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Narrador observador:
A biblioteca sempre foi seu lugar favorito, por mais que adorasse treinar com espadas e competir com outros chalés, era ali seu espaço especial. É claro que seus irmãos também passavam por ali, até porque era isso que esperavam deles, não? Que os filhos de Atena sempre estejam com um livro nas mãos e a resposta para tudo na ponta da língua.
Era estressante, ler poderia ser seu escape da realidade e fazê-lo esquecer dos pesadelos que sempre o atormentavam, a pressão que sentia sobre seus ombros estava o desgastando de pouco em pouco. Principalmente com o título de novo conselheiro de seu chalé. O único sobrevivente, que se provou corajoso o suficiente para levar o objetivo da equipe até o fim e viver por aqueles que se foram. No entanto, do que adiantava o sucesso, se ao fechar os olhos escutava seus gritos? Seu irmão mais velho o ordenando a sair dali, que tudo ficaria bem.
Ele sabia, seu irmão sabia, que morreria por aquela missão, e que apenas uma pessoa ficaria viva. A profecia previu tudo e mesmo assim, ele montou uma equipe, os avisando dos riscos e se recusou a escutar as súplicas de Cellbit. Diferente dos seus outros meio-irmãos, com quem dividiam o chalé, os dois compartilhavam a mesma mãe mortal. Atena deu três crianças para uma mulher cuidar, sem pensar em como eles ficariam.
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A infância deles não foi fácil, sua mãe mortal, Diana, tinha dois empregos e mal conseguiam ficar em casa. Ela dava seu melhor, deixava cartinhas e presentes feitos à mão para os três toda semana, e nas suas folgas os levava juntos para a feira, onde ela se apresentava como cantora. Philza foi o responsável por cuidar dos gêmeos, era mais velho por 7 anos e fazia o possível para deixá-los seguros. Entretanto, as coisas desandaram quando os mais novos completaram cinco anos e os três foram levados às pressas para o acampamento.
— Minhas crianças, eu prometo que vou voltar, mas preciso que vocês fiquem aqui por ora, eu não consigo proteger vocês dessas coisas. — Diana chorava antes mesmo de chegar em casa e pedir para que eles organizassem suas coisas. — Vou voltar! Prometo, vocês são as melhores coisas que aconteceram na minha vida e eu amo cada um de vocês, meus filhos. — ela os abraça separadamente e depois junta num grande abraço.
Philza sabia de sua verdadeira identidade há meses, suspeitava que os gêmeos também eram, mas nunca confrontou Diana sobre. Não até aquele momento, que ele descarregou todos os anos em 5 minutos, o que o garoto não sabia, era que algo os caçava todo esse tempo e seus gritos chamaram atenção. Cellbit não se lembra claramente do que aconteceu, apenas se recorda de sua mãe se usando como isca, enquanto eles corriam para a colina e depois disso, nunca mais a viu, pelo menos não com vida.
Os filhos de Atena eram conhecidos por sua devoção, mesmo sem a conhecer pessoalmente, e ele tentou, muito, confiar nela, mas não conseguia. Não quando a deusa apenas o parabenizou pelo novo título e não falou nada sobre a morte de seu outro filho.
Se pudesse, destruiria cada pedaço do Olimpo, cada canto que Atena já pisou, para tentar causar o mínimo de dano nela. Porém, Cellbit tinha outras coisas para se preocupar, ele não poderia deixar seus irmãos e não desrespeitaria o último pedido de Philza.
Ficar sozinho deixava com que seus pensamentos se tornassem nessa nuvem negativa, uma junção de todos os seus erros, ao menos no seu ponto de vista. Talvez ele nunca se perdoaria por deixar o irmão para trás e com a chuva receber a confirmação de sua morte, era engraçado que até seu avô, Zeus, tenha feito algo para Philza e sua mãe não. Era apenas porque uma campista do chalé 1 também morreu na missão, contudo os raios que caíram naquela noite foi em respeito a todos que morreram.
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Cellbit balançou a cabeça, estava na biblioteca por uma razão e não era para pensar na sua vida. A corrida anual de carruagem seria em algumas semanas, em questão de preparo já estava atrasado e ainda nem tinha uma dupla, já que sua irmã implorou para que não ficasse bravo e chateado por aceitar o convite da filha de Íris, Tina. Era ela a única campista sem colegas de quarto e como justificativa Bagi disse algo tosco, como: “eu apenas quero ajudar uma grande amiga a não ficar sozinha”, mas todo mundo sabia que elas se gostam de outra forma.
O garoto tinha algumas ideias descartadas de anos anteriores, Philza costumava o ajudar a finalizar seu planejamento e agora só restavam seus antigos conselhos para se orientar, até porque agora era ele quem deveria ajudar seus irmãos. Cellbit e Bagi se tornaram os mais velhos, a garota saia todo mês em novas missões, eram curtas e menos perigosas, e por isso o título de conselheiro caiu para ele. Para Cellbit qualquer um era uma escolha melhor que ele, mas Atena era a responsável por escolher, como se ela conhecesse algum deles para dizer algo.
Isso o irritou mais ainda, porque não poderia recusar, existiam apenas duas possibilidades para reivindicar o título, a morte ou ficar no acampamento apenas durante o verão. Ele até se enxergava morando em outro lugar no futuro, numa cidade mais retirada, que não precisasse conviver com muitas pessoas e se algum monstro aparecesse, ótimo! Só que ainda tinha apenas 16 anos e precisava ficar ali.
