradável. Por um instante, sentiu-se em paz e permitiu-se aproveitar aquele momento que raramente ocorria em sua vida perturbadora. Não teve certeza por quanto tempo permaneceu naquele estado e só despertou quando notou que o chuveiro tinha sido desligado e, poucos minutos depois, Chanyeol abriu a porta e surgiu com roupas pretas e o cabelo molhado. Era uma visão anormalmente comum para o ex-soldado depois de tudo que passaram desde que se conheceram. Lá estava o dono de seus tormentos e conflitos internos com os cachos sobre a testa e usando pijama como se fosse uma pessoa inofensiva. Às vezes é assustador como as aparências podem nos enganar.

Chanyeol logo tomou seu lugar na cama, deitando-se confortavelmente como se fizesse aquilo com o detetive diariamente. Ficaram a uma distância segura um do outro, no entanto, ainda podiam sentir o aroma de shampoo dos seus cabelos recém-lavados e o calor emanando no espaço entre eles abaixo do edredom. Baekhyun nem ousou virar o rosto para encará-lo naquela situação, manteve a cabeça virada para cima, seus olhos estavam fixos no teto branco. Ouviu Chanyeol desligar a televisão e fazer menção de apagar a luz do abajur ao lado da cama.

Deixe acesa. — pediu o detetive em um sussurro.

Está com medo? — questionou.

Não de você. — suspirou sonolento — Dos meus sonhos… — deixou que a resposta vagasse pelo ar antes de fechar os olhos e ser lentamente embalado por um sono pesado e profundo.

[…]

Baekhyun despertou vagarosamente, sentindo cada parte de seu corpo acordando, um por um, enquanto mantinha os olhos fechados. Um som se desprendeu de sua garganta antes que esticasse os braços para cima e virasse para o outro lado, preguiçosamente. Devagar, abriu os olhos e sentiu-os arderem por conta da luz do dia batendo contra seu rosto, o que o fez se virar de costas para a janela e se deparar com a figura de Park, que estava sentado ao seu lado com as pernas esticadas e desenhando em um caderno de capa preta. Se lembrava daquele caderno, era o mesmo do dia que se conheceram na boate.

Bom dia. — disse o moreno lançando um olhar sugestivo para o detetive antes de voltar a focar em seu desenho. Os dedos grossos deslizavam pelo papel de maneira habilidosa e ágil.

O ex-soldado esfregou os olhos antes de se apoiar sobre os cotovelos e erguer o corpo até que ficasse sentado com parte do edredom ainda sobre suas pernas. Puxou os cabelos para trás e notou a televisão ligada no noticiário com o volume baixo. Uma moça loira estava comentando sobre o sequestro de algum homem considerado importante, mas o detetive não deu atenção e virou a cabeça em direção ao rapaz de cabelos cacheados.

Alguma novidade? — sua voz saiu rouca devido a falta de uso e precisou pigarrear um pouco. Checou o horário na TV, que marcava nove e quinze da manhã. Tinha dormido ininterruptamente depois de anos.

Está tudo estranhamente calmo. — A rouquidão no timbre de Park estava mais evidente naquele dia.

O que faremos agora? — suspirou antes de erguer os joelhos e abraçar as próprias pernas. Sentia-se perdido embora soubesse exatamente o que precisava fazer. Não era tão simples encontrar um assassino em série; na maioria das vezes, a polícia levava até anos. Nem mesmo Park conseguiu rastrear o copiador até então e não ter uma previsão deixava Baekhyun frustrado e questionando sua própria competência.

Por enquanto, esperaremos. — ergueu o olhar rapidamente para o menor antes de retomar seu desenho — Precisamos ser cautelosos nos próximos passos. — Baekhyun não pode deixar de fazer uma expressão debochada em relação aquele alerta.

Depois de queimar cinco motoqueiros, eu concordo. — alfinetou e recebeu uma encarada do maior. Ele estava com o semblante mais sério, porém, o sarcasmo cintilava em seus olhos castanhos escuros. — O que você está desenhando? — esticou a cabeça, curioso, em direção ao caderno.

Park virou o caderno em direção ao detetive, revelando uma ilustração do menor adormecido em traços perfeitos que se assemelhavam a uma pintura a óleo. O talento do rapaz era espantoso para alguém que, supostamente, nunca frequentou nenhuma aula de arte ou não levava aquilo como uma profissão. Chanyeol desenhava com tanta tranquilidade que chegava a ser surreal em como seus contornos fluíam naturalmente para o papel como uma fotografia.

É lindo. — elogiou fazendo um sorriso de satisfação surgir nos lábios alheios — Posso ver os outros? — arqueou uma sobrancelha.

Chanyeol fechou o caderno e o entregou ao ex-soldado, que o pegou antes de cruzar as pernas sobre a cama e endireitar a coluna. Em seguida, abriu a capa preta e deparou-se com um desenho de uma mulher asiática muito bonita e com um sorriso carismático. Os traços eram extremamente gentis e suaves, dando a impressão de uma pessoa com uma pureza quase santificada, distante de qualquer defeito intrínseco do ser humano. Foi quando o detetive se deu conta de que aquela era a mãe de Park e isso o fez atentar-se aos detalhes na imagem. Os cabelos dela eram longos e pretos, assim como os de Alice, e as feições bem-humoradas como uma modelo em um comercial dos anos cinquenta. Ele tinha uma visão elevada da mãe e era compreensível, era bem comum da criança ter essa percepção da progenitora, ainda mais se levar em consideração a figura boa e amorosa que foi em vida.

Virou a página e viu mais dois desenhos de Mary Park antes de encontrar um adolescente de cabelos na altura dos ombros e uma postura de rebeldia. Imediatamente soube que aquele garoto deveria ser Cameron. Os traços dele destoavam bastante dos contornos que o assassino utilizou para ilustrar a mãe, sendo desenhado com sorrisos pervertidos, olhares selvagens e em poses sensualizadas. Combinava perfeitamente com a imagem mental que o detetive tinha criado do garoto quando ouviu Park relatando a respeito. Passou mais páginas, que continham alguns cenários aleatórios até que encontrou um desenho seu no dia que foi parar na delegacia por ter matado os rapazes da gangue rival. Sua expressão era pura cólera e os olhos tingidos de desejo homicida. Por um momento, questionou se realmente tinha ficado com aquela aparência sinistra naquela noite ou se Chanyeol o ilustrou de acordo com a visão pessoal que teve. Quem olhasse aquele desenho não teria dúvidas que era o retrato de um jovem assassino.

Mordeu o lábio inferior e seguiu para as próximas páginas, deparando-se com outra ilustração sua, dessa vez encostado em uma parede enquanto fumava, o terno estava um pouco desajeitado e a postura imponente. Na seguinte, estava sentado em uma lanchonete, em outra fumando novamente, até que chegou na sua figura no dia da boate, os braços apoiados sobre o balcão do bar. Notou que Park desenhava seus olhos com um aspecto distante e quase melancólico, o que o deixou afetado. Não sabia que transparecia aqueles sentimentos e sentiu como se estivesse se olhando no espelho pela primeira vez. Além disso, suas feições tinham contornos fortes, deixando-o com uma postura arrogante, algo que não achava ser característico da sua aparência até aquele momento. Pensou em como é surpreendente as coisas que descobrimos ao nosso respeito quando nos vemos sob a perspectiva de outra pessoa, e, nesse caso, era ainda mais interessante por ser a visão de um psicopata. Contudo, não sabia se podia confiar na opinião dele; talvez Sehun tivesse uma percepção diferente, por exemplo.

Quando finalizou, fechou o caderno e o devolveu a Park, notou que o rapaz mantinha o olhar fixo em si.

Você tem uma visão antagônica de mim. — comentou repousando as mãos sobre o colo enquanto a mente fervilhava de questionamentos.

Não diria isso. Para existir um antagonista é necessário ter um herói protagonista, tais personagens estão longe da nossa realidade. Já passamos da fase de separar o bem e o mal.

E você considera algumas das suas ações sendo do bem? — indagou, sustentava o olhar alheio, que assumiu uma expressão indiferente — Eu sempre fiquei curioso sobre o fato de você ser tão obcecado em eliminar criminosos e abusadores e, ao mesmo tempo, não dá a mínima para ninguém. — mordeu o lábio inferior, sabia que estava trilhando um caminho perigoso — Todo esse papo sobre poder e alcançar uma espécie de nirvana da soberania… Quer dizer, talvez você só goste de matar.

O silêncio que se sucedeu após isso fez um frio percorrer a espinha de Baekhyun, que já sentia o peito agitar-se em ansiedade. Teria ido longe demais? Não conseguia identificar nada nas feições impassíveis e no olhar gélido que o encarava. Era a primeira vez que recebia aquela reação do moreno e, no fundo, desejou que ele começasse a rir e falasse que estava apenas zoando, no entanto, isso não ocorreu. Já tinha jogado toda bagunça no ventilador e agora só restava lidar com as consequências. Talvez fosse exatamente essa provação que precisava para saber, definitivamente, se sua vida estava ou não em risco ao lado dele.

O mesmo se aplica a você, Baekhyun. — arrepiou-se quando o ouviu pronunciar seu nome de maneira rígida. — Não se divertia enquanto fuzilava sauditas? — incitou.

Então você admite que se diverte matando? — rebateu.

Ontem a noite não parecia achar isso ruim. — esticou o canto dos lábios — Se me lembro bem, você atirou em dois motoqueiros e depois saiu cantando. — O sarcasmo pingava de tão carregada que estava sua voz.

Baekhyun praguejou mentalmente. Não podia argumentar contra aquilo, afinal, seria hipocrisia negar que tinha achado divertido. Respirou fundo e tentou reorganizar os pensamentos antes que iniciasse uma discussão por algo que nem era a questão em primeiro lugar.

Não é esse o ponto.

Então elucide qual é. — pediu o moreno que, apesar do olhar irônico, ainda mantinha uma postura inflexível.

Baekhyun inclinou a cabeça para trás e depois retornou a atenção ao rapaz ao seu lado. Umedeceu os lábios antes de prosseguir:

Por que você começou a matar? — Não era exatamente isso que Baekhyun queria perguntar, contudo, tinha dificuldade em encontrar as palavras certas.

Você quer saber se isso veio de um transtorno ou se foi uma decisão voluntária? — acenou com a cabeça e viu o moreno cruzar os braços — Isso pode te chocar, mas cometer assassinato é sempre uma decisão voluntária. A diferença é que, para alguém como eu, que é indiferente em relação a empatia, se torna mais fácil. Mas não foi a minha condição que me tornou um assassino.

O detetive ficou impressionado com a sinceridade recebida e não queria deixar aquela chance escapar. Aprumou-se e deixou evidente sua curiosidade em relação àquele assunto, sabia que se demonstrasse isso, o moreno permitiria que continuasse com as perguntas.

E o que foi? O seu tio? — arriscou o palpite.

Assim como o seu pai. — Baekhyun engoliu em seco com a comparação — Em toda mente perturbada e degenerada você vai encontrar um familiar que a moldou.

E quanto a sua mãe? — Os olhos de Park faiscaram com a menção à progenitora — Ela moldou algo em você?

Você está perguntando se eu tenho bondade? — arqueou a sobrancelha.

Não sou tolo. — retrucou — Mas o seu método de matar parece misericordioso se comparado com outros, inclusive aos meus. — admitiu a última parte a contragosto.

Eu não escolhi o envenenamento por piedade. — riu debochado — Foi por ser mais prático, eu não precisei me preocupar em esconder a arma do crime ou deixar vestígios no corpo. Além disso, a toxina botulínica é ridiculamente fácil de se obter e é praticamente sem rastros, já que milhares de salões estéticos a encomendam diariamente em grandes quantidades. O FBI passou meses investigando esteticistas e cirurgiões plásticos enquanto eu trabalhava em uma loja de eletrônicos. — zombou, orgulhoso de sua própria genialidade.

Então você não planejava se entregar. — franziu o cenho — Fez isso só para se aproximar de mim?

Quanta presunção. — fingiu estar ofendido — Não, eu fiz isso para limpar a minha imagem depois que aquele plagiador de merda copiou o meu trabalho. E, obviamente, para me aproximar de você. — piscou ironicamente — Estamos unidos em uma missão para recuperar nossa reputação.

O detetive não pode deixar de rir. No fim, se capturasse o copiador e provasse sua teoria, ganharia o respeito e admiração do FBI e do mundo. Além disso, o nome do assassino do xadrez seria associado a uma imagem de justiceiro, como Park desejava. Conseguiu perceber, durante a conversa, que ele queria ser diferente, que queria se destacar, de alguma forma, de outros criminosos semelhantes. Talvez isso o fizesse sentir a sensação de superioridade que tanto almejava.

Você sente prazer vendo o sofrimento de alguém? — inquiriu subitamente.

Todas as pessoas sentem em um certo nível. Não foi o que sentiu quando atirou na cabeça do sequestrador da Lana Torres?

Sim. — afirmou desviando o olhar para um ponto aleatório — Eu quis fazer de novo. — riu ao confessar em voz alta antes de puxar os cabelos para trás — Fico pensando no que isso significa e no quanto eu tentei ser uma boa pessoa… — fez uma pausa — Mas parece que falho miseravelmente.

Não era tolo a ponto de esperar algum conselho ou conforto por parte de Park, no entanto, precisava tirar aquilo de seu peito e começar a admitir as coisas para si mesmo, lidar com seus demônios internos em vez de trancá-los em um porão e torcer para que desaparecessem sozinhos.

Você está tentando ser algo que não é. — ouviu-o falando, porém, não o encarou e permaneceu fitando a parede sem realmente prestar atenção nela — É por isso que escolheu vir comigo. — O detetive precisou olhá-lo — Está cansado de se reprimir.

Encararam-se por um momento até que o ex-soldado desviou o rosto para frente e sorriu amargo com aquela constatação. Sim, Chanyeol lhe dava uma sensação de liberdade que nunca experimentou com alguém antes. Embora Sehun tivesse se tornando um bom amigo, ainda havia uma reprovação e censura diante de suas escolhas, além de não poder compartilhar certos pensamentos que soariam desagradáveis para uma pessoa que não o entendia. Já com Park não existia nada disso, estava começando a tornar as coisas engraçadas e desligando seu filtro pouco a pouco, permitindo que a voz do seu inconsciente reprimido ganhasse vida. Não, isso não era algo bom; na verdade, seria inútil dividir as coisas no 8 ou 80, preferia pensar que estava somente se aceitando, sem se preocupar em classificar o que era socialmente aceitável ou não. Sabia que não era uma pessoa boa, porém, também sabia que não era uma pessoa ruim. Era apenas ele com seus defeitos, qualidades, traumas e uma alma rachada que, ironicamente, encontrou outra mais quebrada que a sua para partilhar sua insanidade.

Naquele instante, sentiu a necessidade de contar ao moreno sobre seu irmão e assim o fez. Conforme narrava, percebia que falar sobre aquilo tinha se tornado menos doloroso. Obviamente que ainda lhe causava pesadelos, contudo, era capaz de verbalizar o ocorrido sem tremer de raiva ou sentir que desabaria. Só havia um imenso buraco em seu peito e uma sensação desagradável ao reviver aquelas memórias, mas nada insuportável.

O que aconteceu ao abusador? — foi a primeira pergunta que Park fez quando o detetive finalizou sua história.

Ele morreu alguns anos depois. — seu tom era ácido. Odiava não ter tido a oportunidade de vingar-se daquele sujeito.

E o seu pai?

Sinceramente, foda-se onde ele está. — deu de ombros — Eu não ligo.

Baekhyun, inconscientemente, manteve o olhar distante e perdido enquanto vislumbrava sua infância e adolescência e refletia o quanto tudo aquilo o tinha afetado e moldado seu comportamento. Admirava as pessoas que conseguiam superar seus demônios através de um caminho pacífico; para o detetive, isso era a maior demonstração de força existente. No entanto, esse estava longe de ser o seu caso, tinha certeza que, mesmo se não tivesse uma vida conturbada, ainda teria um comportamento questionável, afinal, como lidamos com os sentimentos é uma escolha e alguns aspectos moram na nossa essência independente do que venha a ocorrer na nossa trajetória. Isso também se aplicava a Chanyeol, como ele mesmo disse: matar foi uma decisão dele.

Honestamente, seria difícil encontrar alguém que se sentiria culpado em assassinar misóginos e pedófilos; todavia, há quem carregue tanta empatia no coração que não é capaz de tirar a vida nem de um sujeito como esse. Não era capaz de compreender essas almas bondosas, por mais que tentasse. Talvez essa fosse a prova necessária de que existe alguma entidade divina comandando o mundo por trás da cortina.

Você quer um abraço? — indagou Park, subitamente. O detetive franziu o cenho e o encarou com uma expressão divertida.

Para a surpresa do moreno, o ex-soldado descruzou as pernas e deitou sobre seu peito largo, mantendo a cabeça logo abaixo do queixo de Chanyeol. Com um sorriso sacana, Baekhyun espalmou sua mão sobre a camiseta preta que o maior utilizava e deixou que a mesma escorregasse em direção ao abdômen alheio, deixando-a repousada naquela região enquanto ouvia as batidas lentas do coração frio do rapaz. Não estava realmente em busca de consolo, na verdade, aquilo era engraçado e isso o fez esquecer-se das imagens traumáticas que tinha lhe invadido a mente. Conteve um riso e sentiu a mão de dedos compridos deslizar pelo seu braço. O detetive não conseguia sentir nada com aquele contato além da latente tensão sexual que sempre existiu entre eles e uma imensa vontade de gargalhar e fazer piadas a respeito.

Olha só, estamos tendo um momento de intimidade usando roupas. — ironizou o menor ainda aninhado ao corpo do rapaz.

Podemos resolver isso. — sugeriu e Baekhyun arrepiou-se em ouvir seu timbre rouco tão próximo de seus ouvidos. Ele tinha uma voz realmente sedutora e um tom grave que destoava de seus traços faciais inocentes. — Mas sexo não significa intimidade. Veja o seu caso, se relacionou com diversos homens sem nem conhecê-los. — provocou, debochado.

Obrigado por estragar o clima. — zombou se levantando e voltando a se sentar com as pernas cruzadas sobre a cama.

O clima nem chegou a existir. — rebateu sarcástico.

Que crueldade com o meu coração. — riu enquanto se levantava da cama e esticava o corpo. Em seguida, lançou um olhar por cima do ombro para Park antes de ir em direção ao banheiro.

Respirou fundo quando encarou seu reflexo no espelho e depois permitiu-se continuar rindo de tudo que tinha acontecido. Mas o divertimento se esvaiu quando pensou a respeito do copiador e de tudo que precisava fazer. Não tinha certeza se conseguiria e sentiu a cabeça pesar com o futuro incerto que o aguardava quando saísse daquela casa luxuosa. Passou as mãos pelos fios escuros e, em seguida, fez o que necessitava antes de retornar ao quarto e encontrar Park vestido com uma camisa de flanela xadrez e uma calça preta enquanto terminava de arrumar a cama. Era uma visão intrigante para não dizer bizarra. Na beirada da cama, a mala estava aberta com as roupas perfeitamente dobradas e organizadas. Já tinha notado um certo comportamento compulsivo do maior em relação a bagunça e sabia que isso era um traço comum de pessoas controladoras.

Vou te esperar lá embaixo. — anunciou quando terminou de ajeitar os travesseiros e depois saiu pela porta sem mais explicações. Por alguns segundos, Baekhyun permaneceu estático processando o que tinha acabado de presenciar. Só então que despertou e foi em direção a mala, encontrando o caderno no fundo da mesma. Não ousou tocá-lo novamente e apenas apanhou uma camiseta e calça preta antes de fechar o zíper.

[…]

Quando chegou ao pé da escada, impressionou-se em como a casa parecia ainda maior sob a luz do dia. Os raios solares adentravam pelos vidros e iluminavam cada canto da sala espaçosa lhe dando um ar aconchegante. Ouviu vozes abafadas vindo do outro cômodo e seguiu na sua direção, adentrando uma sala de jantar composta por uma mesa retangular e, em uma das cadeiras estofadas, encontrou o pequeno Charlie sentado com um tablet nas mãos. Timidamente, o garoto lhe lançou um olhar e acenou com a cabeça antes de afundar os olhos novamente na tela. Por um segundo, o ex-soldado imaginou se Park era daquele jeito quando criança. Virou o rosto e encontrou outra entrada que logo descobriu levar a cozinha, onde o rapaz de cabelos cacheados e Alice estavam em pé conversando. No momento que Baekhyun colocou os pés no recinto, foi recebido pelos dois pares de olhos atentos que imediatamente se fixaram em si. Instintivamente, mordeu o lábio inferior e caminhou até que estivesse ao lado do moreno.

Gostaria de pedir algo a vocês. — comunicou a mulher, que prosseguiu após receber um aceno positivo do detetive — Não tragam assuntos inapropriados quando meu filho estiver presente. Quero que sejam discretos, não me envolverei nos objetivos de vocês e nem farei perguntas, apenas peço que respeitem minha casa. E que fique claro: estou me referindo aos assassinatos e não a relação que possuem. — esclareceu.

Eu compreendo. — assentiu Park — Tem a minha palavra, Alice. — assegurou em tom confiante.

Certo. Charlie e eu estaremos no escritório. Podem ficar à vontade. — sorriu gentilmente antes de sair em passos graciosos da cozinha.

Baekhyun suspirou e admirou a postura resiliente da anfitriã. Ela não demonstrou medo em nenhum momento, pelo contrário, seu olhar era resoluto e parecia determinada em defender o seu filho com unhas e dentes se fosse preciso. E ainda fazia isso sendo extremamente elegante.

Ela não parece gostar de mim. — Baekhyun comentou, distraído. Tinha receio de ter passado uma imagem ruim para a mulher.

Ela não tem motivos para gostar de você. — replicou o maior antes de seguir para a geladeira e começar a procurar alguma coisa apetitosa.

Revirou os olhos e deu uma olhada apurada no recinto, apreciando o design refinado e minimalista acompanhado do tom monocromático em nuances escuras e claras de cinza. Em frente a pia estava um balcão de mármore com duas cadeiras finas de acrílico que aparentavam ser frágeis. Com cuidado, aproximou-se e sentou-se em uma delas, descobrindo que era mais resistente do que esperava. Esticou os cotovelos sobre a superfície de pedra lisa e viu, pelo canto dos olhos, Park vindo com uma bandeja prateada que continha uma torta intocada em cima. Parecia saborosa e feita por mãos habilidosas. Isso o fez lembrar-se de Sehun cozinhando com seu avental branco e, por um segundo, ficou preocupado com o parceiro.

Então, — Baekhyun aprumou-se e acompanhou Chanyeol com o olhar ao passo que ele buscava por talheres na gaveta do armário — como convenceu Alice a nos hospedar aqui? — arqueou a sobrancelha — Eu mereço saber.

Justo. — concordou com a cabeça retornando ao balcão com os talheres — Em 2018, eu recebi uma deúncia um tanto peculiar no fórum. — sentou-se na cadeira vaga — Se tratava de uma mulher relatando que sofria agressões constantes do marido e, por ele ser influente, não podia denunciar para a polícia. Logo, o homem passou a agredir o filho e isso a deixou em desespero, tanto que disse estar disposta a pagar generosamente quem matasse seu companheiro. — Apanhou uma faca e cortou um pedaço da torta — Eu rastreei o IP dela e entrei em contato. Ofereci um acordo: faria o marido dela uma vítima do assassino do xadrez, retirando qualquer suspeita em relação a esposa viúva, e, assim, além dela ficar com toda herança ainda sairia como vítima. E, claro, em troca ela me faria favores quando eu precisasse. — Deu uma mordida no pedaço de torta.

E quanto a recompensa em dinheiro? — questionou o detetive pegando um pedaço da torta para si enquanto prestava atenção no assassino.

Digamos que dinheiro não é um problema para mim. — manteve o tom misterioso — O nome do marido dela era Lawrence Benett e ele era dono de uma empresa alimentícia que, agora, pertence a Alice. — sorriu orgulhoso.

Sua mente é diabolicamente genial. — brincou antes de comer mais um pedaço de torta. Estava faminto e sentia que poderia comê-la por inteiro — E qual peça o Lawrence se encaixava no tabuleiro?

Cavalos. Políticos e empresários, nunca consegui ver diferença entre os dois. — deu de ombros — Então os coloquei na mesma categoria. — dizia como se fosse um assunto trivial. O detetive não pode deixar de achar bizarro aquela conversa matinal e imaginou como seria acordar daquele modo todos os dias. Uma coisa era certa: nunca ficaria entediado.

Comeram em silêncio por um tempo, dispersos em seus próprios pensamentos, até que se sentiram satisfeitos. Em sinal de respeito, o ex-soldado fez questão de limpar a bagunça enquanto Park mantinha o olhar sobre si, analisando cada movimento que seu corpo fazia. Não se incomodou, sabia que ele estava fazendo isso para provocá-lo e, depois de dividirem a cama, poucas coisas conseguiriam o abalar. Estava se acostumando com a presença do rapaz e isso o permitia controlar seus impulsos, o que o ajudava a ser racional na relação de parceria que possuíam.

Quando finalizaram na cozinha, o moreno convidou Baekhyun para a sala e disse que tinha preparado uma surpresa. Imediatamente, o ex-soldado imaginou os cenários mais absurdos, cogitando possibilidades bizarras antes de ver que era apenas um tabuleiro de xadrez em cima da mesa de centro na sala de estar.

Não vou jogar com você. — recusou enquanto negava com a cabeça.

Eu te ensino. — propôs antes de aproximar-se da mesa, logo, se sentou no chão. Em seguida, começou a arrumar as peças.

Eu vou perder. — constatou antes de sentar-se do lado oposto da mesa, de frente para o rapaz.

Isso é óbvio. — afirmou fazendo o detetive revirar os olhos com a prepotência alheia — No entanto, jogar me permite elaborar meus próximos passos com maior eficácia.

Baekhyun entendeu que aquele convite se tratava de uma questão profissional — se podiam chamar assim — e decidiu aceitar. Precisavam começar a planejar o que fariam em relação ao copiador, por mais que ficar para sempre naquela mansão exuberante e confortável fosse uma opção tentadora. O detetive pensou que, talvez, se sair vivo daquela empreitada, poderia encontrar um lugar como aquele para relaxar e passar uns meses longe de tudo tendo uma folga merecida.

O que você sabe sobre o copiador? — foi direto ao ponto. Tinha ficado com as peças brancas e, por isso, fazia o primeiro movimento.

Bom, — Park moveu um peão — consegui rastrear as vítimas dele até 2008, porém, sei que ele começou antes disso. O copiador é um assassino imprevisível e impulsivo, é evidente que ele se deixa levar facilmente pelas emoções como prazer e raiva, não está matando com algum objetivo além de satisfazer seus fetiches. — indicou para o detetive prosseguir o jogo.

E isso te faz pensar que ele é um homem desleixado. — Moveu um peão embora seu foco estivesse em seguir o raciocínio do moreno — E partindo dessa suposição, ele deve ter deixado rastros nas primeiras vítimas. Certo? — o maior assentiu.

Ele nunca planejou nada, apenas viu uma boa oportunidade de se camuflar e a agarrou. E, claro, aprendeu com a experiência como despistar a polícia. Tenho certeza que, no começo, ele foi imprudente e deixou evidências. Se conseguirmos descobrir quem foi a primeira vítima, chegamos até a identidade dele.

E quanto a Angela? Você trabalhava com ela. Não viu nada suspeito? — continuaram movendo as peças no tabuleiro.

Só o Sehun. — ironizou — Mas sim, eu chequei a lista de clientes e trabalhadores locais e não encontrei nada. O copiador percorreu todo o país, porém, acredito que ele possui um laço especial com o estado da Virgínia.

Ele sempre acaba voltando para cá. — franziu o cenho antes de mover uma torre — Mesmo assim, é como procurar uma agulha em um palheiro.

