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A Caverna de Esporos Selvagens, uma caverna conhecida pelos seus cogumelos que possuíam as mais variadas formas, tamanhos e características, desde os minúsculo Cogumelos de Cabeça Pontuda que não alcançavam nem os dez centímetros de altura, até os mastodônticos Cogumelos Golias que de tão grandes e extensos que eram, suas rigidas estruturas serviam de moradias para diversas pessoas.
E por entre a área mais despovoada daquela caverna, afastada de qualquer assentamento e mantido oculto por entre os diversos cogumelos, havia o Esconderijo Shane, uma estrutura de metal de formato oval que servia como o Quartel General da famosa Gangue Shane.
Um pequeno grupo de atiradores que colocaram sobre seus próprios ombros, o dever de proteger Slugterra de criminosos e malfeitores que poderiam causar um mal maior para aquele mundo e os seus habitantes.
Esta equipe é liderada por Eli Shane, o atual herdeiro de uma longa linhagem se atiradores que serviram como guardiões de Slugterra a mais de mil anos. Um rapaz talentoso e carismático que mesmo sendo tão novo, já demonstrou superioridade em relação a atiradores mais experientes.
Os outros membros que compõem este grupo eram;
Beatrice Sting, ou simplesmente Trixie para aqueles mais íntimos. Especialista em lesmalogia, ou seja, o estudo da biologia das lesmas, sendo a responsável por reconhecer todo e qualquer tipo de lesma que seus inimigos possam estar utilizando. Da mesma forma, é uma especialista em multimídia, ostentando seu próprio website aonde posta os vídeos que ela mesma grava de algumas missões do grupo para mostrar para a população de Slugterra, que depois de anos desaparecido, um Shane estava ali para protege-los e agora muito bem acompanhado.
Kord Zane, um Ogro das Cavernas. Especialista em mecânica, responsável pela manutenção dos Mechas e Lançadores, além da criação de aparatos tecnológicos que possam auxiliar a equipe toda vez que a situação se fizer necessária. Igualmente, Kord é os músculos da equipe, usufruindo da força física superior inata que a sua raça possui.
E por fim, Pronto, um Molenoide. Membro de uma longa linhagem de exploradores Molenoides que outrora no passado foi responsável pela descoberta de dezenas de cavernas, seus talentos e técnicas para exploração são mais do que formidáveis. Dono de um olfato e uma audição aguçada que o tornam o explorador oficial da equipe. Especialista em sondar aos seus arredores e se infiltrar em áreas desconhecidas e consideradas perigosas.
Entretanto, não só de atiradores se formava este bando. A Gangue Shane tinha em sua posse um vasto arsenal de lesmas, do comum Hormonia, até o raríssimo Geomento que eram repassados por entre seus membros. E todos eles recebiam um tratamento que não era comum as lesmas receberem de seus atiradores, não sendo tratadas como meras munições, mas sim como companheiros de batalhas, colegas e camaradas de confiança. E entre aquelas lesmas, havia uma em especial que era considerada até mesmo por entre seus companheiros gastropodes.
Burpy, a rarissima lesma Infernus, dona de uma coloração alaranjada e marcas amarelas semelhantes a labaredas se encontrava naquele momento, com a cabeça escorada em uma das várias janelas ovais do esconderijo enquanto vagava os seus olhos laranjas em direção aos seus pequenos companheiros que estavam dormindo confortavelmente por todos os cantos da base, desde as almofadas feitas especificamentes para lesmas, até as meias que serviam de camas para as pequenas criaturas.
Aquelas lesmas, assim como seus atiradores estavam descansando depois de um difícil confronto que havia acontecido a poucos horas atrás, entre a Gangue Shane e os asseclas do Dr. Blakk que estavam levando uma carga de água escura para alguma caverna em especial que Burpy não fazia questão de se lembrar. Afinal, a lesma de fogo já havia lutado tantas e tantas vezes contra pessoas de péssima índole que tentava dominar ou destruir Slugterra por tantos anos, que ele já sábia como toda aquela história iria terminar, mais cedo ou mais tarde.
O vilão surgia com algum plano mirabolante ou talvez até surpreendente engenhoso, Burpy e seu atual atirador batalharam contra ele até que o derrotassem, assim impedindo o seu plano de ser concluído e depois, dependendo da moral do Shane da época, o criminoso era colocado em uma cela profunda e a chave era jogada fora ou simplesmente era carbonizado até se transformar em cinzas pelas chamas da lesma.
