Chapter 1: Parte 01
Chapter Text
Era uma noite de lua cheia, silenciosa e clara quando a nossa história começa. Esta é a história de uma jovem que se entregou a escuridão e se perdeu em meio as trevas mesmo que na noite fatídica, a lua brilhasse iluminando o caminho para aqueles que queriam para seu lar retornar, entretanto esse não era o desejo de Mikasa.
Vamos voltar um pouco para entender como tudo aconteceu. Mikasa era uma jovem, à primeira vista como outra qualquer em nossa vila, exceto pelo fato de ser dona de uma beleza única e rara, visto que sua mãe era de um outro continente, um continente em que as pessoas tinham a pele tão branca que parecia porcelana e os cabelos tão negros que lembravam carvão, todos esses traços superaram os traços de seu pai, afinal a jovem poderia ser dita como uma verdadeira cópia de sua mãe. Filha de um simples fazendeiro e de uma lavadeira, Mikasa era uma criança feliz, tivera uma infância doce e tranquila e crescia cercada pelo amor de seus pais. Todavia, havia um segredo que sua mãe lhe contara quando completou dez anos.
— Aqui Mikasa, estenda seu braço. — Pediu gentilmente sua mãe uma noite clara de lua cheia. — Veja querida, daqui a seis anos, quando dezesseis primaveras estiverem completas, irei explicar o motivo de tatuar esse símbolo tão importante para as mulheres da nossa família. Eu ganhei a minha quando tinha a sua idade e agora chegou a sua vez. — Com toda delicadeza do mundo, sua mãe foi fazendo devagar o símbolo A envolto em um círculo. Mikasa queria chorar pois conforme a tinta penetrava na pele de seu pulso, vinha acompanhada da dor, mas acreditava que sua mãe não faria nada para machucá-la. — Prontinho terminamos, agora você deve deixar tampado, como faço até o momento certo. — Mikasa encarava a figura sem entender, mas acenou para a mãe, confirmando seguir com o que combinam.
Sua mãe infelizmente não pode contar o significado daquele símbolo pois meses depois, ela e seu pai foram vítimas de caçadores de bruxas que acusaram sua mãe de ser uma feiticeira. Seu pai tentou defendê-las, mas acabou sendo morto na frente das duas. Mikasa até hoje não entendia como conseguiu sobreviver, apenas pequenos flashs retornavam e junto deles uma forte dor de cabeça que considerou que eram devido ao trauma de presenciar a morte dos pais. Afinal, em suas lembranças, um homem de longos cabelos negros e que possua chifres como se fossem galhos aparecia quando sua mãe tirava a fita que enrolava seu pulso direito, depois em outro momento era um menino de olhos verdes bem intenso que socorria, matando os bandidos e a levando para vila em segurança. Os aldeões dizem que não existia tal menino e passaram a temer a pequena, agora órfã, pois não havia como escapar daquele mar de sangue sem o uso de bruxaria. Assustados, os moradores queriam banir a criança para uma cabana na floresta, porém um jovem médico e sua esposa, uma garçonete na taverna da vila decidiram acolhê-la. Grisha e Carla a ensinaram a ler, a cozinhar e lhe proporcionava um mínimo de dignidade para viver, foram seus guardiões por cinco anos seguintes até o seu aniversário de dezesseis anos, Mikasa atribuía esse cuidado ao fato de o casal não ter filhos e terem se apegado a ela em seu momento de maior fragilidade.
Mikasa era muito agradecida por tudo que o casal fez por ela, entretanto, via como os demais moradores da vila tratavam o casal por tê-la ajudado e por isso ao completar quinze anos decidiu se afastar do casal e viver na cabana que a vila determinara logo que seus pais foram mortos. Dizer que foi fácil para a jovem, seria mentira, ainda mais que sentia um pouco de inveja pelas garotas da sua idade que estavam em busca de seus companheiros para formar família e ela seguia sozinha, mas tinha sua paz e liberdade de viver à sua maneira simples, recolhendo lenha, cultivando ervas e legumes, pescando e nas raras vezes, indo até a vila comprar roupas e mantimentos. Esses dias eram os piores para Mikasa pois nunca sabia o que esperar. Poucos eram os comerciantes dispostos a lhe vender alguma coisa, seu dinheiro escasso era dos remédios de ervas que vendia junto dos excessos dos vegetais que plantava. Se fosse um bom dia, ela iria até a vila, faria suas compras e voltaria para casa, se fosse um dia ruim, teria que lidar com crianças jogando lama em suas roupas, velhos a acusando de bruxaria e jovens desviando da calçada em que caminhava.
Era um desses dias ruins para visitar a vila pois a presença de um circo itinerante fazia a praça ficar muito cheia, ela agradeceu ter vindo com a capa pois assim pode puxar o capuz escondendo seu rosto e assim poderia passar mais desapercebida, porque sabia, se a vissem, seria humilhada mais uma vez. Tudo seguia conforme o planejado até que a jovem foi parada por um dos malabaristas que fazia graça para atrair o público.
Por mais que tentasse desviar, o malabarista vestido como bobo da corte a impedia, se colocando na frente e oras jogando bolas e pinos a sua frente, oras fingindo que deixaria cair na jovem. Desesperada pela pequena multidão que se formava, Mikasa pediu desculpas e tentou se afastar, puxando ainda mais o manto sobre seu rosto, mas na tentativa desesperada de escapar, passou correndo pelo bobo, que sem intenção acabou por pisar na barra de seu vestido, fazendo-a cair e como consequência, fazendo que seu rosto fosse descoberto.
— Olha é a bruxa! - Gritou uma criança ao vê-la. O pânico tomou conta da jovem quando viu as primeiras frutas podres vindo em sua direção. Ela não teria tempo para correr, então tentou se proteger se encolhendo quase em posição fetal enquanto o impacto veio. Lágrimas insistiam em tentar vir, mas ela as engolia. Nunca daria esse gosto para seus agressores, eles não iriam ver suas lágrimas, por mais castigada que fosse, ela não deixaria que tirassem o que sobrou do seu orgulho.
— O que pensam que estão fazendo! Se afastem dela! — A voz conhecida era um alívio bem-vindo. Graças aos céus, ele passava próximo à praça quando viu a movimentação e conhecia bem os moradores do local para saber que Mikasa estava com problemas. — Está machucada Mikasa? — Mantendo máximo que conseguia de sua voz firme, respondeu ao médico que lhe era querido que estava bem.
— Apenas o de sempre doutor Grisha.
— Menina, já que não quer morar comigo e Carla, aceite pelo menos que levemos o que precisa até sua casa para evitar passar por isso.
— Carla e você já fizeram muito por mim, não quero e nem posso abusar dessa boa vontade.
— Te temos como a filha que nunca tivemos menina, queremos o seu bem. As pessoas aqui ainda são dominadas pela superstição, incapazes de ver a realidade por trás do medo e ignorância, se não fosse proibido, acho que teriam tentado queimar você viva e isso me preocupa. Eles não têm medo de agredi-la, o que farão com você a noite sozinha naquela cabana distante de tudo e todos.
— Não se preocupe doutor, eles têm muito medo para se aproximar mais do que isso. - Fez sinal com a mão, apontando para o vestido sujo de frutas e lama. — Acham que se me tocarem, serão punidos pelos deuses.
— Superstição boba e descabida, mesmo assim cuidado, estamos próximo de Samhain, as pessoas ficam ainda mais tomadas pelo medo do desconhecido. Foi assim quando seus pais foram atacados. — Apenas a menção aquela noite foi suficiente para fazê-la tremer. Em geral, evitava pensar no dia em que perdeu seus pais e no garoto de olhos verdes que a ajudou.
— Irei ter cuidado, vim hoje a vila para não ter que sair em Samhain . Obrigada por me ajudar mais uma vez, avise a Carla que passando a noite dos mortos irei vê-la.
Grisha, percebendo o estado de choque de Mikasa, rapidamente a ajudou a recuperar seus pertences espalhados pela praça, suas mãos firmes e tranquilizadoras a trazendo de volta à realidade para que pudesse enfim, voltar para casa e aproveitar a segurança do único lugar que poderia chamar de lar.
A trilha para sua cabana, em geral era deserta, mas com a trupe na cidade, o movimento nas estradas aumentava e nas proximidades de sua residência não era diferente. Várias famílias, jovens com amigos e casais passavam em direção a praça e por mais que dissesse para si que não se importava, sabia que tinha inveja daquelas pessoas. Ela nunca teria uma amiga, ela não teria uma família e estava destinada a solidão. Talvez adotasse um gatinho com o tempo, mas mal tinha para sobreviver, imagina ter a responsabilidade por mais uma vida? Com esses pensamentos entristecidos chegou sem nem ao menos sentir em casa. Ela ainda teria algumas tarefas na horta antes de poder descansar e quem sabe ler um livro, afinal ali, ela poderia ser quem quisesse. Uma princesa encantada, uma rainha poderosa, uma curandeira ou até mesmo uma simples mãe de família. O que na realidade lhe era negado, nos livros eram uma porta para novas experiencias.
Naquela noite, Mikasa sentia-se inquieta e não conseguia dormir, diferente de outros dias que o cansaço de sua rotina de trabalho a fazia desabar de sono, essa noite, entretanto, sua mente estava voltando a cena da praça, que enquanto as demais meninas estavam desfilando de mãos dadas com pretendentes, ela estava suja e machucada.
— Será que um dia terei uma família novamente? — A pergunta era involuntária, mas ecoava em seus pensamentos e colocar para fora era realmente dar voz a um lado que queria apagar, seu lado mais frágil. Lembrou-se de sua mãe e o segredo que compartilhariam quando completasse dezesseis anos e até mesmo isso lhe foi tirado, tinha o símbolo em seu braço, porém não sabia o motivo. Como sua mãe lhe orientara o deixava escondido sob uma faixa em seu pulso, mas a lembrança agridoce do momento em que a recebeu, a fez com que descobrisse para que pudesse admirar. — Queria tanto saber o que é isso, de que serventia tem esse símbolo. Ah mãe, queria tanto que estivesse aqui.