Não se você tiver acesso aos arquivos do FBI. — sugeriu, arqueando uma sobrancelha.

Pensei que você tinha hackeado o sistema. — Baekhyun comentou, sarcástico e, em seguida, moveu outro peão.

Eu consegui até certo ponto. — gabou-se — Contudo, em algumas áreas é difícil sem um acesso oficial.

Os casos antigos, certo? — deduziu recebendo uma confirmação do maior — É porque a maioria deles estão arquivados em papel. Que ano você acha que ele começou a matar?

Em torno de 2005. Creio que ele deve ser um homem com, no máximo, trinta e cinco anos. O que me leva a crer que ele iniciou as mortes quando era adolescente.

É um começo. — suspirou continuando o jogo sem ter ideia de que estratégia utilizar — Conheço uma pessoa que pode nos ajudar.

Perfeito. Temos o nosso primeiro passo. — demonstrou empolgação — Xeque Mate. — anunciou antes de derrubar o rei do detetive com seu bispo. Incrédulo, o ex-soldado estreitou o olhar em direção ao tabuleiro tentando entender como aquela partida foi vencida tão rapidamente. — Você estava tão ocupado mirando no meu rei que se esqueceu das outras peças. — observou.

É uma batalha injusta. — defendeu-se — Eu nunca pratiquei xadrez, é como se eu te desafiasse para um combate corpo a corpo. — os olhos de Park faiscaram com a ideia.

Isso foi uma sugestão?

Baekhyun ponderou aquilo por um momento. Sustentava o olhar de excitação que o maior lhe lançava, parecendo ansioso por aquela oportunidade. Era inacreditável como conseguiam mudar radicalmente o rumo de uma conversa. Por mais que Park fosse meticuloso, ele ainda não se negava alguns desejos, mesmo que viessem em horas inapropriadas. E, bem, parando para analisar, nada na relação incomum deles poderia ser considerada apropriada. Pensando nisso, o detetive se levantou e começou a caminhar em direção a porta, contudo, notou que o moreno não o seguiu. Chanyeol continuava sentado com um olhar de interrogação.

Prometemos respeitar a casa, não é? — lembrou, encarando o rapaz por cima do ombro — Então, vamos lá para fora. — foi tudo que disse antes de se dirigir para o exterior da mansão, logo sendo recebido pela luz solar e um aroma refrescante característico de ambientes cercados pela natureza.

Quando cruzou a entrada de carros, virou-se e encontrou Chanyeol se aproximando em passos rápidos e visivelmente animado. Ele tinha uma postura exemplar e isso contrastava de uma maneira destoante da sua imagem de cabelos cacheados volumosos e a camisa de flanela azul. Park tinha diversas nuances e o detetive deixou escapar um sorrisinho ao ter a chance de conhecer mais uma delas. Podia não se sentir arrogante, entretanto, sua pose transparecia isso e, agora, ele também conseguia perceber. Manteve o corpo relaxado e aguardou até que o moreno se posicionasse a apenas alguns passos à sua frente, encarando-o com um olhar superior e desafiador. Lá estava a malícia explícita nas íris castanhas e o ex-soldado ficou ansioso para tirar a prepotência daquele rosto. Nunca o tinha visto lutando, então não podia subestimá-lo, mas ainda apostava que ele usaria apenas a força bruta. Uma vez que estavam preparados, o menor inspirou lentamente o ar matinal e agradeceu pelo clima agradável, que o permitia sentir-se refrescado.

Vamos. — incentivou Baekhyun enquanto sinalizava com a mão para que o rapaz fizesse o primeiro ataque.

Chanyeol hesitou, parecendo calcular alguma coisa, antes de estreitar os olhos e, sem esforço, mirar um golpe que seria certeiro no rosto do detetive, caso este não tivesse desviado com facilidade. Na segunda tentativa, o menor também desviou e não conteve um riso baixo ao ver uma ruga se formando na testa alheia. Notou que o rapaz não estava levando a sério, ao menos não completamente, e pensou em lhe dar um estímulo para que lutasse com tudo que possuía. Na terceira tentativa de Park tentar acertar um soco, o ex-soldado desviou e, aproveitando da distração alheia, atingiu o moreno no estômago. Logo, deu dois passos para trás e observou ele curvar-se com uma expressão descrente.

Desculpa. Foi muito forte? — debochou.

Em seguida, Chanyeol pressionou os lábios, ignorando a dor recente, e ergueu-se, cortando o espaço entre eles e avançando. Seus braços se debateram com os do detetive antes do maior o agarrar pela cintura com força e o empurrar em direção a uma árvore próxima, chocando as costas de Baekhyun contra o tronco, o fazendo soltar uma risada dolorida. Inesperadamente, o detetive levou as mãos em direção ao rosto perigosamente próximo do rapaz, deslizando-as pela pele suave dele e tirando proveito da situação. Uma sensação excitante agitou seu interior conforme o corpo alheio o prensava sem pudor. Park mantinha as íris castanhas fixas nos olhos do ex-soldado de maneira envolvente e convidativa. Contudo, subitamente, o menor acertou um chute no assassino, fazendo-o tropeçar para trás e encará-lo com um misto de irritação e entusiasmo.

Como provocação, o detetive fez um sinal com os dedos, o chamando para a briga, e afastou-se da árvore em tempo de ver o moreno avançando novamente; dessa vez, levando a luta a sério. Baekhyun desviou da primeira tentativa dele o agarrar e depois entraram em um combate de força braçal que acabou se tornando mais intenso do que deveria, e, quando notaram, caíram sobre o gramado e estavam rolando em uma disputa fervorosa de quem dominaria o outro. Em um momento, Park se colocou acima do ex-soldado, fechando a mão sobre o pescoço alheio e aproximando o rosto até que seus narizes chegassem a se encostar. Era evidente que aquilo estava deixando-o estimulado e o sentimento era recíproco. Entretanto, mesmo sendo diabolicamente tentado, o menor usou as pernas para empurrar o corpo de Chanyeol para o chão e depois se levantar agilmente, afastando-se com um sorriso cafajeste e tomado pela adrenalina. Os cabelos lisos estavam bagunçados lhe dando um ar de rebeldia que combinavam perfeitamente com o brilho pervertido em seus olhos.

Rapidamente, Park levantou-se e avançou, iniciando uma sessão de ataques de que foram bloqueados pelos braços habilidosos de Baekhyun. O detetive viu muita impulsividade nas ações do moreno e era isso que estava impedindo-o de acertá-lo. Já o menor, apesar de tudo, mantinha a cabeça fria e atenção plena, tanto em seus ataques quanto em sua defesa. Chanyeol deixava-se vulnerável, especialmente na região da barriga e do tórax, por isso era fácil o atingir ali. No entanto, o ex-soldado foi pego de surpresa quando, seguido da tentativa de um soco, o moreno foi para trás de si e o agarrou pelo pescoço. Chegava a ser cômico que, em toda oportunidade, eles faziam questão de prensar um ao outro e aquilo estava se intensificando conforme a luta se sucedia. O menor segurou o braço alheio em seu pescoço com força e, com o impulso e sustentação dos ombros e quadril, puxou o corpo de Park até que ele caísse no chão. Sem dar chance para o rapaz levantar, o detetive tratou de segurar os pulsos alheios acima da cabeça do Park enquanto encaixava uma perna de cada lado do quadril dele, o imobilizando contra o gramado.

Lentamente, aproximou seu rosto contra o rosto de Chanyeol, deixando que seus lábios estivessem perto de roçar um no outro.

Xeque Mate. — sussurrou seguido de uma risada vitoriosa.

Baekhyun afastou o rosto, porém, manteve a posição que estavam. Queria aproveitar aquela visão de Park dominado abaixo de si. Os cachos desordenados dele e a respiração ofegante o faziam levar seus pensamentos mais distantes do que gostaria de admitir. E, embora ali estivesse bom até demais, precisava se afastar e recuperar a postura. Teve receio de, a qualquer instante, Alice ou o garoto surgirem pela porta indagando o que eles estavam fazendo rolando pelo chão. Com um suspiro, soltou o moreno e ergueu-se, passando as mãos pelos cabelos e sentindo sua testa suada por conta dos eventos recentes. Trocaram um olhar malicioso e concordaram silenciosamente que aquela disputa havia se encerrado, ao menos, enquanto estivessem hospedados na mansão. Por hora, tinham que retornar a investigação e o ex-soldado mordeu o lábio, inquieto, ao relembrar da sua missão.

Cansados — e apreciando o que acabou de acontecer —, retornaram para dentro da casa e sentaram-se sobre o chão. O tabuleiro permanecia do mesmo modo que tinham deixado. Chanyeol ligou a televisão e deixou no canal de notícias que comentava sobre uma moça desaparecida. Instintivamente, o detetive virou o corpo ligeiramente até que pudesse visualizar a tela atrás de si. A vítima era uma garota de dezoito anos de cabelos loiros na altura do queixo e olhos acinzentados. Imediatamente, sentiu um aperto no peito lembrando-se de Lana. Todos os dias encontrava casos como aquele, embora, o repórter dizia que a tal moça havia sumido depois de uma discussão com o namorado ciumento. Ele desprezava aquele tipo de crime com toda sua força. O noticiário transcorreu normalmente pelo resto da manhã enquanto os dois rapazes aproveitavam para se alimentarem e descansarem. Park ensinou algumas estratégias de xadrez para Baekhyun enquanto parecia esperar por alguma coisa.

Foi perto das duas da tarde que o noticiário foi interrompido para um anúncio urgente, atraindo a atenção do detetive de volta à tela. Uma mulher de cabelo castanho surgiu com feições preocupadas:

Foi encontrada mais uma vítima do Assassino do Xadrez, recentemente foragido da prisão. A polícia encontrou o corpo de Katherine Graham em um estábulo na cidade de Winchester esta manhã após uma denúncia. O dono da fazenda, cujo nome não será divulgado, está em choque com o ocorrido e relata ter escutado barulhos incomuns por volta da madrugada. Na cena do crime, estava uma peça de xadrez conhecida como o rei, confirmando que, de fato, o assassino está de volta à ativa.”

Baekhyun entreabriu os lábios embora não estivesse surpreso do copiador ter feito aquilo, entretanto, não acreditava que ele teria tamanha audácia. E a peça do rei não foi mera coincidência, ele estava debochando de Park e o atiçando para uma disputa acirrada de gato e rato. Onde estava Holden? Ele não mostrou as caras, apesar de ser o capitão do FBI e responsável por ceder entrevistas aos repórteres. Isso fez o detetive reconsiderar a possibilidade de acessar o sistema da polícia com seu login.

Só tinha uma opção para conseguir as informações que necessitavam e torcia para que ela funcionasse a seu favor, caso contrário, com uma nova vítima, seria extremamente complicado invadir os arquivos. Não tinham muito tempo, o imitador fez questão de colocá-los contra a parede e deixar uma contagem regressiva em suas costas. Logo, a investigação tomaria proporções fora de controle por conta da população que exigiria uma solução e o governo ansioso para se livrar daquele problema.

Aguardou pela reação de Chanyeol, contudo, o maior permanecia com os olhos vidrados na tela e suas íris tinham um aspecto gélido e cortante. Logo, o ouviu dizer apenas uma coisa:

Filho da puta.

Chapter 14: Oposição

Chapter Text

Capítulo 14 – Oposição

Todos os noticiários estavam reportando sobre a nova vítima do Assassino do Xadrez em questão de minutos. Dava para ver que a mídia estava faminta por alguma tragédia e o modo como os repórteres faziam aquilo parecer uma espécie de espetáculo deixava o detetive frustrado com a situação. Por isso não gostava de participar de coletivas de imprensa ou dar entrevistas, os fotógrafos voavam em cima e perguntas eram disparadas praticamente aos berros. Já tinha presenciado uma cena de crime onde alguns jornalistas tinham invadido para fotografarem uma garota morta a menos de algumas horas. De toda forma, estava ansioso e preocupado; nem se importava tanto com a postura da televisão em relação a situação, no entanto, estava se irritando facilmente devido a tensão do momento.

Levantou-se e cruzou os braços. Preferia ficar de pé quando estava nervoso e sentir que estava em movimento. Virou o rosto e encontrou Chanyeol com a testa franzida e os olhos grudados na tela plana, não demonstrava sinais de frustração, parecia que estava jogando xadrez mentalmente com seu adversário, até então, desconhecido. Provavelmente, calculava os próximos passos e isso deixava Baekhyun um pouco mais relaxado, afinal, era bom não ter que se preocupar em proteger o rapaz. Se tinha alguém perfeitamente capaz de se cuidar sozinho, era ele. Respirou fundo e, enfim, Park se moveu, ergueu-se calmamente com a coluna reta.

Quem é a pessoa que pode nos ajudar? — foi sua primeira pergunta depois dos minutos que passaram em silêncio.

O nome dela é Sarah Jones, é a responsável pelos arquivos antigos em Quântico. Não podemos utilizar o meu login de acesso agora, então, parece que ela é a nossa única saída. — virou o corpo de frente para o moreno.

Seria estupidez acessar o sistema do FBI depois disso. Certamente, seu chefe está ansioso em te rastrear. — concluiu e deu alguns passos em direção ao corredor. Logo, o detetive o seguiu. — Presumo que tenha o número de contato da Sarah? — fitou o menor por cima do ombro.

Tenho.

Bom. — retrucou antes de chegar em frente a uma porta acinzentada e dar duas batidas antes da voz de Alice ser ouvida do outro lado, ela deu permissão para que entrassem.

Park girou a maçaneta e adentrou o escritório com Baekhyun em seu encalço. O local lembrou ao ex-soldado do espaço que Sehun trabalhava na própria casa; a escolha de móveis era semelhante, assim como a tonalidade opaca e apática que o fazia se sentir dentro da sala de algum magnata da indústria capitalista. No canto, sentado em uma poltrona reclinável, estava o pequeno Charlie, este parecia concentrado em seu tablet enquanto usava fones de ouvido que eram maiores que sua cabeça. Alice se encontrava atrás de uma mesa elegante, estava com os dedos pousados em cima do teclado do computador. Encarou os rapazes de maneira receptiva e aguardou que se pronunciassem, assim Chanyeol o fez:

Precisamos de um notebook. — pediu com um tom formal até demais. Por um segundo, o detetive permitiu achar graça daquilo, mas manteve-se inexpressivo durante todo o tempo.

Claro. — assentiu a mulher antes de abrir uma das gavetas de sua mesa e retirar um computador portátil branco. — Vocês parecem aflitos. Aconteceu alguma coisa? — era evidente a apreensão em sua voz melodiosa. Esticou o notebook por cima da mesa e, rapidamente, Park o apanhou entre as mãos.

Nada que possa lhe trazer problemas. — assegurou o moreno com uma confiança indiscutível. O ex-soldado não concordava com aquela parte, contudo, optou por permanecer em silêncio. — Eu o devolverei quando terminar. — referiu-se ao aparelho com um aceno de cabeça.

Uma vez fora do escritório, retornaram para a sala e acomodaram-se novamente no chão. Baekhyun retirou o tabuleiro da mesa de centro e, em seguida, o moreno posicionou o notebook para que ambos pudessem enxergar a tela. Enquanto isso, a televisão continuava falando a respeito da nova vítima e não pareciam que parariam tão cedo. O único motivo de estarem dando audiência para aquilo era para coletar todas as informações a respeito do local e horário da morte. O detetive não tinha certeza, porém, acreditava que aquilo não tinha sido aleatório, talvez o copiador deixou uma pista sobre sua localização. E, aliás, o que ele fazia em Winchester?

Poderia ser onde ele nasceu , pensou.

Aquela peça do rei era claramente uma provocação ou um convite para uma última partida. Era difícil decifrar as intenções se baseando apenas no que a polícia liberou para a mídia.

Pensei que você traria seu próprio equipamento. — analisou quando ouviu o maior começar a digitar freneticamente.

Eu destruí tudo antes de ser preso. — respondeu, mantinha os dedos frenéticos no teclado e os olhos fixos na tela — Todas as informações que coletei estão salvas em um lugar seguro. — um aplicativo de conversa se abriu na tela — Qual é o número dela?

É seguro fazer uma ligação online? — arqueou a sobrancelha, desconfiado.

Redirecionei a nossa localização e estou utilizando um número aleatório. Não ofenda a minha inteligência dessa forma. — lançou um olhar convencido para o menor antes de abrir uma área para digitar o contato. Em seguida, o detetive lhe disse os números. — Não diga a ela que está comigo. — advertiu antes de afastar as mãos para que Baekhyun se aproximasse para fazer a ligação.

Não ofenda a minha inteligência dessa forma. — rebateu de forma provocativa, o que fez o moreno fingir uma expressão ofendida.

Tirou o volume da televisão antes de apertar o botão de ligar. Logo, a sala foi preenchida com o som dos toques chamando e um frio subiu pela barriga do detetive. E se ela não aceitasse ajudá-lo, o que fariam? Sabia que a sala de arquivos do FBI tinha câmeras e vigilâncias, mas também era de conhecimento geral que eles pouco se preocupavam em rastrear os sinais ali dentro. Sarah ficava sozinha durante todo expediente e estava contando com isso. Pensou rapidamente no que diria e optou por ser sincero em relação à investigação e apenas omitir o fato de que seu atual parceiro era um assassino em série fugitivo. Quando menos esperava, ouviu a voz feminina atendendo e imediatamente aprumou-se:

Sarah? — a mulher confirmou — É o Baekhyun. — aguardou por uma reação.

Olá, querido. — saudou afável e isso fez o detetive relaxar um pouco — Faz tempo que não o vejo. Como está?

Estou bem. — apertou os lábios — Eu liguei porque estou precisando da sua ajuda, se não for incomodar. — foi direto ao assunto.

Claro que não. Na verdade, você sempre me tira do tédio. — brincou com um risinho baixo — No que posso ajudá-lo? É sobre o Assassino do Xadrez?

Sim. — franziu o cenho, embora não fosse mentira — Preciso que me diga se existem assassinatos, ênfase em vítimas mulheres, na região de Winchester no ano de 2005.

Isso foi bem específico. Você descobriu alguma coisa? — questionou sem esconder a curiosidade.

Talvez, mas são apenas suposições. — respondeu vagamente — Poderia verificar o que pedi?

Claro, só que levará algum tempo. Faz séculos que não abrimos os arquivos de 2005, terei que analisar um por um. Você está com pressa?

Tem alguma previsão?

No máximo até amanhã.

Está ótimo. Entrarei em contato quando anoitecer. — ouviu Sarah concordar antes de se despedirem e encerrarem a ligação.

O detetive pousou os dedos sobre os lábios, inconsciente de seu ato, e sentiu-se em uma luta acirrada contra o tempo. Deveria apressar as coisas? Estava acostumado a trabalhar incessantemente, ter que ficar esperando por algo era angustiante. Queria ir atrás das pistas por si mesmo, mas não podia, em certos momentos tinha que admitir que necessitava de outras pessoas e não dava para carregar o mundo nas costas, embora se sentisse mais confortável ao estar no controle de tudo. Teriam algumas horas vagas pela frente e não queria desperdiçá-las ficando frustrado enquanto encarava o relógio. Fitou Park ao seu lado, o rapaz permanecia imperturbável. Seus olhos castanhos escuros o observavam sem nenhum indício do que estava pensando. No entanto, aquilo tranquilizou o ex-soldado. Estar na presença de alguém que nunca se estressava era reconfortante, especialmente quando se é alguém com forte tendência a impulsos de raiva.

Winchester é uma boa pista. — comentou o moreno subitamente — Também acho que a escolha do local não foi aleatória. Ele claramente está me desafiando.

O local vai estar cercado pela polícia. — suspirou antes de acomodar-se ao lado do moreno e se recostar no sofá. — Não vamos conseguir entrar facilmente. — observou enquanto aumentava o volume da televisão, que continuava noticiando o caso da última vítima de forma sensacionalista.

Bom, precisamos saber exatamente onde devemos entrar primeiro. Essa vítima foi encontrada em um estábulo, porém, suspeito que ele não faria isso perto de algum esconderijo. — inclinou-se em direção ao computador e voltou a digitar ao passo que o detetive apenas observava — É quase na fronteira da cidade.

E quanto a garota? Poderia ter alguma relação? — indagou, sentia um aperto no peito ao ver a foto da moça estampada no noticiário.

Improvável, ele pode ser impulsivo e sádico, mas não colocaria sua identidade em risco dessa forma. O copiador nunca teve vontade de ser reconhecido, como a maioria dos assassinos. Ele só aprecia a sensação de prazer em matar violentamente.

Ele gosta de fazer estrago. — complementou o ex-soldado — Pela sua descrição, ele não me parece um… — encararam-se por alguns instantes. O menor não sabia como encontrar as palavras certas para terminar aquela frase. Contudo, não foi necessário. Park esboçou um olhar sarcástico, demonstrando que tinha entendido onde ele queria chegar.

Psicopatia e assassinos em série são duas coisas distintas. Mas, respondendo sua dúvida, o copiador não é como eu. Duvido muito que seja, ele é visivelmente impaciente e desorganizado.

É uma questão complexa — mordeu o lábio inferior — Por isso as pessoas escolhem acreditar que uma entidade bíblica do mal é responsável pela crueldade no mundo. Quero dizer… — divagou — no fim, os humanos são os predadores mais mortais. — riu anasalado e passou a mão pelos cabelos finos — Desculpe, eu desviei do assunto. — virou o rosto em direção a Park, que o encarava atentamente com seus olhos impassíveis.

Olha só, estou recebendo um pedido de desculpas. — ironizou e o detetive revirou os olhos em uma expressão debochada — Daqui a pouco trocaremos declarações de amor. — zombou.

Se fossemos capazes de amar, talvez. — esticou as pernas e relaxou o corpo. O assunto teria se prolongado se não tivessem a atenção roubada pelas imagens de um posto de gasolina incendiado sendo transmitida no canal que assistiam.

Rapidamente, o detetive se aprumou e viu um rapaz de cabelos loiros surgir com um microfone nas mãos.

Um terrível acidente ocorreu no posto ao sul de Stafford. Um vazamento de gasolina resultou em um trágico incêndio que devastou todo o local. Seis corpos foram encontrados totalmente carbonizados. De acordo com os funcionários, a manutenção era precária e o vazamento pode ter ocorrido enquanto um dos clientes abastecia seu veículo.”

Baekhyun estava perplexo com o que acabou de ouvir. Não era possível que eles realmente avaliaram aquela situação como um mero acidente. Pelo visto, a polícia nem se deu ao trabalho de verificar as vítimas ou qualquer rastro, apenas encerraram o caso da forma mais fácil possível para que todos seus esforços fossem somente em encontrar Chanyeol. E nem isso eles pareciam fazer com eficiência, para a sorte dos dois rapazes. O detetive sabia que eram poucos os policiais e agentes que realmente se dedicavam ao trabalho, afinal, não é uma posição agradável e, devido a tanto estresse e caos, era até compreensível que a maioria naquele ramo perdesse a vontade de fazer a diferença na sociedade e apenas cumprissem horário para ganhar seus salários. O ex-soldado também tornou-se apático depois de tantos anos vendo tanta corrupção sendo varrida para baixo do tapete, embora tenham sido os tais corruptos que o ajudaram a conseguir aquele cargo. No fim, o motivo de ter escolhido aquela posição foi para tentar se ajustar às leis e tornar-se alguém “decente”, e também porque não sabia fazer muita coisa além de atirar. Não gostava de admitir, mas tinha um problema de confiança em relação a sua capacidade, ainda mais por não ter sido um aluno talentoso na escola. Entretanto, era dedicado em suas investigações e reconhecia isso. Poucos conseguiriam sobreviver a tudo que o detetive presenciou durante sua vida.

Por isso, acabou sendo atraído pela proposta de Chanyeol. Ironicamente, ele era a única pessoa que valorizava suas habilidades. Obviamente que era visto apenas como uma peça num tabuleiro — não se enganava pensando que era mais do que isso —, porém, o detetive sentia-se estimulado em ter alguém que acreditava em seu potencial, especialmente quando passou anos de sua vida tendo uma imagem distorcida de si mesmo, vendo-se como alguém sujo que não tinha direito de se orgulhar ou se sentir capaz. Desde criança tinha sido rejeitado e alimentou apenas uma visão negativa ao seu respeito, se enxergando como degenerado, controverso e condenável. Foi depois de passar aquele tempo com Park que, enfim, percebeu sua verdadeira competência e que não podia esperar aprovação alheia e se pressionar a padrões pré estabelecidos. Não tem nada mais exaustivo do que se forçar a ser alguém que você não é.

Voltou a atentar-se à tela plana e viu o que podia fazer em apenas uma noite. Existem infinitas possibilidades e, se era errado ou problemático, pouco importava para ele. Não queria se tornar um assassino e nem sair pela cidade queimando estabelecimentos. Porém, queria fazer parte de alguma coisa maior. Só não sabia exatamente o que ainda. No entanto, por hora, focaria apenas no copiador.

Quando o noticiário retornou para a vítima do imitador, os dois rapazes começaram a buscar por mais informações na internet. Curiosamente, encontraram um vídeo recente de uma moça de cabelos curtos falando sobre a teoria que ela fez de ter dois assassinos e que um deles estava plagiando o outro. Durante a explicação, a garota contou que tinha postado aquele conteúdo em outras plataformas, porém, foram todos banidos pela polícia com a acusação de espalhar informações falsas. Baekhyun sabia que aquilo deveria ser obra de Holden; ele estava controlando tudo que podia para não permitir que aquele argumento fosse válido ou sequer cogitado. Em seguida, Park acessou o fórum que utilizava para escolher suas vítimas e notou que tinha uma denúncia há cerca de três meses.

O que fará quando matar o copiador? Continuará respondendo essas pessoas? — Baekhyun indagou antes de virar o rosto de lado para fitar o maior.

Depois disso, o jogo acabou. Não sou um vigilante justiceiro e seria estupidez continuar com o país inteiro sabendo minha identidade.

Então vai parar de matar? — o moreno o encarou.

Eu não disse isso. — um brilho perverso perpassou seus olhos — Talvez eu escolha uma partida mais acirrada. — deixou o mistério no ar e esticou o canto dos lábios maliciosamente antes de voltar a atenção para a tela do computador.

Baekhyun teve a curiosidade atiçada. O que ele quis dizer com acirrada? Poderia existir algo mais perigoso e desafiador do que aquele tabuleiro? Não achava que existiam muitas formas de entreter uma mente como a de Park, contudo, ele tinha pensado em algo maior no caso de sobreviver ao copiador. E aquelas dúvidas começaram a coçar na cabeça do detetive até que ouviu passos suaves vindos do corredor, logo avistou a figura de Alice e do pequeno Charlie. Imediatamente, Chanyeol virou o corpo na direção deles e mudou radicalmente a sua postura, assumindo a mesma expressão cordial de quando chegaram na casa. Novamente, o ex-soldado achou aquela atitude cômica, apesar de o moreno saber atuar muito bem. Talvez, por saber do que o Chanyeol era capaz, qualquer tentativa dele de fingir alguma emoção ou personalidade soaria engraçado. Inclusive, começou a ter esse mesmo pensamento em relação a noite que se conheceram na boate. Realmente, qualquer pessoa cairia facilmente na lábia dele, o que fez o menor reparar que a dificuldade em identificar um psicopata era maior do que imaginava. Eles não se revelam a menos que tenham essa intenção, ao contrário, pode-se conviver com um por anos sem desconfiar da sua verdadeira natureza. Isso o fez suspeitar de algo, porém, não teve tempo de prolongar aquela ideia, visto que a anfitriã começou a dirigir a palavra a eles dois. Baekhyun piscou algumas vezes e manteve o olhar sobre a mulher elegante.

Charlie e eu estaremos na cozinha. Se precisarem de algo, basta me dizer. — avisou e recebeu um aceno de confirmação por parte de Park e, em seguida, se retirou da sala em um caminhar gracioso.