— Sabia que estava aqui. — Roier chega por trás de Cellbit, o assustando, estava tão imerso em seus pensamentos que nem escutou seus passos — Vejo que os “gêmeos do mistério” irão se destacar mais uma vez, mas eu não ficaria tão confiante, vi por cima o trabalho de Pac e Samuel e eles se apegaram tanto, que chamaram a carruagem de Carla. — fala com um sorriso enorme no rosto, na cabeça de Cellbit as ações do outro eram propositais, como se soubesse o quanto ainda mexe com ele.
Roier, filho de Afrodite, atualmente o único garoto do chalé 10, e também um recém-chegado, estava ali há menos de um ano e continuava na fase de adaptação, talvez no fim dela. Os dois se tornaram amigos em poucas semanas, mas se afastaram quando Cellbit saiu escondido para a missão e retornou sozinho. O mais novo não o culpava por isso, pelo contrário, desejava poder tirar toda a dor que carrega e escondia o seu próprio sentimento de culpa por deixá-lo ir.
— Fui rejeitado pela minha irmã esse ano, estou sem dupla e não duvido dos esforços dos moços, eles me ajudaram a construir a peça que me garantiu a vitória ano passado. — Cellbit encara seus esboços de volta, algumas folhas apresentavam as pontas amareladas, que indicavam há quanto tempo o garoto estava no acampamento. — E você? É a sua primeira corrida, vai participar com uma de suas irmãs?
— Elas já têm as suas duplas escolhidas há anos, acho que vou ficar na torcida, corrida também não é muito a minha praia. — Roier dá de ombros, ele era competitivo, porém preferia as competições individuais, onde precisava confiar apenas nas suas habilidades. — Qual o seu plano para conseguir participar sozinho? — olha para os papéis, não sabia como Cellbit se achava naquela confusão de desenhos e escritos gregos, além de equações no canto das folhas.
— Eu não tenho um plano. — o brasileiro sussurra envergonhado, era como se tivesse confessado que escorregou numa casca de banana. — Eu não sei, só estou procurando por algo para ocupar a cabeça. — e não era preciso pôr em palavras diretas para que o outro entendesse.
— Posso ser a sua dupla. — Roier sugere, essa ideia passava pela sua mente desde que viu Bagi e Tina juntas na oficina, estava apenas no aguardo de uma brecha. — Ou não, eu não quero te forçar a nada, eu só achei que seria legal. Sabe, voltarmos a passar um tempo juntos. — ele não entendia como que Cellbit o deixava nervoso, não era comum que filhos de Afrodite se sentissem tão afetados, já que na maioria das vezes, eles são a causa do nervosismo. — E eu sei que quando… tudo aconteceu, as pessoas disseram que eu te usei naquela tradição estúpida e por isso nos afastamos também, e...
— Eu sei, eles só queriam trocar de assunto, foram muitas perdas naquela semana e acharam que inventar mentiras sobre nosso relacionamento iria ajudar em algo. — Cellbit o interrompe, relembrar daquele período deixava sua boca amarga, não gostava de pensar que envolveram seus nomes em uma mentira logo após voltar da missão, quando nem energia para sair da cama tinha, imagina ter cabeça desmentir os outros. — Eu só me sinto mal de não ter falado, já naquela época, que não era sua culpa, sempre foi minha e eu mereci o que recebi. — fala se esforçando para se concentrar nos papéis e tentar ler as suas próprias anotações, que se tornaram grandes borrões.
— Não é como se você estivesse muito aberto para conversar também, sua irmã tentou, eu tentei, nossos amigos tentaram. — Roier suspira, depois do que aconteceu, ele perdeu o hábito de conversar sobre o que sentia, porém, se passaram tantos dias infelizes, das suas barreiras o interrompendo de se reaproximar, ele estava apenas cansado. — Eu não sei exatamente o que você sente, mas tento entender por tudo que você passou e odeio que tenha passado por isso sozinho, mas você não está mais sozinho, nunca esteve. — ele pega o queixo de Cellbit com a maior delicadeza, não querendo ultrapassar seus limites, caso não se sentisse confortável com seu toque. Há quantas semanas não sentia seu coração acelerar daquele jeito, aqueles olhos azuis encarando os seus, assim como o dia em que foi embora — Acredite em mim, por favor. — sussurra.
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Roier causava coisas estranhas, era algo novo, que Cellbit não sabia lidar, mexia com a sua cabeça e o deixava confuso. Por mais que tentasse evitar, o filho de Afrodite estava presente em seus pensamentos desde a primeira vez que o viu, é uma memória tão viva, sendo quase como se pudesse voltar para aquele dia. Na semana das festividades, o acampamento monta uma programação para os campistas que não tinha outra casa e também convidam antigos campistas, e entre eles, tinha Foolish, um dos mais poderosos filhos de Poseidon, que se “aposentou” há quase 10 anos e criou uma vida sem guerras. Ele, com seu namorado mortal, adotaram duas crianças, que não demonstraram nenhum sinal de divindade, não até naquele dia.