Ao pronunciar tais palavras, quase que imediatamente o vento soprou mais forte e a porta se abriu com força, fazendo a jovem pular em sua cama. Olhou fixamente para ver se algum animal selvagem teria entrado, porém não viu nada além da noite clara, faltavam poucos dias para lua cheira que seria na noite de Samhain . Um arrepio gelado subiu pela espinha de Mikasa, fazendo os pelos de sua nuca se arrepiarem enquanto uma sensação de pavor invadia cada fibra do seu ser. A sensação de que estava sendo observada, mesmo que seus olhos não captassem nenhuma alma viva . Reunindo uma coragem sobrenatural, levantou-se para fechar a porta novamente, ao fazer isso olhou novamente ao redor e teve a impressão de ver um homem com chifres que pareciam galhos parado há alguns metros de distância. Assustada piscou e viu que na verdade, no lugar havia uma arvore velha e a noite e o medo a estavam fazendo imaginar coisas. Sacudiu a cabeça tentando tirar a imagem de seus pensamentos e culpou a conversa com Grisha e a superstição dos moradores da vila por estar vendo coisas que não existem .
— Até breve Mikasa... — Uma nova onda de terror percorreu sua espinha. Ela não estava louca, realmente ouviu uma voz falando seu nome. Uma voz. Uma voz masculina e forte que a assustou, não iria abrir novamente a porta, ao contrário, voltou para cama e acendeu uma vela e orou para Ymir, a Deusa que aprendeu a venerar por sua mãe e se forçou a dormir, mesmo que seu coração estivesse aflito.
Na manhã seguinte, Mikasa caminhou até o local que pensou ter visto o vulto do homem e encontrou apenas a arvore velha, com galhos secos e retorcidos, sua imaginação a havia pregado peças e agora ela poderia dizer que a solidão a estava enlouquecendo.
— Mas eu o ouvi... — Sussurrou sozinha enquanto observava a arvore como se ela tivesse as respostas que buscava. Como isso não seria possível, voltou para dentro e começou sua rotina. Ela teria pelo menos duas noites até Samhain e precisava garantir que tudo estaria certo para poder se trancar com um livro e passar por mais uma noite, que por mais que fosse conhecida pelos espíritos caminharem pela terra, era dos vivos e de sua crueldade que Mikasa tinha medo.
Tudo seguia normal, até que ao entardecer, quando a luz e a escuridão começaram a se misturar, Mikasa lembrou de sua mãe novamente. Ela tinha o costume dessa hora de acender uma vela para Ymir e orar, com o tempo Mikasa havia perdido esse hábito, mas devido aos acontecimentos da noite anterior, decidiu retomar o ritual. Tudo estava silencioso enquanto pedia proteção a Ymir, até que o baque seco de um livro caindo da estante chamou sua atenção, fazendo com que desse um salto. Ela estava do lado oposto ao que caiu o livro, não tinha vento, não tinha nada que justificasse que o objeto se movimentasse de tal maneira. Observou em volta, a cabana não era grande, formada de um cômodo e tento o mínimo para viver, nada e nem ninguém poderia ter entrado sem que a jovem notasse. Sentindo seu coração acelerar, foi até o livro e para sua surpresa, na capa estava estampado o mesmo símbolo que estava tatuado em seu braço. Ela não lembrava de ter um livro assim, a maioria dos seus foram presentes de Carla e se lembraria de uma capa assim.
Não podendo conter a curiosidade, abriu o livro e para sua surpresa encontrou a escrita da sua mãe na contracapa.
— Para caso não esteja mais aqui, seu legado está aqui. — Era um livro que sua mãe lhe deixou, mas como? Todos os pertences da sua antiga casa com seus pais foram perdidos. Eles não a deixaram retirar muitas coisas e dentre as poucas permitidas, livros com certeza não eram um deles. Coisas de bruxa, falou um dos guardas responsáveis por escoltá-la. Agora era uma incógnita como, depois de tantos anos, esse livro estava na sua estante e por que caíra, atraindo sua atenção. Ignorando suas dúvidas, e sendo vencida pela curiosidade, Mikasa continuou a folhear o livro. As primeiras páginas falavam do povo de sua mãe que vivia em terras distantes e em um ponto chegou a uma grande arvore genealógica, na qual havia várias mulheres sinalizadas como bruxas. A informação a congelou, então era verdade? Sua mãe era uma bruxa e mais assustador ainda, embaixo de seu nome também tinha a mesma sinalização, cinco letras carregadas de um peso que ela não sabia como lidar. Voltou as lembranças da infância, sua mãe sempre doce, nunca fez mal a um ser, apenas fazia remédios de plantas, os mesmos que até hoje Mikasa seguia produzindo. Como elas poderiam ser bruxas? Estava para fechar o livro quando um trecho lhe chamou atenção.
“O grimório de Azumabito, legado de mãe para filha, com seus segredos revelados a cada décima sexta lua, marcará o destino prometido e selará o pacto de sangue real.”
— Destino prometido? Eu completei dezesseis anos sem minha mãe. Não existe destino prometido nenhum. — Com esse pensamento fechou o livro e o recolocou na estante. Ela possuía problemas reais para se preocupar e não tinha tempo para lidar com livros e símbolos misteriosos, afinal, não tinha poderes, nariz torto ou qualquer outra característica pelas quais as bruxas eram identificadas. Sobre o livro, decidiu perguntar a Carla e foi ela, iria agradecer por ter encontrado uma lembrança, mesmo que sombria, de sua mãe.
— Mikasa em breve vamos nos conhecer.
Novamente a voz, a mesma entonação e diferente da noite anterior, ela estava bem acordada para dizer que era um sonho. A vontade de correr era grande, mas ela não sabia o que estava esperando lá fora. A sensação de ser observada era intensa, se aproximou da janela e aproveitando o resto da claridade do dia olhou na direção da arvore seca com galhos que na noite confundiu com um ser e para sua surpresa ela não estava lá. Assustada, Mikasa se afastou, trancando-a, mas algo lhe dizia que era inútil. Olhou novamente para o livro que novamente estava no chão e dessa vez aberto em uma imagem, um ser de aparecia humana e chifres que lembravam galhos e a inscrição no topo, em letras claras e destacadas, como alerta da criatura que estava representada: Íncubos.
— Sua mãe escapou, mas você não pode fugir do destino. — Novamente a voz, mas dessa vez, uma sombra projetou-se diante da jovem e ali estavam, os mesmos chifres retorcidos como galhos, um brilho esverdeado nos olhos da criatura. Sem ter como fugir e tomada pelo pavor, Mikasa desmaiou ficando à mercê da criatura.
Quando sua consciência retornou estava deitada em sua cama, com sua camisola e sozinha na cabana silenciosa com o dia a clarear. Olhou em volta desesperada e sem ter certeza de que tudo não passara apenas de um sonho intenso e assustador. Foi até o pequeno banheiro e tomou um banho, estava suada e sentia sua carne tremer, começava duvidar da sua sanidade, mas como poderia ser tudo real? Como poderia uma criatura como aquela ter entrado em sua casa? Mergulhada na tina de água gelada tentava formar uma linha lógica de fatos, tudo deveria ter uma resposta racional. A arvore, algum lenhador deve ter cortado e ela não percebeu, o livro com certeza foi Carla que trouxe, agora a voz e a criatura de chifres eram a única peça que estava fora do lugar. Saia do banheiro enrolada apenas em uma toalha quando um pequeno detalhe a fez tremer, o livro ainda estava aberto sobre a mesa na qual deixava sua imagem da Deusa Ymir, a promessa do futuro que lhe estava destinado aberto e agora, além da descrição profética, letras elegantes e firmes, deixaram claro que tudo foi real.
“O grimório de Azumabito, legado de mãe para filha, com seus segredos revelados a cada décima sexta lua, marcará o destino prometido e selará o pacto de sangue real.”
Não se esqueça de mim Mikasa, sou seu destino.
Pela primeira vez, Mikasa sentiu que não estava segura em seu lar.
Com esse sentimento, mesmo sabendo dos riscos, decidiu voltar a vila, iria procurar Grisha e Carla, os dois poderiam ajudá-la a entender o que estava acontecendo com sua vida e o que essa criatura queria dela. Não tinha coragem de ler o que estava no livro, mas decidiu levá-lo consigo para a visita ao casal que sempre lhe acolheu. Vestindo seu manto, saiu pela estrada com passos apressados. Ainda não estava totalmente claro, seu pânico não a permitia ficar ali nem mais um segundo, mesmo que fosse muito cedo, sabia que era melhor chegar e encontrar os dois logo e antes que o movimento da praça começasse.
Se antes fazia o caminho até a cidade com medo das pessoas, agora cada sombra em seu caminho era um sinal de alerta, até um mero coelho que cruzou seu caminho a fez gritar de susto. Ela estava enlouquecendo, e enlouquecer era assinar sua sentença como bruxa para os aldeões.
— Vai ficar tudo bem, doutor Grisha deve ter uma explicação lógica para o que está acontecendo. — Murmurava enquanto caminhava com o máximo de velocidade que conseguia, fazendo com que suas pernas latejassem de dor.
Se em um dia normal levava quase uma hora para chegar na residência do casal, hoje chegou com menos de meia hora e não foi surpresa encontrar Grisha de pé, cuidando da lenha, mas sua surpresa foi que ao lado dele, havia um rapaz. Quem olhasse de longe, poderia até mesmo dizer que era algum parente dele ou de Carla devido a familiaridade entre eles. Meio sem jeito por ter um desconhecido ali, Mikasa tentou dar meia-volta e retornar depois, entretanto Grisha havia notado sua presença e estava a acenar para ela.
— Mikasa! Que bom que está aqui! Estava falando com Eren que deveríamos visitá-la mais tarde.
— Eren? — Questionou com a confusão estampada em seu rosto. Por quê Grisha falava se ela conhecesse o rapaz que estava ao seu lado.
— Eu disse pai , ela não está bem. — O desespero tomou conta de Mikasa quando o ouviu falar, era a mesma voz da criatura. Ela tinha certeza. A voz que vem perturbando seus pensamentos, que a tem feito se questionar dia após dia sua sanidade. Ele estava ali, diante dela, como um belo rapaz, pela aparecia ela poderia dizer que eles tinham a mesma idade.
— Eren querido, onde está a lenha?! — Chamava Carla ao abrir a porta. — A Mikasa querida! O Eren disse que você não estava bem. O que está sentido?
— Eu vou levar a lenha para dentro mãe . — E com um sorriso belo e enigmático, virou-se para a jovem. — Até breve Mikasa.
Estava difícil respirar, sentia que tudo ficaria preto e sua cabeça iria explodir. Tentava entender o que estava acontecendo ao seu redor, mas tudo estava uma mancha, ouvia Grisha chamando por Carla e por Eren . Sentiu braços calorosos a envolverem e a levarem para entro, mas estava congelada. Nada estava fazendo sentido, nada disso poderia ser real. Era um pesadelo no qual estava preso e não conseguia acordar, um pesadelo terrível.
— Isso só pode ser um pesadelo.
— O que é um pesadelo Mikasa? — A voz preocupada de Carla a atingiu. — Você sonhou nesse momento? Foi algo desagradável?