Eu acho que você a deixou aflita. — observou o detetive quando Alice sumiu de vista. Fitou o moreno ao seu lado e lá estava ele retornando ao seu estado natural.

Eu dei uma arma a ela para o caso de se sentir ameaçada. — contou como se fosse um detalhe banal.

E se ela atirar em nós?

Nós morremos. — respondeu como se fosse óbvio e ficou surpreso quando o detetive soltou uma risada espontânea. Inclusive, o próprio Baekhyun se surpreendeu com a sua atitude. Por algum motivo, passou a apreciar o tipo de humor que o maior utilizava. Talvez, no fundo, também sempre teve vontade de fazer o mesmo.

O decorrer da tarde foi preenchido por Park analisando o mapa de Winchester em busca de alguma referência a estábulos. De acordo com ele, aquilo poderia ser uma pista de onde o copiador esperaria. Por ser uma cidade do interior, havia diversas fazendas, chácaras e casas de campo que possuíam cavalos, inclusive, também tinha um local para corridas especialmente para pessoas de boa influência. Provavelmente, um daqueles lugares foi o cenário de infância — ou algo importante — para o assassino que caçavam. Tudo dependia das informações que Sarah encontraria, caso contrário, seria necessário muito mais tempo para analisar e procurar por rastros e isso era algo que eles não possuíam. Por precaução, anotaram os pontos mais suspeitos e, em seguida, checaram as redes sociais da vítima recente, descobrindo que se tratava de uma estudante universitária comum e, por curiosidade, o detetive sugeriu que olhassem as fotos dela com os amigos. Embora não tenha encontrado nada, Baekhyun lembrou-se da teoria que teve antes de Alice aparecer e franziu o cenho pensando a respeito.

Chanyeol. — chamou o moreno pelo nome e reparou que raramente fazia isso. Obviamente, Park não deixou esse detalhe passar despercebido, exibindo uma expressão de satisfação com o tom de intimidade que fora chamado. O ex-soldado quase perdeu o foco e tratou de verbalizar sua dúvida antes que se distraísse — Você acha que o copiador é alguém que me conhece, certo? — logo, o rapaz de cabelos cacheados retornou a postura de seriedade.

Sim, definitivamente é alguém com muitas informações sobre o FBI. — estreitou o olhar — Você encontrou um suspeito?

Baekhyun levou os dedos aos lábios enquanto visualizava a imagem de seus conhecidos mentalmente. Logo, começou a unir algumas peças e, conforme as encaixava, começou a mordiscar nervosamente a ponta do indicador. Em um primeiro momento, sentiu-se culpado por cogitar aquela possibilidade, mas depois ficou irritado por não ter notado nada anteriormente. Não podia confirmar ainda, contudo, era uma chance reveladora e precisava compartilhar com Park.

Tem alguém que me conhece desde quando entrei para Quântico. — começou pousando os dedos sobre a mesa de centro — E, reparando agora, foram circunstâncias estranhamente convenientes. — batucou os dedos sobre a madeira de forma inquietante. Seu olhar estava perdido enquanto sua mente pensava mais rapidamente do que conseguia falar.

Quem seria? — indagou Chanyeol, intrigado.

O detetive teve receio de pronunciar aquele nome. Quando o fizesse não teria mais volta, suas suspeitas se tornariam reais e não podia descartá-las, mesmo que ainda fossem apenas teorias.

Minseok. — falou de uma vez e depois encarou os olhos escuros de Park. Naquele momento, agradeceu por ele conseguir decifrar o que pensava, assim facilitava para ambos seguirem o raciocínio um do outro. — Escuta, — sentou-se com as pernas cruzadas — eu tinha me formado na academia de Quântico fazia alguns meses quando Minseok me abordou um dia em frente ao prédio dizendo que estava tendo problemas com a segurança de uma boate que ele gerenciava. Nós recebemos bastante gente assim, porém, aquilo ainda parecia estranho de alguma forma.

E o que você fez? — a atenção do maior era totalmente dedicada ao detetive.

Eu disse que não era meu trabalho e que o ajudaria a fazer uma ocorrência na polícia, se necessário, e ele aceitou. Depois disso, seguimos para a delegacia e, quando notei, tínhamos nos tornado amigos, eu acho. — coçou a cabeça repensando toda relação que possuía com o barista.

E, convenientemente, ele era dono de uma boate para homens homossexuais. — pontou o moreno e o menor assentiu.

Mas não acho que ele desperdiçaria tempo com a boate só para me atrair. Quero dizer… — balançou a cabeça — Seria loucura.

Não acho que ele inaugurou a boate por sua causa. Parece ter sido apenas um bom negócio e, depois de saber sua preferência sexual, ele utilizou como vantagem para se aproximar.

E ele sempre teve um interesse pelo Sehun. — franziu o cenho ao lembrar-se — Sempre perguntando por ele e me pedindo para contar sobre o trabalho… Que droga. — coçou a testa sentindo-se idiota — Mas eu nunca revelei nada que fosse crucial nas investigações.

Subitamente, Chanyeol começou a rir numa sonoridade que soava bastante agradável aos ouvidos alheios, o que contrastava com seus olhos castanhos carregados de sarcasmo. No primeiro instante, o detetive o encarou sem entender a razão daquilo soar divertido e esperou até que o rapaz o esclarecesse o motivo daquela reação.

Quer dizer que os dois assassinos que você caçava estavam no mesmo lugar e na mesma noite? — Diminui o tom de voz embora continuasse rindo — Não leve isso como uma ofensa. — disse quando notou a careta do ex-soldado — Afinal, eu, possivelmente, estive ao lado do copiador e não sabia. No fim, nós dois parecemos idiotas.

Não posso argumentar contra isso. — umedeceu os lábios antes de rir nervosamente pela situação — Mas também teve o incêndio na boate e, curiosamente, o Minseok estava longe do fogo quando entrei. Além de que ele, provavelmente, enviou Holden para me atacar e, assim, me distrair a ponto de nem cogitar a ideia de colocá-lo como suspeito.

E quem estava rondando a casa do Sehun?

Baekhyun parou para pensar a respeito. Rapidamente, relembrou de quando o copiador surgiu na janela e quando sabotou seu carro. Não eram ações de alguém subalterno, havia um requinte de crueldade, especialmente naquele aceno que recebeu na noite da cozinha. Holden, apesar de tudo, parecia ser quem estava seguindo as ordens e não quem as estava dando. Podia estar errado, contudo, Minseok aparentava ter um lado manipulador muito melhor do que o capitão do FBI; além de que um assassino em série experiente sabe se camuflar, algo que seu chefe estava longe de dominar, já que conquistava a antipatia de praticamente todo mundo e se tornava facilmente alguém que gera desconfiança. Na verdade, ele parecia sempre frustrado, como se estivesse sendo chantageado ou observado.

Minseok, tenho quase certeza. — enfim, respondeu — Naquela noite, ele acenou para mim e senti que, de alguma forma, ele me conhecia.

Bom, eu sempre tive essa impressão. — confessou — Angela nunca me pareceu uma mera coincidência. Mas acho difícil visto que sempre fui extremamente cauteloso em relação a minha identidade.

Talvez ele não soubesse que você era o assassino e tenha sido atraído por outro motivo. — o moreno franziu o cenho — Se lembra de Minseok ter passado na loja enquanto trabalhava lá?

Não. Dificilmente ele frequentaria um lugar que o ligasse com suas vítimas e você mencionou que ele tinha um interesse em particular pelo Sehun. Pode ter sido a razão dele escolher a Angela.

Não sei dizer. — suspirou.

Baekhyun distraiu-se com o som da chuva começando a cair lentamente do lado de fora. Logo, começou a pensar nas razões que o copiador teria para assassinar a namorada do seu parceiro. Teria sido uma vingança? Não conseguia imaginar o que Sehun poderia ter feito para irritá-lo, porém, sabia que para um assassino sádico qualquer razão seria o suficiente e, talvez, nem existisse uma e tudo que ele queria era assistir ao sofrimento das pessoas. Eram infinitas possibilidades e seria impossível enumerá-las sem mais informações para basear sua teoria. Contudo, aquilo o fez perceber que as chances de seu parceiro ser o copiador eram quase nulas, afinal, o próprio Park afirmou que o imitador não demonstrava traços de um psicopata funcional, mas sim de alguém desorganizado e impulsivo, coisas que estavam distantes de serem características de Sehun. O rapaz era o oposto daquilo. Oh é minucioso e contido, se fosse um assassino em série, provavelmente, seria mais perspicaz do que Minseok. Até porque, o nível de manipulação necessária para simular tudo que o parceiro revelou sobre o passado, além de atuar todos os dias ao seu lado, seria extremamente alta e a maioria dos assassinos conquistam os outros através de carisma e sedução, algo que Sehun nunca teve, inclusive, nunca o viu se esforçando para agradar ninguém. E, no fundo, o detetive admitia que via bastante humanidade nos olhos do rapaz, além de uma profunda tristeza reprimida que seria difícil de fingir.

Já Minseok se encaixava no perfil. Era um homem sempre bem-humorado, acolhedor e engraçado, conquistava seus clientes sem dificuldade. Isso é algo que pode ser aprendido, afinal, não é tão complicado saber o que as pessoas acham atraente, a maioria se encanta facilmente por um rosto bonito e simpatia — o próprio detetive tinha sido enganado de tal forma. Um exemplo disso são Ted Bundy e Charles Manson, ambos com boa aparência e uma boa conversa, cativaram o público através de um sorriso e palavras rebuscadas. Obviamente, não se pode generalizar, mas, pelo que se observou até aquele momento, Sehun não demonstrava características de sadismo para ser o copiador.

O cerco estava se fechando para eles. O copiador estava se movimentando no tabuleiro e possuía uma vantagem. Essa última vítima lançou um xeque inesperado, inclusive, essa pode ter sido a intenção dele ao colocar a peça do rei na cena do crime. Estava se aproximando para fazer uma jogada decisiva, sem mais rodeios, ele viria determinado a encerrar aquela partida, assim como Park. Só precisavam de um empate e isso dependerá do que Sarah Jones descobriria nos arquivos de 2005.

[…]

Quando o relógio se aproximava das nove da noite, o detetive decidiu que era hora de ligar para a colega do FBI. Passou o dia todo ansioso e com um turbilhão de teorias na mente, era frustrante. No entanto, por mais absurdo que parecesse, Park foi o responsável por manter a calma e não se alterou em nenhum instante, sempre inabalável e focado, como se não tivesse medo de absolutamente nada. Em um momento, o ex-soldado o indagou como conseguia permanecer tão sereno em uma situação acirrada como aquela e a resposta foi apenas que era algo natural para ele e que nunca se sentiu verdadeiramente amedrontado a ponto de ficar nervoso. Chanyeol não experimentava sensações negativas, inclusive, disse que precisava ser cauteloso com seus atos por conta disso, afinal, a ausência de medo o dava liberdade para tentar, literalmente, qualquer coisa e tinha que lembrar-se de não colocar sua vida em risco desnecessariamente. Curioso, Baekhyun lhe perguntou se existia algo que ele considerava ruim ou que o incomodasse:

Tédio. — respondeu.

O detetive sentiu uma pontada de inveja. Ele desejava que a única coisa que o perturbasse fosse tédio. Porém, havia algo poderoso em ter sobrevivido a tantas dores internas, aprendeu a lidar com algumas e usá-las como combustível para enfrentar situações perigosas. Não podia negar que amava a sensação da adrenalina, de sentir toda a intensidade de estar em êxtase, dos momentos de euforia e de se deliciar com a expectativa de estar prestes a realizar alguma loucura. Tinha vantagens em estar conectado com suas emoções, o problema é que, na maior parte do tempo, experimentou as piores possíveis. Queria deixar aquilo no passado, aquela carga não lhe seria útil e nada poderia ser mudado, precisava abandonar questões antigas e se permitir fazer novas descobertas.

Conectou a ligação no notebook e sentiu um frio na barriga quando ouviu os primeiros toques. Suspirou e lançou um olhar para Park, que se mantinha sentado no sofá enquanto remexia uma peça do rei entre os dedos grossos. Ele estava pensativo e o ex-soldado teve certeza que elaborou mais estratégias do que podia imaginar. Contudo, antes que pudesse pensar a respeito, ouviu a voz de Sarah preenchendo o ambiente:

Baekhyun? Olá? — indagou rapidamente e o detetive notou um tom de nervosismo na mulher.

Olá, Sarah. Sou eu…

Holden está à sua procura. — o interrompeu antes que pudesse terminar — Escute, eu estou na sala de arquivos ainda… — fez uma breve pausa — Preciso te contar algo sobre ele. — baixou a voz.

Park inclinou-se para frente e aproximou o rosto do computador.

O quê? — o detetive franziu o cenho, intrigado.

Quando Holden era um agente em treinamento, surgiram uns rumores sobre a conduta dele com mulheres… — mais uma pausa, era como se ela estivesse sendo vigiada — Tinha essa garota que fez uma denúncia na época, porém, tudo foi abafado e eu nunca mais a vi. Ele me ameaçou indiretamente quando toquei no assunto… Enfim, tem alguma coisa errada aqui, tenho certeza. — seu timbre exalava nervosismo — E eu encontrei o que me pediu nos arquivos. — o detetive ouviu o barulho de papéis sendo remexidos.

Você está em perigo? — questionou, preocupado com o comportamento da colega de trabalho.

Não se preocupe comigo. — falou apressadamente — Um casal de idosos, Samantha e Arnold Collins, desapareceram em 2005 e meses depois a polícia encontrou os corpos na rede de esgoto, abaixo da fazenda onde moravam. Foram assassinados com golpes violentos. — outra pausa — Um parente afirmou que eles moravam com um garoto, uma espécie de faz tudo, e esse tal rapaz nunca foi encontrado. Atualmente a fazenda pertence a uma imobiliária local e permanece vazia por conta do que ocorreu.

Não houve perícia local?

Você sabe como as coisas funcionam em cidades pequenas. Depois de meses, não havia rastros de digitais nos corpos. O FBI não se envolveu na época, estavam ocupados com um assassino em série e não deram a devida atenção a esse caso. Sinto muito, foi tudo que consegui achar. — suspirou tristemente.

Já é o suficiente, Sarah. Pode me dizer o endereço dessa fazenda? — aproximou os dedos do teclado e anotou enquanto a colega passava a informação requisitada. Rapidamente, jogou a localização no mapa e viu os contornos surgindo na tela.

Baekhyun, — chamou quase num sussurro — t enha cuidado. Não confie em Holden… — pausa — Preciso ir. — foi tudo que disse antes de desligar.

Naquele instante, o detetive sentiu um impulso de ligar novamente para verificar se Sarah estava bem, mas não podia. Se ela desligou, era porque alguém estava se aproximando e retornar a chamada só lhe traria mais problemas, dependendo de quem estivesse por perto. Engoliu em seco e torceu internamente para não ter envolvido a colega de trabalho em uma situação de risco ao pedir aquele favor. Já sabia que Holden era suspeito, no entanto, agora podia ter uma ideia do motivo dele, supostamente, fazer o que o copiador manda. Provavelmente, seu segredo era usado como chantagem e não deveria ser alguma denúncia de assédio ou algo assim, o capitão poderia se safar tranquilamente disso com sua influência. Deveria ser alguma coisa grave e que faria seu chefe se submeter a ordens alheias para garantir que o segredo não fosse revelado. Enfim, a prioridade era outra e tratou de analisar o mapa à sua frente.

Quase três horas de viagem. — observou Park e o detetive o olhou por cima do ombro brevemente — Precisamos ir hoje à noite. Quanto mais esperarmos, maiores dificuldades teremos de conseguir entrar na cidade.

É arriscado. — mordeu o lábio inferior — Como vamos chegar à fazenda sem sermos vistos?

Pelos esgotos. — sugeriu, o que fez o ex-soldado o encarar — Se os corpos foram encontrados lá, significava que tem uma entrada dentro da fazenda e, para caber dois cadáveres, deve ser um bom espaço para passarmos.

E se for uma armadilha?

É óbvio que se trata de uma armadilha. Por isso, criaremos uma distração. — sorriu de canto, perversamente. Colocou a peça do rei acima do tabuleiro que estava ao seu lado sobre o sofá e, em seguida, puxou um bispo. — É hora de ligar para o seu parceiro. — ergueu a peça no ar.

O que pretende fazer com Sehun? — inquiriu, seriamente.

Não vou machucar seu precioso irmãozinho. — debochou — Mas, antes, — aproximou-se do notebook e abriu o programa para fazer ligações não rastreáveis — preciso fazer uma chamada.

Baekhyun manteve-se de braços cruzados enquanto observava atentamente Park ligar para um número desconhecido e, logo, uma voz que reconheceu como sendo a de John Bishop, atendeu. Imaginou que fosse ser uma conversa esclarecedora, contudo, tudo que ouviu o moreno dizer foi “carta dois” e depois o advogado confirmando e dizendo que estaria pronto em uma hora. Confuso, franziu o cenho e lançou um olhar de interrogação em direção ao maior, que apenas respondeu com outro sorriso de canto malicioso e endireitou a coluna, sinalizando que era a vez do detetive fazer a ligação. O menor hesitou e estreitou os olhos para Chanyeol antes de inclinar o rosto para a tela.

Lembrou-se do número de emergências que Sehun utilizava em um celular descartável. Torceu para que ele estivesse próximo do telefone e iniciou a chamada, atento a cada toque que soava enquanto sentia o coração se agitando. Parecia que fazia anos que não se falavam e não apenas dias.

Alô? — o rapaz atendeu com a voz insegura.

Sehun. — falou o ex-soldado e ouviu um suspiro de alívio do outro lado da linha — Você está bem? E a Lana? — perguntou rapidamente.

Sim, estamos bem. — afirmou — O que aconteceu? Você não arriscaria me ligar sem um motivo. — pontuou.

Bem, eu preciso te dizer uma coisa… — fitou Park em busca de uma resposta, afinal, não tinha ideia de qual era o plano.

Olá, Sehun. — o moreno disse em voz alta e a sonoridade vocal se assemelhava a um locutor de rádio. Escutou um murmúrio de desagrado do parceiro na chamada. — Vou tornar você famoso. — seu falso bom humor era cômico — Daqui a uma hora, esteja na travessia da avenida principal e ligue para seus amigos do FBI e da mídia local.

E por que eu faria isso? — retrucou.

Se não fizer, eu pedirei para outra pessoa. Não tenho problemas quanto a isso. — rebateu rapidamente.

Preciso da sua ajuda nisso, Sehun. — pediu o detetive com a voz calma. Realmente necessitava da assistência dele. Embora não soubesse o plano, sabia que Park não arriscaria uma estratégia qualquer, ainda mais depois de passar o dia todo fermentando ideias na cabeça.

Certo. — concordou a contragosto — Receberei notícias suas novamente? — havia um traço de tristeza em sua voz.

Sim. — assentiu — Se eu… — ia dizer sobreviver, mas parou — Prometo. — viu Park revirar os olhos enquanto fazia expressão de tédio.

Trocaram uma curta despedida antes da ligação ser encerrada e o ex-soldado virar o corpo em direção a Chanyeol, fitando atentamente seus olhos castanhos e exigindo respostas silenciosamente. Já tinha chegado ao ponto em que eles conseguiam se comunicar sem a necessidade de palavras, o que era algo novo para o detetive. Não estava acostumado a ter alguém que o conhecia tão bem ao seu lado. Além disso, tornou-se estranhamente confortável ter a presença do maior, depois de dividirem a cama e passar horas em momentos considerados íntimos, acabou se acomodando com ele. Park era uma companhia bem diferente do que esperava, pensou que teria que lidar com agressividade, intolerância, possessividade, mas não encontrou esses traços e perguntava-se o motivo disso. De acordo com o rapaz de cabelos cacheados, ele era um psicopata altamente funcional, por conta do seu QI elevado, se excitava mais com planejamentos e estratégias do que com a violência em si. Gostava de estar constantemente sendo desafiado intelectualmente e por isso era fascinado por xadrez.

Sabe um dos meus movimentos favoritos no enxadrismo? — pousou o bispo novamente sobre o tabuleiro e depois pegou um peão — Quando um peão, uma peça tão inferior e subestimada, cruza todo caminho entre seus adversários mais fortes — empurrou a peça pelo tabuleiro — até que chega do outro lado. — posicionou o peão na casa vaga ao lado do rei — Tornando-se uma dama com o mesmo conjunto de habilidades de uma rainha. — lançou um olhar faiscante em direção ao detetive.

Você realmente gosta de transcender. — brincou com um sorriso irônico.

Qual é o objetivo da vida se não elevar-se?

Não tinha sido uma pergunta e o detetive sabia disso. Na hora, não soube dizer se aquele comentário de Park tinha algum significado subjetivo. Ele gostava de enigmas, mas era alguém muito sincero quando não estava utilizando suas diversas máscaras — sincero até demais. Entretanto, nada do que o moreno dizia era totalmente em vão e Baekhyun pensou a respeito de toda aquela ideia de elevação. Certamente tinha vontade de fazer parte de algo maior e, agora, a ideia de provar a si mesmo também começava a martelar em sua mente. Nunca foi uma pessoa gananciosa — ou em busca de admiração —, mas ainda não tinha sido incentivado a buscar aprimorar-se, na verdade, nem ao menos possuía confiança para pensar sobre si mesmo daquela maneira. Sabia que Chanyeol fazia aquilo para alcançar seu objetivo em tê-lo como uma espécie de sócio, contudo, era boa a sensação de ter o ego acariciado, ainda mais por alguém como ele. Chanyeol não precisava de ninguém, ele não necessitava de afeto, carinho ou apoio, tudo isso são coisas que um psicopata nunca entendeu o propósito. Se eles querem algo, nenhuma insegurança irá impedi-los, talvez a racionalidade se aquilo vale ou não a pena, mas nunca tinham a confiança abalada e acreditavam ser perfeitamente capazes de conquistar suas metas. Park não queria o detetive por se sentir solitário ou por buscar conforto, ele o queria porque via no ex-soldado alguém a sua altura em questão de potencial e, juntos, combinando as qualidades um do outro, poderiam conquistar o inimaginável. Um possui uma mente brilhante e o outro possui habilidades em batalha, eles tinham algo a oferecer, era um equilíbrio interessante.

Lembrou-se das primeiras conversas que teve com Park, quando ele estava na cadeia, e se perguntava constantemente qual era o verdadeiro objetivo dele em se envolver consigo. Agora, enfim, tinha a resposta que tanto buscava. Era capaz de conviver com o moreno, não o julgava, não queria mudá-lo, mas também não mudaria a si mesmo; estava longe de ser perfeito e ambos tinham defeitos, inúmeros. Porém, se aceitavam como eram e trabalhavam bem juntos. E, no fundo, Baekhyun precisava admitir que se divertiam bastante.

Logo, o ex-soldado abriu uma brecha para imaginar “e se?”.

A última hora passou rapidamente enquanto trocavam mais algumas suposições a respeito do copiador. O detetive ainda não tinha conhecimento do plano de Park e suspeitava que ele estava aguardando para ver se funcionaria antes de revelar alguma coisa. Foi aproximadamente às dez da noite que o noticiário parou de falar sobre um evento político para transmitir algo urgente e, imediatamente, Baekhyun virou o rosto em direção à tela plana:

Uma nova vítima do Assassino do Xadrez foi encontrada” anunciou o repórter “Dessa vez, na cidade de Quântico. Passaremos a voz para nosso representante no local do crime.”

Quando a imagem mostrou uma rua conhecida, o detetive arfou. Contudo, esse não foi o único motivo, pois, não demorou a notar a presença de Sehun próximo do repórter que estava relatando o ocorrido:

Um homem, Steve Richards, foi encontrado pelo detetive Oh Sehun a poucos minutos da avenida principal. A vítima foi brutalmente assassinada e deixada com uma peça de xadrez.” o repórter se aproximou de Sehun “Detetive, pode nos contar os detalhes?”

Baekhyun não conteve um riso perplexo com o que estava acontecendo. Viu o parceiro com o olhar inseguro, embora a postura estivesse impecável:

Recebi uma deúncia anônima de alguém que passava por aqui e viu o assassino fugindo após o crime. Temos certeza que Park Chanyeol está nos arredores e já mandamos cercar a cidade para encontrá-lo.”

O riso do ex-soldado foi mais alto dessa vez. Virou o rosto em direção ao moreno e ele retribuiu com seu característico sorriso debochado. Logo, posicionou as duas peças do rei no tabuleiro, uma de frente para a outra, a preta e a branca, com apenas uma casa de distância.

Xeque.

O próximo movimento seria decisivo. E, agora, Park tinha desviado a atenção da polícia para longe deles, os levando para Quântico e mantendo o foco da mídia por ali por algum tempo, o suficiente para que conseguissem chegar a Winchester de forma cautelosa, sem queimar postos de gasolina ou roubar carros. Precisavam seguir em passos surdos e não chamar a atenção em hipótese alguma, afinal, aquela chance era muito boa para ser desperdiçada. Empolgado, o detetive se levantou e ambos concordaram que era hora de arrumar as coisas para partirem. Rapidamente, pegaram as malas e tudo que precisavam. Organizaram atenciosamente para não esquecerem de nada. Iriam no carro que haviam roubado, afinal, o de Alice era extravagante e dificilmente passaria despercebido em uma estrada vazia. E, quanto à anfitriã, a despedida foi curta e ela parecia aliviada em vê-los partirem. Não era do feitio da mulher participar daquelas coisas, embora tenha encomendado o assassinato do marido. Chanyeol fez questão de afirmar que aquela seria sua última visita, afinal, independente de como aquela noite terminasse, ele não poderia ficar nos Estados Unidos.

Baekhyun ainda não sabia qual era o plano dele e preferiu não perguntar enquanto não tivesse se decidido a respeito daquele “e se” que ficou martelando em sua cabeça. Gostava de possibilidades concretas e de pensar em um evento por vez, por conta disso, manteve seu foco unicamente no presente.

Já no carro, deixaram a mansão para trás e, quando passaram pelo enorme portão, o detetive suspirou. Sabia que dali por diante estaria em campo de batalha; isso fez seu instinto militar despertar.

[…]

Durante a viagem de carro, cruzaram com apenas uma viatura, que fazia ronda pela estrada, mas nem os notaram por haver diversos outros veículos ao redor. Tinham deixado a casa de Alice há cerca de vinte minutos e se localizaram por meio do mapa, que tinham analisado cautelosamente durante um bom tempo. Baekhyun era bom em se orientar e raramente esquecia um caminho ou se perdia, tinha uma percepção sagaz para localização. Já estava acostumado a ter que encontrar rotas de fuga e seguir rastros em estradas de terra ou meios desertos. Portanto, decorar o trajeto não foi um problema, embora tenha anotado os pontos principais para o caso de precisar relembrar algum deles. Quanto a Chanyeol, ele estava quieto e inalterável. Mantinha seus olhos focados ao redor, quase parecia uma escultura de argila.

Em certo momento, curioso, Baekhyun indagou o moreno se John Bishop também era um psicopata, afinal, ele aparentava uma frieza admirável e tinha assassinado um homem a facadas com aparente facilidade.

Não. — o maior riu em deboche — John tem alguns conflitos internos e, quando me conheceu, pediu para que o ensinasse a ser como eu. — era visível que Park achava tal atitude patética — Não é algo que se possa aprender. Você fez uma boa observação a respeito dele, inclusive. — trocou um olhar com o detetive — Quando o chamou de cachorrinho.

E você tira vantagem da submissão dele a você. — constatou, voltando a encarar o volante.

Obviamente. — afirmou — Ele tem uma obsessão estúpida em ser visto como um vilão perigoso para acobertar suas inseguranças emocionais. — o motorista riu baixinho daquele comentário ácido. Gostava da honestidade do moreno em relação às pessoas, isso o fazia perceber que ele não era do tipo que perderia tempo na companhia de alguém que considera inferior.