Por algumas famílias também terem humanos, eles precisavam da permissão do diretor para entrarem, com o prazo de apenas um dia. E na vez de Foolish e seus filhos, Dionísio já estava estressado, o que piorou ao perceber que um semideus não identificado estava ali e deixou escapar vários suspiros dramáticos. Sendo puxado por vinhas em direção à barreira, que Roier e sua família descobriram sobre ele também ser um meio-sangue, o que gerou uma comoção no portal e logo foi se espalhando para o resto do acampamento.
Pac, que estava próximo à recepção, não perdeu tempo em contar para seu namorado a mais nova fofoca, e do Fit foi para o Philza, que contou aos seus irmãos. E escondido atrás de uma pilastra, espionando junto de Bagi, que Cellbit o viu pela primeira vez, Roier estava com um moletom do homem-aranha e muito confuso, até porque há cinco minutos ele era um garoto normal e agora sua vida mudaria para sempre. Quando Roier o viu ali, tentando passar despercebido, tudo em volta pareceu parar, até o barulho do vento sumiu, só existiam os dois. A magia só acabou com um tapa de Bagi e ver o desgosto do Senhor D. balançando a cabeça, os gêmeos correram de volta para suas tarefas, mas tudo que Cellbit conseguia pensar era naquele garoto novo.
Com o fim das festividades, a realidade de que seu filho precisaria passar pelas mesmas coisas que passou ou até pior, fez Foolish se sentir desamparado, poderia ter percebido antes, prepará-lo melhor. O que lhe restava agora era confiar no acampamento que foi sua primeira casa, porém é também uma recordação de suas maiores dores. Roier teve ensinamentos básicos, como segurar uma espada, feitas de madeira, e identificar possíveis perigosos, para que soubesse quando se esconder com Leo.
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Por ainda não ter sido reclamado, Roier estava no chalé de Hermes e precisava montar a sua rotina de atividades, descobrir em qual nível estavam suas habilidades, o pessoal era bem receptivo, o incluia no que conseguiam. Porém, por ser indeterminado, o seu cronograma precisava ser de outra forma, para que ajudasse de alguma forma ele chamar atenção dos deuses. E ele ficou um tanto quanto feliz, ao descobrir que o “o gatinho do chalé 6” foi escolhido para ser seu guia e o orientar sobre as atividades disponibilizadas no acampamento, talvez até tenha ficado mais animado sobre o passeio explicativo.
— Você fez o quê? — Cellbit pergunta para o irmão, logo após descobrir sobre qual seria seu principal dever do dia.
— Eu apenas coloquei os outros guias para trabalharem em outras coisas, porque eu te conheço e sei que você não teria coragem de se aproximar do garoto novo, apenas fiz meu papel como conselheiro. — Philza sorriu largo, conhecia o caçula como a palma da sua mão e gostaria de vê-lo feliz, ele merecia.
— Não tenho ideia do que você está falando, porque o Roier chegou há três ou quatro dias, como que eu já teria interesse nele? Você está louco e eu vou arrumar minhas coisas para ser um bom guia. — fala nervoso, o mais novo não sabia como agir pela primeira vez na vida, ele balançou a cabeça e saiu da cabana dos conselheiros. — Vai dar tudo certo, Cellbit, que mal poderia acontecer? É apenas uma volta pelo acampamento, você já fez isso várias vezes, nada de novo. — enquanto realizava seu monólogo para se acalmar, Roier que o esperava no banco mais próximo da cabana sorria com o jeitinho nervoso do rapaz.
— Então, Cellbit é o seu nome? — pergunta assim que ele passa do seu lado, o susto fez com que o filho de Atena parasse de falar, andar e gesticular, virando devagar na direção do novo campista. — Oi, sou Roier, nós vimos no dia que cheguei, acho que você era quem estava atrás do poste, certo? — o sorriso travesso do moreno, fez a cabela de Cellbit girar, era impossível descrever com clareza o que o fez sentir.
— Sim, desculpa, minha irmã estava bem interessada, já vimos várias recepções de campistas e nunca, aconteceu algo igual. Meio difícil um semideus adotar outro semideus e apenas descobrir durante uma visita ao acampamento. — Cellbit tenta se explicar, por mais que as palavras tenham saído, sua mente ainda estava processando o que acabara de acontecer. — Enfim, vamos? Gosto de começar pela arena de combate, mas como já estamos por aqui, passaremos pelos chalés primeiros. Agora é um bom horário, a maioria está em treinamento e não atrapalharam. — coloca as mãos nas costas e chama Roier para seguí-lo, tentando ignorar aquele charme que o mais novo transmite com tanta naturalidade.
Roier se sentia em um sonho, já tinha imaginado tantas vezes aqueles lugares e eles eram mais mágicos pessoalmente. Sabia que seu encanto por esse mundo duraria pouco, pelo menos até as consequências de um relacionamento entre uma imortal com um mortal caísse em seus ombros. Ele se lembra de como seu pai era paranoico, a sua casa fica numa grande fazenda sido construída em cima do lago, para dificultar o acesso e deixar o ambiente mais favorável para ele num possível combate.
Foolish quase perdeu tudo por ser um meio-sangue, seus filhos eram a razão pela qual ele continuava de pé e se esforçava para não seguir aquela voz no fundo da sua consciência, que o mandava voltar para o acampamento e pegar a primeira missão perigosa que o oferecesse. E também sabia que seu filho não seria diferente, enquanto dirigia de volta para casa, se perguntava como não tinha percebido antes e que deveria ter ficado na sua fazenda e colhido flores junto de seus filhos, como costumavam fazer nas manhãs de natal.