— Mãe , deixe que ela respire. Aqui Mikasa. — Ele ainda estava aqui e muito próximo dela com um copo com líquido que parecia água. A mente da jovem falava que não deveria aceitar nada vindo dele. Ele era um desconhecido que estava, de alguma maneira se passando pelo filho de um casal que amava! — Beba, é só chá, está me olhando como se fosse te envenenar. — Comentou e riu. Será que ele poderia ler seus pensamentos?
— Pare de graça Eren. Você tem tarefas para fazer não tem? Vá logo antes que fique mais tarde.
Mikasa observou enquanto o jovem se afastava. Ele parecia bem confortável agindo como filho do casal, era como se estivesse sempre ali. Com certeza era sinal de loucura, como poderia a criatura se tornar o filho de pessoas tão boas? Tentou ignorar seus pensamentos e voltou-se para Carla, tirando o livro da sacola que trouxera, seus movimentos afobados assustaram a mulher que tentava entender o que se passava com a jovem.
— Carla, esse livro. — Levanto-o na frente das duas deixando bem visível o símbolo impresso ali. — Ele era da minha mãe? Você que conseguiu resgatá-lo?
— Querida, realmente não sei do que está falando. Não peguei nenhum livro que era da sua mãe, infelizmente, todos os pertences dela foram queimados naquele período de insanidade. Graças aos Deuses que não precisamos mais temer aqueles lunáticos dos caçadores de bruxas.
— E se minha mãe realmente fosse uma bruxa. — Carla retirou o livro com cuidado das mãos da jovem, as tomou entre as suas, em um gesto maternal de cuidado.
— Sua mãe era uma mulher incrível, doce, meiga, linda e inteligente. Ela sempre cuidava das pessoas, e por ser muito bonita sempre despertou cobiça dos homens dessa vila. Quando ela e seu pai se casaram, foi quando começaram as acusações de bruxaria. Seu pai era um homem simples, sua mãe tinha todos os pretendentes que uma mulher poderia sonhar, desde nobres a príncipes e mesmo assim ela escolheu o amor do seu pai. — O olhar firme de Carla acalmava o coração de Mikasa. — Sua mãe não era uma bruxa, era invejada e essa inveja resultou na acusação. Tanto que anos mais tarde, a ordem dos caçadores foi desfeita. Eles usavam de seu poder para matar mulheres inocentes, tantas foram as vítimas que o próprio rei determinou o fim.
— Mas aqui diz.
— Aí pode ter qualquer coisa escrita, um livro que foi escrito por homens, quem não garante que foi feito pelos mesmos que causaram a morte dela? — A lógica de Carla fazia sentindo, mas não encaixava com a arvore genealógica e com as palavras bruxas grifadas, nem com a criatura. — Vamos, passe o dia conosco, Eren ficará muito feliz. — Convidou com uma piscadela no final.
— Não tenho certeza se é bom ficar. As pessoas da vila podem me ver.
— Querida, não se preocupe. Cuidarei de tudo para que tenha um dia agradável! Venha, me ajude com o almoço, irei fazer seus favoritos.
Era tão fácil esquecer dos problemas quando estava perto de Carla e assim, preferiu ignorar seus problemas. Agora precisava de normalidade e cozinhar com Carla trazia a sensação de segurança e família que tanto buscava. Quando Eren retornou, Carla piscou e a dispensou, apontando para o filho, e dando risadinhas como uma adolescente.
— Essa idade é maravilhosa, vocês devem aproveitar ao máximo.
O medo voltou, mas a curiosidade era mais forte. Se queria respostas, aquele que as tinham com certeza seria ele. Ainda com receio, seguiu até os fundos da casa, onde o jovem arrumava algumas caixas com medicamentos que Grisha recebeu em seu consultório.
— Vai apenas admirar e não falar nada? — Implicou o rapaz, parando suas atividades e encarando a jovem que permanecia a uma certa distância. Não ousava se mexer, não com as lembranças da noite anterior tão vividas. Ele fez menção de se aproximar e involuntariamente, Mikasa deu um passo para trás. — Não fuja de mim, Mika. — A jovem poderia estar confusa, mas quase tinha certeza de que ele parecia magoado com sua rejeição.
— Quem e o que é você?
— Mikasa, quem te ouve pensará que enlouqueceu. — Gargalhou ao responder. — Sou Eren, seu melhor amigo desde a infância, filho de Grisha e Carla.
— Não, você não é. Eles não têm um filho, eu os conheço a minha vida inteira. Vivi com eles, não existe nenhum filho.
— Será? Tem certeza? Você parece meio desorientada nos últimos dias. — Ele voltava a caminhar em direção a jovem, que dessa vez se manteve firme.
— Não estou louca, você estava ontem na minha casa. Tinha chifres. Tem me vigiado há algumas noites, o que mudou? Por que está se aproximando de mim e daqueles que amo? —Agora os dois estavam frente a frente e a tensão era tanta que seria possível cortar com uma faca. Mikasa não iria recuar, se esse ser representava perigo, ela precisava descobrir e afastá-lo.
— Sempre estive ao seu lado. — Respondeu tomando a mão direita da jovem e levando o pulso marcado até seus lábios e deixou um beijo suave. — Você é meu destino.
— Como posso ser o destino de um monstro? — Retrucou, livrando sua mão, mas ainda sentindo o formigamento no local onde os lábios tocaram. Ela não podia se iludir, ele era uma criatura sombria e estava manipulando sua vida.
— Sei que ama ler querida, deveria começar então pelo presente que te dei.
— Você poderia facilitar e responder minhas perguntas.
O sorriso de Eren era desconcertante, mexendo com partes do coração de Mikasa que ela nunca soubera existirem. Era um sorriso cheio de promessas e mistérios, um convite para explorar o desconhecido.
— Não seria divertido assim, e sei que está gostando tanto quando eu desse mistério. — Próximo demais. Era apenas o que a mente da jovem gritava. Eren estava tão próximo que era possível sentir sua respiração quente. — Eu já respondi a sua maior dúvida, e guarde bem essas palavras. Você é minha, eu sou seu destino. Agora vamos entrar, minha mãe deve estar nos aguardando para almoçar. — Completou, passando por ela e deixando seus pensamentos em branco. Toda coragem foi usada para enfrentá-lo, e por mais que desejasse, não poderia negar que estava excitada diante do mistério que se formava a sua frente.
Respirou fundo e contou até dez, até que sentisse que seu coração voltou a um ritmo aceitável e o seguiu para junto de Carla. Não demorou para que Grisha se juntasse ao trio e assim tivessem uma refeição tranquila. Mikasa ainda olhava desconfiada para Eren, que por sua vez retribuía seus olhares com pequenos sorrisos que não passaram despercebidos pelo casal mais velho.
— Ser jovem é tão bom. Lembro quando começamos a namorar, eu me fazia de difícil e ele sempre vinha com flores.
— Muitas delas, você jogou em cima de mim. — Os dois riram e Mikasa corou da insinuação. Se eles não estivessem tão presos a certeza de que tinham um filho, lembrariam que a jovem nunca passaria por uma situação assim. — O importante é não desistir no primeiro não.
— Não desisti pai, tenho certeza de que o sim virá em breve. — Declarou mirando os olhos da jovem.
— Que azar o dela. Bem, obrigada por tudo, eu preciso ir. — Desculpou-se para sair antes que o assunto ficasse ainda mais constrangedor.
— Eu te acompanho.
— Não precisa Eren.
— Acho melhor que ele vá com você. A praça está ainda mais cheia do que ontem. É mais seguro para você. — A bela queria gritar que era mais seguro se manter longe da criatura, mas não sabia como ele controlava as memorias do casal e preferiu o silencio como resposta. Não teimou, apenas começou uma oração silenciosa para Ymir enquanto seguia até a saída escoltada por Eren.
Chapter Text
Wolves or the people things we fear
Wolves or the people
Wolves fear the fear of the people
Think, how one fearful man can destroy this worldSonata Actica - Blood
Ele caminhava despreocupado e a jovem pode olhar com calma a criatura. Ele tinha a aparecia de um jovem normal, alto e pele bronzeada, com certeza seu rosto é o que se pode classificar como bonito, seus olhos eram de um verde profundo enquanto seu cabelo longo tinha um tom mais próximo do marrom como a terra e estavam presos em um coque masculino. Com certeza se fosse humano, Mikasa o classificaria como atraente e um possível pretendente. Percebendo o olhar da jovem, Eren sorriu e com certeza sabia do impacto de seu sorriso na jovem, pois bastou isso para que o sangue voltasse a colorir a face da jovem. Ela decidiu evitar cruzar olhares com ele e começou a reparar na praça. A quanto tempo não participava de um festival? Agora o local estava decorado com flores e itens colhidos antes da chegada do inverno.
— Eles temem tanto as bruxas, mas comemoram como os seus sabás.
— Como pode ter certeza.
— Posso dizer que vivo desde tempos em que os sabás eram bem-vistos pois celebravam a vida e a morte, agora continuam a celebrar, mas odeiam aqueles que mantém o real sentido da tradição.
— Por que está me falando isso? — Novamente aquele sorriso desconcertante.
— Porque quero.
Mikasa bufou, era frustrante esse jogo de gato e rato no qual se encontravam e pior ainda, estava começando a se sentir confortável ao lado dele. Mesmo sabendo que ele não era humano e que vinha a vigiando e manipulando nos últimos dias. Ela não poderia sentir nada diferente de asco, mas a cada minuto próximo dele, parecia certo o descompasso em seu peito assim como o calor em todo seu corpo.
Parecia que não seriam problemas até que, em um segundo de distração, Mikasa sentiu um empurrão e foi ao chão. A ação foi tão repentina que a deixou atordoada, sem saber de onde veio o impacto, mas as vozes alteradas próximas chamaram sua atenção. Ela mal conseguia focar sua visão quando viu Eren à sua frente, enfrentando um grupo de jovens, que pelo que conseguiu entender, foram os responsáveis por sua queda. Ele estava defendendo-a com uma ferocidade que ela não esperava, e uma onda de alívio e confusão percorreu seu corpo. Entretanto, havia algo inquietante nele. Os olhos de Eren, que já continham um verde intenso, brilhavam agora com intensidade que poderia ser chamada de demoníaca, e a aura ao seu redor parecia pulsar com uma energia ameaçadora, tão forte que oprimia a quem estivesse a assistir. Mikasa sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Mesmo ainda tonta, ela tentou se levantar, dividida entre o desejo de apoiar Eren na luta e o medo primordial que ele lhe inspirava.