John era útil para Chanyeol até certo ponto, assim como um bispo para um rei. Não é uma peça facilmente descartável, porém, também não é essencial e ele poderia ter encontrado outro que faria o mesmo trabalho. Bishop teve apenas sorte de ter sido a primeira opção e também de ser eficiente no que faz.

Quem era Steve Richards? — questionou.

Deve ser parte da lista de vingança dele. Sei que John mantém alvos específicos e deve ter ficado feliz quando dei permissão para matar usando meu nome. Enfim, eu disse que a única condição era que precisava ser um homem; quanto a conduta deste, acho que jamais saberemos.

Então era isso que significava “carta dois”?

Exatamente.

E o que seria a “carta um”? — fitou o rapaz de cabelos cacheados e recebeu um olhar faiscante. Tinha se acostumado com aquele brilho perverso nas íris castanhas.

Foi quando o pedi para roubar um carro de polícia e nos ajudar a escapar da prisão.

Existe uma “carta três”? — sua curiosidade foi aguçada.

Park não respondeu de imediato. Manteve o olhar sobre Baekhyun e, após alguns instantes, esticou o canto dos lábios de forma maliciosa, algo que o detetive só o via direcionar para si.

Chanyeol sabia perfeitamente como fazer as mais diversas expressões devido a anos de observação e treinamento analisando o comportamento das pessoas e o que elas aprovavam ou achavam charmoso. E ele sabia que aquelas facetas atraíam o detetive, além de que, provavelmente, o moreno também gostava de uma insanidade teatral. Entretanto, havia algo intrínseco de Chanyeol naqueles momentos específicos, quando se encaravam, ali ele deixava transparecer o que realmente era, não a psicopatia, mas traços que pertencem unicamente a ele. Era a forma do rapaz demonstrar afinidade, permitir que o ex-soldado enxergasse sua versão sem filtros.

Veremos. — foi tudo que disse antes de voltar a olhar para frente.

Conforme cruzavam as estradas, o caminho tornava-se cada vez mais isolado e silencioso. Virgínia não era um estado popular entre turistas, especialmente em cidades do interior, o que os dava vantagem. Qualquer veículo que se aproximava podiam notar a uma longa distância, o suficiente para se esconderem, caso fosse necessário. Vez ou outra vinha um caminhão, mas apenas isso. Pelo visto, o plano de Park foi mais eficiente do que o esperado, retirando toda atenção de Winchester para Quântico. A vítima masculina, certamente, os deixou confusos e, nesse instante, o FBI deveria estar em polvorosa tentando descobrir o que estava acontecendo. Teriam que se reagrupar e isso levaria algumas horas, ainda mais sem o detetive principal do caso, que, nesse momento, estava dirigindo tranquilamente ao lado do assassino que a polícia caçava. Provavelmente, usariam Sehun como apoio, porém, eles mal sabiam que Oh também estava envolvido. Aliás, Holden também estava envolvido, e ele não tinha aparecido na televisão ou dado algum sinal, o que era estranho. Sem o capitão, a divisão de homicídios deveria estar à beira do colapso com duas vítimas no mesmo dia.

Para evitar qualquer problema, desviaram da estrada principal e começaram a trilhar por caminhos de terra que levariam mais tempo, porém, era mais seguro. O clima dentro do carro era confortável, mesmo em silêncio. O detetive não se sentiu incomodado em nenhum instante, inclusive, conseguia pensar melhor na companhia do moreno e o deixava livre para elaborar suas estratégias em paz. Não havia necessidade de preencher espaço com conversa para diminuir a tensão, o que era um alívio para ambos. Isso fez o ex-soldado se concentrar somente nos arredores, seus sentidos estavam aguçados, captando rapidamente qualquer estímulo visual ou sonoro que surgisse, algo que aprendeu em anos de guerra. Todo segundo era importante e qualquer descuido, por mínimo que seja, poderia ser fatal. Era uma pressão enorme lidar com uma situação que exigia tamanha concentração, porém, o detetive gostava daquilo e, de certa forma, achava tranquilizante estar no controle e ter que avaliar cada passo que daria.

Por quase uma hora, tudo que ouvia eram as rodas deslizando sobre o solo escorregadio e o motor ronronando ruidosamente. Precisava manter as mãos firmes no volante e na marcha para atravessar o barro formado pela chuva recente. Seus pés controlavam os pedais de maneira ágil e aquilo era fundamental para evitar que os pneus não ficassem entalados na lama. Pela iluminação amarelada dos faróis, via apenas o solo a frente e as árvores ao redor. Foi após um exaustivo percurso, impedindo que o carro ficasse atolado, que, enfim, vislumbrou a tal fazenda no horizonte se assemelhando a uma miniatura de construções vermelhas. Podia ver que as luzes da casa principal estavam acesas e, ao lado, havia o estábulo e algo que lembrava um celeiro. Próximo, tinha uma estrutura retangular que aparentava ser uma espécie de fábrica, talvez um matadouro ou criação de porcos, não podia saber.

Como entrariam pelos esgotos, estacionou o carro perto do rio de água rasa, que corria um pouco mais abaixo. Não sabia exatamente onde estava a entrada para o túnel, mas deveria ser ali, afinal, esse tipo de sistema deveria ser antigo e normalmente colocavam saídas em rios para despejar a sujeira.

Precisamos causar uma distração. — anunciou Park quando o carro foi desligado — O copiador pode estar nos esperando nos túneis.

Certo. — suspirou sem conseguir pensar em algo — Vamos encontrar a entrada primeiro. — falou antes de sair do veículo e ir até o porta-malas, retirando uma lanterna e verificando a munição da arma. Em seguida, por precaução, apanhou o canivete que encontrou no carro roubado. Enfiou o objeto no coturno e depois aguardou até que Chanyeol pegasse o que precisava.

Quando estavam prontos, o detetive fechou o porta-malas e deu alguns passos até ficar de costas para a porta do passageiro. Puxou os cabelos para trás e, antes de acender a lanterna, sentiu Park segurar seu pulso. Imediatamente ergueu a cabeça, o rosto de Chanyeol estava perigosamente próximo do seu. As íris castanhas cintilavam maliciosamente sob a luz do luar e a escuridão noturna dava um aspecto nefasto à silhueta do moreno. Era como olhar para o abismo plenamente ciente dos riscos, e, mesmo assim, querer mergulhar lá dentro. Sabia que Chanyeol não sentia intensidade, porém, dentro do detetive, as sensações eram elevadas e, independente do que a razão lhe dizia, seu corpo respondia por vontade própria. Tinha noção de que, se permitisse aquilo, sua última amarra de moralidade se quebraria, não que ele se importasse tanto com isso depois de tudo que passaram.

Você pode me impedir se quiser. — murmurou o maior com uma rouquidão na voz grave que fez a nuca do detetive se arrepiar.

Baekhyun poderia empurrá-lo facilmente, porém, sentiu as mãos de Park agarrarem sua cintura e, com um impulso, empurrou seu corpo até que suas costas se chocaram contra o veículo atrás de si. Instantaneamente sentiu uma corrente elétrica percorrer seu interior, prendeu a respiração quando viu Park inclinando a cabeça e, enfim, colando os lábios dele aos seus e iniciando um beijo devasso e voraz que foi correspondido com a mesma intensidade. O moreno prensou o corpo contra o do ex-soldado enquanto sua língua saboreava o que tanto desejava. Envolvido pela excitação, o detetive deixou que a lanterna escorregasse por seus dedos antes de seus dígitos se afundarem nos cachos alheios.

Eu me lembro de como você gosta. — sussurrou Park antes de mordiscar o lábio inferior do menor e ouvi-lo arfar. Em seguida, retornou a beijá-lo avidamente e começou a percorrer as mãos grossas pelo quadril alheio. Seus dedos não possuíam suavidade, era um toque com afinco que pressionava, impetuosamente, as regiões por onde passava, o que fazia o detetive sentir a pele queimar feito brasa.

Chanyeol afastou os lábios e trocou um olhar carregado de luxúria com um Baekhyun entregue antes de inclinar a cabeça em direção ao pescoço alheio. Logo, fez uma trilha com a língua pela região sensível. Em resposta, o ex-soldado pressionou ainda mais o corpo contra o de Park e ofegou baixinho, estava inebriado pelo tesão e mal conseguindo — ou querendo — retornar a realidade. Em um impulso, o detetive enfiou as mãos por baixo da camisa xadrez de Park e fincou as unhas na pele alheia conforme sentia o sangue queimando nas veias. Em resposta, o maior mordeu o lóbulo de sua orelha, causando um arrepio que o fez arfar um tanto mais alto.

Pense em como seria ir até o fim. — murmurou no ouvido do detetive antes de se afastar. Caso não parassem ali, nenhum dos dois conseguiria se controlar, especialmente Baekhyun, que sentia a excitação pulsando em seu corpo. Admirou o autocontrole de Park e sabia que não teria resiliência para fazer o mesmo. Não naquelas condições.

Já tinha enfrentado diversos desafios em campo de batalha, pouca coisa conseguia distraí-lo daquela forma. Respirou fundo e puxou os cabelos para trás ao passo que recuperava sua sanidade. Secretamente, temia que beijar Chanyeol acabasse sendo algo estranho, que não seria tão bom quanto na noite da boate. Porém, tinha sido muito melhor e isso o deixou frustrado, afinal, ansiava por saber como seria se continuasse, como seria chegar ao ápice…

Balançou a cabeça e impediu que a mente fosse longe demais.

Que droga” pensou.

Baekhyun umedeceu os lábios antes de se abaixar para apanhar a lanterna que deixou cair aos seus pés. Se ficasse parado acabaria com os pensamentos em lugares inapropriados, por isso, acendeu a luz e seguiu em passos calmos em direção ao rio, sendo seguido pelo maior, que não escondia um sorrisinho satisfeito com as reações que tinha causado no ex-soldado poucos segundos atrás. O desejo do menor era de deitar na água fria e tentar diminuir a loucura de sensações que estava dentro de si, mas não podia, precisava reunir todo autocontrole possível e continuar andando. Logo, se recordou de procurar por uma forma de causar distração e isso o ajudou a manter a racionalidade. Olhou ao redor e suspirou:

Vamos achar o túnel.

Chapter 15: Xeque Mate

Chapter Text

Capítulo 15 – Xeque Mate

O rio corria ruidosamente próximo aos pés do detetive. Seus passos eram tão silenciosos quanto os de um felino, deixava apenas um rastro de pegadas na lama molhada, que denunciava por onde tinha passado, porém, aquilo não era um problema no momento. O copiador sabia que eles estavam chegando, só não tinha certeza por onde, e era com essa vantagem que estavam contando.

O coração de Baekhyun estava acelerado devido à adrenalina comum numa situação onde o perigo poderia surgir de qualquer canto. Seus olhos perspicazes acompanhavam cada movimento ao redor, às vezes era enganado por uma sombra projetada pela luz da lanterna, mas nada que o tirasse o foco. Por precaução, mantinha uma mão sobre o coldre da arma em sua cintura. O caminho lamacento parecia interminável, embora eles só tivessem andado por cerca de cinco minutos.

Park se mantinha em silêncio, o detetive apenas ouvia a respiração suave do maior e sentia seus braços se encostarem constantemente por conta da aproximação que, naquela situação, era necessária para não se perderem um do outro ou serem capturados. Em meio a vasta escuridão selvagem noturna, o ex-soldado sentiu-se pequeno; era como se caminhasse em meio ao vazio, engolido por uma imensidão sombria e distante. Quando estava em batalha, sempre tinha bastante barulho por todos os lados (alguns extremamente altos). Agora, estar na quietude e em meio ao nada era sufocante. Toda expectativa do que poderia vir a atacá-los deixava seu peito agitado e fazia as árvores ao redor parecerem mais ameaçadoras do que eram. No entanto, permaneceu concentrado e desejou que Chanyeol soltasse alguma piada para quebrar aquela tensão, mas seria imprudente. Qualquer ruído poderia chamar atenção indesejada, portanto, contentou-se em sentir a companhia do maior.

Poucos minutos depois, Baekhyun encontrou um carro estacionado próximo do rio, os pneus estavam quase dentro da água rasa. No mesmo instante, trocou um olhar com Park antes de ambos empunharem as armas e se aproximarem, cautelosamente, do veículo parado com os vidros fechados. Não havia sinais de alguém lá dentro, porém, os rastros eram recentes e isso significava que alguém tinha chegado ali algumas horas antes deles. Imediatamente o ex-soldado pensou em Holden ou no copiador, poderia ser de ambos, mas apostava que era seu chefe. Iluminou o interior e não viu nada em cima dos bancos, logo deu sinal para que o moreno abaixasse a arma. Aguardou por alguns segundos, mas nada aconteceu. Quem quer que tivesse deixado aquele carro ali estava em outro lugar agora. O motor frio e o cheiro de gasolina fraco denunciavam tal fato.

Baekhyun. — ouviu o rapaz de cabelos cacheados murmurando, prontamente sua atenção se voltou para ele. Notou que Chanyeol fitava um ponto distante, imediatamente olhou na mesma direção e se deparou com a entrada de um córrego. O iluminou com a lanterna e prendeu a respiração quando teve certeza que era o acesso que procuravam.

Vamos checar. — sinalizou para Park e ambos seguiram até o rio, tendo os pés cobertos pela água corrente conforme se aproximavam do túnel. Desviaram das pedras imersas enquanto trilhavam o caminho ao som de passos molhados que acabavam se misturando aos ruídos noturnos.

Quando chegaram à entrada, se depararam com uma abertura com cerca de três metros de altura e uma largura ampla que cabia perfeitamente duas pessoas. O detetive não conseguiu ver nada além de um longo córrego úmido e com lodo crescendo ao redor. Por mais que a lanterna fosse útil, ainda não chegava nem perto de alcançar o fundo daquele túnel; teriam que entrar para descobrir onde levaria. Subitamente, uma brisa levou o mau cheiro às narinas do ex-soldado, que franziu o nariz ao inalar o odor pungente. Contudo, aquilo seria a menor das suas preocupações. Envolveu o pulso de Park entre seus dedos e o puxou para longe da entrada, logo encontraram abrigo sob a copa de uma árvore próxima, prontamente foram acobertados pela sombra desta. Baekhyun apontou a lanterna para baixo e fitou o rosto do moreno, que estava iluminado pela luz pálida do luar que penetrava pelos galhos acima de suas cabeças.

Em um primeiro segundo, teve o impulso de beijá-lo, mas conteve-se. Umedeceu os lábios e voltou a se concentrar na missão.

Precisamos ter certeza que o túnel está vazio. — Baekhyun murmurou quase em um sussurro.

Eu tenho uma ideia. — o moreno respondeu estreitando o olhar.

Parece que pensamos a mesma coisa. — Byun constatou e recebeu uma confirmação de Park. Não foi preciso verbalizar o que pensaram. Em sincronia, olharam em direção ao carro estacionado.

Baekhyun não tinha certeza de quem era aquele veículo, porém, sabia que pertencia a alguém que estava na fazenda. Não havia mais nada por perto e o fato de terem estacionado perto do córrego não era mera coincidência. Só precisavam atrair a atenção do dono para confirmarem a quem pertencia e também para terem a chance de passarem pelo esgoto no momento que o adversário estivesse distraído.

Me dê cobertura. — sussurrou com o rosto a poucos centímetros do maior. Viu Chanyeol assentir e, em seguida, o detetive colocou a arma novamente no coldre e deu passos cautelosos em direção ao rio, cruzou a água até que estivesse perto do outro lado da margem. Em todo momento, Park se manteve alerta com a arma em punho e vigiando para o caso de alguém se aproximar.

O ex-soldado olhou ao redor e confirmou que não havia ameaça por perto. Logo se abaixou e tateou a água rasa até que encontrou uma pedra quase do tamanho da palma de sua mão. Ergueu-se e apontou a lanterna em direção ao carro. Apertou os lábios e respirou fundo, se concentrou no seu alvo conforme sentia os pés sendo encharcados pelo rio, o que deixou uma sensação gélida na região e fez com que um arrepio subisse por sua espinha. Calmamente levantou o braço e, com um impulso, acertou a pedra no vidro da frente do veículo, que estilhaçou com o impacto e disparou um alarme que soou como uma sirene em meio ao silêncio profundo da área selvagem. Os faróis começaram a piscar de forma ritmada na direção deles e não precisaram dizer nada para saberem que tinham que se esconder. Em passos ágeis, retornaram para baixo da sombra da árvore e desligaram a lanterna. Se abaixaram e foram cobertos pela escuridão. Baekhyun podia sentir a respiração de Park soprando contra seu rosto enquanto seu coração se acelerava por conta do perigo iminente.

Demorou cerca de cinco minutos para que o detetive escutasse o som de um carro vindo da fazenda. Cuidadosamente, ergueu o corpo e conseguiu ver os faróis vindo de longe, pareciam dois pontinhos a distância. Logo, viu as luzes da casa principal serem desligadas e teve certeza que os dois suspeitos estavam divididos. Era uma boa chance de fuga. Provavelmente, quem estava na fazenda, esperaria por eles. Não era tolo de subestimar o copiador e, por conta disso, optou por não tentar atacar quem estava vindo de carro, usaria a vantagem para atravessar o esgoto. Quando chegassem ali, eles estariam longe, caso fossem rápidos o suficiente. Com isso em mente, sinalizou para que Park o seguisse. Se apressaram pelo solo lamacento em direção ao rio e correram pela água até a abertura larga do túnel úmido. Baekhyun ligou a lanterna e apontou em direção ao interior do córrego. Inspirou profundamente e fez uma careta ao sentir novamente aquele odor desagradável. Trocou um olhar com Chanyeol antes de, enfim, entrarem na penumbra.

O detetive sentia os coturnos ensopados grudarem no solo pegajoso, porém, isso não o impediu de continuar avançando. Olhou brevemente por cima do ombro e notou a abertura ficando para trás conforme se embrenhavam no breu mal cheiroso. Só conseguia ver até onde a lanterna iluminava e era sufocante a sensação de caminhar em direção ao desconhecido, inclusive, o odor foi ficando mais forte enquanto a brisa noturna se tornava uma lembrança distante. Devido a agitação, começou a sentir calor e precisou focar na própria respiração para manter o foco. Um pouco adiante, avistou alguns insetos escalando as paredes e franziu o nariz, afastando-se para que nenhum caísse em seus ombros.

Daqui a pouco encontramos o Pennywise. — comentou Park, quebrando o silêncio. Imediatamente, o detetive agradeceu por aquilo e relaxou ao ouvir a voz rouca.

Não imaginei que gostasse de filmes infantis. — brincou, antes de virar o rosto na direção do moreno, trocaram um olhar irônico.

Baekhyun precisava daquele momento, mesmo que breve, de alívio cômico. Era isso que tornava a presença de Park diferente dos outros que conviveu, ele tinha uma postura extremamente confiante e acabava transmitindo uma sensação de segurança, por mais insano que pareça. O detetive costuma ficar ansioso e irritado na presença de pessoas nervosas e exaltadas, não sabia lidar com as emoções dos outros, mal tinha conhecimento de como lidar com as suas próprias, e isso o deixava frustrado quando estava em batalha com outros soldados, especialmente os novatos. Já a calmaria maquiavélica de Chanyeol o permitia se tranquilizar e manter a concentração no que realmente importava.

Continuaram o percurso, agora apressando o passo. Não demorou muito para o detetive avistar o fim do túnel, isso o estimulou a correr naquela direção. Contudo, não encontrou uma saída. Teria começado a se preocupar caso não lembrasse de olhar para cima. Quando iluminou a parte acima de sua cabeça viu uma passagem redonda fechada, mas, provavelmente, bastava apenas um empurrão para abri-la.

Não era muito alta, porém, Park não conseguiria alcançar apenas esticando os braços, precisaria de um apoio.

Suba em mim. — Chanyeol murmurou sem esconder o duplo sentido naquela frase. O detetive umedeceu os lábios e suspirou antes de concordar, afinal, não era como se tivesse tempo sobrando.

Park virou-se de costas e abaixou um pouco, logo, o detetive enlaçou seu pescoço e cruzou as pernas na cintura alheia com firmeza. Chanyeol, aproveitando a oportunidade, pousou as mãos em cima das coxas do ex-soldado, o que o deixou momentaneamente arrepiado. Era uma posição comprometedora, ainda mais depois do beijo que haviam trocado alguns minutos atrás, o qual tinha deixado resquícios de excitação em Baekhyun. Ignorando isso, o ex-soldado mordeu o lábio inferior e inclinou o pescoço para o lado para que sua cabeça não batesse contra o concreto. Afastou os braços do moreno e segurou a lanterna com a boca, apontou a luz diretamente para a abertura. Não foi necessário muita força para empurrar a tampa metálica enferrujada e, assim que o ar noturno penetrou suas narinas, ele agradeceu; inspirou algumas vezes até que o odor de lodo desaparecesse.

Ergueu-se para fora e apoiou as mãos sobre o gramado, deu um impulso para frente e conseguiu colocar todo o corpo no solo firme. Rapidamente tirou a lanterna da boca e pousou ao seu lado, voltando a atenção para o buraco. No instante que agarrou os braços de Chanyeol, ouviu um tiro ser disparado dentro do túnel e congelou por alguns segundos. Com o coração disparado, não hesitou em usar toda força que possuía para puxar o rapaz de lá. Felizmente, conseguiu ajudá-lo a sair do esgoto com agilidade. E, no momento que Park estava fora, ouviram outro tiro. Não parecia estar perto, contudo, preferiram não arriscar. Taparam a entrada antes de examinarem ao redor e prontamente viram os fundos do estábulo. Como tudo estava escuro, optaram por desligar a lanterna a fim de não chamarem a atenção, ao menos até que se situassem. Usando apenas a iluminação da lua, aguardaram por algum ataque, mas nada aconteceu, inclusive, os tiros cessaram e tudo retornou a quietude de antes. Isso deixava o detetive ainda mais aflito, tinha um péssimo pressentimento a respeito daquela situação e podia sentir a nuca se arrepiando, indicando um perigo à espreita. O copiador podia estar em qualquer lugar, apenas os observando. Não poderiam sair correndo, porém, também não era sábio permanecer estagnado. Calmamente, o ex-soldado segurou o pulso de Chanyeol e fez sinal para que seguissem em direção à casa principal. Precisavam encontrar um local seguro para se organizarem.

Se levantaram da grama e deram alguns passos antes do detetive sentir alguma coisa pontiaguda passando rente a sua orelha. Imediatamente arregalou os olhos e inclinou o corpo para o lado, esbarrando em Park, que não tinha notado o ataque silencioso lançado pelo desconhecido. Por conta da penumbra, Baekhyun não pôde identificar o que tinha tentado atingi-lo, mas apostava em uma espécie de canivete ou algo parecido. Sua pulsação socava seus ouvidos enquanto o coração acelerado espancava sua caixa torácica sem piedade.

Ele está nos observando. — sussurrou para Chanyeol, o que fez o maior estreitar o olhar e começar a analisar ao redor.

Não era possível identificar uma sombra em meio a escuridão. Contudo, o detetive desconfiava que o copiador estivesse em algum lugar alto. Buscou por algum sinal acima da casa principal e do estábulo, porém, sem sucesso. Teria que ligar a lanterna para encontrá-lo e não podia fazer isso sem acender o alvo em sua direção. Permaneceu com os sentidos aguçados e tentando captar qualquer coisa que o ajudasse a identificar a posição do assassino. Por instinto, empurrou Park para o lado em tempo de ouvir outro objeto pontiagudo ser disparado.

Baekhyun, temos que… — dizia Chanyeol, no entanto, a sentença não pode ser finalizada. O detetive arregalou os olhos quando sentiu uma agulha perfurar seu pescoço, imediatamente seu corpo ficou amolecido. Tropeçou para trás e tentou murmurar palavras desconexas antes da visão se embaçar e as pernas perderem totalmente o equilíbrio. Teria tombado no chão se os braços de Park não o tivessem impedindo de cair.

Tentou lutar contra o dardo sedativo, porém, era inútil e só conseguiu processar a voz distante do rapaz de cabelos cacheados antes de perder a consciência e cair na escuridão do sono profundo.

[…]

Baekhyun sentiu parte de sua mente despertando. Seus olhos permaneciam fechados e tinha dificuldades em mexer o corpo, era como se tivesse perdido o controle de seus músculos e isso era angustiante. Um desconforto subiu por seu estômago e, por um instante, achou que desmaiaria novamente, mas o efeito passou e deu lugar para uma dor de cabeça esmagadora. Conseguiu movimentar um pouco o pescoço e agradeceu por não ter sofrido nenhuma lesão na região atingida. O primeiro sentido que retornou foi seu paladar e experimentou um gosto amargo antes de entreabrir os lábios e tomar o controle da própria respiração. Por fim, abriu os olhos, com certa dificuldade, e piscou várias vezes até que sua visão ficasse clara. Olhou para frente e encontrou o rosto de Park, suspirou de alívio ao vê-lo vivo, embora percebesse que ele também estava atordoado pelo sedativo. Aos poucos, começou a se lembrar do que tinha acontecido e isso foi o bastante para despertá-lo de vez. Como esperava, sua arma tinha desaparecido, assim como o canivete em seu coturno.

Endireitou a coluna e examinou o local onde estava. Era uma espécie de galpão com várias lâmpadas fluorescentes acesas no teto coberto de barras metálicas e fios elétricos. Havia paredes altas de concreto desgastado e cheio de manchas que pareciam infiltração de água. Buscou por uma saída e encontrou uma porta dupla acinzentada atrás de Park, essa estava fechada com correntes. O lugar era bastante amplo e vazio. Porém, o detetive reparou que havia uma mesa quadrada a sua frente e que seus pulsos estavam algemados atrás de suas costas. Quando olhou para baixo, pôde ver que estava sentado em uma cadeira velha de aço. Ergueu a cabeça e surpreendeu-se ao encontrar Holden próximo de si com os braços apoiados sobre a mesa.

O detetive encarou Chanyeol em busca de respostas, porém, sua atenção foi desviada para uma figura encapuzada que se aproximou em passos calmos. Puxou a única cadeira vazia e sentou-se com o corpo virado na direção do ex-soldado.

Quando o homem puxou o capuz e revelou a face não houve surpresas, apenas uma ponta de decepção no peito de Baekhyun ao constatar sua teoria.

Você estragou todo o suspense. — disse Minseok, ele parecia desapontado. — É uma pena. Eu realmente gosto de deixar um impacto nas pessoas. — deu de ombros antes de virar o corpo de frente para a mesa e apoiar os braços sobre a superfície metálica. Em sua mão direita estava uma pistola prateada, que cintilava contra a luz.

Por que me enganou esse tempo todo? — foi a primeira pergunta que veio à mente do detetive. Sentia a raiva crescendo dentro de si enquanto encarava o rosto de quem julgava ser seu amigo. Mesmo que não tivesse uma relação íntima com o assassino, ainda doía ver do que uma pessoa era capaz. Pressionou os lábios, contendo a vontade de avançar sobre o Kim.

Que previsível. — balançou a cabeça negativamente — Não vamos começar com perguntas idiotas, por favor. Eu tenho expectativas altas sobre vocês dois. — apontou com a arma em direção a Park.

O que você quer comigo? — o ex-soldado mantinha o tom de voz cortante e o olhar fuzilante em direção ao assassino. Sabia que era tolice fazer aqueles questionamentos, no entanto, precisava indagá-lo e ter certeza de que aquele homem não nutria a mínima empatia por si.

Ficou magoado? — zombou antes de soltar um suspiro cansado — Baek, — usou o apelido de forma provocativa — você tem todas as respostas, então, — inclinou o rosto na direção do detetive — para de perder tempo com essas futilidades. — sua voz era ácida e sem nenhum traço de intimidação. — Afinal, — recostou na cadeira — estamos na presença do ilustre Assassino do Xadrez!

Minseok fingiu bater palmas enquanto direcionava a atenção para o rapaz na outra extremidade da mesa.