— Então, qual é a sua história? — Roier pergunta curioso, enquanto vão em direção à arena de treinamento, o que pegou Cellbit de surpresa, eles conversaram sobre o acampamento, mas nada tão pessoal — Oh, desculpa, eu achei que seria tranquilo perguntar. — fala apressado, não queria afastar uma possível amizade tão cedo.
— Está tudo bem, só é estranho, as pessoas geralmente perguntam isso aos meus irmãos ‘duplos’, Philza e Bagi. — Cellbit coça atrás do seu pescoço e suspira. — Minha mãe é Atena, como deve imaginar, e ela decidiu que seria uma ótima ideia se envolver com a mesma mulher duas vezes e na última vez resultou em gêmeos. Diana, a minha mãe mortal, ela morreu quando chegamos no acampamento, eu não lembro muito desse dia e até prefiro desse jeito. — nem mesmo com seus irmãos comentara sobre, já escutou várias vezes que precisava por para fora seus sentimentos, mas e se só piorasse? Para que remexer no passado, se as coisas estão ótimas.
— Sinto muito, você não precisava me contar. — Roier sorri fraco, tentando confortá-lo. — Foolish é meu pai adotivo, eu vivi num orfanato até meus 10 anos e eu acho que seja lá quem fosse meu pai ou mãe mortal, ele não queria lidar com tudo isso e fez questão que eu nunca conheceria sua identidade.
— Foolish parece legal, ele é uma lenda viva, meu irmão é um grande fã, o que é um pouco irônico. — Cellbit fala e eles chegam na área de treinamento. — Então, aqui temos o chalé 11 treinando espadas, acredito que depois de hoje, você terá uma rotina próxima a deles, por estar acomodado lá, mas terá a sua rotina montada em cima do que precisa desenvolver melhor. — aponta para os filhos de Hermes, Pac era o conselheiro e estava lutando contra três de seus irmãos, enquanto os outros 16 lutavam em duplas. — Você já deve ter conhecido o Pac, ele é um ótimo cara, vai te auxiliar a encontrar qual estilo de espada combina com você e o Samuel, conselheiro dos filhos de Hefesto, produzirá a melhor arma que poderia ter. — Cellbit explicava sobre os dois com tanto carinho, Pac e Samuel foram os primeiros campistas com quem fez amizade e, mesmo que seus horários não fossem compatíveis, os três sempre teriam uma bela conexão.
E mal sabia Cellbit que ali, naquele momento, estava se formando algo novo, que nunca tinha sentido antes e dificilmente se sentiria assim por outro alguém. O conhecia há tão pouco mesmo, mas parecia uma vida inteira, suas compreensíveis palavras, as piadas que usava para se expressar, como apenas a sua presença conseguia mudar o clima e todo ambiente se tornava tão calmo. Roier era a resposta para muitas de suas perguntas, apenas tomou um tempo para compreender o que isso significava, a insegurança do incontrolável o deixava nervoso, acreditava que era no sentido ruim, mas o fez se sentir em casa pela primeira vez, depois de tanto tempo.
E para Roier não era diferente, ele enxergava o outro como o maior ganho desse novo mundo. A forma que Cellbit explicava sobre cada detalhe do acampamento, das pessoas que estavam ali e do carinho carregado em suas palavras, o sorriso tímido ao ser elogiado e aqueles chamativos olhos azuis, que provavelmente contém todas as estrelas do universo neles. Como poderia não se apaixonar por ele? Se sentia tolo por se sentir assim tão cedo, creia que era ingenuidade de sua parte e tinha um pressentimento sobre seus sentimentos e os problemas que trariam, porém, não conseguia impedir, não quando ele era tão lindo e gentil.
As caminhadas pelo acampamento se tornaram parte de suas rotinas, pelo menos duas vezes por semana, e sempre terminavam com os dois, deitados na grama, próximos ao campo de morangos, para teorizar sobre os formatos das nuvens. O que durou inúmeras semanas, poucos meses que pareciam anos, e continuaria assim se não fosse por aquela mesma missão, e dos acontecimentos seguintes a esse evento. Antes da partida da equipe oficial, Philza, que imaginava como cada frase da profecia se manifestaria, organizou-se com meio-sangues de outros chalés, Baghera, filha de Poseidon; Rivers, filha de Zeus; Polispol, filho de Dionísio, e Jaiden, filha de Hebe.
Sua missão era encontrar, com vida, o semideus Arin, filho de Hécate, que desapareceu sem dar notícias e mesmo que sua mãe seja uma deusa menor, seus poderes são perigosos se não desenvolvidos. O medo do acampamento é que o meio-sangue se revoltassem contra eles, mesmo que aquele lugar tenha sido a sua casa, o garoto ainda perdeu muito, especialmente amigos, como Luzu, filho de Hermes, que foi esmagado por destroços durante uma missão. Era estranho, mas os dois se pareciam tanto, confundidos como gêmeos, talvez tivessem a mesma família mortal, porém era algo que nunca iriam descobrir. Porque, assim como a maioria, seu contato com seu pai mortal foi escasso, quase inexistente.