Vendo a tentativa de Mikasa se levantar, Eren preferiu ignorar os agressores, sua ira parecia ter sido aplacada, mas o terro ainda estava instalado em Mikasa. Aceitou a ajuda, mas por dentro, cada célula do seu corpo a dizia para fugir. Será que os anos de solidão e isolamento a tornaram tão quebrada que agora o mínimo gesto de atenção a fazia se sentir especial, mesmo que essa atenção viesse daquele que todos os seus instintos a alertavam para ficar bem longe.
— Vamos Mika, ou então irei matá-los por te incomodar.
— Não quero a morte de ninguém. — Involuntariamente se encolheu, lembrando dos corpos dos pais e ao mesmo tempo uma outra lembrança, talvez pela cena em que estavam agora, mas Mikasa lembrou-se do menino de olhos verdes que a ajudou e que depois de matar os caçadores, se abaixou diante dela e lhe estendeu a mão. Agora Eren estava na mesma posição e pode perceber as semelhanças. Os mesmos olhos, a mesma cor de cabelo, por mais que a criança usasse curto, ela tinha certeza de que eram marrons. Seus olhos se arregalaram ao compreender que eles eram a mesma pessoa e involuntariamente comentou. — Foi você.
— O que?
— Foi você naquela noite que me ajudou. O menino, mas como?
— Já disse, deixei com você a resposta para suas perguntas. Pensei que fosse mais curiosa Mikasa.
— O livro foi realmente você? Por quê? Estou tão confusa.
Eren a colocou de pé e mantendo suas mãos nos braços da jovem de forma que pudessem ficar de frente e olhar em seus olhos. Mikasa parecia atraída por aquele olhar intenso, era mais forte do que ela.
— Quantas vezes preciso dizer? Você é minha, eu sou seu destino. — Eren parecia querer falar mais alguma coisa sobre isso, mas mudou repentinamente. — Vamos, preciso te deixar em casa e voltar para Carla.
— Por que está fingindo ser filhos deles?
— Eles queriam um filho, sempre foi o desejo mais oculto deles. Eu só adaptei para que fossem de acordo com nosso destino.
— Eles não merecem ser magoados Eren, não sei o que fiz ou minha família, mas Grisha e Carla são bons.
Eren ficou em silêncio e se colocou a caminhar sem olhar uma segunda vez para Mikasa. Confusa a jovem o seguiu, mas agora o silencio era a companhia entre os dois até a chegada na cabana. O sol ainda estava claro e Mikasa ainda tinha tarefas para fazer quando chegasse em casa, mas o peso do livro na bolsa a fazia querer ignorar tudo e ir em busca das respostas que precisa. Estava tão absorta em pensamentos que quase não percebeu que haviam chegado.
— Não saia mais de casa hoje, principalmente à noite. O tecido está cada dia mais fino e os demônios começam a sair para dançar.
— Não pode falar o que devo ou não fazer. — Retrucou mais para mostrar que ele não tinha poder sobre suas decisões, mas por dentro sentia que ele tinha razão, ela não deveria sair, a energia da floresta parecia mais densa.
— É para sua segurança. Não seja teimosa e obedeça.
— E se não quiser?
Aquele maldito sorriso novamente, Mikasa segurou a respiração na tentativa de controlar seu coração que parecia um tambor em seu peito. Ele se aproximou dela e segurou seu queixo de forma que ela olhasse apenas em seus olhos.
— Considere que das coisas que rondam a floresta, nem todas são tão pacientes e boas como eu. — Não era muita a força, mas o suficiente para colocar Mikasa nas pontas dos pés e com dificuldades de falar. — Não seja teimosa.
— Idiota. — Respondeu ao ser liberta. Eren apenas se afastou e acenou para a jovem ao se colocar na trilha de volta. Sozinha, Mikasa decidiu entrar e focar no livro. Com calma repassou tudo que havia acontecido nos últimos dias. Era tão estranho que passou uma noite de pânico e agora, seu corpo parecia atraído para o ser que causou tal pânico. Tentar ignorar todos esses sentimentos era loucura e admitir era insanidade, estava entre o óleo fervente e o fogo, onde nenhuma solução parecia correta.
Colocou o livro sobre a cama, e antes de começar a leitura, decidiu orar a Deusa Ymir mais uma vez, além de trancar as janelas e portas e ter certeza de que estava sozinha. Sentia o pulso incomodar, como se a fita que estava ali há anos, tivesse um peso muito maior do que a realidade. Antes de se acomodar na cama, retirou o pano e o deixou ao lado da imagem Ymir para poder se concentrar.
Agora mais tranquila pode observar com calma o objeto. Sua capa de couro parecia material de alta qualidade. As livras manuscritas lembravam mais um diário do que um livro, fazendo a jovem se questionar a quanto tempo fora escrito e se não era algum tipo de diário de sua mãe. Nas primeiras páginas além de sua arvore genealógica, havia uma indicação de despertada ou não que Mikasa ficou sem entender. Preferindo ignorar por um tempo a informação, seguiu a diante, lendo sobre a origem da família de sua mãe. Uma família que ascendeu a trono de Hizuru, um reino que resistiu por séculos devido ao poder dos pactos com a natureza. Com a chegada do culto a Ymir, muitos membros abandonaram as tradições seculares e se negavam a cumprir seu papel levando a decadência a monarquia. Alguns sobreviventes se espalharam pelo mundo.
— Bem minha família deve estar nessa situação.
Conforme avançava na leitura, tomava proporção sobre quem eram seus antepassados e seus poderes, e ficava mais curiosa sobre sua mãe. Ela parecia uma pessoa simples, sem grandes talentos, dedicada a família, já as pessoas que o livro citou podiam fazer a terra tremer, o dia virar noite, criar chuvas torrenciais, ou convocar pragas para destruir plantações. Outras ainda tinham o poder de curar, de reviver os mortos e invocar demônios.
— Será que Eren foi invocado por algum dos meus antepassados? — Não pode parar de se perguntar quando viu o trecho sobre invocações e suas vantagens e riscos. A leitura prosseguia, mas Mikasa sentia que não tinha tantas respostas quanto esperava. Era muito mais sobre a história do que sobre seus poderes ou sobre que aconteceria na noite de Samhain — Acho que aquele demônio estupido estava me manipulando.
Estava para desistir da leitura quando alcançou um capítulo denominado profecias. Seu corpo parecia reagir aquelas palavras, sentia o arrepio tomar seu corpo, seus olhos pareciam ter fixados ali e não queriam mais desviar. Folheou para ter noção do tamanho do capítulo e viu que neste estava a imagem do íncubos. Respirando fundo, mergulhou novamente na leitura atenta.
As primeiras profecias datavam de séculos antes de seu nascimento e falavam do retorno da glória dos Azumabito por meio daquela que desconhece suas origens. Em outra profecia falavam do casamento sombrio na lua dos dezesseis anos. A versão mais recente tinha a gravura dos demônios com chifres retorcidos como galhos, falada do íncubos que estava destinado a ser o noivo da lenda.
— Quando a noite ancestral envolver o mundo e o tecido entre os reinos desvanecer, surgirá uma bruxa de poder inigualável, cujas origens permaneciam ocultas. Ela trará consigo a aurora de um clã esquecido, e o firmamento temerá seu nome enquanto o abismo a invejará. Sob o olhar reverente dos deuses, seu poder será incontestável. Entretanto, ao atingir o auge de sua ascensão, um dilema sombrio se apresentará: sangue será derramado, ou a morte selará o destino, extinguindo toda esperança de renascimento. — Leu em voz alta e todo o ar ao seu redor mudou. Uma pressão tomou conta de seu peito e sua cabeça parecia girar, vozes murmuravam em linguagem que a jovem desconhecia, mas ao mesmo tempo sentia que deveria conhecer. O vento, antes calmo, agora sibilava do lado de fora com força, fazendo com que a vela no pequeno altar de Ymir apagasse.
“A noiva, a noiva está para despertar”
O medo ameaçava dominá-la quando uma sombra se projetou diante de sua cama, ela agora reconheceria de longe. Os chifres retorcidos, a silhueta masculina perfeita e forte. Chamar seu nome seria apenas a confirmação de todas as desconfianças.
— Eren.
— Estou aqui Mikasa, não tem mais por que temer.
— Não foi você? Que fez o vento se agitar? Que fez essa sensação no meu peito.
Ela não conseguia ver seu rosto direito, mas tinha certeza de que ele sorria.
— Meu poder está selado Mikasa. Não poderia fazer algo assim.
— Então como? Por quê?
Ele agora estava com sua forma humana, o mesmo rapaz belo que estivera com ela durante o dia, agora estava ajoelhado ao seu lado e tomava sua mão entre as dele. Um gesto tão simples e cheio de significados.
— Realmente não pensei que iria ler a profecia em voz alta. Você é poderosa Mikasa, apenas sua voz fez com que os seres da floresta se agitassem.
— Essas vozes que ouvi...
— Chega de perguntas, descanse, ainda faltam duas noites para Samhain, continue amanhã.
— Por que está aqui?
Eren dessa vez não respondeu, no lugar de uma resposta tomou os lábios da jovem em um beijo carregado de luxuria, forçando a passagem de sua língua e desbravando o sabor doce de seus lábios. A jovem sentia seu corpo em chamas, seu ventre tremia e por baixo de sua saia tinha certeza de que havia uma poça de seu prazer. Como um beijo era capaz de deixá-la assim, tão necessitada e ansiosa por mais, ao mesmo tempo que languida.
— Você pergunta demais Mikasa, perguntas que sabe a resposta. Estou aqui porque me chamou, sempre virei por você. — A voz estava carregada de desejo, ele queria mais, porém sabia que ainda não era o momento. — Agora peguei apenas um pouco do que me pertence, em duas noites Mikasa, você será totalmente minha.
— Não quero ficar sozinha, fica por favor.
Ela sabia que era perigoso confiar numa criatura, mas ele foi o mais próximo de uma pessoa diferente de Carla e Grisha que se preocupou com ela. Poderia ser descrito como carência, mas agora ela não queria ficar sozinha, depois da manifestação de poderes e espíritos, ela estava com medo, um medo que não sentia há anos.
— Irei guardar seu sono Mikasa, já fiz isso várias vezes sem nem mesmo saber.
— Por favor Eren. Estou tão apavorada.
— Criança tola, se ficar irei te devorar. Não estar pronta para mim.
— Então realmente é um íncubo? Irá me matar na noite de Samhain?
— Perguntas e perguntas. Devo calá-la novamente com outro beijo?