Eu imaginei que você fosse meu fã. — ironizou Park com o mesmo semblante inabalável de sempre. Mesmo com as mãos algemadas e encurralado, ele ainda conseguia exibir uma postura confiante.

Creio que meus métodos me denunciaram um pouco, não é? — franziu o nariz e o detetive não pode deixar de encarar sua expressão. Embora já desconfiasse, era chocante ver alguém que sempre julgou ser uma boa pessoa ser, na verdade, alguém monstruoso.

Era inevitável não pensar nas vítimas do copiador, os rostos passavam um por um em sua mente. Não conseguia imaginar Minseok matando aquelas pessoas brutalmente, ele nem aparentava ser tão forte, tinha altura mediana e um porte físico comum. Em nenhum momento o viu demonstrar qualquer sinal de agressividade com alguém na boate, nem mesmo com comentários maldosos, o que levou o ex-soldado a notar o quanto aquilo era estranho. De fato, nunca chegou a ver o Kim irritado ou falando algo inapropriado, não é normal alguém ser tão perfeito, ainda mais quando se é solitário e frustrado. Fazia todo sentido, mas não deixava de ser cruel. Caso fosse Sehun ali, Baekhyun sentiria algo quebrando dentro de si. Entretanto, tentou espantar tais pensamentos e viu, pela visão periférica, que Holden mantinha o olhar fixo em si. Franziu o cenho na direção do chefe e percebeu que ele não carregava uma arma, o que era estranho. Tinha algo peculiar em suas íris, o detetive achou que estava ficando maluco, mas sentiu que o capitão queria lhe dizer alguma coisa.

Você não é nada sutil. — ouviu Park dizendo e retornou a observar os dois assassinos se confrontando.

Honestamente, não achei que você me encontraria. Nenhum dos outros conseguiram. — se referia aos assassinos que plagiou no passado — Teve alguns que nem notaram a minha presença. — riu.

Eu sou especial. — gabou-se o moreno com um sorrisinho de canto arrogante que o detetive achou engraçado. Chanyeol não se intimidava com absolutamente nada. — É por isso que você está fascinado com a minha ilustre presença.

Baekhyun reparou que Minseok não parecia se importar com ninguém além de Chanyeol. Toda sua atenção era voltada para o maior, tanto que ele e Holden pareciam meros espectadores do espetáculo que Kim sentia dar com o Assassino do Xadrez sob custódia. O tom que Minseok utilizou com o ex-soldado era de impaciência e desprezo, o que não acontecia quando ele se dirigia a Park. Havia um misto de ódio e admiração nos olhos do copiador quando este olhava para Chanyeol.

Não confunda as posições por aqui. — Minseok estreitou o olhar enquanto apontava a arma para a cabeça de Park, que nem ao menos piscava com a ameaça de morte. — Esse não é seu tabuleiro, mas sim o meu. Te peguei, Park Chanyeol! Você tem que me dar crédito por isso. — o tom de Kim era carregado de irritação e isso se evidenciava também em seu olhar, que faiscava enquanto encarava o outro assassino.

Que pena. — o moreno suspirou — Eu acho que esqueci de trazer a sua medalha. — debochou. Em seguida, trocou um olhar com Baekhyun e o detetive entendeu que deveria deixar a conversa por conta dele. Enquanto isso, focou-se em analisar o ambiente e buscar formas de escapar.

Minseok soltou uma longa risada, carregada de cólera.

Imaginei que seria difícil arrancar essa insolência da sua cara. — abaixou a arma enquanto sustentava o olhar desaforado de Park. — Talvez eu tenha que cortar ela fora. — puxou um canivete do bolso da calça e ergueu a ponta afiada de forma ameaçadora.

Hm. — murmurou o maior e acenou brevemente — Quando eu te matar, usarei bastante violência, já que você gosta tanto. — Aquilo não era uma ameaça vazia ou um blefe, Park exibia uma postura convencida e parecia resoluto quanto aquela afirmação, o que deixou o copiador enraivecido. Pelo visto, o Kim realmente acreditou que apenas amarrando Chanyeol conseguiria amedrontá-lo.

Em um impulso, Minseok ergueu-se da cadeira, o que fez um ruído metálico ecoar pelo local, e inclinou a cabeça até que seu rosto estivesse a centímetros de Park, que permanecia inalterado em sua pose presunçosa. Os olhos do maior estavam carregados de frieza e tinham um brilho sutil e maquiavélico. No fundo, ele deveria estar se divertindo com a situação e não fazia questão de esconder. Já deveria ter planejado mil maneiras de assassinar o copiador, no entanto, as coisas não seriam tão fáceis e o detetive tinha receio da imprevisibilidade do Kim. Chanyeol estava certo, ele era guiado por impulsos e não fazia o mínimo esforço para controlar sua raiva ou qualquer outra emoção. O que o dava vontade, ele fazia; e isso era extremamente perigoso, apesar de também ser estúpido. Se não tomassem cuidado, ninguém sairia vivo daquele galpão. Em qualquer momento, Minseok poderia decidir dar um tiro na cabeça de todos sem precisar de muito incentivo.

Baekhyun examinou o Kim e teve certeza que a chave para abrir o cadeado estava no bolso do moletom. Podia ouvir um suave tilintar vindo dali enquanto o copiador se movia. No entanto, tentou não encarar demais, já que Holden o estava vigiando em silêncio; o que seria intimidador, caso não estivesse ansioso para dar uma surra em seu chefe.

Eu não tenho medo de você. — disse Minseok, em voz baixa. Seus olhos estavam bem estreitados e exibiam um brilho lunático.

Então, por que me amarrou? — Chanyeol arqueou uma sobrancelha desafiadoramente. Na outra extremidade da mesa, o ex-soldado adorou ver a audácia do Park, mas, ao mesmo tempo, teve quase certeza que morreriam.

O detetive pensou que Kim soltaria outra risada colérica, porém, ele ergueu a arma no ar, virou o cano para baixo e, violentamente, acertou uma coronhada no rosto de Chanyeol, bem na região da bochecha. Imediatamente, Baekhyun arregalou os olhos e sentiu os músculos enrijecerem por conta do susto. Por um segundo, achou que o moreno tinha desmaiado, mas logo o viu mexer o pescoço e fazer uma careta de dor enquanto sangue escorria pelos seus lábios. Porém, aquilo não durou muito e, em seguida, o maior começou a rir insanamente. Por instinto, Byun tentou se soltar inutilmente das algemas; seu coração disparava conforme a situação ficava mais tensa. Já tinham perdido o controle daquela missão, mas isso não significava que se daria por vencido. Só precisava se concentrar para encontrar uma solução.

Eu — começou o copiador conforme agarrava o pescoço do moreno e o enforcava, fazendo-o cessar o riso, mas sem tirar os traços de insanidade de seu rosto — não sou um homem tolerante. Tenha cuidado com as palavras. — ameaçou com a voz cortante e as feições carregadas de ódio cru. Os olhos de Minseok se avermelharam e isso fez o detetive perceber que a fúria do Kim era maior do que imaginava. Começou a pensar no que teria acontecido naquela fazenda para deixá-lo daquela forma.

Em seguida, Minseok soltou o pescoço de Chanyeol. O moreno tossiu um pouco antes de passar a língua pelos lábios, limpando parte do sangue. Era uma visão extremamente bizarra e o detetive, embora precisasse focar no ambiente, não conseguia desviar a atenção do diálogo entre aqueles dois. Podia ter visto muita crueldade na vida, porém, era a primeira vez que se deparava com dois assassinos em série se confrontando: um sádico e um psicopata. Até mesmo se esqueceu da presença de Holden em alguns momentos, tendo que encará-lo para se lembrar que não podia se distrair a esse ponto. Seu chefe também era perigoso e deveria existir alguma razão para ele se manter calado.

Quanto desespero para se provar homem. — debochou Chanyeol enquanto lançava um olhar de escárnio para Kim, atiçando ainda mais sua ira. Naquele instante, o detetive estava preparado para se despedir da vida. Pensou que seria uma boa ideia deixar Park encarregado da situação, mas estava começando a questionar essa decisão. O maior não tinha medo de morrer ou de se ferir e, agora, o ex-soldado conseguia perceber como a falta disso poderia ser perigosa.

Em resposta, Minseok desferiu um tapa que atingiu em cheio o lado ferido anteriormente pela arma. Um pouco de sangue escorreu novamente pelos lábios de Park, que limpou com a língua antes de encarar o copiador com um brilho ardiloso nas íris escuras.

Pode arrancar cada membro meu, se quiser. — disse Chanyeol — Não vai me fazer implorar por misericórdia. — sorriu perversamente.

Park sabia que era isso que excitava o outro assassino. Sua intenção com aquilo era conseguir fazer o moreno sentir medo ou intimidação, algo que não seria alcançado através da brutalidade, como estava acostumado a fazer com as suas vítimas. O detetive pensou que, talvez, o verdadeiro desejo de Kim era quebrar o maior por dentro e não achava isso possível.

Para a surpresa de todos, Minseok se afastou e soltou um longo suspiro antes de seu próximo ato, que não tardou a vir. Com um repuxar de lábios, levou uma mão em direção aos cachos de Park e afundou os dedos entre os fios. Ambos se encaravam em uma tensão palpável e carregada de hostilidade. Qualquer pessoa que tentasse se aproximar deles poderia ser esmagada apenas pelo clima extremamente pesado que os rodeava.

Sabe, — desviou o olhar para um ponto aleatório — eu sempre tive dificuldade em me conectar com alguém. — o detetive franziu o cenho — Eu acho que você deve estar curioso sobre isso. Minha mãe me vendeu para aquele casal de velhos quando eu era criança. Ela teve muitos filhos bastardos sem pai e era difícil sustentar todos. — era visível o ódio que nutria por aquela lembrança — Aquele velho adorava me tratar feito um dos cavalos dele. Tenho a impressão que sabe como é isso, Chanyeol. — estreitou o olhar — Então, imagina como deve ser boa a sensação de, enfim, encontrar uma pessoa que genuinamente gosta de você. — balançou a cabeça.

Park permaneceu calado e nem chegava a piscar enquanto sustentava o olhar do copiador sobre si. Ele tinha entendido perfeitamente onde o assassino queria chegar com aquela conversa.

Eu admito, — puxou os cabelos do moreno — tenho uma profunda inveja de você. Afinal, — olhou para o detetive — como conseguiu fazer alguém gostar do monstro que você é? — franziu o cenho e negou com a cabeça — Se fosse comigo, eu aposto que teria sido rejeitado. Isso é triste. — suspirou e voltou a olhar para o maior — É muito triste. — enfatizou antes de soltar os cachos alheios com brutalidade e virar o corpo na direção do ex-soldado, que sentiu o coração saltando dentro do peito enquanto o via se aproximando em passos felinos.

Instintivamente, olhou para Park e viu suas íris escuras em estado de alerta. Logo, desviou a atenção para o copiador que, agora, estava em pé ao seu lado. Minseok inclinou o corpo para baixo até que seu rosto estivesse na mesma altura do detetive. Embora Baekhyun estivesse agitado, não demonstrava, mantinha a expressão impassível e preferiu não dizer nada. Mesmo se tentasse, não achava que existiam palavras que pudessem impedir o que quer que Kim tivesse em mente.

O assassino deslizou os dedos pelos fios escuros do detetive, o que fez Baekhyun sentir uma sensação gelada lamber seu estômago. Sentiu o gosto da morte na boca quando o toque dos dígitos de Minseok desceram, com lentidão, pela sua bochecha até alcançarem seu queixo e, ali, parou. O ex-soldado sentia uma sensação desagradável na região tocada. Seu estômago parecia ter afundado e a raiva misturada a aflição o preenchiam por dentro. Tentou manter a concentração e buscar por qualquer coisa que poderia tirá-lo daquela situação.

Olha só. — disse Minseok antes de olhar para Chanyeol e encontrá-lo, pela primeira vez, afetado. Não intensamente, porém, dava para notar alguns traços de apreensão pelo que poderia acontecer. — Eu nunca imaginei que conseguiria atingi-lo matando outra pessoa. — riu enquanto voltava a segurar os fios escuros do detetive, dessa vez com força. Em seguida, apontou a arma para a cabeça de Baekhyun, o cano da pistola ficou colado na pele do ex-soldado, que sentiu um arrepio violento perpassando seu corpo. Já tinha sido ameaçado inúmeras vezes e não tinha medo de morrer, contudo, não podia fazer suas emoções desaparecem e nem seu coração parar de espancar sua caixa torácica. Em nenhum momento fechou os olhos, os manteve bem abertos e fixos em Chanyeol.

Baekhyun ouviu o assassino destravando a arma e congelou. Agora o mundo parecia se mover em câmera lenta, sentia que aquele era o fim. Morreria daquele jeito? Não esperava algo diferente, mas admitia que gostaria de estar em um lugar mais agradável e ter tido tempo para pensar em suas últimas palavras. Deveria dizer alguma coisa? Não fazia ideia do que, mas gostaria de dizer algo para Chanyeol, que o encarava com as pupilas dilatadas.

Você já assistiu sua mãe morrendo, Park. — continuou Minseok — Não vai ser tão difícil assistir a isso.

O detetive suspirou e não teve tempo de pensar em mais nada antes de ouvir o copiador apertando o gatilho. Seu corpo todo petrificou e, instintivamente, fechou os olhos. Tinha certeza que, quando abrisse, encontraria a morte pronta para levá-lo. Contudo, notou que seu coração continuava batendo incessantemente e que, embora tenha escutado o gatilho, não houve um disparo. Confuso, abriu os olhos e encontrou tudo exatamente igual e sua cabeça intacta.

Subitamente, Minseok deu uma risada alta e carregada de escárnio.

Relaxa, não tem munição. — ergueu a arma no ar e afastou-se do detetive, indo em direção a Holden e estendendo a mão. Logo, o capitão do FBI entregou um cartucho de balas para o assassino. — Você precisava ver a sua cara. — disse para Park que, agora, tinha uma expressão dura e mortal no rosto. Minseok carregou a pistola e depois se sentou em uma das cadeiras disponíveis. — Holden está tão calado, não é? Bem, eu cortei a língua dele. — riu — É brincadeira. Só o mandei não me atrapalhar. — lançou uma piscadela para o homem de óculos antes de voltar a encarar Chanyeol.

Baekhyun ainda estava atordoado. Sua mente fervilhava conforme tentava entender o que tinha acabado de acontecer. Fitou um por um naquele galpão e depois piscou algumas vezes para processar tudo. Tinha certeza que estava vivo e aquilo foi apenas uma brincadeira por parte do copiador para atingir Park, o que ele conseguiu. Agora parecia satisfeito com a conquista enquanto exibia sua pistola carregada como um troféu. Byun se enfureceu consigo mesmo por não ter notado que a arma estava sem munição antes. Se tivesse conseguido sentir o peso dela teria percebido, mas, apenas pela visão, é quase impossível distinguir. Podia ver que o moreno também sentia-se idiota por ter caído naquela manipulação. Baekhyun sentiu a raiva queimar por suas veias e mordeu o lábio inferior, contendo aquele sentimento e tentando se manter estritamente racional em meio aquela situação. Impulsividade era a última coisa que o ajudaria, inclusive, começava a questionar cada decisão que tomou até chegar ali; se culpava por ter deixado as coisas perderem o controle. Porém, não tinha outra saída, e, mesmo se tivesse, era impossível prever o que poderia ter acontecido.

Talvez, minha confiança seja um empecilho”, Baekhyun pensou. Afinal, era fácil premeditar os passos de homens civis, mesmo que fossem corruptos; estes sempre mantinham uma rotina e sabia a identidade de cada um. Estava acostumado com a posição de predador e não de ser a presa. Frustrado, balançou a cabeça e optou por parar de pensar demais. Nada disso seria útil no momento e precisava focar apenas em virar o jogo. Já sabia quem era o copiador e estava com a chance nas mãos para matá-lo, só precisava saber como faria isso.

Me perdoem. Vocês devem estar confusos sobre como consegui mantê-lo calado. — Minseok apontou o cano da arma para Holden — Bom, o nosso capitão aqui engravidou uma garota menor de idade. — fez uma careta de reprovação e o detetive dirigiu seu olhar para o chefe que, agora, estava retraído — Quanta estupidez. Enfim, ele forçou a pobre menina a abortar ilegalmente e, adivinhem? — batucou a mesa simulando suspense — Ela morreu. — riu.

Baekhyun entreabriu os lábios enquanto fitava o homem de óculos. Por trás das lentes a culpa era evidente, inclusive, Holden evitava olhar para qualquer um naquela mesa. Então, era esse o segredo que o capitão queria tanto deixar enterrado. Certamente, nos tempos atuais, aquilo o faria ser demitido e perder o distintivo, além de, talvez, acabar na cadeia; essa era a maior desonra para um membro da polícia.

Então, — continuou Kim — só temos assassinos nesta mesa. Uma reunião em tanto!

Todos nós merecemos morrer. — disse Holden, se pronunciando pela primeira vez naquela noite.

Eu discordo. — rebateu Park. Trocou um olhar com o detetive e ambos indicaram que estavam bem.

Você acha que matar criminosos te faz menos culpado do que nós? — refutou Holden, cruzando os braços de maneira defensiva — Posso ver que é exatamente isso que pensa. No fim, você também é um demônio.

Pelo menos eu não destruí a vida de ninguém, pelo contrário. — gabou-se dando de ombros e, logo, o detetive lembrou-se de Alice — Não mereço morrer, afinal, eu sou incrível. Por isso vocês não conseguem me tirar da cabeça. — retornou a sua pose debochada, porém, com mais cautela dessa vez.

Eu só estava fazendo o meu trabalho. — o ex-soldado se manifestou, atraindo o olhar de Holden e Minseok — E acho que essa discussão é inútil.

Esclareça o motivo. — pediu o Kim, demonstrando empolgação em ver todos na mesa interagindo.

Foda-se quem merece ou não morrer aqui. — o copiador ergue as sobrancelhas, surpreso — Sabemos que é apenas questão de sobrevivência.

Eu sempre soube que você era corrompido. — acusou Holden.

Isso foi uma piada? — riu brevemente, incrédulo — Você é o único pedófilo sentado nessa mesa.

Sei que você assassinou seus colegas de escola. — retrucou o capitão.

Quer mesmo transformar isso em uma competição? — arqueou uma sobrancelha, desacreditado com audácia do seu chefe em recriminá-lo depois do que Kim havia revelado.

Um assassino com vinte vítimas ganha em disparada. — foi a vez de Park provocar o copiador, que lhe lançou um olhar afiado — Desculpe. — pediu de uma forma que pareceu genuína — Foram mais de vinte? Não me atentei à contagem. — ironizou.

Claro que não. Se tivesse se atentado veria que seu namorado fez mais vítimas do que eu. — Era perceptível que ele só disse aquilo para irritar Park.

Lutei com pessoas que podiam se defender. — argumentou o detetive, indignado em receber acusações daqueles maníacos.

Podiam tanto que acabaram mortas. — rebateu Kim antes de socar a mesa e fazer o som metálico ecoar ruidosamente pelo galpão — Estou ficando irritado com essa perda de tempo. — levantou e apontou a arma em direção a cabeça de Baekhyun e, instantaneamente, o ambiente retornou ao silêncio. — Holden, abra a porta. — apanhou uma chave do bolso e lançou para o capitão que, sem contestar, fez o que foi ordenado e se encaminhou para abrir as correntes da porta dupla. — Chanyeol, levante-se e venha comigo.

É inútil perguntar para onde vamos? — ergueu-se com as mãos algemadas atrás das costas. Enquanto isso, o detetive se surpreendeu ao ver que o moreno estava tendo cautela em relação a sua vida. Pensou que, na primeira oportunidade, Park o abandonaria para a morte sem hesitar, contudo, acabou fazendo o oposto e isso o intrigava. Talvez tenha subestimado seu valor como Rainha.

Sim. — afirmou Minseok antes de Holden retornar e sentar-se — Tome conta do nosso soldadinho. Se ele tentar algo, — puxou uma granada de dentro do moletom preto e pousou na mesa — exploda tudo. Vamos bonitão, — virou-se para Park e fez sinal para que ele andasse — comece a caminhar.

Park teve apenas alguns segundos para trocar olhares com o detetive, que estava apreensivo pela separação. Silenciosamente, anuíram sutilmente um para o outro antes do ex-soldado inspirar o ar e o prender quando viu o maior virando de costas para si e seguindo para fora do galpão. Logo atrás, com a arma apontada para Chanyeol, ia Minseok em passos pesados e ruidosos. Os observou saírem pela noite e, depois de um momento, viu a escuridão os engolindo e os fazendo desaparecer de vez. Holden se levantou e fechou a porta, porém, sem trancar o cadeado. Retornou em silêncio para a mesa e cruzou os braços, manteve o olhar fixo no rosto de Baekhyun. Por um lado, aquela situação o favorecia, afinal, só precisava lutar com um inimigo agora, mas, em compensação, não fazia ideia do que estava acontecendo com Park onde quer que o copiador o tenha levado. Se um tiro fosse disparado, conseguiria escutar dali, no entanto, tudo permanecia quieto. Sabia que Chanyeol podia se virar sozinho — e muito bem —, mas ainda não podia deixar de se preocupar com o destino dele. Por hora, só tinha que focar em salvar a própria vida antes de descobrir como salvá-lo.

[…]

O ar gélido da noite acariciava a pele de Chanyeol enquanto o mesmo caminhava em passos calmos pela grama. A única iluminação era a luz do luar brilhando fracamente e projetando sombras por todo lugar, o que dava um aspecto bizarro ao formato das árvores e tornava seus galhos ainda maiores. Podia distinguir as construções a frente, tanto a casa principal como o estábulo, só não podia visualizar os detalhes. Escutava o farfalhar das folhas ao longe e os pés de Minseok raspando pelo gramado atrás de si. Nem precisou se virar para saber que o Kim estava apontando a arma para sua cabeça. Não tinha entendido o propósito daquilo no começo, mas, quando viu o rumo que tomavam, soube o que o copiador estava planejando. Para Park, era até previsível que ele quisesse levá-lo para lá; provavelmente, perderia tempo contando sobre a triste infância que teve. Já tinha analisado o suficiente da personalidade sádica e impulsiva do assassino para saber prever um pouco seus próximos passos. Não tinha uma razão para ele fazer aquilo além de provar alguma coisa para si e se exibir para o rapaz de cabelos cacheados. Por isso o confrontou anteriormente, queria que toda atenção do menor fosse direcionada para si, o distraiu tanto que foi fácil fazê-lo perder o interesse no detetive. Tinha cogitado a possibilidade de Minseok ameaçar o ex-soldado, preparou-se para isso, só não previu que ele faria aquela brincadeira psicológica. Tinha subestimado o nível dele, admitia isso. No entanto, não cometeria esse erro novamente.

Como esperava, foi guiado em direção ao estábulo. O interior estava preenchido pela escuridão, não dava para ver praticamente nada. Porém, não tardou para ouvir um clique, logo, algumas lâmpadas, penduradas precariamente por fios elétricos, se acenderam no teto de madeira. Imediatamente, Park examinou o local. Não encontrou nenhum cavalo, embora o cheiro indicasse o contrário. Talvez tenham sido retirados recentemente. Havia muita palha espalhada pelo chão e manchas escuras nas paredes, algo característico de lugares onde se criam animais de grande porte.

Sabia que você entenderia minha mensagem. — disse Minseok enquanto se colocava à frente de Chanyeol com a arma em punho. — Esse estábulo tem um valor simbólico para mim.

Foi aqui que matou aqueles velhinhos? — arqueou uma sobrancelha.

Não é difícil deduzir isso. Enfim, — deu de ombros — eles eram uns escrotos medíocres.

Deveria me oferecer um lugar para sentar se vai narrar sua história trágica. — ironizou tentando ganhar tempo. Só precisava distraí-lo o suficiente para conseguir uma abertura de ataque.

Vou te poupar desse trabalho. Não é por isso que te trouxe aqui. — Park fingiu surpresa e o Kim se aproximou, mantendo uma distância segura para que o maior não o atingisse. — Quero saber como é ser igual a você. — estreitou o olhar com um brilho alucinado.

Incrivelmente atraente e inteligente? — debochou.

Me poupe das suas piadinhas. Sabe perfeitamente ao que estou me referindo. — seu tom ficou mais impaciente e rígido.

Chanyeol riu.

Que patético. — meneou a cabeça — É maravilhoso ser eu, mas suspeito que você já saiba disso. Dá para notar sua fascinação por mim. — Kim irritou-se — Não fique ofendido, todos que me conhecem sentem o mesmo.

Subitamente, Minseok disparou um tiro que passou por cima do ombro de Park e acertou parte da madeira do estábulo. O estrondo ecoou como uma bomba, precisou de alguns segundos para conseguir retomar o raciocínio por conta do zumbido em seu ouvido, que o deixou brevemente atordoado.

Eu mandei parar com essas piadinhas de merda! — esbravejou o assassino conforme seu rosto se tingia de vermelho. — O próximo tiro vai ser na porra da sua cabeça se não me responder direito! — bufou, estressado, antes de umedecer os lábios em sinal de nervosismo.

Chanyeol analisou sua posição atual. Não podia continuar em tom debochado ou realmente levaria um tiro. Tinha que manter o controle da situação e, por isso, optou por dar exatamente o que o copiador queria tanto. Parou de fingir expressões e manteve as linhas faciais rígidas em sua verdadeira face indiferente e carregada de frieza. Suas íris castanhas se fixaram no rosto do Kim, que estava preenchido de cólera, este estava em meio a uma combustão emocional que não despertava nenhuma reação em Park. Nada o intimidava, apesar de estar consciente do perigo e das consequências de suas ações. No fundo, tinha um desejo de pisotear o assassino até quebrar os ossos dele, mas era como um sussurro distante; aquela vontade estava longe de controlá-lo.

Você quer saber como é ser um psicopata, Minseok? — indagou, retoricamente, com a voz grave e cortante. Percebeu que o menor ficou satisfeito e empolgado em, enfim, vê-lo retirar a máscara. Dava para ver o brilho lunático nos olhos alheios enquanto este o encarava. — Mas você nunca vai saber. — Kim franziu o cenho e Chanyeol deu dois passos à frente — Pode continuar matando, mas, por dentro, você é só um garotinho revoltado chorando porque a mamãe te rejeitou. — pronunciou cada palavra como se as saboreasse.

Não é diferente de você. — retrucou na defensiva. Park podia ver nos olhos dele que o tinha atingido.

Sabe o que eu sou por dentro, Minseok? — diminuiu o tom de voz até o timbre se tornar um sussurro frio e ameaçador — Nada. — disse pausadamente — Pode tentar me quebrar, mas não existe nada dentro de mim para ser quebrado. Essa é a diferença entre nós. — riu anasalado — Eu me sinto fantástico enquanto você está, a cada dia, se afogando na própria dor e desesperadamente tentando matar esse sentimento. — ergueu as sobrancelhas — É por isso que mata, não é? O prazer em ver o sofrimento dos outros ameniza seu martírio emocional. Você vê a sua querida mamãe em todas aquelas mulheres?

Cale a boca. — ordenou, enfurecido.

Ou vai atirar em mim? — riu novamente — Por que ainda não me matou? Eu acho que, no fundo, está tão carente que prolongou a nossa conversa para se sentir menos sozinho. — debochou.

Subitamente, um estrondo rompeu violentamente o ar. Park virou a cabeça em direção ao barulho ensurdecedor e viu o galpão explodindo. Suas pupilas se dilataram e o corpo ficou rígido enquanto observava os pedaços da construção se espalhando pela grama conforme uma língua flamejante subia em direção ao céu. Não demorou muito para as chamas alaranjadas consumirem tudo. Tinha notado que havia alguns canos inflamáveis ali, o que, de certo, aumentou a intensidade da explosão. Parecia algo planejado, no entanto, a única coisa que se passou na cabeça do moreno naqueles instantes foi o nome do detetive. Aguardou por um tempo, esperando que a figura de Baekhyun fosse surgir a qualquer momento, no entanto, nada ocorreu. Tentou enxergar em meio a escuridão, mas nada aconteceu, só conseguia ver destroços e o incêndio formado no que restou do galpão. Tinha certeza que aquilo chamou a atenção e sabia que não podia prolongar aquela batalha.