Durante a despedida da equipe, Philza abraçou cada um de seus irmãos, apertando mais forte Cellbit e Bagi, porque mesmo que tentasse evitar, ele sempre teria um toque a mais de proteção com os dois, os viu crescer e cuidou deles desde que nasceram. Mas antes de sua partida, foi até o treinamento do chalé 11, onde Roier ainda estava acomodado, por não ser reclamado por seja lá quem fosse sua mãe imortal. Os dois já tinham conversado antes, algo sobre “soube que você quer namorar o meu irmãozinho” e também conselhos sobre ser o garoto novo, por mais que Philza estivesse acompanhado de seus irmãos, ele também precisou de algumas semanas de adaptação e contou que às vezes sente falta daquele outro mundo, mesmo que fosse difícil.
— Preciso te pedir algo. — Philza fala sério assim que Roier se aproxima dele.
— O quê? Achei que você já estava lá fora, reencontrando suas saudades. — Roier brinca, mas a falta daquele sorriso caloroso do mais velho, o deixou preocupado. — O que aconteceu? Você está bem? — coloca a mão no ombro esquerdo do Philza.
— Eu… eu, droga, muitas coisas vão acontecer nessa missão e não posso explicar muito, ou as consequências serão piores, mas tem um motivo para que eu não tenha escolhido o Cellbit. Eu descumpri uma promessa de anos, porém não quero que nada de ruim aconteça e Bagi não pode terminar sozinha. — Philza não parava de pensar em sua profecia desde que a escutou, a repetia acordado e em seus sonhos, se esforçou ao máximo para que aquilo não atrapalhasse seus últimos dias no acampamento. — Ele vai tentar, mas não o deixe ir atrás de mim, eu preciso que você tente, seja com desmaio, namoro, o que for, só o faça ficar. — Roier apenas concordou, algo o dizia que não veria o conselheiro do chalé 6 por mais tempo do que imaginavam, e preocupado, desejava e orava pela proteção de seus amigos em todas as refeições.
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Após caminharem normalmente, os dois garotos deitaram no seu lugar de sempre, com o céu azul e nuvens em diferentes formatos, eles ficaram em silêncio. Cellbit sentia suas costas queimarem, por mais que já não estivesse mais com a mochila nos ombros, ele estava ansioso, porque sabia que se saísse do acampamento, as coisas nunca mais voltariam ao que era antes. E Roier estava ali, esperando, queria que partisse do outro o assunto e talvez citar a conversa que teve com Philza, apenas o convenceria mais a sair. Então, por alguns minutos, os dois apenas aproveitaram a companhia do outro, desejando em seus corações que não fosse a última vez.
Ao que o entardecer se fez presente, os garotos sabiam que seu tempo estava acabando, as luzes automáticas das plantações se acenderam e já era possível ver os vaga-lumes. Cellbit pegou a sua mochila, ele escreveu três cartas, uma para Bagi, para seus amigos e a outra para Roier, mas a última tinha uma constatação: “apenas a abra caso eu não retorne”. Quando estendeu o envelope para o mais novo, que com as mãos quase trêmulas, sentia um vazio invadir cada parte do seu corpo.
— Eu precisava escrever, não consigo ainda verbalizar tudo que está aí e não sei o que vai acontecer, mas não saberia partir sem te deixar o que eu sinto. — Cellbit fala receoso, ainda não entendia como seus discursos decorados sumiam de sua cabeça, desde novo a sua razão era mais alta que a emoção, porém isso foi se desconstruindo de pouco em pouco. — Desculpa, eu sei que é injusto…
— Você sabe que eu não vou conseguir esperar para abrir, certo? — Roier o interrompe, seu coração batia tão forte e rápido, não sabia o que fazer, apoiava Cellbit ou prosseguia com a promessa de Philza? — Eu faria qualquer pela minha irmã e, bem, por você também, não no sentido fraternal igual é pela Leo. — se não tivesse prometido à Philza, seu discurso seria diferente, até mesmo se voluntaria para ir junto, porém promessas são promessas. — Mas eu não acho que seja uma boa ideia, seu irmão teve um motivo e assim como você, ele quer te ver bem e seguro.
— Está me pedindo para ficar? — seus olhos azuis gradualmente foram se acinzentado ao que os olhos de Roier foram ganhando uma coloração rosada. — Eu não sei se conseguiria ficar e não imaginar que o pior está acontecendo com ele.
— Estou pedindo para que você reconsidere, seus outros irmãos também precisam de você, Bagi não vai sossegar até ter notícias suas. — Roier sabia que suas palavras teriam valor, fosse pela conexão que os dois tem ou pelo seu poder, ainda desconhecido, de persuasão, herdado de sua mãe imortal. — Por favor, eu sei quão preocupado deve estar, mas eu…
— Você? — Cellbit questiona a frase incompleta, os garotos estavam tão acostumados a conversarem, que era estranho ter esse receio de demonstrarem à que ponto seus sentimentos chegaram.
— Eu me importo com você. — Roier vai se aproximando. — Ninguém nunca mexeu comigo dessa forma, eu não sei como portar, até que parte posso implorar para ficar, mesmo sabendo que isso não mudará nada e que entendo isso, não posso ser hipócrita, porque eu iria até o inferno pelas pessoas que amo e você está incluso nisso. — aquela mesma sensação reaparece, do mundo ao redor congelando e como só os dois existissem, mas agora não tão distantes quanto antes, seus rostos estavam tão próximos ao ponto de suas respirações se misturarem.