E ele se questionava, por quanto tempo ele teria que travar aquelas diversas batalhas sem fim?
Por quanto tempo mais ele esperaria para que finalmente pudesse descansar depois de tanto lutar?
Cem? Mil? Dez mil anos? Eram em momentos como esse que Burpy queria ter o poder de ver o futuro e assim, saber a sua resposta.
Provalvemente ele continuaria aquela jornada até envelhecer e se tornar uma lesma anciã, com as suas potentes labaredas que outrora iluminavam a mais profunda penumbra se tornando míseras fagulhas que não teriam o poder nem para queimar a pétala de uma flor. Talvez assim, ele encontraria o descanso em vida.
Se está fosse a opção certa, com toda certeza do mundo, Burpy teria que aprender a se tornar muito mais paciente do que ele já era. Afinal, depois de passar praticamente os últimos dois mil anos lutando contra ditadores, tiranos, loucos enquanto observava um por um, seus atiradores, falecerem, seja pela ação do tempo, morrendo velhos e senis, ou honrosamente em trabalho, resgatando pessoas e lesmas de desastres naturais ou de criminosos sem escrúpulos, ou simplesmente, atacados por uma mortal doença.
Não importava, o final era sempre o mesmo após o fim de seu portador, após o fim de um Shane. Ele, como uma arma era passado para o seu herdeiro, seja um filho, um neto ou até mesmo um sobrinho que posteriormente, sofrerá do mesmo destino de seus antecessores e o ciclo irá se repetir mais uma vez.
Está havia sido a trajetória da lesma Infernus, desde que foi entregue para o primeiro Shane. A quase dois mil anos atrás, quando ainda era uma jovem e inexperiente lesma que nunca havia sequer experimento o calor de uma batalha.
As memorias de seu primeiro encontro com Dokara, O Primeiro dos Shane, ainda se mantinham frescas em sua mente. Ele se recordava do jovem e assustado indígena que vivia em um vilarejo proximo a fronteira entre a superfície e Slugterra. Havia sido uma das primeiras tribos a conhecerem da crueldade da Perdição Escura.
Por algum milagre dos Deuses, ele havia conseguido sobreviver. Encontrado pelos soldados do Clã das Sombras, escondido entre os cadáveres decepados de seus amigos e familiares. Com o corpo coberto de cicatrizes e a mente marcada com o temor, que se transformou em raiva, que foi usada como combustível para o seu desejo de vingança.
Dokara e outros jovens que assim como ele, sobreviveram aos massacres da Perdição Escura foram acolhidos e treinados pelo Clã das Sombras. Todos aqueles jovens passaram pelos processos de treinamento mais brutais que fazia até mesmo o mais corajoso dos guerreiros tremerem da cabeça até a ponta da cauda.
E mesmo que os membros do Clã entendessem que tudo aquilo era necessário, que eles precisavam criar guerreiros poderosos que pudessem lidar com a luz do sol, algo que eles próprios eram incapazes de lidar, aquilo não mudava o quão cruel era fazer jovens passarem por tudo aquilo.
Felizmente, todo aquele sofrimento não havia sido em vão. Todos aqueles jovens haviam se tornado guerreiros poderosos e capazes, os Filhos das Sombras e eles estavam prontos para cumprirem o seu destino pelo qual treinaram por tantos anos. Burpy havia sido entregue para Dokara e outras lesmas, tão poderosas quanto ele, foram entregues para seus companheiro, em conjunto de uma legião de lesmas.
O Infernus se lembrava como se fosse ontem da cruzada dos Filhos das Sombras por toda a superfície contra a Perdição Escura. Invadindo e destruindo fortalezas como uma força indomável que não pararia por nada, enquanto resgatavam e libertavam escravos que como consequência se uniam ao seu grupo que pouco a pouco, se transformava em um exército de poder equiparável ao da Perdição Escura.
Aquela batalha, a batalha que marcou o fim da chamada Era da Escuridão, fora mais do que brutal, aquilo havia sido uma verdadeira chacina, provinda de ambos os lados. Gritos de dor daqueles que tiveram seus corpos dilacerados enquanto seus sangues e triplas voavam pelo campo de batalha, o pintando de vermelho. Tudo para que no fim, os poucos Escuros, que haviam conseguido sobreviver a aquele massacre, entre eles, Lúcifeus, o filho do rei que havia nascido a poucos meses foram enviados de volta para as Cavernas Profundas e trancados de forma que nunca mais pudessem por os seus pés tanto em Slugterra, quanto na superfície.