Como se sente agora que seu namorado virou cinzas? — Minseok debochou, risonho, antes de receber um olhar cortante de Park, que, em um impulso, chutou a mão do assassino, coisa que o fez derrubar a arma no chão coberto de palha velha.

Park chutou a arma para longe, essa acabou indo parar na entrada do estábulo. E, antes que Kim pudesse correr, lhe acertou um chute na barriga que o fez tropeçar e cair sentado para trás. O maior se abaixou e passou as mãos algemadas por baixo dos pés, trazendo-as para frente do corpo. Em um piscar, avançou sobre o assassino, que tinha acabado de se levantar. Os dois entraram em uma disputa de força braçal antes de Chanyeol dar uma rasteira em Minseok e o empurrar novamente para o chão, onde rolaram em meio a golpes na face e mais chutes.

Minseok era resistente e, principalmente, brutal. Ele ia para cima do moreno com toda brutalidade que possuía e, por conta das emoções explosivas, não media esforços nem dava trégua durante o confronto físico. Já Park era calculista e, enquanto se defendia e atacava, pensava em uma maneira de conseguir aquela arma de volta. Dificilmente venceria usando apenas a violência, afinal, não possuía experiência nisso e só conseguia se virar graças a sua perspicácia e alguns truques que observou em Baekhyun. Logo, pensou de novo no que teria acontecido com o ex-soldado e frustrou-se em não saber a resposta. Tinha várias possibilidades, no entanto, preferia ter certeza em vez de apenas imaginar. Para descobrir isso, teria que finalizar o Kim antes.

Por conta das algemas, estava sendo complicado para o moreno movimentar os braços apropriadamente, o que dava ao copiador uma vantagem. Em um momento, o maior recebeu um golpe brutal no rosto, na região que estava dolorida por conta da coronhada que levou no galpão. Viu Minseok se levantar e correr em direção ao fundo do estábulo, apanhando um forcado com quatro pontas pontiagudas de ferro que, certamente, faria estrago em um corpo humano. Com um riso ensandecido, avançou em direção a Chanyeol, que conseguiu desviar antes das pontas o atingirem. Levantou-se aos tropeços, sentindo vertigem por conta das pancadas na cabeça, e precisou desviar de novo do forcado, que quase atingiu seu peito. Encurralado, bateu as costas contra um dos cercados que mantinham os cavalos isolados e precisou jogar o corpo no chão para evitar outro ataque. Rolou pela palha e virou-se para cima a tempo de ver o forcado vindo em direção ao seu rosto. Com as mãos, segurou as pontas da extremidade e usou toda força que tinha para não ser perfurado. Kim empurrava o ferro pontiagudo com uma intensidade descomunal, qualquer deslize de Park poderia fazer com que fosse atingido.

Que merda.” pensou consigo mesmo conforme travava aquele cabo de guerra com o assassino. Poderia segurar o forcado, no entanto, enquanto fazia aquilo, não podia executar outra ação ou golpeá-lo.

Tentou chutar as pernas de Minseok, porém, não conseguiu acertá-las. Olhou ao redor em busca de algo que pudesse ajudá-lo. Talvez pudesse empurrar Minseok para o lado, mas precisaria deixá-lo incapacitado por tempo suficiente para que pudesse apanhar a arma ou pegar o forcado para si.

Outro estrondo cortou o ar e Park não teve tempo de associar o barulho a alguma coisa antes de sentir algo espirrando em seu rosto. Fechou os olhos por menos de um segundo e, em seguida, os abriu no momento que o copiador caiu para trás e soltou o forcado. Rapidamente, agarrou o objeto para se defender e, depois, lembrou-se de procurar a origem daquele tiro. Quando ergueu o rosto e olhou para a entrada do estábulo, não pode evitar de deixar um sorriso perverso tomar conta de seus lábios. Lá estava Baekhyun, coberto de fuligem e com a roupa cheia de pedaços de grama. Os cabelos do menor grudavam na testa devido ao suor e essa visão era incrivelmente atraente para Park, que sentia como se tivesse reencontrado uma imensa fortuna.

Chanyeol se colocou de pé e virou em direção ao assassino estirado no chão, este tinha sangue escorrendo do ombro. Minseok ria enquanto seus olhos estavam carregados de fúria lunática. Park o olhou de cima e envolveu os dedos grossos em torno do cabo do forcado, apontou as quatro pontas para baixo, mais especificamente em direção ao meio do peito do Kim, que tentava pronunciar algo.

Eu prometi que seria violento. — disse, calmamente, antes de inspirar fundo e, com toda força dentro de si, afundou as pontas do forcado no peito do copiador. Observou o líquido vermelho começar a se espalhar e a empapar a palha sobre o chão. Park observou a expressão de profunda agonia no rosto de Kim antes de apoiar um pé em cima do ferro pontiagudo e o forçar ainda mais contra o corpo abaixo — Xeque mate. — sorriu de canto ao ver, lentamente, a vida abandonar os olhos do Kim.

Chanyeol tinha vencido. Tinha derrotado a última peça no tabuleiro rival e se tornado, oficialmente, o único Rei. Soltou o forcado e checou a pulsação do assassino, apenas para confirmar que ele estava morto. Em seguida, virou-se em direção a sua Rainha, que se aproximou em passos calmos e com a aparência caótica. Park gostava do caos, e nada combinava mais com o detetive do que aquela imagem: o retrato de um soldado que acabou de ganhar uma guerra. Observou o menor colocar a pistola no cós da calça antes de ficarem tão próximos ao ponto de conseguirem sentir o calor do corpo um do outro enquanto seus olhos se conectavam. Chanyeol sentiu quando Baekhyun entrelaçou seus dedos e, instantaneamente, os dois abaixaram o olhar para as suas mãos algemadas.

Isso que chamo de ironia do destino. — riu Baekhyun, quase num sussurro, antes de erguer novamente o olhar para Park. Os dois se recordaram de quando o maior algemou o detetive de brincadeira durante a viagem até Roanoke.

Eu acho que é um sinal. — ergueu as sobrancelhas, sugestivamente.

Então, — umedeceu os lábios e sustentou o olhar do maior — você conseguiu o que queria? — o moreno apreciava o modo como o detetive olhava para si. Havia tantas coisas nos olhos dele, principalmente uma enorme intensidade, algo que gostava de observar.

Com certeza. — sorriu de canto, maliciosamente.

Baekhyun sorriu de canto e inclinou a cabeça até colar os lábios aos de Chanyeol. O beijo era um acordo silencioso entre eles. Byun se permitiu aproveitar aquele contato, sabia que demoraria para que pudessem se ver novamente. Havia muito a ser feito, inúmeras coisas, precisavam arrumar a bagunça que deixaram no mundo lá fora. Mas, naqueles últimos momentos, o detetive deixou-se entregar ao sabor viciante do poder e da depravação. Prolongou o beijo inflamado o máximo que pode, parou apenas quando sentiu que não conseguiria se controlar, caso continuasse. Ofegou enquanto agarrava o tecido da camisa de flanela de Park entre seus dedos, seus lábios formigavam. Não havia tempo o suficiente para um diálogo aprofundado. Toda aquela confusão atraiu a atenção e não demoraria para a polícia e alguns curiosos chegarem para ver o que causou a explosão. O ex-soldado entendia que, se o moreno não fugisse rapidamente, acabaria encrencado.

Eu também. — murmurou, próximo aos lábios alheios.

Chanyeol não escondeu um sorriso de extrema satisfação antes de inclinar o rosto em direção a orelha do detetive.

Carta três. — sussurrou com a voz rouca.

Trocaram um olhar e o ex-soldado soube o que precisava fazer. Não havia necessidade de despedidas, entretanto, por hora, seguiriam rumos diferentes até que Baekhyun pudesse colocar a situação nos eixos. Byun já tinha um plano em mente, sorriu ladino enquanto pensava a respeito dele. Teve vontade de simplesmente largar tudo e fugir ali mesmo ao lado do moreno, porém, não podia. Isso só traria problemas para os dois e não queria passar a vida fugindo. Só iria reencontrá-lo quando também tivesse abraçado totalmente seu verdadeiro eu e aprendido a usá-lo a seu favor.

Foi Chanyeol quem se afastou primeiro, em seu olhar não existia nenhum traço de despedida, pelo contrário, ele estava confiante como sempre. Sem dizer nada, se encaminhou para fora do estábulo e o detetive observou, por cima do ombro, a figura alta desaparecer em meio a noite.

[…]

Oh Sehun estacionou o carro apressadamente antes de sair em disparada em direção ao que parecia uma fazenda. Um galpão estava sendo encharcado pelas mangueiras dos bombeiros enquanto um caos sonoro se instalava com inúmeras sirenes disparando para todos os lados. Era uma confusão de veículos da polícia e algumas vans com repórteres, que nem esperavam a bagunça terminar para começar a filmar o ocorrido. Impaciente, o rapaz desviou de todas as pessoas no local e cruzou o gramado até avistar a figura que tanto buscava sentada na beirada de uma ambulância com o semblante distante enquanto mantinha uma garrafa de água entre as mãos sujas. Sem pestanejar, correu na direção do detetive, que o lançou um sorriso receptivo quando o avistou. Sem dizer nada, Sehun puxou o ex-soldado para um abraço antes de parecer envergonhado da própria atitude e soltá-lo.

O que aconteceu? Onde ele está? — perguntou apressadamente enquanto sentia a agitação tomando conta de seu corpo. Ao seu lado, uma mulher de terno azul gritava sobre números e vendas, provavelmente era da imobiliária que mantinha aquela fazenda.

Está tudo bem. Não se preocupe. — Baekhyun afirmou com uma tranquilidade atípica — Capturei o copiador e Holden.

Não, eu quis dizer… — pressionou os lábios — Deixe para lá. — se sentou na beirada da ambulância, ao lado do detetive — O que faremos agora? O que você disse aos policiais? Teremos problemas? — atirava as perguntas sem conseguir conter a ansiedade no peito.

Eu disse para não se preocupar. — sorriu novamente. Em seguida, o ex-soldado bagunçou amistosamente os cabelos do rapaz de óculos — Já disse que está tudo bem. — afastou a mão e suspirou — Estou aqui por horas. Quero ir para casa, preciso de um longo descanso. — espreguiçou-se e deixou a garrafa de água em um canto.

Sehun ficou confuso com aquela atitude tão pacífica diante de tudo que estava acontecendo, porém, ficou aliviado em ver o detetive bem. Tinha muitas dúvidas e, provavelmente, metade delas não seriam respondidas, especialmente se tratando do Assassino do Xadrez. Mesmo assim, ignorou tudo e tirou Baekhyun daquele lugar, o levou para seu carro e o viu se acomodar no banco do passageiro. O detetive não demonstrava a mínima vontade de dirigir, era compreensível depois do que tinha passado nos últimos dias. Sehun não se incomodou e deu partida no momento que alguns repórteres, recém-chegados, começaram a vir em sua direção. Fechou os vidros e saiu em direção a estrada, que estava caótica. Enquanto dirigia, observou o ex-soldado sentado com as pernas esticadas e o olhar perdido, como quem está desfrutando de alguma lembrança nostálgica. Diversas vezes o viu com a sombra de um sorriso no rosto e, embora estivesse intrigado, deixou que Baekhyun aproveitasse o descanso que tanto merecia.

[…]

Um ano depois

Byun Baekhyun remexia alguns papéis sobre a mesa enquanto analisava o que faria no compromisso do dia seguinte. Mantinha uma mão apoiada sobre o queixo conforme ensaiava algumas palavras consigo mesmo. Testava o tom de voz e notou que tinha melhorado bastante sua comunicação com o público. Era um treino necessário e que foi essencial para executar o seu plano. Inclusive, passou a manter o cabelo penteado suavemente com gel, puxando a franja para trás e deixando apenas alguns fios caídos sutilmente sobre a testa. Começou a prestar atenção na própria postura e aprimorou alguns detalhes, que acabaram por deixá-lo mais atraente aos olhos alheios.

Ouviu duas batidas na porta, rapidamente ajeitou os papéis e endireitou a coluna sobre a cadeira estofada.

Entre. — pediu antes de ver uma moça alta de cabelos loiros, na altura dos ombros, entrando.

Capitão. — cumprimentou antes de receber um sinal para que se sentasse. — O atestado de óbito foi aprovado. — entregou um envelope pardo para Byun por cima da mesa.

Obrigada, Laura. — sorriu satisfeito — E quanto ao fórum? — pousou o envelope sobre os outros papéis e manteve o olhar fixo na moça. Laura Carter tinha se tornado detetive a pouco tempo e demonstrava gratidão ao novo capitão por tê-la ajudado a conseguir aquele cargo.

Sehun e eu estamos monitorando as denúncias. — assegurou, prontamente.

Certo. — suspirou enquanto dava uma olhada no relógio — Estou de saída. Pode ir para casa, detetive.

Laura assentiu e deu um sorriso ao seu chefe antes de se retirar da sala. O capitão tinha se afeiçoado a moça, ela tinha uma personalidade dominante que o lembrava bastante a de um certo rapaz de cabelos cacheados que rondava diariamente seus pensamentos. Além disso, a loira era extremamente eficiente e discreta, podia confiar na mulher para qualquer investigação ser bem-sucedida. Quanto ao restante dos agentes, todos passaram a admirá-lo depois de ter capturado, sozinho, um assassino em série e um ex-chefe corrupto do FBI. Havia revelado toda sujeira que Holden escondeu por anos e, por conta disso, foi convidado pelos superiores a tomar o cargo de líder em Quântico. Também acabou se tornando relativamente famoso na mídia e constantemente cedia entrevistas e coletivas, buscando conquistar cada vez mais a confiança do público. Inclusive, recebia convites de seu antigo general no exército para almoçar e ser parabenizado pelo sucesso que alcançou. Obviamente que tudo isso tinha um propósito bem específico, que planejou cuidadosamente.

Naquela noite, como sempre, dirigiu para a casa de Sehun, onde estava morando temporariamente. O mais novo gostava de ter companhia e tinha sido uma boa experiência, para ambos, conviverem por meses sob o mesmo teto. Para o capitão, era como ter passado férias com seu irmão caçula. Criaram um laço familiar inesperado, tanto que o rapaz de óculos seria a única coisa que Baekhyun sentiria saudade depois que concluísse seu objetivo em Quântico. Pouco falava a respeito disso, apenas o suficiente para que seu amigo soubesse que, em breve, ele partiria para o desconhecido. Em relação a esse assunto, Sehun o respeitava e procurava não abordá-lo.

Era cerca de duas da manhã quando o mais novo chegou em casa. Isso tinha se tornado rotina desde que ele iniciou um relacionamento.

Sua camisa está do avesso. — observou Baekhyun enquanto estava relaxado no sofá.

Sehun colocou os braços na frente do corpo, encabulado, e depois coçou a cabeça. O capitão riu e o chamou para se sentar ao seu lado com um aceno.

Preciso dizer, estou inseguro. — confessou Oh assim que se acomodou no estofado. Retirou os óculos e os deixou pendurados em seus dedos. — Eu nunca tive relações íntimas com frequência… — pigarreou, envergonhado, e viu Baekhyun rir novamente — Tenho medo de não ser… Hm, bom nisso. — abaixou o olhar.

Julgando que você passa horas fora de casa toda noite, creio que seu desempenho é excelente. — achou graça ao ver o rapaz rir, de forma encabulada, antes de erguer o olhar para si — Laura realmente gosta de você. — pousou uma mão sobre o ombro do mais novo.

Tenho medo de perdê-la. — admitiu em voz baixa.

Não vai. Se permita ser feliz. — apertou o ombro dele antes de afastar a mão. Já tinha se tornado um hábito terem aquele tipo de conversa durante a madrugada. Sehun via o ex-soldado como um confidente e, pela primeira, podia compartilhar seus anseios e receios com alguém. Contudo, sabia que o sentimento não era tão recíproco, Baekhyun ainda se recusava a falar sobre certos temas.

Obrigado. — acenou brevemente — E quanto a amanhã? Está preparado? — mudou de assunto.

Certamente. — afirmou, sem hesitação — Foi bom você ter relaxado bastante hoje. — sorriu malicioso e o mais novo revirou os olhos de forma cômica — Tente dormir um pouco. — foi tudo que disse antes de bagunçar os cabelos do rapaz e se encaminhar para o quarto.

Quando deitou a cabeça no travesseiro, o capitão suspirou e apanhou seu celular para verificar as passagens de avião. Já tinha uma noção de quando poderia partir e isso o fazia ficar ansioso. Lembrou-se dos últimos momentos que teve com Park Chanyeol, meses atrás, cada palavra que ele disse ficou gravado em sua memória, em especial, a famosa carta três . Dias após o caos na fazenda, Byun seguiu até a casa de John Bishop e, assim que disse o que queria, foi imediatamente guiado para um escritório, onde descobriu que carta três era uma conta bancária anônima com quatro milhões de dólares e um envelope com um folheto de um hotel de luxo em Mumbai, na Índia. Fora isso, o advogado não sabia de mais detalhes e contou que Chanyeol ordenou apenas que lhe entregasse o folheto e o acesso da conta antes de partir. No instante que Baekhyun viu a quantia em dinheiro, ficou boquiaberto. Já imaginava que Park possuía o suficiente para se virar, porém, nunca achou que fosse tanto e, principalmente, que deixaria aquela pequena fortuna para si.

Em segredo, fez uma doação de um milhão de dólares para a família de Lana Torres e não pôde deixar de ver a ironia em usar o dinheiro de um criminoso para ajudar uma garota necessitada. Quanto ao restante, guardou para usar em sua viagem para a Índia. Tinha a impressão que precisaria desembolsar uma boa quantia para ficar hospedado naquele hotel. Suspirou e guardou o celular antes de repassar, mentalmente, o que diria na entrevista do dia seguinte.

[…]

Os bastidores do programa noturno de Jerry McQueen estava em polvorosa quando restavam dez minutos para irem ao ar. Funcionários falavam alto em todos os cantos com seus enormes fones na cabeça e pranchetas nas mãos. Na plateia, as pessoas se inclinavam e apontavam sem nenhuma discrição para o famoso capitão do FBI, que estava sentado numa poltrona estofada ao lado de Sehun; ambos estavam vestidos formalmente com terno preto e cabelos perfeitamente alinhados. Já podiam ver as câmeras se posicionando e uma chuva de luz branca, que faria os telespectadores verem até seus poros na pele. Baekhyun ajeitou o microfone, preso na lapela, e cruzou as pernas elegantemente. Trocou um olhar com Oh antes de ver o entrevistador chegando com um enorme sorriso e os cumprimentando de maneira efusiva. Ele anunciou que entrariam no ar em instantes e pediu que um assistente colocasse canecas de água sobre a mesa.

Os homens, por trás das câmeras, começaram a fazer uma contagem regressiva e, logo, o programa iniciou oficialmente. Jerry introduziu seus convidados e saudou a plateia antes de começar com as perguntas:

Devo pedir que me responda isso, Capitão Byun. É verdade que estava algemado quando lutou contra o copiador e seu ex-chefe? — ouviu um murmúrio vindo da plateia.

Sim, é verdade. — houve uma comoção entre as pessoas e um olhar de admiração em Jerry.

Impressionante! — exclamou — Recebi inúmeros relatos online de pessoas que sofreram preconceito por parte de William Holden, inclusive, dificilmente o FBI conseguirá enterrar esse escândalo de corrupção. — lançou um olhar expressivo para o público antes de retornar a atenção a Baekhyun. — Capitão Byun, você mencionou que também foi vítima de homofobia por parte de seu ex-chefe, certo? — deu a vez para o ex-soldado.

Infelizmente. Holden constantemente me desrespeitava e levou um tempo para eu perceber que o motivo era a minha sexualidade. — dizia serenamente, como se estivesse acostumado com as câmeras. Ouviu-se um som de desaprovação vindo da plateia, que nutria repúdio ao ex-capitão. — Quando descobri que ele estava acobertando um assassino em série, precisei despistá-lo para conseguir expor toda verdade ao público.

Você foi muito corajoso. — elogiou Jerry antes de direcionar o olhar para Sehun — Não podemos esquecer do jovem prodígio. Nos conte como conseguiu encontrar o copiador.

Sehun ajeitou os óculos antes de começar a narrar sobre sua trajetória na investigação. Enquanto isso, o capitão olhou para a plateia e notou uma quantidade considerável de mulheres e alguns rapazes, que o encaravam descaradamente. Jamais imaginou que estaria naquela posição com as pessoas o achando carismático e ficando encantadas pela sua presença. Vez ou outra lançava sorrisos vistosos para o público e para a câmera, mantendo a pose de elegância e confiança, algo que também não pensou que conseguiria obter. Havia se tornado o primeiro capitão do FBI asiático e homossexual, basicamente um símbolo que não demorou para cativar muitos ao seu redor. Naquele instante, observando o patamar que atingiu, lembrou de algo que disse a si mesmo na noite na fazenda: “Descubra quem você é e use isso ao seu favor” . E ele aprendeu a se beneficiar de cada situação.

E o que pode nos dizer sobre Chandler Park, o Assassino do Xadrez? — perguntou Jerry e até mesmo a plateia ficou em silêncio, ansiosos por saberem a resposta.

Fizemos uma investigação minuciosa em todos os necrotérios da cidade e, depois de meses procurando, encontramos seu corpo enterrado como indigente. O legista se confundiu, um erro gravíssimo, mas compreensível diante da situação caótica daquele dia. — o público ficou chocado — Recebi a confirmação hoje mesmo.

Então, as mortes após a fuga foram obra do copiador?

Sim, ele com a ajuda de Holden.

Baekhyun cumpriu seu objetivo. Conseguiu o óbito para Chandler Park, permitindo que Chanyeol pudesse se ver livre da perseguição policial. O nome dele e seu rosto seriam esquecidos com o tempo, conforme as pessoas encontrassem outras polêmicas para prestar atenção. Quanto a si mesmo, tornou-se um herói reconhecido e, enfim, entendeu o que Chanyeol quis dizer com a vantagem de ser amado em vez de ser temido. Holden intimidava, conquistava a antipatia dos outros através de medo, e o novo capitão fez o oposto; inspirando carisma e fazendo com que os agentes o adorassem. Dessa forma, não havia ninguém para falar mal sobre sua imagem e, por conta disso, se esforçou para apagar os rastros de sua adolescência turbulenta e ter certeza que seu pai não faria nada para atrapalhar. Ele estava limpo e ainda sairia ao som de aplausos.

Presumo que tenham assistido à minha entrevista com a Lana Torres, uma garota adorável. — comentou o entrevistador — Ela encheu vocês dois de elogios e creio que isso atiçou o interesse das pessoas. No entanto, devo admitir, vocês dois são realmente cativantes. — Sehun ficou encabulado enquanto Byun abriu um sorriso galante que acostumou a fazer naturalmente.

Lana é uma garota extremamente corajosa e forte. Ela é um exemplo para todos nós, com certeza. — acrescentou o capitão.

Quando a história de Lana ganhou notoriedade, Baekhyun e Sehun ganharam a empatia do público e, consequentemente, o título de heroísmo. O capitão não esperava por isso. A menina foi a única em meio aquela loucura que ele genuinamente ajudou sem esperar recompensa alguma. Tanto que nem a colocava como parte do tabuleiro e fez a doação anonimamente em vez de fazer publicidade em cima de uma boa ação. Na época do sequestro, nem estava planejando tudo aquilo, também ficou surpreso quando a garota fez questão de dar inúmeras declarações falando sobre como eles salvaram sua vida e seria eternamente grata. Senhora Torres também não deixou de fora que Holden ignorava seus pedidos de investigação da filha desaparecida e que, se não fosse o Byun, Lana não teria sobrevivido.

Durante o restante da entrevista, responderam diversas curiosidades relacionadas a perfis de assassinos e psicopatas, como era Kim Minseok e desmentiram algumas teorias absurdas que viralizaram na internet. Naqueles últimos meses, o capitão fez sua investigação pessoal a respeito do passado do copiador e conseguiu localizar a mãe dele em uma casa no Texas; ela criava dois filhos pequenos e era casada com um homem de caráter questionável. Por precaução, chamou o conselho tutelar e a justiça acabou retirando as crianças do casal duvidoso. Quanto aos outros irmãos de Kim, não conseguiu achar todos e os que encontrou estavam presos ou mortos. Era um destino triste e que, infelizmente, acontece em diversas famílias naquelas condições precárias. Já os fazendeiros, não achou nada incriminador a respeito dos idosos, mas, como eram pessoas isoladas, dificilmente saberia o que realmente aconteceu para enfurecer tanto Minseok. Duvidava que tinha sido apenas violência física que o deixou tão perturbado.

Não demorou para que pensasse em Chanyeol. No fim, foi ele que ajudou a encontrar Lana, o dinheiro da doação veio dele e o copiador também era seu mérito. E se as pessoas soubessem tudo que ele tinha feito? Será que o odiariam menos? Baekhyun nunca teria a resposta para aquilo e também não achava que fazia diferença para o moreno. Na internet, havia diversos fóruns em sua homenagem e diversos malucos obcecados por descobrir mais a seu respeito. Sabia que não levaria muito tempo para que fizessem um documentário sobre o notório Assassino do Xadrez. Isso certamente era algo que agradaria o psicopata.

Tenho um anúncio a fazer, inclusive, essa foi a razão de eu vir aqui essa noite. — declarou o capitão, fazendo o público ficar curioso.

Fique à vontade. — Jerry acenou para que prosseguisse.

Sinto muito em lhes comunicar que sairei do FBI. — um murmúrio tomou conta do ambiente — Precisarei me retirar para um tratamento psicológico e também de saúde física. — suspirou, tristemente — Espero que o público compreenda. — sorriu melancólico.

É uma notícia e tanto! — exclamou o entrevistador, parecendo animado em ter conseguido um furo importante durante o programa. E era exatamente isso que o capitão queria. — E tenho certeza que as pessoas entendem. Ninguém consegue imaginar os horrores pelos quais você passou. — falou, compreensivo — Todos temos um limite.

Sim, quero me dedicar às pessoas que amo. — conteve a vontade de rir quando a imagem de Park lhe veio à cabeça. Tinha certeza que Chanyeol devia gargalhar enquanto o assistia. Sabia que frases como aquela despertavam a solidariedade dos outros e, por isso, escolheu dizê-las.

Parece que você tem alguém especial. — observou Jerry, com os olhos faiscando de curiosidade.

Eu tenho. — foi tudo que disse antes de fingir um súbito acanhamento e trocar mais algumas palavras com o entrevistador antes do programa se encerrar.

[…]

O aeroporto estava com pouca movimentação devido ao horário. Por conta disso, Baekhyun pôde sentar-se tranquilamente em uma cafeteria, com Sehun ao seu lado, enquanto aguardavam pelo horário do voo. Tomou um gole de sua xícara conforme assistia Sarah Jones em um canal de notícias. A mulher deixou o FBI para seguir a carreira de jornalista, algo que o Byun incentivou bastante; sabia que ela estava cansada de viver atolada de papéis velhos. Quanto ao cargo que o ex-soldado deixou vago, este foi preenchido por Sehun depois da recomendação do mais velho e da aprovação de diversos agentes, que simpatizavam com o rapaz. Ele achava melhor assim, Sehun era o único capaz de manter sua moralidade e que dificilmente seria corrompido pela corrupção. Desde o início, Baekhyun aceitou a vaga para poder tirar vantagem da posição de liderança e fazer uma boa saída antes de partir para o que realmente desejava. Ficava aliviado em deixar tudo nas mãos do novo capitão Oh Sehun.