— Diga com todas as palavras e eu fico. — com os olhos cinza cheios d’água, Cellbit estava quase se convencendo a ficar. — Roier. — o mais novo coloca suas duas mãos nas bochechas de Cellbit e sorri, deixa um beijo na testa e se levanta.
— Protejo ela por você. — fala, sem o encarar de volta, Roier já não sabia até que ponto era ele ali ou a influência de sua mãe.
— Obrigada. — sussurra, pega suas coisas e para ao lado do outro. — Prometo que vou voltar, com vida e com o meu irmão. — aperta a mão de Roier, querendo ver o seu rosto pelo menos mais uma vez, mas sem resposta Cellbit sussurra “Eu te amo, guapito” e some entre as árvores.
E agora sozinho, com a noite se sobressaindo do Sol, o brilho das lanternas e dos vaga-lumes, formaram um belo jogo de luzes naquele escuridão. Foi ali, sentado na toalha de piquenique, encarando o caminho que Cellbit tomou na floresta, que Roier foi reclamado por sua mãe. Com uma áurea rosa ao seu redor, tão reluzente, uma rosa-vermelha flutuou sobre a sua cabeça, e em um estalar de dedos, a flor se desmanchou. Uma chuva de pétalas caiu sobre si, e mesmo que não fossem físicas, o garoto sentia elas caindo sobre seu rosto, como se fosse uma tentativa de confortá-lo.
“Afrodite. Salve, Roier, Filho da Deusa do Amor.”
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Determinado a não pensar sobre aquele dia, Roier estava tentando se encaixar no chalé 10, o que não foi tão fácil quanto esperava. Suas irmãs iam de acordo com esteriótipo de filhas de Afrodite e gostavam disso, o único problema disso era de quererem impor isso a ele, de o importunar por tanto interesse em treino com espadas e luto corpo a corpo. O cronograma montado pela conselheira desse chalé era bem menos agitado, pelo menos comparado ao do chalé 11. Com muita insistência conseguiu ter horários a mais de treino de combate, um dia sim e um dia não, e precisou encaixar estudos do poder das palavras e formas de se proteger a longa distância, como arco e flecha, que os filhos de Apolo auxiliam.
Por mais que tentasse se concentrar em sua nova rotina, sua cabeça pensava na carta guardada embaixo do seu travesseiro, que nem se temeu a ler, com medo de ser a última lembrança. Também estava preocupado com Bagi, ainda não tiveram tempo de conversar, mas podia imaginar como a garota se encontrava, dois irmãos em uma missão difícil e ter que tomar a liderança do chalé, ser o suporte dos mais novos. Não era fácil, a posição de conselheiro se leva tempo a construir, é preciso de apoio e experiência, e mesmo que estivesse acostumada a ajudar Philza na organização, não era o mesmo.
O que Roier temia, era que Bagi acreditasse nos rumores que suas irmãs criaram, na visão delas, ele já sabia que era do chalé 10, até porque é uma coincidência estranha que tenha sido confirmado logo após a partida de Cellbit, ou seja, uma estratégia para passar no rito de passagem. A tradição de Afrodite, quando seus filhos fazem alguém se apaixonar e partem seu coração, o que era uma grande conquista e orgulho, segundo elas. Era por isso que estavam contando a todos como o “irmãozinho delas enganou o queridinho do chalé 6 aquele que tantos queriam e que Roier conquistara por puro prazer”.
Os irmãos mais novos de Cellbit já o olhavam torto, ignorando de propósito, e mesmo que Bagi ainda acenasse de volta, sentia algo estranho, como se sua amizade tivesse sido apagada. Outra possibilidade era que a garota sabia da promessa, que garantiu segurar Cellbit no acampamento e falhou na única coisa que esperavam dele. E pela primeira vez, desejou não ter descoberto sua identidade, que deveria ter voltado para casa com a sua família e continuar apenas imaginando sobre esse mundo mágico, que se descobriu trágico.
Depois de um longo dia, sem treino de combate, Roier só queria sua cama e fingir que seus problemas se resolveriam durante o sono. Estava no correio do acampamento, pegando as 10 cartas que sua irmã havia enviado, quando escutou dois campistas conversando sobre alguém ter retornado. Eram crianças mais novas, Tallulah, filha de Apolo, estava contando para Chayanne, filho de Hades, que um dos enviados da missão chegou durante a tarde, enquanto os chalés estavam todos ocupados e distraídos, e sua chegada está sendo mantida em segredo.
— E quem é?
— É o Cellbit, ninguém me contou se o Philza está bem ou se eles chegaram a se encontrar, não quero pior, mas… — mesmo sendo de outros chalés, as outras crianças tinham grande apego com o conselheiro, ele quem organizava as gincanas dos menores e ele enxergava em Chayanne e Tallulah o que os gêmeos deveriam ter sido, crianças.
— Não, ele deve estar bem, eu sei, Phil é forte e os outros também. — por mais que estivesse tentando tranquilizar sua irmã do coração, Chayanne temia que o retorno inesperado de Cellbit era uma resposta clara.
A profecia se cumpriu.