A jovem podia sentir as bochechas queimarem com a menção a um outro beijo. Seu corpo queria algo que até aquele momento lhe era desconhecido e agora, daria tudo para ter novamente. Adorou as sensações proporcionadas pelo toque e carinho, mas estava tímida. Será que ele gostou tanto quanto ela? Será que, assim como nas lendas, ele se alimentava dessa energia que emitia após o beijo, se sim, não deveria querer mais tanto quanto ela.
— Ficarei até adormecer Mika. Depois irei rodar a cabana, nenhuma as criaturas curiosas atraídas pelo seu poder ousaram se aproximar se eu estiver à vista.
Eren sentou-se ao lado dela, ainda segurando sua mão e dando-lhe conforto. A quanto tempo não se sentia assim? Não demorou muito e o sono chegou, e junto dele, sonhos confusos, que de tão reais, deixavam a incerteza se não eram lembranças, se não dessa, de outras vidas. Ela se viu criança, junto de Eren e um outro menino loiro embaixo de uma arvore. Em outro flash, os dois estavam em uma cabana, eram mais velhos, mas estavam tristes, segundos depois ela estava com sua cabeça em seus braços. A cena foi tão impactante, que fez com que Mikasa despertasse em pânico. Olhou a sua volta e estava sozinha, mas agora não tinha mais a sensação de perigo que a deixava angustiada e agora precisava encarar a verdade brutal, sim ela era uma bruxa assim como sua mãe, sua avó e outras mulheres da sua família.
Sua garganta estava seca e a mente tonta com os sonhos que a atormentaram. Ela e Eren já tiveram uma vida juntos em algum lugar, no tempo e espaço. Forçou-se a lembrar de detalhes, mas não conseguia. Frustrada, procurou o copo de água que sempre deixava ao lado de sua cama, porém lembrou que devido ao seu estado, acabou por não encher a jarra. Vendo-se sem alternativa, Mikasa se levantou e foi até o poço pegar água.
A noite estava clara e bela, em breve seria lua cheia e o céu era dominado pela beleza prateada do astro, tão bela que Mikasa se permitiu admirar um pouco antes de entrar para sua cabana. Ao vira-se, se deu conta da figura em seu telhado, Eren em sua forma original estava ali, sentado no telhado observando a lua. Todas as vezes anteriores, quando o viu nessa forma, sentiu medo, agora era diferente, algo dentro dela se tranquilizou. Percebendo o olhar da jovem sobre si, Eren desceu até ela, e diferente do momento em que se materializou, não trocou para a forma humana. Era a primeira vez que Mikasa o via tão de perto.
Os cabelos estavam mais longos, porém mantinham o tom marrom terra, seus chifres que lembravam galhos de perto pode perceber sua cor acinzentada, sua pele oliva parecia brilhar como se óleo perfumado estivesse o envolvendo, seus olhos pareciam brilhar como cristais de esmeralda, um tom lindo, porém assustador, quase fantasmagórico. Sua face mantinha os traços que lembravam muito mais Carla, estava vestindo apenas uma calça de algodão cru, deixando seu tronco descoberto, fazendo Mikasa corar quando percebeu que o estava encarando demais.
— Deveria estar descansando.
— Eu só queria água.
O silêncio as vezes fala mais do que palavras, e o que se estabelecera entre a jovem bruxa e o demônio mostrava a tensão que existia entre eles. Eren permitia que Mikasa descobrisse seu caminho, enquanto Mikasa parecia aceitar que sua vida não seria mais como antes.
— É melhor entrar. Aqui está frio.
Mikasa se permitiu uma risada leve. Ele falava de frio, entretanto, estava seminu. Não poderia deixar de sentir emoção pelo cuidado que o demônio tinha por ela, seja o que a esperasse no futuro, começava a acreditar ter Eren ao seu lado era tão certo quanto o ar que respira.
— Estou e Eren, obrigada. — Foi tudo que conseguiu dizer antes de correr para dentro, carregando o balde em sua mão e sentimentos confusos dentro do peito.
***
Quando amanheceu, Eren não se encontrava mais ali, deixando Mikasa um pouco triste, para não sucumbir a esse sentimento, a jovem focou em sua rotina cuidando da horta e dos remédios, disposta retomar a leitura do livro na hora do almoço. Afinal, era a última noite antes de Samhain e ainda existiam perguntas demais e poucas respostas. Determinada a seguir com a leitura, dessa vez Mikasa aceitou que não adiantava acender velas para Ymir, e simplesmente retirou a santa do pequeno altar.
— Acho que já orei demais e não fui ouvida por você, assim como minha mãe também não foi. Os demônios estão mais próximos da gente do que os deuses. — As palavras tiveram um peso em seu coração. Deuses não ligavam para humanos. Se ligassem, ela não estaria sozinha e isolada, seus pais estariam vivos, pois sua mãe sempre foi fiel a Ymir. — Acho que está na hora de ir. — Falou removendo do altar a imagem da Deusa jovem que se sacrificou por amor. Depois desse pequeno gesto, Mikasa tomou o livro novamente e retomou a leitura agora, sem usar sua voz, pois sabia que seus poderes estavam começando a despertar. Conforme avançava na leitura, conseguia mais detalhes da profecia, porém um ponto em questão chama a atenção de Mikasa.
Na noite em que cai o véu entre os mundos,
No sacrifício de sangue e fogo,
O destino penderá entre sombras e luz.
No beijo de um demônio, a salvação ou a ruína da linhagem.
O sangue dela selará a escuridão ou trará uma paz traiçoeira.
Somente quem carrega o fardo poderá escolher,
E no eco de sua decisão, o destino do clã.
Novamente escolhas. Dor, sangue, morte, solidão, assim tem sido sua vida, mesmo que não tenha sido sua escolha. Agora deveria passar por isso novamente, porém por escolha própria.
— No beijo de um demônio... — Mikasa não pode enviar sentir seu corpo quente. As lembranças de quando seus lábios estiveram colados aos de Eren voltam a assombrá-la com força e fazendo florescer seu desejo. Com certeza seu corpo estava em chamas por ele e parecia tão certo... Distraída, começou a imaginar como seria tocar o dorso nu do demônio. A visão da madrugada ainda estava vivida em sua mente, fazendo seu ventre pulsar. Ela estava desejando que da próxima vez que se encontrassem, não ficassem apenas em simples beijos. Como se tomada por uma onda de moral, Mikasa começou a questionar sua sanidade. Ela estava fantasiando com Eren, não sua versão humana, mas sua forma original de demônio.
— Louca, só posso estar louca. — Resmungou antes de voltar ao livro. Já estava quase anoitecendo quando parou um pouco para descansar. A cada página tinha certeza de que primeiro, ela teria que decidir algo, mas o que, ainda era obscuro, segundo Eren e ela tinham laços mais antigos que a sua vida e de seu clã, era um laço de vidas e vidas que se reencontravam, e que de alguma forma seus antepassados o encontraram e ele prometeu fortunas desde que o levassem até ela.
— Por isso falou de Sabás e tradições antigas, ele estava aqui a muito tempo — pensava a jovem.
Sentindo que a fome começava a incomodar, decidiu parar para comer alguma coisa, abandonando o livro sobre a mesa, aberto para não perder a página em que estava enquanto preparava uma sopa rápida com os legumes que tinha colhido mais cedo. Com os acontecimentos dos últimos dias, quase não conseguiu se concentrar nos pequenos prazeres que tinha, fosse cozinhar uma boa refeição ou simplesmente ter um momento sem pensar em nada.
Era estranho pensar, que sua mãe era realmente uma bruxa, mas mesmo como tal, não se lembrava da mesma usando seus poderes, ao contrário, ela tinha total dedicação as coisas simples, ao que faz Mikasa entender que é possível rejeitar esse destino e ter uma vida comum, talvez trocar de vila, ir para um lugar novo, recomeçar do zero, ela poderia sumir e Eren iria respeitar sua escolha. Ele o fez com sua mãe, por que não poderia fazer por ela? Tais pensamentos, fizeram seu peito doer, apesar desta ser uma possibilidade, a realidade é que se apegou ao demônio e que só a mera possibilidade de o abandonar fazia seu peito doer.
— Eu conseguiria deixá-lo? — Era estranho pensar em voz alta. Quando começou a cogitar ser normal viver com um demônio? — “Quando esse demônio se mostrou mais humano do que os próprios humanos” sua mente não demorou a responder. Estava perdida em seus pensamentos quando uma batida forte em sua porta a trouxe de volta a realidade. Ainda não havia anoitecido, mas crepúsculo avançava, seja quem batesse em sua porta era humano e não uma das criaturas que Eren vem mantendo afastada.
— Senhorita Mikasa, está em casa? — Novamente as batidas e agora acompanhadas de uma voz que a jovem reconheceu sendo de um dos moradores da vila que compravam seus remédios.
— Ah olá senhor Darius, entre, eu estava preparando o jantar. — Respondeu ao dar passagem para o homem. Ele era um juiz em tempos antigos, agora estava aposentado e com sua esposa acamada. Seus remédios davam alívio a senhora, e por isso Darius sempre estava comprando remédios na vila.
— Sinto incomodá-la, mas minha esposa piorou. Soube do que aconteceu recentemente na vila, imagino que não iria voltar tão cedo novamente.
— Não vou, na verdade, só devo retornar depois de Samhain, as pessoas estão cada vez mais supersticiosas, prefiro não arriscar.
— Faz bem jovem, então eu queria o remédio.
— Claro irei pegar.
A jovem voltou-se para um armário próximo ao fogão, no qual deixava seus preparos armazenados, costumava deixar organizados por tipo, então não demorou para localizar o frasco necessário. Porém ao se virar, Darius parecia que tinha visto um fantasma, seu rosto estava sombrio, não parecendo em nada o mesmo homem com quem falava antes.
— Senhor Darius aqui. — Ao entregar o frasco, se deu conta que esquecera de esconder a marca em seu pulso, atraindo a atenção do homem.
— Obrigado Mikasa, esse livro é curioso, sou um homem letrado e nunca vi algo assim. — Algo na voz do homem a fez gelar, talvez pela desconfiança dos últimos dias, talvez pelo cansaço, Mikasa estava mais alerta.
— Este é um livro de ervas, estava lendo para aprender novas receitas. — Respondeu, retirando o objeto de cima da mesa e colocando na estante, sob o olhar questionador do homem. — Ajudo em algo mais?
— Não, tome as moedas pelo remédio. Até breve Mikasa.
Darius não demorou a sair, mas a sensação de que alguma coisa estava errada insistia na mente da jovem, porém não conseguia identificar o que. Talvez estivesse neurótica por conta dos últimos acontecimentos, ela estava sob pressão e imaginando inimigos em qualquer lugar. Tentando tirar esses pensamentos na sua mente, voltou ao preparo de sua refeição, mas ainda com uma sensação persistente de que alguma coisa estava muito errada.