Não tem nada que eu diga que possa te fazer ficar, não é? — surpreendeu-se em ouvir o mais novo falando aquilo.

Não. — negou antes de virar o rosto para encará-lo. Sorriu enquanto mirava os olhos de Oh. Sehun se tornou uma figura importante em sua vida. — Mas nos veremos de novo. — assegurou.

Isso é reconfortante. — sorriu tristemente — Queria que soubesse que você é meu melhor amigo. — admitiu, timidamente. Não era fácil para o mais novo fazer declarações daquele tipo e isso fez o ex-soldado abrir um sorriso largo. Ele achava realmente adorável a ingenuidade presente em Oh. Definitivamente, o rapaz era a melhor pessoa que conhecia.

E você é meu único amigo. — viu Sehun rir e o acompanhou.

E quanto a ele? — se referia a Park — Você o ama? — era a primeira vez que o mais novo perguntava aquilo.

Não. — balançou a cabeça e viu um ponto de interrogação no rosto alheio — Ele e eu… — achou engraçado aquela colocação — Somos os únicos capazes de aceitar um ao outro. Me sinto livre para ser o que quiser quando estou com ele. — riu anasalado enquanto via a insanidade naquilo tudo, porém, era a verdade.

Bom, — Sehun ajeitou os óculos — acho que algumas pessoas encontram a felicidade em lugares inesperados. — sorriu compreensivo.

Creio que sim.

Foram interrompidos pelo anúncio de que o voo para Mumbai partiria, o que fez Baekhyun suspirar e sentir que a hora tinha chegado. Deu uma boa olhada ao redor, silenciosamente se despedindo dos Estados Unidos por tempo indeterminado. Agora, a vida o levaria para caminhos inimagináveis e isso o deixava extremamente empolgado. Deu um abraço apertado em Sehun e tentou, ao máximo, demonstrar sua afeição através daquele ato significativo. Não foram necessárias mais palavras, entenderam-se apenas com um olhar e ficou aliviado do mais novo não ter ficado tão sentido com a sua partida. No fim, o rapaz não ficaria sozinho e isso tranquilizava o ex-soldado e facilitou para que pegasse sua mala e desse o primeiro passo em direção aos seus desejos mais profundos.

[…]

Mumbai, Índia

Uma voz melódica tomava conta do ambiente com a iluminação baixa e decoração avermelhada. Tilintares e conversas paralelas soavam, sutilmente, enquanto os presentes no salão aproveitavam a música ao vivo e suas bebidas sofisticadas preparadas com líquidos caros. Todas as mesas estavam ocupadas, em sua maioria por casais de todos os gêneros e etnias, algo comum em um hotel voltado para turistas enriquecidos.

Sentado aos fundos, estava Baekhyun, sozinho, vestindo uma camisa de seda elegante que lhe caía perfeitamente no corpo. Os dedos, enfeitados com anéis prateados, repousavam na taça de vinho tinto enquanto mantinha o olhar observador sobre o cantor indiano. Gostava de apreciar a música local e da sensação de estar em outro país, ainda mais um tão diferente do que estava acostumado. Estava hospedado no hotel a cerca de um dia e, na primeira noite, preferiu descansar por conta do voo longo. Procurou por algum sinal de Park em meio aos corredores e nos salões, contudo, não o viu. Imaginou que não o encontraria facilmente, afinal, ele deveria evitar lugares públicos.

Quando a música terminou, uma salva de palmas preencheu o lugar e, em seguida, o cantor iniciou outra canção. Byun escutou o casal, que estava sentado na mesa atrás de si, ir embora e depois dispersou seus pensamentos, deixando-se levar pela melodia e a letra que não compreendia. Vez ou outra bebericava seu vinho de forma distraída. Só notou alguém se aproximando quando ouviu a cadeira, na mesa de trás, sendo puxada, porém, antes que pudesse se virar, veio outra salva de palmas que acabou chamando sua atenção. Logo, viu um garçom se aproximar com certa relutância. O rapaz aparentava ter cerca de dezoito anos e, provavelmente, temia lidar com os hóspedes estrangeiros.

Senhor, — fez um breve aceno de cumprimento — me perdoe o incomodo. Um cliente me pediu para lhe entregar isso. — abaixou a bandeja preta até que o ex-soldado pudesse ver um envelope branco em cima. Umedeceu os lábios e sentiu a ansiedade tomar conta de seu peito antes de apanhar o papel nas mãos de dedos finos.

Obrigado. — sorriu brevemente para o garçom, que acenou e se retirou.

Sem hesitar, abriu o envelope e sorriu maliciosamente quando retirou de lá uma carta de baralho: era a Rainha de Copas. Ele soube imediatamente de quem veio a mensagem e quem estava sentado atrás de si. O momento que tanto ansiou nos últimos meses havia chegado.

Era hora de começar uma nova partida.

Chapter 16: Extra: Castelo de Cartas

Chapter Text

Extra – Castelo de Cartas



Rainha de Copas: emoções ou fantasias profundas que podem ter estado previamente ocultas. O amante sedutor.



Rei de Espadas: poder para decretar vida ou morte. O contexto pode agravar para crueldade, perversidade e malícia.



Rizal, Filipinas, onze meses depois

Baekhyun ofegava enquanto mantinha os dedos fortemente pressionados em torno das pistolas cintilantes, uma em cada mão. O suor escorria por sua testa e fazia os fios da franja loira grudarem em seu rosto, atrapalhando um pouco sua visão, mas nada que pudesse impedi-lo de acertar um tiro no último adversário restante. Quando viu o homem parar de disparar e cair no chão, suspirou e aguardou alguns segundos antes de se abaixar novamente atrás da mesa de madeira retangular, que o permitiu se esconder da enxurrada de balas de instantes atrás. O coração disparava loucamente dentro de seu peito e a adrenalina eletrificou cada centímetro de seu corpo.

Enfiou as pistolas no coldre marrom em torno da cintura e direcionou sua atenção a Park Chanyeol, que estava largado no chão depois de ter sido atingido por um tiro no ombro direito. Rapidamente, verificou o ferimento e viu a camisa empapada de sangue e o líquido vermelho escorrendo pelo braço do moreno.

Detesto quando temos que improvisar. — murmurou o maior sem resmungar de dor em nenhum momento, apenas mantinha uma expressão de desagrado no rosto suado. Os cabelos dele, agora na altura da nuca, estavam úmidos devido à extrema agitação daquela noite.

Consegue andar? — perguntou o loiro sem esconder o tom de preocupação. Chanyeol estava pálido devido a perda de sangue que, embora não fosse tão grave, ainda o debilitava. Park limitou-se a apenas assentir e, em seguida, ergueu-se com uma pistola na mão esquerda.

Só tenho duas balas. — observou.

Então precisamos correr. — Baekhyun empunhou suas armas novamente e mordeu o lábio, ciente de que também não possuía munição necessária para enfrentar mais imprevistos. — Pegou a lista? — viu Chanyeol assentir e meneou a cabeça em sinal para seguirem em frente.

Com passos cautelosos saíram do escritório e passaram pelos cadáveres recém-abatidos, que estavam espalhados pelo chão. Quando chegaram ao corredor, aguardaram alguns segundos para verificar se a área estava livre. O menor ia na frente com seu caminhar sorrateiro e praticamente imperceptível. Podia ouvir Chanyeol começando a respirar com dificuldade atrás de si e tratou de se apressar. Precisava estancar aquele sangramento o mais rápido possível. Aflito, atravessou o corredor silenciosamente até alcançar o topo da escadaria circular, que levava em direção a enorme sala de recepção da mansão. Jamais seria capaz de entender o motivo de pessoas ricas necessitarem esbanjar tanto espaço em suas moradias de luxo, mas não tinha tempo para questionar isso agora.

Não havia outra saída. O segundo andar era muito alto para que pudessem pular pela janela, ainda mais com Park baleado. Empunhou as pistolas com firmeza e fez sinal para que o moreno o seguisse. Desceram os degraus calmamente, mas com os ouvidos atentos a qualquer barulho ao redor. Quando chegaram à sala, o loiro suspirou. Olhou por cima do ombro e viu o companheiro cada vez mais pálido por conta do ferimento, mas, mesmo em tal situação, Chanyeol não esboçava expressões de dor. Byun o admirava por isso, não era fácil se manter tão sóbrio depois de ser baleado. Notou que o sangue começava a pingar no chão e comprimiu os lábios, logo retornou seu foco para a fuga.

Teria seguido em direção a porta da sala, porém, sons de passos apressados o fizeram congelar onde estava. Imediatamente passou um braço ao redor da cintura de Park e o guiou para atrás de um pilar grosso de mármore branco segundos antes do local ser invadido por uma enxurrada de tiros. O impacto das balas contra os móveis e os estilhaços de vidro preenchiam o ambiente numa cacofonia ensurdecedora que fez os níveis de adrenalina do menor se elevarem ao limite. Um súbito calor tomou conta de seu corpo e achou que poderia começar a derreter a qualquer instante. Respirou fundo duas vezes antes de avaliar a situação. Normalmente, as melhores ideias vinham da mente ardilosa do moreno ensanguentado, porém, ele estava incapacitado de pensar em algo por conta da fraqueza física.

Baekhyun abaixou-se e inclinou a cabeça cuidadosamente por detrás do pilar, conseguiu contar uns oito homens armados.

Você dá conta deles. — murmurou Park, ofegante. Por alguns segundos teve medo dele desmaiar, mas ele continuou de pé; o que foi um alívio.

Eu não sou o John Wick. — ironizou com um riso baixo. Ficava lisonjeado com a confiança do moreno em si, contudo, aquela situação exigiria mais esperteza do que golpes espalhafatosos vindos de filmes. E foi pensando nisso que enxergou uma saída. — Consegue correr? — indagou a Chanyeol que, embora sua aparência falasse o oposto, assentiu e endireitou o corpo, preparando-se para fazer o que fosse necessário.

Baekhyun suspirou antes de passar um braço pela cintura do companheiro e puxá-lo numa corrida imprudente em direção a cozinha. Graças a proteção dos pilares, foram capazes de desviar do tiroteio e saltar para dentro do cômodo acinzentado, o que resultou na queda em um piso frio e escorregadio. Byun apressou-se em ajudar Park a se levantar e pedir que ele continuasse correndo até o quintal, no entanto, o homem hesitou diante daquela decisão e o fitou com um olhar questionador.

Confia em mim. Rápido, não temos tempo. — pediu arfante e impaciente. Dito isso, viu o moreno acatar a ideia e se dirigir para a porta que levava ao lado exterior da casa, onde ficava a piscina cercada por uma área de grama verde artificial.

Logo, o loiro correu em direção ao fogão e puxou uma faca pequena que mantinha dentro do coturno preto. Abaixou-se e buscou pelo cano que se conectava com o gás, o cortou ao meio e abriu a trava de segurança do botijão, o que permitiu que o conteúdo inflamável escapasse para fora. Tossiu quando o cheiro pungente invadiu suas narinas e deixou um gosto amargo em sua boca. Nem esperou os homens se aproximarem e saiu em disparada para o quintal. Não teve tempo para pensar se seu plano daria certo, apenas agarrou Park pela cintura e o puxou numa corrida até a piscina límpida e funda. No momento que saltaram para dentro da água, ouviram tiros seguidos de uma explosão violenta e estrondosa. Baekhyun permaneceu mergulhado com o moreno enquanto via alguns escombros em chamas caírem na superfície acima. Os atiradores gritavam em agonia conforme o fogo se espalhava e consumia a mansão luxuosa de dois andares.

Ergueu a cabeça sobre a superfície da água e respirou fundo antes de esfregar os olhos ardidos e verificar o local. Nenhum dos homens tinha escapado da explosão, havia apenas o incêndio e a fumaça sufocante com cheiro de gás. Rapidamente, ajudou Park a sair da piscina e, uma vez sobre o gramado, desataram a correr, encharcados, ao redor da mansão até alcançarem a entrada principal lotada de carros. Baekhyun escolheu um aleatoriamente e fez a ligação direta antes de dar partida e sair em alta velocidade.

[…]

Cautelosamente, Baekhyun ajudou Chanyeol a se sentar dentro da banheira do quarto de hotel. Não podiam ir a um hospital por duas razões: teriam que fazer queixa na polícia com identidades falsas e não confiavam na assistência médica das Filipinas. Se fosse uma facada ou uma contusão, poderiam alegar que foram assaltados como qualquer turista comum, porém, um tiro seria mais difícil de explicar ou de convencê-los a esquecer o assunto. Portanto, optaram por tratar daquilo em privacidade.

O ex-soldado apanhou a caixa de medicamentos e itens cirúrgicos que mantinham por precaução. Já haviam lidado com ferimentos leves durante os meses que estiveram juntos, porém, era a primeira vez que algo grave acontecia. Com força, agarrou a camisa ensanguentada e a rasgou no meio. Não podia fazê-lo movimentar o ombro e teve que retirar a peça de roupa dessa forma.

Prefiro quando você faz isso na cama. — comentou Park, maliciosamente. Sua voz soava entrecortada e baixa. Byun o acompanhou num riso cafajeste para amenizar o clima.

Higienizou as mãos antes de colocar luvas de látex e começar a limpar a região do ombro direito alheio. Aplicou um anestésico local, que deixaria aquela área dormente por um tempo. Baekhyun tinha aprendido a cuidar de ferimentos a bala no exército, inclusive, havia levado um tiro no braço durante o primeiro ano e isso serviu de incentivo para que desenvolvesse suas habilidades de enfermagem. Quando embarcou com Park naquela empreitada, sabia que algo semelhante ocorreria em algum momento, contudo, não significava que estava confiante em aplicar seu conhecimento na prática. O processo de retirar a bala era angustiante. Foi difícil manter as mãos firmes, mas conseguiu com bastante esforço e ciente que qualquer erro poderia gerar uma catástrofe. Não negava que estava com os nervos à flor da pele e só foi capaz de respirar quando, enfim, retirou o objeto pontiagudo e minúsculo de dentro do companheiro. Parou alguns segundos para se recuperar do nervosismo e, em seguida, começou a dar pontos e preparar o curativo.

Descanse. Eu cuido de tudo. — falou quando terminou de tratá-lo. Levantou-se e removeu as luvas, colocando o que estava sujo de sangue em um plástico preto separado do restante do lixo comum.

Subitamente, sentiu o maior segurar seu pulso e virou-se para encará-lo. Mesmo com a palidez e o suor, ele continuava perigosamente atraente, especialmente agora que mantinha os cabelos escuros na altura da nuca e a franja na altura do nariz. Seus cachos diminuíram até se tornarem apenas ondulações nas pontas. Já Baekhyun optou por tingir os fios de loiro dourado, o que lhe conferiu um aspecto libertino que chamava a atenção das pessoas por onde passava. Park costumava dizer que o charme sensual do menor era sua arma mais poderosa e usavam esse artifício constantemente para atingir seus objetivos.

O moreno levou os dedos em direção ao queixo alheio, passando o indicador pelo contorno da região antes de acariciar os lábios avermelhados do ex-soldado com o polegar. Inclinou a cabeça até que seus narizes se roçarem um no outro e sussurrou:

Eu ainda consigo te foder nessa banheira. — sua voz, mesmo debilitada, permanecia sedutora aos ouvidos de Byun.

Nem um tiro consegue te broxar? — arqueou uma sobrancelha enquanto repousava as mãos sobre o peito nu do rapaz.

Com você por perto? Não.

Por um instante, Baekhyun considerou a ideia tentadora, mas não podia. No fim, também estava exausto e ainda precisava descartar o lixo adequadamente sem deixar resquícios que alguma camareira pudesse encontrar. Não se perdoaria caso os pontos que aplicou se desfizessem por pura imprudência de ambos, que se deixavam levar pela excitação com mais frequência do que admitia para si mesmo. Quando o encontrou no hotel em Mumbai, passaram quase duas semanas dentro do quarto experimentando as mais diversas posições e depravações imagináveis. Certa vez, decidiram praticar todo o ato em pé e isso fez o ex-soldado perceber o quanto suas pernas eram resistentes. Já tinham usado chuveiros, banheiras, tapetes, paredes e tudo que tivessem vontade de tentar. Inclusive, também se davam a liberdade de utilizar algumas fantasias e acessórios que muitos podem considerar um pouco perturbadores. Os onze meses foram mais do que necessários para conhecerem profundamente um ao outro, até mesmo os cantos mais deturpados de suas mentes.

Passavam horas apenas conversando ou envolvidos em outras atividades. Baekhyun ainda não era profissional no xadrez, no entanto, passou a aprimorar suas estratégias no tabuleiro. Tinha preferência pelas cartas, especialmente quando apostavam em alguma coisa. Também faziam passeios turísticos e achavam engraçado quando se misturavam aos outros estrangeiros com facilidade. Na casa que compraram, colocaram em um quadro uma foto que tiraram juntos em frente ao Taj Mahal. Fizeram isso apenas pela ironia de possuir um item tão banal num lugar onde escondiam armas e planejavam seus atos criminosos.

Preciso me livrar do carro. — Baekhyun respondeu após reunir toda força interna para se afastar da sua grande tentação e voltar a limpar o banheiro.

Eu admiro seu lado focado, soldado. — brincou Park antes de se posicionar atrás do loiro e murmurar em seu ouvido: — Vou te esperar na cama. — riu antes de deixar o recinto.

[…]

Bangkok, Tailândia, quatro meses depois

Em frente ao espelho, Baekhyun terminava de contornar os olhos com um perfeito delineado preto que os deixava destacados. Seus fios dourados estavam penteados de maneira despojada, o que lhe dava um aspecto de rebeldia que combinava com a camisa de tecido fino, que estava com os primeiros botões abertos e revelando parte do seu colo. Ergueu as mangas da peça branca até os cotovelos e enfiou a parte debaixo dentro da calça preta de couro sintético. Preencheu os dedos de anéis aleatórios e finalizou colocando um brinco prateado em apenas uma orelha. Todo esse preparo havia se tornado algo comum de sua rotina, porém, aquela noite era uma ocasião especial e precisava ter a melhor aparência possível. Quando retornou ao quarto, encontrou Park em um terno preto de alta-costura e uma postura elegante. Os sapatos reluziam de tão polidos e os óculos de armação fina lhe davam um semblante intelectual. Ele ajeitava um relógio caríssimo em torno do pulso antes de erguer os olhos em direção ao ex-soldado e fazer um aceno de aprovação.

Por favor, repasse o plano novamente. — pediu Byun colocando as mãos na cintura. Já estavam em Bangkok a quatro meses depois de terem conseguido a lista com os nomes dos envolvidos em uma organização de tráfico humano e os lugares secretos que eles utilizavam para esconder sua mercadoria. Por conta da explosão na casa do contrabandista nas Filipinas, Park teve dificuldades em conseguir acesso à reunião dos traficantes, mas nada que ele não pudesse contornar com seu incrível talento para manipulação.

Baekhyun ficou responsável por seduzir um homem chamado Khalan — o gerente da boate onde seria a reunião — e garantir que fosse contratado como bar tender para aquela noite em específico. Trabalharia servindo bebidas enquanto Chanyeol iria infiltrado como um negociante intermediário para compradores estrangeiros. O tal gerente possuía uma grande afeição por rapazes bonitos e o loiro não teve dificuldade em conquistá-lo com uma falsa história de órfão pobre que precisava urgentemente de dinheiro.

Vamos separados até lá. Provavelmente, você entrará na sala de reunião primeiro, então espere por mim. — Apanhou uma jaqueta de couro preto, que estava em cima da cama — Coloquei dentro do forro. — Esticou a peça para o menor, que tratou de vesti-la no mesmo instante. — Não esqueça: — Alertou — espere até a terceira rodada de bebidas. Precisamos avaliar a situação e nos preparar para imprevistos.

Certo. — assentiu.

Lembre-se de não deixá-los desconfiarem que possuímos uma relação.

Pode deixar que eu não vou contar que você goza na minha boca. — riu sarcasticamente e Park o encarou. Em seguida, o maior enfiou as mãos nos bolsos e se aproximou em passos predadores, sem desviar os olhos carregados de perversidade do loiro. Inclinou-se até que estivesse a centímetros de Byun, podia sentir as respirações se misturando de forma envolvente.

Só na boca, Baekhyun? — murmurou com uma faísca depravada nas íris escuras e depois se afastou. Em passos elegantes, caminhou em direção a porta do bangalô. — Te vejo na boate. — foi tudo que disse antes de sair e deixar o menor se corroendo por ter ficado sem resposta.

[…]

Pilotar uma moto em meio às ruas tailandesas era um desafio tão grande quanto explodir uma mansão. Não havia sinalização organizada e muito menos respeito pelas calçadas, o que fazia os pedestres andarem como se estivessem em um campo minado e a constantemente ter que se desviar dos veículos que vinham de todos os lados na agitação típica de sábado a noite. Para Baekhyun, aquele era um exercício que aprimorava sua direção em situações caóticas. Cruzou o tumulto até que chegasse a uma rua parcialmente vazia que era utilizada como estacionamento. Verificou sua aparência no retrovisor antes de saltar para o asfalto e se apressar em direção ao centro da cidade.

Caminhou por poucos minutos antes de alcançar a entrada da Soi Cowboy, um endereço extremamente famoso por sua promiscuidade e diversidade de entretenimento relacionado a prostituição e drogas ilícitas. Embora o local fosse ponto de referência para atos criminosos, não deixava de ser bastante atraente aos olhos curiosos com suas luzes coloridas e estruturas chamativas. Na frente das boates, dezenas de mulheres seminuas se exibiam sob a vigilância de homens intimidadores que as forçavam a atrair o máximo de clientes possíveis. Baekhyun foi educado ao recusar os convites das moças que aparentavam ter metade da sua idade — algo que o deixava desconfortável — e continuou andando até encontrar o lugar combinado.

Os letreiros roxos piscavam na entrada da Luxury, que estava cercada por garotas uniformizadas de maneira hipersexualizada e alguns turistas que se aproveitavam da oportunidade. Passou pela pequena aglomeração até alcançar uma porta sorrateira que era direcionada aos empregados da boate. Mostrou um cartão preto, que lhe garantia acesso, para o vigia, que anuiu e o deixou passar. Entrou por um corredor estreito e esverdeado que continha duas portas e uma escada que levava ao segundo andar. Podia ouvir os trabalhadores conversando alto enquanto andavam de uma porta para a outra com bandejas e taças vazias nas mãos. Logo, Baekhyun avistou a figura de Khalan surgindo em meio às garçonetes e suspirou cansado antes de ver o homem lhe encarar e abrir um sorriso. Logo, este se apressou em sua direção.

Boa noite. — cumprimentou conforme encarava o loiro de cima a baixo — Você conseguiu ficar ainda mais bonito. — elogiou em tom de flerte. Byun fingiu-se de tímido e sorriu acanhado. Sabia que os homens mais velhos adoravam esse tipo de postura.

Obrigado. — agradeceu com a voz mansa — Queria causar uma boa impressão no meu primeiro dia. — internamente se corroía por ter que atuar daquela maneira tão destoante de sua personalidade feroz. Entretanto, acabava achando engraçado em como todos caíam facilmente no seu encanto.

E funcionou. — O gerente passou um braço por cima dos ombros do rapaz. — Vamos, está quase na hora dos clientes chegarem. — disse antes de guiar o loiro pelas escadas sem se afastar em nenhum momento. O ex-soldado precisou conter a vontade de revirar os olhos conforme sentia o aroma forte do perfume masculino grudado em si. Khalan era pegajoso e, embora não tenha avançado em suas investidas, ainda invadia seu espaço pessoal sempre que interagiam.

O corredor do segundo andar possuía uma iluminação roxa que se misturava ao carpete da mesma tonalidade, o que dava um aspecto psicodélico ao local. Havia apenas uma porta dupla que era vigiada por dois homens de terno, estes estavam armados com pistolas. Eles acenaram silenciosamente para Khalan antes de abrirem passagem.

Quando colocou os pés dentro da sala, a primeira coisa que chamou a atenção do loiro foram as cinco garotas paradas em fileira ao lado de um círculo de poltronas de couro preto. Elas pareciam manequins expostos e sorriam artificialmente de uma forma que fez Baekhyun ficar profundamente incomodado. Era evidente no olhar de cada uma que imploravam por socorro. Torceu o nariz e tentou focar em sua missão, voltando a fingir que se interessava pelos assuntos banais que o gerente trazia a respeito de sua casa e o quanto era abastado. Foi levado até atrás do balcão de mármore preto, Khalan lhe mostrou o espaço que teria para preparar os drinques. Logo atrás de si tinha uma larga prateleira preenchida por uma grande variedade de bebidas alcoólicas que usaria para fazer as misturas que os clientes solicitarem. O ex-soldado não era um apreciador de álcool, mas treinou por dias para conseguir se sair bem na sua representação, assim como Park havia decorado diversas informações sobre os homens que estariam presentes na reunião.

Deixe a jaqueta embaixo do balcão. — pediu o gerente e o loiro obedeceu sem questionar. — Assim está melhor. — viu o homem robusto e de cabelo aparado lhe lançar um olhar de cobiça antes de se aproximar. — Você vai comigo para casa hoje. — ordenou em voz baixa e ameaçadora. Baekhyun trincou os dentes, contendo a vontade de retrucar, e assentiu.

Para seu alívio, um dos guardas anunciou a chegada dos clientes e Khalan se afastou para poder recebê-los. Aproveitou a oportunidade para verificar o local. Não havia nenhuma abertura para o mundo exterior além da porta principal. Um ar-condicionado de última geração estava posicionado no canto da sala e deixava o clima ambiente numa temperatura agradável e refrescante, diferente do calor habitual do país. Buscou por câmeras, porém, não encontrou nenhuma e supôs que as reuniões continham informações valiosas demais para que instalassem qualquer sistema de gravação ali dentro, mesmo que fosse para a própria segurança. Qualquer coisa poderia vazar se não fossem cautelosos.

Logo a atenção de Byun se voltou para os quatro homens, que adentraram o recinto aos risos. Acompanhado deles estava Park, com uma expressão tranquila e agindo como se fizesse parte daquele grupo. Não trocaram olhares para evitarem desconfiança. Esperou até que os clientes de terno se acomodassem nas poltronas de couro para fitar o moreno discretamente. Não demorou para que Khalan viesse com uma lista das bebidas que precisava preparar. Rapidamente, se colocou a trabalhar da forma mais natural possível. Focava apenas em fazer as misturas e lustrar as taças de vidro fino. Quando terminou a primeira rodada, arrumou os pedidos sobre uma única bandeja arredondada e foi em passos habilidosos servir um por um dos traficantes. Possuía uma destreza invejável quando se tratava de equilíbrio e firmeza com as mãos, o que não passou despercebido pelos olhares alheios, contudo, não recebeu nenhum comentário a respeito.

Como eu lhe disse, Sr Zhao, — explicava o líder da organização, uma figura de estatura mediana e cabelos ralos, enquanto segurava sua taça em uma das mãos cobertas de anéis de ouro. — meu estoque vem sendo roubado nas últimas semanas. Só consegui trazer essas cinco mercadorias. — Se referiu às moças enfileiradas que vestiam apenas roupa íntima purpurinada.

É o suficiente, por enquanto. — respondeu Park que, naquela noite, era conhecido como Yan Zhao, um negociante de Hong Kong responsável por fazer a negociação internacional. — O que houve com o restante do carregamento? — deu um gole em sua bebida discretamente. Sua postura de mafioso era admirável e não abria espaço para dúvidas a respeito de sua identidade.

Os malditos cachorros da Yakuza. — resmungou o líder e os outros bufaram em concordância. — Estão retaliando por não aceitarmos aquele acordo. — virou a taça de uma vez.

Japoneses se acham os donos do mundo. — comentou um dos subordinados de terno cinza e cabelos grisalhos. — Meu avô levou um tiro na cara por negar submissão a esses miseráveis.