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Havia acordado há alguns minutos, mas se recusava a abrir os olhos, com medo de enfrentar a realidade, enquanto ainda conseguisse evitar reviver os dias anteriores na sua imaginação, continuaria fingindo estar sonolento. Sentia dor dos pés a cabeça, os arranhões nas suas costas ardiam tanto quanto no momento acontecido, queimadura subiam da lateral esquerda do seu pescoço até a testa e uma parte do seu cabelo estava descolorido, por razões desconhecidas. IronMouse, conselheira do chalé de Apolo, e amiga próxima de Cellbit, sentia toda uma pressão por parte da diretoria, eles queriam respostas e para isso precisavam do garoto acordado.
— Eles saíram, você não precisa mais fingir. — Mouse conhecia o outro como a palma de sua mão. — Não sei o que aconteceu, mas pode contar comigo, podemos conversar sobre outras coisas, ou nada também, ficarmos apenas em silêncio. — ela sorri, mesmo que Cellbit continue de olhos fechados, que responde apertando a mão da garota. — Vou terminar de cuidar dos seus machucados e depois, eu sei que você talvez não queira, mas não tem como evitar, preciso chamar sua irmã, ela está como conselheira temporária e se duvidar até já sabe que está aqui. Quíron está tentando manter sua chegada em segredo, só que conheço meus irmãos, eles não sabem ficar quietos. — aumenta o volume do rádio, para que atrapalhasse qualquer curioso. — Vou estar aqui para você, independente do que aconteceu e tenho certeza que sua irmã e o Roier também estarão.
Aquela última frase foi o lhe fez abrir os olhos, as únicas duas pessoas que não tinha coragem de encarar naquele momento, por medo da decepção que teriam ao descobrirem que não conseguiu, que falhou em salvar seu irmão e seus outros amigos. E se não fosse por todos eles, Cellbit não teria saído vivo, com as respostas que o acampamento tanto almejava, iriam o colocar como herói e apenas sobreviveu, nem por mérito próprio.
— Por falar no Roier, ele não está passando pelos melhores dias, você sabe como é, a adaptação de se mudar de chalé depois de tantas semanas e as meninas do chalé 10 também não são fáceis. Acho que ele gostará de saber que você voltou, será bom para os dois. — Mouse fala distraída com os machucados, sem perceber que Cellbit havia parado de fingir e estava acordado.
— Ele está melhor sem mim. — é o que se limita a dizer, assustado a garota.
— Pelos deuses.
— Desculpa.
— Conversamos mais sobre isso de “ele está melhor sem mim” depois, agora preciso saber se tem algum lugar que está doendo e que eu não achei ainda. — Mouse sorri preocupada, com a coincidência de que seria um longo caminho até que seu amigo mudasse de opinião e enxergasse a realidade.
Os dois ficaram conversando sobre os ferimentos de Cellbit até a porta ser aberta de surpresa e com força, Bagi recebeu a notícia sobre a chegada do irmão e não se deixou ser convencida a visitá-lo depois, não conseguia mais esperar. A garota não falou nada, apenas abraçou o irmão com força, se desculpando em seguida das reclamações de dor e se afastou para encará-lo nos olhos.
— Eu sei. — é a última coisa que Bagi diz antes de chorar.
— Desculpa.
Os irmãos ficaram de mãos dadas ao que Mouse terminava os curativos, ninguém falava, já não existia mais clima para conversa e agora só restava esperar. Mesmo sem estar preparado, Cellbit pediu para que chamassem Quíron, precisava contar o que aconteceu e não deixariam cair no esquecimento. Não foi uma conversa fácil, as palavras doíam para sair, sentia um peso sobre a garganta e gaguejava para não chorar, já não se recordava de muitas coisas, pelo trauma, mas conseguia escutar seus gritos com clareza. Se ficasse muito tempo desfocado do mundo, voltava para a última vez que viu Philza, do irmão o olhando antes de levantar a espada e sorrir.
— Sei que foi ela quem pediu por essa missão, não satisfeita em ter estragado a vida da minha mãe e nos obrigar a viver sempre em perigo, ela decidiu piorar. — os símbolos de Atena estavam por toda a armadura de Arin, a arquitetura feita para enlouquecer seus inimigos. — E eu fui tolo de confiar nela de novo.
— Não vamos precipitar, criança. Você precisa descansar agora, comunicarei o restante da direção e sei que há outros querendo te visitar.
Roier passou o dia inteiro na frente da enfermaria, sem coragem de entrar, não após ter reconfortado Bagi e confirmar o que escutou das crianças, dos seis que partiram, apenas um retornou. Não conseguia parar de se culpar, se tivesse convencido Cellbit como prometido ou ido com ele, as coisas poderiam ter acabado diferente. Mesmo que Bagi tenha repetido várias vezes para que entrasse, o garoto permaneceu no banco, como poderia olhar para a cara do outro depois de tudo? E se ele estivesse o culpando também? Porque de contrário teria pedido para vê-lo, certo?
Nem Roier acreditava nisso, conhecia o garoto por quem era apaixonado e sabia como ele lidaria com isso. Foi discutindo em seus pensamentos, que se levou por vencido e levantou do banco, Bagi disse que voltaria depois de auxiliar os mais novo e que esperava encontrá-lo lá dentro. Ele deu dois toques na porta, tremendo dos pés a cabeça, tantas coisas passando pela sua cabeça em tão pouco tempo, e toda essa tempestade de pensamentos, se calou ao ver Cellbit deitado na cama, de olhos fechados. Mouse explicou resumidamente sobre os ferimentos, que sumiriam em alguns dias, e depois de muita insistência, ele dormiu.