Depois de jantar e de sua higiene Mikasa voltou a leitura, mas agora falavam mais sobre poderes de cada uma das mulheres de sua família. Ao que pode perceber, eles se manifestavam aos dezesseis anos, variava de acordo com cada uma e era impossível prever quais seriam os poderes até que eles despertassem. Quando o sono estava quase a vencendo, chegou ao nome de sua mãe. Notou que a letra era diferente do resto do livro, sendo a letra de sua própria mãe, tomada pela saudade, passou os dedos por cada letra, como se fosse um carinho feito em sua falecida mãe. Ali descobriu que os poderes de sua mãe eram ligados a cura e a vidência, sua mãe sabia seu destino e o aceitava, pois algo maior estava destinado Mikasa. O peso das palavras de sua mãe a fizeram abraçar o livro e chorar. Agora, sentia a conexão com sua mãe, Eren uma vez disse que sua mãe conseguiu escapar, mas ele estava errado, ela não escapou, apenas aceitou. O sono não demorou a alcançá-la, e sonhos, pela primeira vez na semana, foram doces e felizes ao lado de seus pais.
O sol começava a despontar quando um estrondo a despertou. Estava meio sonsa e não teve tempo de entender o que estava acontecendo até que mãos a segurassem com força a tirando da cama e a colocando de joelho no meio da pequena cabana. Tentava buscar alguma resposta, mas o cenário era caótico. Homens reviravam sua casa, suas roupas eram jogadas pelo chão, vidros de remédios quebrados, livros rasgados, era como um déjà-vu do dia em que seus pais foram assassinados.
Sentiu que estava entrando em pânico, iria morrer ali?
— Parem! — Grisha entrou acompanhado de Carla e Eren. — O que estão fazendo?! Já não basta a isolarem?
— Não defenda a bruxa Grisha, ou iremos considerar que você e sua família também são praticantes das artes ocultas. — Falou Darius. Mikasa estampava a surpresa e decepção ao perceber que o homem que a procurou na noite anterior era um de seus captores.
— Ela não é uma bruxa, assim como Misako não era. Como podem ser tão ignorantes?
— Então como explica isso. — Falou se aproximando da jovem e torcendo seu braço para que todos pudessem ver o A formado pela junção de três espadas dentro de um círculo.
— Tira as mãos dela. — Eren estava sendo detido por Carla, evitando que a confusão ficasse ainda maior.
— Misako explicou a vocês no passado, é o símbolo de sua família em Hizuru, para que sempre pudessem se reconhecer.
— Darius achei! — Gritou um homem tendo o grimório em mãos, o entregou ao velho juiz, que apenas folheou algumas páginas e parou na figura do íncubos.
— Aqui temos a prova final, ela se deita com demônios para obter poder. Irá matar a todos se a deixarmos viva.
— Eu não fiz nada. Por favor Darius, eu ajudei sua esposa.
— Darius, não pode matá-la. — Grisha ainda estava em sua defesa.
— Não sou bárbaro Grisha, iremos dar um julgamento a ela, hoje à noite, durante o festival de Samhain, a bruxa será julgada.
Eren e Mikasa trocaram um olhar, foi a primeira vez nessa manhã cinza. Ela pode sentir todo o ódio de Eren pelos humanos ali, era como se tudo que quisesse era apenas destruir tudo e todos. Ela sabia, não precisava que ele colocasse em palavras, ele destruiria o mundo para que ela fosse feliz. Uma voz em sua mente a lembrava do sonho em que o mundo era destruído em sangue e fogo, em que ela segurava a cabeça decepada dele.
“Ele já fez isso uma vez e por isso foi condenado a viver esperando por você”.
Vendo que ele agora esperava uma palavra para agir, Mikasa apenas sinalizou que não, suavemente com a cabeça, em um gesto que poderia passar despercebido para os demais, porém não para ele. Pode ver quando seus olhos foram tomados pela decepção e pelo medo, mas estava determinada a encarar o destino que era tecido diante de si, como sua mãe fez no passado.
— Eu irei buscar ajuda! — Gritou Grisha ao verem que a estavam levando.
Ela apenas sorriu de volta, qualquer coisa que falasse seria usado contra si e não queria causar mais problemas para Grisha e Carla. Carla por sua vez, chorava abraçada a Eren. Aceitando de coração aberto seu caminho, levantou a cabeça e caminhou, mantendo o máximo de dignidade que lhe era permitido, em direção ao seu destino.
Notes:
Em breve com a parte 3
Juro que não foi de proposito, mas realmente iremos acabar na terceira parte.
Chapter Text
Can you heal this human nature wound?
Can you feel for all eternity?
Can you speak for once what is the truth?
Can we rise from our identity?
Made of Lies- Elysion
Mikasa foi arrastada pela trilha em direção a vila, sendo escoltada por vários aldeões e Darius a seguindo de perto, como se fosse um troféu para o velho juiz. Se antes eram frutas e lamas, ser capturada com a acusação de ser uma bruxa, fez com que agora, Mikasa recebesse paus e pedras, sua pele branca estava vermelha e bem machucada por conta das agressões, sua camisola antes impecável estava tomada de sangue e lama. Os humanos poderiam ser bem cruéis com aquilo que não compreendiam.
Ao chegar na vila, foi aprisionada em um buraco fundo como um poço, tendo diferente apenas que cobrindo havia uma grade, que uma vez colocada dentro, foi trancada com um cadeado forte e a chave, colocada no pescoço do velho juiz, que se afastou deixando a jovem em meio a ratos, insetos e muita sujeita. Tentava não pensar em como as pessoas podiam ser cruéis, mas era difícil. Nunca fez nada, e se não fosse por ter sido isolada nem ao menos teria tido interesse em buscar sobre suas origens e agora, seu final era ser julgada como bruxa.
— Sabe que eles não irão te julgar. — A voz me alcançou antes da sombra escura tomar forma ao seu lado. — Tudo é uma desculpa para fazer um espetáculo e terminar com seu corpo em chamas na fogueira.
— Não chegará a isso, Grisha vai trazer ajuda. Verá que tudo terminará bem Eren.
— Sempre otimista. — Afirmou derrotado. — Tome, trouxe, pois, sei que não irão te alimentar. Usarão a fome como tortura. Sei que deve estar com frio também, mas se trouxesse roupas iriam usar contra você.
— Obrigada, mas é melhor ir, se te virem aqui, estará em perigo.
— Só podem me ver na minha forma humana e se eu quiser. — Respondeu enquanto colocava um pedaço de pão com queijo nas mãos da jovem. — Coma.
— Como funciona isso? Poderes, formas, tudo isso. Li que todas as minhas ancestrais manifestaram seus poderes e de formas mais variadas, eu não sinto nada, não vejo nada, não convoco nada.
— Se responder você come? — Ralhou olhando o alimento na mesma posição nas mãos da jovem. Vendo que era a possibilidade de algumas respostas, Mikasa levou a boca, ignorando o fato de estar ressecado e velho, mas focada em ter respostas. Eren observou a jovem dar duas mordidas antes assentir e começar. — Primeiro, só irei responder o que posso, o que não posso é dar respostas que interfiram na sua decisão. A liberdade para escolher seu futuro é sua Mikasa, entendidos?
— Sim. — Alguns farelos voaram ao responder com boca cheia, mas a jovem definitivamente ignorou.
— Bem, você usou seus poderes na noite que leu a profecia em voz alta. Com certeza é uma invocadora, entretanto, tem mais poderes adormecidos. Quanto aos meus poderes, eles funcionam melhor a noite e quando estou, como posso dizer, “alimentado”.
— Como assim? — Perguntou e novamente mordeu o pão quando viu o olhar de repreensão de Eren e como suavizou quando a viu comer.
— Você sabe o que sou, mas direi para que tenha certeza. Sou um íncubos, e preciso de energia sexual para ter meus poderes plenamente. Nos últimos dias, estou adorando me alimentar dos seus sonhos. — Um sorriso travesso cruzou seus lábios, fazendo Mikasa corar.
— Por que agora começou a fingir ser filho de Grisha e Carla?
— Digamos que houve um imprevisto, era para ter assumido na noite em que te salvei dos caçadores, mas acabei ferido e quando vi que estava morando com eles, bem, não consigo alterar sua memória, diferente dos demais.
— Então não tem poder sobre mim? — Brinca a jovem enquanto limpava farelos que caíram sobre suas roupas. Quando voltou seu olhar, Eren estava próximo demais, não percebeu quando seus rostos estavam a centímetros um do outro.
— Meu poder sobre você é outro... Uma parte de mim gostaria de comprovar o efeito que tenho sobre você se eu subir um pouco mais aqui. — Seu olhar estava preso ao da jovem, enquanto sua mão escorregava suavemente pela perna, subindo por baixo da camisola e pousando no meio da coxa, a fazendo arfa. — Acha que preciso manipular você?
Mikasa não conseguia perguntar mais nada, sua mente vinha apenas a lembrança do beijo e da visão de Eren com dorso descoberto. Impossível não sentir o calor tomando seu corpo e ignorar o desejo que crescia a cada segundo.
— Nã...não. Não precisa.
— Está falando com quem bruxa? — o guarda interrompe, fazendo com que Mikasa lembrasse que estava em situação deplorável.
— Estava orando.
— Como se os deuses fossem ouvir uma bruxa. Fique calada se não quiser que a faça calar.
Mikasa podia sentir a mudança na energia da cela, Eren estava com muita raiva da forma que o guarda a estava tratando, mas não poderia falar novamente se não estaria em risco. Mordeu os lábios, estava tensa e cansada, e arrumar briga com um guarda era a última coisa que queria. Não querendo mais confusão, apenas se encolheu, abraçando os próprios joelhos e sussurrou para que Eren para que não fizesse nada.
— Por que não quer que eu a tire daqui?
— Eu ainda acredito que tudo vai acabar bem.
— Ficarei aqui com você então, é o mínimo que posso fazer.
Mikasa não falou mais, porém agradeceu em seus pensamentos a presença de Eren. Era o mais próximo de porto seguro que tinha, e iria se agarrar a presença dele e a esperança de que Grisha iria conseguir voltar a tempo.
***
Mikasa não percebeu quando dormiu, mas seu despertar não foi tranquilo. Os gritos de Carla e de Grisha estavam próximos, não conseguia entender o que falavam, mas era possível notar o desespero em suas vozes.