É por isso que não irei me ajoelhar a eles. — Assegurou o líder fazendo sinal para Khalan pegar sua taça vazia. — Tratarei de recuperar a mercadoria roubada assim que possível. Sr Zhao, — Virou-se em direção a Park — não quero soar rude, mas vamos direto aos negócios. O meu tempo é curto e, como notou, tenho muitos problemas a serem resolvidos.

Compreendo, Sr. Lawan. — O moreno cruzou as pernas elegantemente enquanto mantinha o olhar no chefe da organização. — Meus clientes oferecem duzentos mil pelas cinco garotas disponíveis.

Isso é praticamente uma afronta. — pronunciou-se um dos subordinados que também havia virado sua bebida. — Nossa mercadoria é a melhor da Ásia, tratamos até de deixar os dentes delas limpos! — Indignou-se.

O líder solicitou outra rodada de drinques e Khalan tratou de apressar-se até o balcão e ordenar que Baekhyun as preparasse rapidamente. Isso não era dificuldade para o loiro, embora parte de sua atenção estivesse focada na conversa que se desenrolava. Tinha que se controlar para não ficar observando como Park era um ótimo ator. Nem mesmo as expressões minúsculas deixavam transparecer que ele estava mentindo descaradamente.

Sr. Zhao, sua oferta precisa ser no mínimo de quinhentos mil para que possamos cogitar uma negociação. — Alertou Lawan, impaciente.

Byun começou a servir a segunda rodada em instantes com a mesma destreza de antes. Quando retornou ao balcão, recebeu um sinal de aprovação por parte do gerente, que suava frio com medo de causar qualquer desagrado aos seus superiores.

Certo. — Chanyeol pousou os dedos sobre o queixo, fingindo pensar sobre o assunto. — Então podemos fechar com quinhentos, Sr. Lawan. Mas preciso examinar as garotas antes de oficializar a compra.

Subitamente, os subordinados começaram a bater palmas com entusiasmo enquanto o de cabelos grisalhos apenas soltou uma risada debochada. Baekhyun não entendeu o motivo de tanta animação por parte deles, já Park permaneceu inalterado em sua postura imbatível e confiante.

Essa é minha parte favorita! — exclamou Lawan fazendo sinal para que outra rodada de bebidas fosse servida. — Hora do desfile, companheiros! — riu num som esganiçado que fez Byun torcer o nariz discretamente. — Meninas, uma de cada vez. Sabem como funciona. — Ordenou chamando a primeira moça com o dedo indicador. Logo, a garota se aproximou e ficou de pé no meio do círculo.

Uma voltinha! — Ordenou o homem de cabelos grisalhos e riu quando a menina obedeceu.

Aproveitando a oportunidade, Baekhyun rasgou o forro da jaqueta enquanto fingia preparar as misturas. Puxou um saquinho cheio de pó esbranquiçado e despejou sorrateiramente em uma garrafa de vodca. Em seguida, enfiou o plástico no bolso da calça e iniciou a preparação dos drinques solicitados, colocando uma boa dose do líquido envenenado em cada taça. Arrumou a bandeja e esgueirou-se pelas poltronas enquanto servia os clientes, que riam exaltados conforme examinavam o corpo das garotas. Quando entregou um copo para Park, trocaram um breve olhar cúmplice que passou batido aos presentes na sala.

Retornou para o balcão, depositou a bandeja acima da superfície de mármore e umedeceu os lábios em expectativa. Disfarçadamente, puxou uma faca escondida em seu coturno e a manteve em punho ao lado do corpo. Passou a língua nos dentes enquanto observava os traficantes ingerirem as bebidas em goles sedentos seguidos de mais risos histéricos conforme debochavam de sua autoridade sobre as garotas. Poucos segundos antes da última moça desfilar, Lawan começou a tossir violentamente e não demorou para seus subordinados fazerem o mesmo à medida que o veneno fazia efeito.

Park depositou sua taça intocada no chão e assistiu aos homens espumando pela boca e se engasgando. No canto da sala, as garotas se reuniram assustadas e encararam a cena com os olhos arregalados. Khalan — que até então estava amedrontado demais para agir — não teve tempo de tentar fugir. Com passos sorrateiros, Baekhyun avançou por trás do gerente e lhe cortou a garganta sem hesitação. Observou-o cair sobre o carpete roxo e com um olhar apavorado. Em resposta, o rapaz o lançou um sorriso cínico, aproveitando o sabor efêmero da revanche antes do homem se afogar no próprio sangue.

Preciso de, no mínimo, cinco minutos. — Pediu Chanyeol antes de levantar e ir até Lawan, que ainda espumava. Retirou o celular do bolso interno do líder e puxou o dedo indicador do mesmo, deslizando-o pela tela do aparelho para destravá-lo. — Aliás, não foi a Yakuza que roubou seu estoque. — fitou o homem nos olhos com indiferença. — Fui eu. — sorriu de canto, de maneira debochada, ao ver o desespero no rosto alheio momentos antes dele engasgar uma última vez e parar de respirar.

Park retirou um cabo e um celular do próprio bolso interno e sentou-se novamente na poltrona enquanto conectava os aparelhos. No lado oposto, o loiro puxava o corpo de Khalan para trás do balcão e, em seguida, foi em direção às moças trêmulas e agarradas umas às outras no canto da parede. Nenhuma delas gritava ou tentava pronunciar alguma coisa, demonstrando que estavam acostumadas a serem intimidadas. Baekhyun ergueu as mãos em sinal de rendição e suavizou as linhas faciais em uma expressão acolhedora.

Não iremos machucá-las. — dizia em tailandês — Queremos tirá-las desse lugar, certo? — viu as meninas se entreolharem desconfiadas — Mas vou precisar que me ajudem para que possamos sair daqui em segurança. — Abaixou a mão devagar — E então? — Aguardou em expectativa enquanto as garotas pensavam a respeito.

O que precisamos fazer? — Uma delas se pronunciou e deu um passo à frente, colocando os braços sobre o corpo exposto. Baekhyun sinalizou para que elas aguardassem e foi novamente até o balcão. Chanyeol permanecia concentrado enquanto deslizava os dedos frenéticos pelas telas dos aparelhos. O ex-soldado preparou mais duas taças envenenadas e retornou até as moças, que o fitavam curiosas.

Levem isso aos guardas lá fora. — estendeu os drinques. Um foi pego pela garota que estava à frente das outras e o outro por uma que se voluntariou. O restante continuou em silêncio no canto. — Tente distraí-los para que bebam tudo. — pediu e ambas assentiram antes de o seguirem até a porta. Abriu apenas o espaço suficiente para as meninas passarem e fechou logo em seguida. Torcia para que elas tivessem sucesso na tarefa.

Empunhou sua faca suja de sangue e aguardou enquanto Park terminava de transferir o dinheiro da organização para sua conta. Respirou fundo e fitou o moreno por cima do ombro. Ele nem piscava à medida que usava suas habilidades para roubar a fortuna criminosa. Deu uma olhada nos cadáveres com as bocas espumadas e pressionou os lábios. Não podiam deixar que algum guarda visse aquilo antes que estivessem longe da boate. Torceu o nariz quando viu os olhos esbugalhados de Lawan. Checou as moças assustadas e tentou pensar em uma forma de acalmá-las, porém, duvidava que existisse alguma frase reconfortante para as vítimas de tráfico sexual. Já tinha resgatado dezenas de mulheres e rapazes — em sua maioria menores de idade — e ainda não sabia o que dizer a eles.

Para seu alívio, as duas garotas retornaram com as taças vazias e as mãos trêmulas. Byun verificou o lado de fora e viu os guardas abatidos, aproveitou para apanhar as pistolas deles. Manteve as armas em punho e fechou a porta, virando-se para o moreno, que continuou focado nos aparelhos por mais dois minutos. Quando terminou, Chanyeol removeu o cabo e guardou seu celular novamente no bolso interno do paletó preto. Atirou o aparelho de Lawan no colo do mesmo e se levantou, ajeitou o terno de alta-costura como se tivesse saído de uma reunião trivial.

Podemos ir. — Anunciou. Byun assentiu e voltou ao balcão, vestiu sua jaqueta e pegou a garrafa de vodca. Logo, despejou o líquido pelo carpete e em cima dos cadáveres. Puxou um isqueiro do bolso da calça e acendeu antes de atirá-lo sobre o chão, não tardou para o fogo começar a se espalhar.

Reuniram as garotas e se apressaram pelo corredor conforme a sala era consumida pelas chamas. Desceram as escadas para funcionários e alertaram que havia um incêndio no andar de cima antes de saírem pela porta e aproveitarem o caos para desaparecer pela multidão fervorosa da Soi Cowboy.

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Levaram as vítimas resgatadas para um hotel simplista próximo de uma praia pouco movimentada. Uma vez ali, deram dinheiro suficiente para as vítimas fugirem ou voltarem para suas famílias, porém, como a maioria não tinha ninguém, acabavam aceitando o abrigo até que conseguissem encontrar um lugar seguro para morar. Em troca, Park lhes pedia para atender seu chamado quando ele solicitasse. Não foi específico sobre o tipo de favor que cobraria, no entanto, deixava claro que não era nada relacionado à exploração sexual ou que colocaria suas vidas em risco. O objetivo era garantir que teriam cartas por todos os lugares, ter uma rede de informantes seria essencial para o próximo plano. Tinham contratado donos de hotéis de baixo custo para terem um esconderijo e responsáveis por auxiliar os foragidos quando fossem embora.

Naquela madrugada, após deixarem as cinco moças em segurança, arrumaram suas malas e partiram. Baekhyun estava ansioso para, enfim, ir para casa e poder aproveitar sua fortuna ao lado de Chanyeol. Ao todo, acumularam duzentos milhões de dólares esvaziando a conta de traficantes e contrabandistas pelo mundo. E isso era apenas o começo.

[…]

Vang Vieng, Laos, uma semana depois

Embora Baekhyun realmente gostasse das aventuras suicidas que vivia com Chanyeol, o seu momento favorito na nova fase de sua vida era quando retornavam para sua casa reclusa e pacífica. Mesmo com uma fortuna em mãos, optaram por uma moradia bastante simples e sem luxo exacerbado. Possuíam apenas algumas regalias que utilizavam por diversão, como a lancha branca onde o ex-soldado estava sentado enquanto se deixava levar por seus pensamentos. Observava os picos das montanhas tropicais no horizonte e a longa extensão de água cristalina do rio que corria calmamente. O sol da tarde transmitia um calor reconfortante conforme o dia ia chegando ao seu fim. Essa era a hora favorita do loiro. Não imaginou que um dia teria a oportunidade de ter férias com a presença do pôr do sol em um lugar paradisíaco. Um sorriso singelo despontou em seus lábios à medida que admirava o cenário ao seu redor.

Notou uma sombra se aproximando e ergueu a cabeça para encontrar a figura alta de Park. O moreno se abaixou para sentar-se ao seu lado, este manteve as pernas, cobertas por uma calça cinza, esticadas. Toda vez que iam até o rio, tiravam um instante para desligar o motor da lancha e aproveitar o momento à deriva, cercados apenas pelos sons distantes da própria natureza. O lugar era comum entre turistas no fim de semana, porém, no restante dos dias, tornava-se bastante pacato e silencioso, perfeito para dois criminosos relaxarem com tranquilidade.

Por que gosta tanto de ficar aqui? — indagou o moreno enquanto mantinha o olhar sobre o loiro, que lhe fitou brevemente antes de retornar a atenção para frente.

É uma paisagem totalmente oposta das que eu vivia no passado. — continuou a encarar o horizonte. — Jamais pensei que estaria fora da zona cinzenta e cercado por cores e beleza.

Você está feliz?

Por um momento, se encararam. O ex-soldado sabia que aquela pergunta era apenas isso: uma dúvida. Contentamento era algo difícil para o moreno decifrar, ao menos, quando era genuíno. Estava acostumado a identificar o prazer, cobiça, euforia, mas a felicidade ainda era um mistério para ambos. O próprio Baekhyun demorava para se acostumar com aquela sensação nova para si.

Com um cara gostoso e milionário ao lado, quem não estaria. — brincou antes de dar uma risada espontânea e melodiosa.

Você é realmente sortudo. — Afirmou, convencido. — Mas sabe ao que estou me referindo. — continuava encarando o loiro, curioso.

Baekhyun umedeceu os lábios e desviou a atenção de volta para os picos das montanhas distantes. O céu começava a assumir uma tonalidade alaranjada, indicando que, logo, o pôr do sol chegaria.

Eu me sinto livre. — dizia serenamente. — Pensei que viveria amarrado ao meu passado para sempre…Na verdade, — franziu o cenho — não me achava merecedor de deixá-lo para trás. Mas eu deixei. — suspirou e esticou o canto dos lábios — Pela primeira vez estou vivendo sem me preocupar em alcançar as expectativas dos outros ou reprimir meus desejos. Então, talvez a minha resposta para sua pergunta seja sim. — Virou o rosto e encontrou a expressão analítica do Park. Ele fazia isso quando tentava compreender o lado humano que lhe faltava por dentro. — Por que quer ouvir meus devaneios? — Foi a vez do loiro ficar curioso.

É interessante ver o mundo sob a sua perspectiva. — desviou o olhar para frente e o menor o acompanhou. — Eu não correspondo a esses sentimentos e aprecio que respeite isso.

Eu diria que você é o concreto e eu sou o abstrato.

É uma boa definição.

[…]

Naquela noite, o loiro estava sentado de frente para Park sobre o tapete vermelho da sala de estar enquanto o observava terminar de construir uma pirâmide de cartas alta e assimétrica. O ex-soldado sentia as pernas desnudas sendo levemente picadas pela superfície áspera, mas isso não o incomodava.

O ambiente era espaçoso e aconchegante. Haviam escolhido uma casa rústica, mas requintada, que não possuía divisão de paredes, apenas o quarto era fechado com uma porta dupla de correr na entrada. Os únicos itens de luxo eram os aparelhos eletrônicos, fora isso, aparentava ser uma residência típica de um casal comum de turistas honestos. Para eles, o dinheiro era só uma forma de ganhar poder e não algo que gostassem de esbanjar, apenas quando era necessário assumir um papel de burguês para se infiltrar nos meios mafiosos. E o detalhe que mais gostavam sobre aquele lugar era que não havia vizinhos e a cidade mais próxima ficava a cerca de vinte minutos de carro.

Para construir um império, — dizia o maior conforme pousava as últimas cartas no topo da pirâmide — é necessário perspicácia, paciência e tempo. Porém, para destruí-lo, basta apenas um sopro. — descansou as mãos brevemente sobre o colo, analisando a estrutura frágil que tinha montado.

Baekhyun acompanhava o raciocínio dele. O próximo passo seria derrubar algo muito maior do que o tráfico tailandês e alguns contrabandistas. Por isso, precisavam de uma casa fixa onde pudessem planejar seus movimentos sem interrupção, além de servir como esconderijo para as armas e outros itens considerados ilegais na maioria dos lugares.

E onde seria esse sopro? — questionou conforme remexia na barra de sua camiseta preta.

Não adianta atacar por cima. — removeu as duas cartas no topo — Líderes podem ser substituídos. — Puxou duas cartas aleatórias que estavam ao seu lado e pousou no lugar que estavam as anteriores. — Contudo, se removermos a base do império… — Retirou uma carta da parte inferior e a estrutura desequilibrou. Depois, puxou outra da extremidade oposta e a pirâmide cedeu, derrubando todas as cartas sobre o tapete vermelho. — ele desaba.

É isso que faremos? — perguntou esticando a mão até alcançar uma carta da rainha de copas e colocá-la entre seus dedos finos.

Sim. — assentiu. — Por isso será necessário os informantes em todos os lugares.

Byun voltou a encarar o olhar penetrante do companheiro. Park possuía um semblante irredutível, as feições do rosto se endureciam quando assumia sua verdadeira personalidade. Estava acostumado com aquilo, embora tenha ficado um pouco receoso quando se reencontraram, mas depois tornou-se habitual lidar com a natureza fria e imparcial do moreno.

E depois? — arqueou uma sobrancelha — O que tem em mente? — Arrepiou-se ao receber uma encarada perversa e ver as íris alheias faiscarem com alguma ideia depravada.

Chanyeol esticou os braços sobre as cartas espalhadas e pousou as mãos nas coxas desnudas do loiro. Subitamente, apertou a região com força e puxou o companheiro até que este estivesse sentado sobre seu colo. Em resposta, Baekhyun fincou as unhas pintadas de preto sobre os braços alheios à mostra. Os olhares extremamente próximos criavam uma intensidade quase palpável entre ambos. Com eles, não existiam carícias e beijos, cada toque era uma chama que criava um incêndio de pura excitação. Eram incapazes de atos singelos, tudo tinha uma carga elevada de malícia por trás, o que não era um problema para nenhum dos dois. Gostavam da sinergia devassa que compartilhavam.

Sabe qual é a melhor parte disso tudo? — sussurrou Chanyeol sobre os lábios tentadores do menor.

Qual é? — murmurou em resposta, já sentia sua mente começando a se nublar pelo tesão. Park levou uma das mãos até seu queixo, pressionou os dedos na região e lançou um olhar de cobiça para seus lábios.

Poder te foder toda noite. — O sussurro rouco reverberou pelo interior de Byun, que sorriu de maneira lasciva antes de iniciar um beijo ardente. Suas línguas faziam movimentos obscenos seguidos de mordidas nos lábios um do outro.

O moreno afastou o rosto e afundou uma mão nos cabelos alheios, puxando os fios loiros e fazendo Baekhyun inclinar a cabeça para trás e soltar um suspiro quando sentiu a língua do companheiro percorrer a pele sensível do seu pescoço. Ele distribuiu alguns beijos na região ao passo que o menor sentia a ereção crescente de Park pressionando-se contra a sua própria. Remexeu o quadril, fazendo com que seus membros se friccionassem num movimento delicioso que lhe arrancou um gemido baixo.

Levantou-se e foi em passos felinos em direção a porta dupla do quarto, parando e virando-se em direção ao moreno, que se aproximava como um predador. Com um sorriso libertino, o loiro encostou as costas na porta ainda fechada e aguardou até que o companheiro estivesse a centímetros de distância. Chanyeol enfiou as mãos por detrás do corpo de Baekhyun e abriu a entrada para o cômodo. Em seguida, agarrou o menor pela cintura e o guiou em direção a cama espaçosa coberta por um lençol perolado. Empurrou-o, fazendo o mesmo cair sentado na beirada do colchão e erguer a cabeça para encará-lo.

Você é a minha tentação. — disse o moreno com a cabeça inclinada para baixo. Levou o polegar em direção aos lábios finos do menor e deslizou pela região antes de penetrá-lo em sua boca. O enlouquecia em como Byun exibia um semblante carregado de sensualidade de forma tão natural. O olhar dele era como um ímã que puxava qualquer um ao seu redor e os fazia dobrar-se à sua vontade. Por isso, Chanyeol tinha lhe dado a carta da sedução, uma das mais poderosas e irresistíveis do baralho.

E você é meu Diabo. — sorriu descaradamente antes de agarrar a barra da regata do maior e erguê-la. Logo, Park retirou a peça e revelou as curvas acentuadas de seus músculos bem trabalhados. O loiro salivou e, em seguida, puxou a calça alheia acompanhada da roupa íntima, despindo completamente seu companheiro. Deslizou as mãos pelo abdômen a sua frente e praguejou mentalmente por aquele homem ser tão atraente.

Baekhyun teve seus cabelos agarrados pelos dedos impetuosos de Park. Manteve o olhar no moreno à medida que descia uma das mãos até o membro ereto dele, masturbando-o antes de enfiá-lo dentro de sua boca. Sabia que Chanyeol adorava que o encarasse quando era chupado. Por conta da cabeça inclinada para baixo, os fios escuros do maior caiam sutilmente em seu rosto, lhe dando um aspecto terrivelmente sedutor.

Park retirou-se de dentro da boca alheia e puxou a camiseta do menor até despi-lo. Em seguida, o loiro engatinhou para trás até que seu corpo estivesse deitado confortavelmente sobre a cama. Não demorou para que o moreno deitasse por cima do companheiro e o envolvesse num beijo despudorado conforme deslizavam as mãos afoitas um pelo outro. O calor de suas peles se tocando levava Baekhyun à loucura. Quando cessaram o beijo para respirar, Chanyeol passou o indicador sobre os lábios avermelhados e molhados do loiro antes de esticar o braço até a primeira gaveta da cômoda ao lado da cama e apanhar um par de algemas. Sorriu perverso e ergueu os pulsos do ex-soldado até acima da cabeça do rapaz, o prendendo contra a madeira da cama.

Quero ouvir você gemendo alto. — murmurou malicioso.

Só se você merecer. — rebateu Baekhyun com um sorriso ladino.

Com um brilho lascivo nos olhos, Chanyeol retirou a roupa íntima do menor e, em seguida, desceu até que seu rosto alcançasse as coxas fartas, começando a distribuir mordidas pela parte interna antes de envolver seus dedos grossos em torno do membro ereto e pulsante de Baekhyun, massageando-o antes de colocá-lo por inteiro na boca. Manteve um ritmo de sugadas intensas que eram acompanhadas pelos suspiros e gemidos arrastados do companheiro afundado em deleite. Em certo momento, Park retirou o pênis da boca para sugar os próprios dedos antes de guiá-los até a entrada do loiro, pressionando a região antes de penetrá-lo lentamente, recebendo um arquejo em resposta. Voltou a colocar o membro excitado na boca, sugando-o vorazmente conforme remexia os dedos no interior do menor, que arqueava as costas e se contorcia, dominado por um prazer indescritível.

Baekhyun cerrava os punhos algemados à medida que seus músculos se retesaram. Deixou escapar o nome do moreno algumas vezes entre seus gemidos exaltados, incentivando-o a continuar até que arqueou as costas com força segundos antes de gozar e ser preenchido por uma sensação deliciosa e relaxante que o fez esquecer-se de tudo.

Todo seu corpo cedeu, amolecido e ofegante. Abriu os olhos em tempo de ver Chanyeol limpando os resquícios de gozo da boca antes de deitar sobre si com seu característico sorriso perverso nos lábios.

Consegue aguentar mais? — incitou em tom de deboche.

Byun soprou um riso ainda atordoado pelo efeito do orgasmo.

Será que você consegue fazer melhor do que isso? — arqueou uma sobrancelha em desafio. O olhar de Park faiscou. Ele adorava ser desafiado, especialmente na hora do sexo.

Chanyeol esticou o braço novamente até a cômoda, abrindo a mesma gaveta e retirando um potinho de plástico com lubrificante. Byun umedeceu os lábios, ansioso pelo que estava prestes a acontecer. Observou o homem se apoiar de joelhos sobre a cama e abrir o recipiente, enfiando os dedos no líquido espesso e lançando-lhe um olhar depravado antes de penetrá-lo suavemente com os dedos até que sua entrada estivesse preparada para recebê-lo. Lambuzou o próprio pênis ereto e depois descartou o potinho ao lado da cama, que se perdeu em meio ao lençol perolado.

Segurou o quadril de Baekhyun com força, inclinando-o sutilmente para cima numa posição favorável. Sem hesitar, afundou seu membro nele, soltando um suspiro grave e delicioso que foi acompanhado de um arfar por parte do menor. Fez questão de encarar o companheiro fixamente enquanto iniciava um ritmo lento de estocadas fundas. O ex-soldado gemeu sentindo o corpo sensível reagir com intensidade aos estímulos em sua região de prazer. Park inclinou-se até que seu rosto estivesse a centímetros de distância do rapaz deitado. Sustentavam um olhar fervoroso de luxúria ao passo que Chanyeol continuava penetrando-o de uma forma extremamente gostosa e íntima. Os arfares e gemidos baixos se misturavam numa sinfonia erótica que fazia o loiro perder completamente a razão. Enlaçou as pernas no quadril do maior numa forma de trazê-lo ainda mais pra perto, colando seus corpos quentes e se deleitando do contato entre as peles durante o ato pecaminoso.

Park levou uma mão até o pescoço de Byun, apertando-o com firmeza, mas sem sufocá-lo. O loiro sabia que aquilo significava que o companheiro queria acelerar as coisas. Retirou as pernas do quadril alheio e o maior se afastou, abrindo as algemas em torno de seus pulsos. Uma vez solto, Baekhyun sorriu pervertido e empurrou o moreno contra o colchão. Logo, se sentou por cima do corpo de Park. Endireitou-se no colo do rapaz e afundou o pênis de Chanyeol em si, gemeu alto quando se sentiu preenchido pela ereção rígida. Apoiou as mãos sobre o peito do moreno e começou a rebolar com força conforme sentia suas coxas serem apertadas pelos dedos grossos. Não demorou para seus músculos enrijecerem e um prazer enlouquecedor o possuir.

Park lhe desferiu um tapa na nádega, que estalou de tanta força. Em seguida, ele espalmou a mão na região e a apertou com ímpeto. Byun sentiu a pele arder, o que o estimulou a continuar com os movimentos de forma mais frenética. Tomado pela insanidade, lançou um tapa no rosto de Chanyeol, que o encarou com o olhar impiedoso depois disso. Baekhyun sorriu descaradamente, não era a primeira vez que fazia aquilo e nem seria a última. Gostava do que vinha a seguir.

Chanyeol retirou o loiro de cima do seu corpo, empurrando-o de volta ao colchão e depois o virou de costas. Baekhyun empinou a bunda de forma automática, estava consumido pela excitação, tanto que começou a rir maliciosamente enquanto apoiava as mãos e os joelhos sobre a cama. Não tardou para seus cabelos serem agarrados e para os lábios alheios ficarem próximos de seu ouvido.

Será punido por isso. — Chanyeol murmurou numa rouquidão tirânica.

Então me puna. — riu o menor antes de o lançar um sorriso cafajeste.

Seus fios foram largados e sentiu as mãos grossas apertarem suas nádegas antes de ser penetrado de uma única vez, fazendo seu corpo desequilibrar e um gemido misturado a um riso escapar pelos seus lábios. Park começou a estocá-lo vigorosamente, fazendo os sons dos corpos se chocando ecoarem pelo quarto de maneira obscena. Baekhyun comprimiu os lábios e fechou os olhos quando uma onda abrasadora de prazer o preencheu, contraindo seus músculos e o fazendo agarrar o tecido perolado entre os dedos. Gemeu sôfrego e ansiava desesperadamente pelo orgasmo que estava a ponto de chegar. Seu corpo continha tanta excitação que sentia-se como se pudesse explodir de prazer. Era difícil se manter equilibrado e suas pernas começavam a bambear. O ritmo das estocadas se acelerou por um momento antes de Park agarrar os fios loiros do menor e se desfazer num orgasmo delicioso.

Chanyeol suspirou antes de retirar-se de dentro do ex-soldado. Soltou os cabelos do mesmo e o ergueu até que suas costas estivessem coladas ao seu peito largo. Levou uma mão ao pescoço alheio e com a outra massageou o membro dele até que também gozasse e soprasse o ar pela boca num sinal de deleite. Permaneceram nessa posição, ambos ofegantes e suados, aproveitando o calor do corpo um do outro depois de um sexo ardente. Baekhyun fechou os olhos, deixando-se ser levado pelo clima do momento e focando em ouvir a respiração acelerada do moreno contra seu ouvido. Por fim, cederam ao cansaço e caíram sobre a cama.

Baekhyun enfiou o rosto na curva do pescoço de Park e respirou fundo algumas vezes até se recuperar. Em seguida, apoiou a cabeça sobre uma mão e ficou a encarar os olhos maliciosos que o fitavam. Levou a mão livre até o rosto de Chanyeol e afastou os fios escuros que grudavam em sua pele. Realmente gostava do cabelo dele naquele comprimento.

Você ainda não me respondeu. — Observou o ex-soldado.

Sobre o quê?

O que vai fazer depois que derrubar um império?

Chanyeol sorriu ardiloso e deitou-se por cima de Baekhyun. Inclinou o rosto e mordeu lentamente o lábio inferior do loiro.

Depois eu construirei o nosso.