— Preciso buscar algumas coisas no meu dormitório, pode ficar com ele por 15 minutos? — a garota estava cansada, porém, sabia que precisava estar ali, prometeu para Cellbit. — Ele vai ficar bem, Roier, você estar aqui já é muito importante. — aperta o ombro do mais novo e sai.
O único barulho que restou na enfermaria foi do ventilador, que tinha uma garrafa térmica como motor, pois dentro dela estão os ventos dos quatro cantos do mundo. Roier sentou na poltrona ao lado da maca, tentando não pensar em como poderia ter evitado cada uma dessas cicatrizes, mesmo que tivesse preciso morrer no processo. As últimas palavras que escutou do garoto se repetiram tantas vezes nos últimos dias e junto cresci o arrependimento de não ter respondido, sentia como uma oportunidade perdida, que talvez não chegue a repetir.
E ele estava certo, Roier ficou ali sentado e dormiu enquanto observava o outro, na manhã seguinte, foi acordado por Mouse, para ir tomar o café da manhã. Ainda sonolento, saí da enfermaria, onde Cellbit ainda estava dormindo, mas sabia que agora era só para evitá-lo e o mexicano interpretou como um pedido de tempo. E o tal do tempo, se tornou horas, dias, semanas e meses, até começar a se sufocar com tantos sentimentos guardados.
O anúncio da data da corrida de carruagem foi o incentivo que precisava, durante os treinos de combate planejou diferentes formas de abordagens e perguntava a Bagi, repetidas vezes, se deveria fazer aquilo, que respondia “antes tarde do que nunca”. Levava isso como motivação, repetia em voz alta a frase enquanto caminhava a biblioteca, repetiu ao andar em círculos por 5 minutos até ter coragem de entrar e perder a voz ao vê-lo concentrado, rodeado de papéis e com um lápis preso no cabelo.
— Sabia que estaria aqui. — Roier soltou antes que desistisse falar e ficou tímido ao perceber que assustara o outro. — Vejo que os “gêmeos do mistério” irão se destacar mais uma vez, mas eu não ficaria tão confiante, vi por cima o trabalho de Pac e Samuel e eles se apagaram tanto, que chamaram a carruagem de Carla. — por não ser respondido ou interrompido, o filho de Afrodite só aproveitou a deixa para dizer em poucos segundos todas as palavras que conhecia.
Cellbit, filho de Atena, atual conselheiro chefe do chalé 6, um veterano de 16 anos, que passou a grande parte da vida naquele mundo e talvez nunca conseguisse adaptar ao lado humano. Era impressionante o estrago que fez em sua cabeça, algo tão belo construído em pouco tempo e roubado de repente, mas não o culpa por isso, pelo contrário, culpava a si. Porque descumpriu com todos, não teve a coragem que precisava e se vangloriava por ter, foi fraco e covarde, que resultou no sumiço do sorriso mais lindo.
Roier sentiu suas mãos tremerem assim que foi respondido, seu coração acelerou tanto, que tinha medo de ser escutado, podia imaginar suas irmãs o criticando, com apelidos toscos e risadas forçadas. No entanto, só conseguia se concentrar em uma coisa, em como os olhos de Cellbit fugiam dos seus, do quão nervoso o outro também estava e sentia sua respiração falhar. Não era o momento de ser deixado levar, precisava ter a iniciativa, e era agora ou nunca.
— Posso ser a sua dupla. — sugere como quem não quer nada, mas foi justamente ter encontrado Bagi e Tina na oficina que o fez estar ali. — Ou não, eu não quero te forçar a nada, eu só achei que seria legal. Sabe, voltarmos a passar um tempo juntos. — seus nervos estão fritando, como que poderia um filho de Afrodite ser tão afetado. — E eu sei que quando… tudo aconteceu, as pessoas disseram que eu te usei naquela tradição estúpida e por isso nos afastamos também, e…
— Eu sei, eles só queriam trocar de assunto, foram muitas perdas naquela semana e acharam que inventar mentiras sobre nosso relacionamento iria ajudar em algo. — Cellbit até parece que foi para outro lugar e voltou. — Eu só me sinto mal de não ter falado, já naquela época, que não era sua culpa, sempre foi minha e eu mereci o que recebi. — mexe nos papéis, tentando ocupar a cabeça.
— Eu não sei exatamente o que você sente, mas tento entender por tudo que você passou e odeio que tenha passado por isso sozinho, mas você não está mais sozinho, nunca esteve. — Roier pega queixo de Cellbit com a maior delicadeza, com medo de atrapalhar seus limites. E assim como o dia em que foi embora, o mundo ficou em silêncio, porque aqueles olhos azuis finalmente estavam encarando os seus. — Acredite em mim, por favor. — sussurra. — Eu te amo, gatinho. — Roier lutou contra o instinto de fechar os olhos, não queria transparecer insegurança ou que tinha dúvidas, queria demonstrar que suas palavras haviam significado e estaria ali, não importa o quê.
— Eu acredito. — Cellbit responde tão nervoso quanto. — Eu também te amo, guapito.
O início do fim.