— Ele voltou com o salvo conduto da rainha, mas Darius não quer aceitar, disse que aqui eles seguem as leis e a lei manda julgar a bruxa. — Sua voz tinha um sentimento de desamparo. — Eles estão tentando te ver, Carla trouxe roupas e comida, mas como te disse, eles querem te torturar usando a fome, o frio, estão te desumanizando Mikasa.
— Então não tenho escolha? Terei que passar pelo julgamento.
— Errado, sua escolha foi passar pelo julgamento, mas hoje é noite de Samhain, ainda temos uma chance e uma nova escolha.
— Isso tem a ver com a profecia?
— Sim, tem.
— Você pode me falar com detalhes?
— Na hora certa, quando a lua cheia iluminar o céu, eu irei te propor um acordo. Um pacto. Será o momento de decidir nosso destino.
— Por que não me fala logo que proposta é essa?
— Porque se falar, irei interferir na sua escolha. — Eren ainda estava sentado ao lado dela, mas começava a desaparecer.
— Por favor não me deixe sozinha! — O desespero começava a tomar conta da jovem, ela que não aceitou a ajuda dele para fugir antes.
— Nunca te deixarei sozinha, mas Carla está procurando por mim, irei até ela e voltarei até você como humano.
— Eren...
— Confie em mim Mikasa. Farei de tudo por você. — Foram as últimas palavras antes de desaparecer, levando consigo a pouca esperança que a jovem tinha e deixando o desespero. Era estranho que ainda que negasse a ajuda, ele era aquele que mais lhe transmitia segurança.
— Mikasa! Graças a Deus! — A voz de Grisha a tirou dos mundos dos sonhos e a trouxe de volta a realidade. — Deixe olhar para você? Céus, está toda machucada.
— Eu estou bem, de verdade. — Tentava se convencer e convencer ao médico de que tudo estava bem e falhando miseravelmente.
— Carla e Eren trarão comida e roupas, eles jogaram fora as que ela tinha, mas sabe como minha esposa é insistente e agora virá com Eren, os dois com certeza alcançaram o objetivo.
— Só tenho a agradecer a vocês.
Se aproximando mais das grades, Grisha puxou a mão da jovem e deixou um lenço, mas ela sentiu algo pequeno e gelado.
— Use para se defender. — Sussurrou antes de sair. — Tudo vai dar certo Mikasa.
Sentou-se e olhou o conteúdo enrolado dentro do lenço apenas para confirmar que ali estava um dos bisturis do médico. Ele temia pelo que poderiam fazer antes do julgamento e o que poderia fazer era apenas dar-lhe uma forma de se defender. Rezava para que não fosse preciso usar, mesmo assim, o guardou, amarrando o lenço em sua coxa.
As horas pareciam não passar e seu estomago estava resmungando pela fome, novamente agradeceu a insistência de Eren para que comesse pois começava a entardecer e nada foi lhe dado nem para comer nem beber. Eren desde que fora encontrar com Carla não retornou e mesmo que fossem poucas horas, pareciam uma eternidade. Quando os dois finalmente apareceram, pode ficar calma, Eren não mentiu e novamente cumpriu sua promessa.
— Ah querida, estamos fazendo de tudo para te tirar daí. Consegui trazer comida e roupa. Eles não podem deixar você assim.
— Mika, vão te julgar ao anoitecer.
— Não sei se isso é bom ou ruim, só quero que acabe logo.
— Meu bem, iremos te ajudar, de alguma forma, vamos te tirar dessa. Não deixaremos a história se repetir.
— Mãe pode nos deixar a sós?
Carla olhava de um para outro, ela foi jovem e sabia como era difícil ver quem se ama em uma situação difícil e por mais que tentasse ser otimista, sabia que as chances estavam contra a jovem. Darius queria a glória, mesmo que viesse por meio do sacrifício de uma jovem inocente. Se despediu com um sorriso da jovem e colocou a mão no ombro do filho, olhando uma última vez para o jovem casal que corria grandes riscos de perderem qualquer chance de viver esse amor.
— Cheguei a pensar que tinha desistido de mim. — Desabafou. Quando ficou tão insegura?
— Nunca, realmente estava buscando informações sobre o julgamento. Mikasa... quando chegar a hora, quando decidir, chame meu nome, virei por você.
— É mais uma daquelas coisas que não pode falar? — Eren apenas sacudiu a cabeça, confirmando. — Sabe, já sonhei com você em outra vida, em que tinha que fazer uma escolha entre salvar o mundo e te perder, ou ir com você e fugir de tudo. Acho que ali tive que fazer uma escolha como a que farei essa noite. Estou certa?
Eren não respondeu, mas seu silêncio falava mais alto do que as palavras. Seja o que fosse acontecer essa noite, muitas pessoas poderiam morrer dependendo da sua escolha. Mas não escolher certo significa morrer ou deixar que Eren morra. De repente, ter consciência do tamanho da responsabilidade que sua escolha carregava fez com que o estomago de Mikasa embrulhasse.
— Não pense agora, viva um minuto de cada vez. — Pediu tocando no rosto da jovem, atraindo seu olhar. — Quer que fique com você aí?
— Por favor, fique.
— Me chame quando se trocar, ou se quiser entro agora com você e aprecio a visão do seu corpo. — Mikasa sabia que Eren estava fazendo isso para relaxá-la e fazer com que tudo ficasse mais suave, mas a realidade, ela sabia que seu fardo era pesado e não poderia fugir dele. A decisão final ainda seria sua.
— Pensando bem, por que não? Venha Eren.
— O quê? — Mikasa não pode deixar de rir, ela havia deixado o demônio sem reação. Tão humano, tão Eren. — Tem certeza?
— Você se alimenta disso, não é? Pelo menos uma vez... Pelo menos me deixe mostrar. — A coragem que veio com a provocação, se foi quando as palavras saíram da boca da jovem. Ela estava suja, machucada, não seria uma boa visão e mesmo assim, algo dentro dela a empurrava a esse desejo, talvez o fato de não saber se terá uma nova oportunidade no futuro.
Eren olhou para o guarda, e Mikasa tinha certeza de que usou seus poderes, pois segundos depois o homem sentou-se na porta e cochilou. Logo em seguida a sombra negra estava dentro da cela e dela a forma real de Eren. Sua presença era imponente que não eram preciso palavras. O demônio sorriu ao encostar na parede e cruzar os braços e observá-la em desafio, sabia que estava insegura, mas também sabia que ela estava ansiosa e excitada.
— Vamos Mikasa, o que tem para mim? — Provocou.
Respirando fundo, a jovem começou. Não que houvesse muito para tirar, afinal, camisola fina que usava estava destruída, então deixou apenas que escorregasse pelo seu corpo, expondo seus seios, saltavam devido ao seu tamanho. Agora estava nua, apenas com o lenço com o bisturi preso a coxa, sentia-se exposta e quente, quase esqueceu que o objetivo era se vestir e poderia ficar ali o resto da tarde, sob o olhar de Eren, que não desviava nenhum segundo. Quando finalmente conseguiu se mexer para pegar as vestes trazidas por Carla, seu pulso foi impedido. Levantou os olhos apenas para encontrar o olhar de predador de Eren sobre seu corpo, ela era sua presa, e por mais estranho que pudesse parecer, ela estava ansiosa por isso.
Quando seus lábios foram tomados, a jovem queimava de desejo. Era bom senti seu corpo contra o dele e queria mais, queria se fundir a ele, que se tornassem um. Estava perdendo o controle quando enlaçou o pescoço do demônio o puxando mais contra seu corpo e tendo como respostas braços fortes a envolvendo. Era tão certo estar ali, como poderia ser diferente?
Eren deixou que suas mãos percorressem o corpo da jovem, sentindo a suavidade de sua pele que mesmo machucada mantinha a maciez pelos anos de cuidado, descendo até entre suas pernas e sentindo a umidade que escorria, tocando de leve, porém suficiente para arrancar um gemido de prazer de Mikasa.
— Como não querer te devorar por inteira quando se entregar assim para mim?
— Eu... — Tentou responder, mas sua boca foi invadida pelos dedos encharcados de seus fluidos, involuntariamente sugando enquanto a boca de Eren descia por seu pescoço até seus seios, abocanhando um depois o outro, intercalando sucções rudes e suaves, absorvendo cada gemido, cada sussurro. Estavam perdidos um no outro, sendo uma atração e desejo intenso demais parra ignorar.
— Quieta, apenas aproveite. — Mikasa não tinha voz, ou força, conforme o prazer a atingia, sentiu se mais leve, mais sonolenta. Era como uma corrente elétrica percorrendo seu corpo e explodindo em ondas em seu ventre. Quando sentia que ia perder a consciência, Eren parou, quase a fazendo chorar pela perda dos toques mais ousados. — E por mais que adore te ver entregue a mim, ainda não posso devorá-la totalmente, mas saiba isso é o começo. Vista-se, pois, Darius está vindo e a partir de agora, começa sua provação. — Sua voz era triste.
Eren sabia que foram as escolhas dela que os levaram a esse ponto e agora teriam que aguardar a hora das bruxas, a meia-noite, quando a lua brilhasse no céu e a escolha final fosse feita. Se retirou, sabendo que a partir de agora não poderia interferir, mesmo que seu sangue fervesse de ódio pelo homem que caminhava lentamente com seus capangas a tira colo.
Quando o velho juiz chegou, a jovem estava devidamente vestida, mas o olhar dado por ele, examinando seu corpo a fez sentir como se estivesse nua ainda. Um olhar como de um predador analisando a presa antes de dar um bote.
— Vamos começar o interrogatório, podemos fazer de uma força fácil em que assume seus crimes ou, podemos fazer de forma difícil. Realmente espero que faça da forma fácil.
— Sabe que sou inocente. — Desafiou a jovem.
— Eu li seu livro, uma família de bruxas. Todas as mulheres são bruxas.
— Se leu, viu que algumas delas, saíram do clã e abandonaram os poderes, minha mãe foi uma delas. — Tentou mentir.
— Deve achar que sou tolo. — Parou de frente as grandes e fez sinal para que dois guardas entrassem com uma tina cheia de água. — Peguem-na, e quem sabe se ela tomar um banho, resolva falar. — E voltando novamente para a jovem que era arrastada para fora da pequena cela, completou. — Eu realmente esperava que fosse de forma fácil, mas lembre-se que foi você que quis assim. Mergulhem a cabeça dela. — Ordenou e depois disso, apenas a sensação de seus pulmões estarem queimando dominou Mikasa. Tentava não grita, prender a respiração, mas um golpe em seu estomago enquanto estava submersa fez com que engolisse muita água. Quando estava para perder a consciência, foi puxada bruscamente. Tentou respirar o máximo que pode no breve momento que pode, porém novamente a ordem de ser mergulhada.