— E tudo aquilo para no final, aparecer um idiota com desejo de poder e vim botar tudo a perder. — resmungou Burpy, ao se recordar das ações do Dr. Blakk.
A lesma Infernus virou os seus olhos laranjas em direção a janela, vislumbrando o belíssimo cenário que aquela caverna proporcionava para si. Com as centenas de cogumelos fluorescentes que brilhavam de uma forma que fazia Burpy se recordar das constelações do céu estrelado. Algo que ele tinha como passatempo favorito toda vez que se encontrava na superfície com seu portador.
— Está pensativo hoje, Burpy? — questionou Doc, chamando a atenção da lesma de fogo que olhou para ele, o vendo se aproximar.
Doc, o antigo e lendario Elemental da Energia, dono de uma coloração esverdeada e com um único olho ciclópico sobre sua face. Uma lesma que a pouco tempo atrás, sofria com a amnésia, não se recordando quem era e o que era capaz de fazer.
— Esta sem sono?
— Como eu poderia conseguir dormir ao sentir a sua energia ficando tão tensa? — disse Doc, vendo o companheiro desviar o olhar de volta para os grandes cogumelos que infestavam o cenário. — O que tanto lhe atormenta está noite?
— O meu passado, o meu presente e o meu futuro.
Doc focou seu único olho sobre a lesma de fogo, percebendo de imediato o que estava afligindo seu companheiro de batalhas.
— Sabe Burpy, eu entendo muito bem como você está se sentindo. — disse Doc, se colocando do lado do amigo. — Assim como você, eu já passei pela mão de varias pessoas antes de chegar ao Eli. Conheci pessoas boas. Conheci pessoas ruins. Conheci pessoas sabias. Conheci pessoas tolas. Conheci pessoas que me fizeram perceber que antes de eu ser o Elemental da Energia, eu ainda sou uma lesma. E como uma lesma, eu tenho emoções. E com essas emoções. Eu tive relações. Tive amigos que sempre guardarei no coração. Tive inimigos que desejo uma pós-vida horrível. E tive amores que nunca mais reencontrarei.
— Como você consegue? — perguntou Burpy. — Como você consegue viver sabendo que mais cedo ou mais tarde, irá presenciar a morte dos seus amigos, seja envelhecendo, seja em uma fatalidade enquanto você ainda está vivo?!
Diante aquela pergunta da lesma de fogo, Doc simplesmente lhe lançou um singelo sorriso.
— A muito tempo atrás, eu conheci um homem. Um sábio eremita que andava de caverna em caverna, no qual passou toda a sua vida em uma eterna busca da resposta da verdadeira felicidade e depois de tantos anos ele descobriu, porém, infelizmente, ele já estava em seu leito de morte.
— Então ele não teve tempo para lhe contar?
— Não, ele não teve, mas não foi necessário. Depois de muito tempo, pensando e pensando, eu conseguir descobrir… — o Elemental da Energia pousou a pata sobre o ombro do seu colega, não tirando aquele pequeno sorriso de sua face. — A verdadeira felicidade, é viver de acordo com as nossas ambições. Seguir os nossos desejos. Viver sem arrependimentos, sem lamurias, sem dor e carregando sempre em seu peito, as boas lembranças que teve com seus amigos, famílias e amores. Por isso, eu lhe aconselho Burpy, não se deixa atormentar tanto pelo fim de seus antigos companheiros, pois eles ainda estão vivos… aqui. — disse Doc, levando a mão até o peito do Infernus, bem onde se localiza o seu coração. — Bom, eu estarei descansado, espero que você faça o mesmo, afinal, a gente vai ter um dia cheio amanha.
Estas foram as últimas coisas que o Elemental da Energia falou antes de se distânciar de Burpy, deixando-o sozinho naquela janela com um semblante pensativo sendo a única coisa visível na face da lesma Infernus que deu uma última olhada para fora, antes de começar a saltitar em direção ao quarto de Eli, seu atual companheiro, seu atual amigo e que assim como todos aqueles que o portaram no passaram, ele fará questão de manter vivo em suas memórias e em seu coração, até que a sua chama se apague.