Não sabia em que ponto perdeu a consciência, mas estava sentada em uma cadeira. Suas mãos estavam livres, mas não tinha forças, mal conseguia abrir os olhos. Darius falavas ela ainda não conseguia distinguir as palavras, os sons estavam embaralhados. Mikasa podia pressentir que o juiz ainda não tinha terminado, precisava focar, por isso cravou as unhas na palma da mão, a dor era uma aliada para manter a consciência.
— Realmente é uma pena Mikasa. Você foi a única que conseguiu curar minha esposa, mas não podemos ter piedade com bruxas, ou elas vão trazer a doença e a morte para nossa vila.
— Louco.
— Sabe como controlamos as massas Mikasa? — Falou dando as costas para jovem, que por sua vez, procurava em suas roupas o bisturi que lhe foi dado por Grisha. — Medo e ódio. A vila se mantém unida pelo medo da bruxa, as superstições são fortes aqui. — O homem se aproximava, com a coragem dos covardes, ela era uma mulher e que estava fraca e machucada, não representava perigo, Darius não acreditava no que pregava, para ele bruxas eram mulheres que tiveram a infelicidade de ter conhecimento demais sobre cura e ervas. — Se você fosse homem, iria ser um bom médico, mas como mulher é uma excelente bruxa.
Aproveitando da proximidade, Mikasa avançou, usando o que lhe restava de força contra o homem, ferindo seu rosto, o fazendo urrar de dor. Tento pouco tempo, tentou correr para fora e fugir, porém os guardas estavam em seus postos e a capturaram antes que conseguisse passar pela porta. Sua última lembrança foi o rosto irado e ensanguentado de Darius antes de acertá-la com força, a fazendo desmaiar novamente.
A dor que a fez desmaiar, foi a mesma que a fez despertar.
Ao despertar não estava mais na cela e sim no palco em que a trupe se apresentava em meio a praça e ao fundo, após uma multidão enfurecida, ela podia ver, uma fogueira. Olhou em volta buscando ajuda, reconheceu rostos daqueles que ajudou com remédios ou ervas, mas seus olhares desviavam sempre que cruzavam com os da jovem. Ela estava sozinha e em perigo, seu destino era a fogueira. Darius falava, inflando ainda mais a hora de aldeões enfurecidos, atribuindo crimes inexistentes, ritos profanos e mortes daqueles que se aproximavam da bruxa.
— Se duvidam ainda dos poderes da bruxa, olhem para meu rosto! — Esbravejava ao apontar para o próprio rosto, atiçando a ira dos presentes. — Quando fomos interrogá-la, ela usou seus poderes para me ferir!
— Queimem a bruxa!
— Morte a bruxa!
Mikasa encarava os rostos distorcidos pela fúria, uma multidão de pessoas a quem nunca fez nada, mas que agora gritavam por sua morte. Sob a luz fria da lua cheia, seus olhos refletiam o brilho das tochas agitadas no ar. Ela sabia que qualquer palavra seria inútil, apenas mais um crime somado à lista interminável de pecados que não cometeu.
— Esta é a noite de Samhain! Vamos purificar nossa vila, devolver a bruxa ao inferno e garantir a bênção de Ymir para o inverno. Sem frio, sem fome, apenas glória! — bradou Darius, erguendo a tocha como se fosse um profeta diante de seus seguidores.
— Darius você está louco. — Era a voz de Grisha que se elevava na multidão, ele estava seguido de Carla e Eren. Os únicos que sempre estiveram ali por ela.
— Vejam, ela encantou o médico e sua família que a acolheu!
— Prendam eles!
O tumulto começava a se formar enquanto arrastavam Mikasa para a fogueira e os aldeões atacavam o trio. Eren permanência em silêncio, ela sabia que ele esperava o momento, mas como saberia que momento era esse? Como perceberia os sinais.
— Vocês se dizem boas pessoas, mas boas pessoas não matam por ódio. — Foi tudo que conseguiu falar antes que as lágrimas tomassem seu rosto. Olhou para o céu, seus pés estavam amarrados e suas mãos estavam presas acima de sua cabeça. Será que não havia mais esperança?
“Mikasa... quando chegar a hora, quando decidir, chame meu nome, virei por você”
As palavras de Eren voltaram a ecoar em sua mente. A lua estava quase no meio do céu, Mikasa podia sentir que os espíritos estavam agitados, como na noite que leu a profecia em voz alta, pelo seus cálculos faltavam poucos minutos para meia-noite, a hora que o véu entre os mundos cairia. A profecia falava de sacrifício pelo fogo e sangue, será que precisaria queimar? Procurou por Eren e seu olhar mostrava que apenas esperava por ela, por sua decisão.
Mirou a lua que agora pairava sobre sua cabeça, bem no meio do céu.
Com a tocha em mãos, Darius chamava a todos para uma noite de festa, pois a bruxa iria morrer e num gesto mais que teatral, deixou que caísse aos pés da jovem.
O fogo estava ali, o sangue ela derramou desde que foi capturada. Ela sabia, não havia salvação para aqueles a quem o ódio toma o coração. Ao chegar a essa conclusão, a marca em seu braço antes negra, agora mudara para um tom vermelho, como brasas incandescentes. O calor tomou seu corpo, ela sabia, seu poder estava despertando. Ao seu redor, as vozes dos espíritos, antes tímidos, agora gritavam, por ela, a noiva do demônio, aceitando seu papel.
— Eren... Eren... Por favor, eu aceito meu destino como aquelas que vieram antes de mim. — Um sorriso traiçoeiro tomou o jovem pouco antes de desaparecer e reaparecer diante dela.
— Está pronta para pagar o preço? Está pronta para ser minha noiva prometida?
— Estou.
Os gritos cessaram quando a figura diante deles começou a mudar. Seus olhos brilharam como brasas, e chifres longos surgiram de sua cabeça. Com um movimento casual, ele desfez as correntes de Mikasa, liberando-a. O silêncio que seguiu foi carregado de pavor absoluto.
— Ela está invocando os demônios! — Uma mulher desesperava constatava o obvio.
— Que nossa promessa seja selada e que o preço seja pago. Venha Mikasa, venha para seu noivo. — A jovem se deixou guiar para os braços de Eren, sendo o lugar mais seguro que esteve desde a morte dos seus pais e permitiu que ele a beijasse com toda a intensidade ignorando a horda horrorizada que observava.
— Façam alguma coisa! Matem o demônio! — Darius gritava para os guardas, mas até os homens armados hesitavam, recuando diante da visão aterradora.
Ignorando todos ao seu redor, Eren pegou o braço direito, pouco abaixo da marca e fez um pequeno corte, deixando que o sangue corresse e fez no próprio braço, o corte no mesmo lugar, unindo os dois em um pacto.
— Agora seremos um, temos um preço a pagar. Essa vila, a destrua Mikasa.
— O quê? Não, Grisha e Carla, as crianças são inocentes. — Receou a jovem ao ver que no meio daquela multidão havia crianças.
— Você falou que aceitava o pagar o preço. E sabe que eles não vão mudar, já passamos por esse ciclo, em outras vidas. — A decisão era dela, e ela decidiu, sabia que havia um preço, mas não pensou que seriam as vidas de tantas pessoas. Ainda que agora, tenha sido isolada, essa vila foi seu lar junto aos seus pais, aqui viveu seus melhores anos.
“Eles também abandonaram uma menininha a própria sorte” sua mente deu a resposta. Seus pais se foram por conta dos mesmos aldeões e se vivessem, eles viriam atrás dela de novo e de novo, só seria livre se realmente fizesse o que precisava fazer.
— Os inocentes vivem, os culpados morrem. — Declarou decidida, e no mesmo instante, os guardas e os moradores, um após outro, foram queimando. Grisha e Carla se abraçavam em meio ao caos, mas seguros. Darius acuado e sozinho, em meio a corpos em chamas observava o casal.
— Bruxa! Você precisa morrer!
— Homem tolo, ela apenas te deixou para o final. — respondeu Eren com um sorriso frio, seus olhos cintilando com uma promessa de ruína. Tomando Mikasa pela mão, a guiou até Darius. — Mikasa, o que invocar virá até você, se for hordas demoníacas, elas virão, se for a chama do inferno que nunca apaga, ela obedecerá. O mundo ficará ao seus pés e sou apenas o catalizador, aquele que faz a ponte entre seus poderes e a execução. Apenas sua palavra, escolha, como irá matar o verme?
— Queime, deixe que queime como tudo aqui.
Mikasa pode ver o pânico tomar o olhar de Darius quando as chamas o consumiram de dentro para fora, deixando apenas a carne em chamas. A sua volta o cenário era o caos, não havia mais adultos, as poucas crianças, que antes riam quando a jovem era escorraçada pela praça choravam sem entender o que estava acontecendo. A vila que estivera enfeitada para celebrar a colheita, agora, estava em chamas.
— Pagamento de fogo e sangue, o pacto foi selado Mikasa, seu destino a aguarda em Hizuru. — Havia uma promessa sombria e ao mesmo tempo excitante, Mikasa tinha agora seu poder e Eren ao seu lado, mas ainda faltava algo.
— Podemos chamá-los conosco? — Falou a jovem apontando para o casal que ainda estava em choque, mas vivo e bem.
— Todos tem a liberdade de escolher seu destino Mikasa, até você, até eles.
Voltando-se para o casal, Mikasa tentou não parecer nervosa ou mesmo impositiva, ainda não sabia a reação deles diante de tudo que presenciaram. Eles sempre foram bons, não queria ter que agir contra eles, mas agora, pela primeira vez em anos, era ela que estava ditando seu caminho.
— Carla, Grisha...
— Que bom que está bem Mikasa. — Interrompeu a mulher, a abraçando e quase fazendo a jovem chorar. — Tivemos tanto medo por você!
— Pelo que ouvi vocês tão indo. — Começou Grisha, olhando de mim para Eren, seu olhar transbordava amor. — Espero que tenham muita sorte no futuro.
— Por que não veem conosco?
— Nossa vida está aqui pequena e agora, temos muitos filhos para cuidar. — Respondeu a mulher, olhando com carinho para o grupo de crianças que estava escondido e assustando. — Eren, obrigada por ser o filho que tanto pedi. — Falou indo até o demônio e o abraçando, sem medo, para ela, ele era Eren, seu filho amado.
— Nos escrevam da jornada de vocês em Hizuru. — Pediu Grisha ao apertar a mão de Eren. Era estranho que o casal o tratassem como filho, mesmo que ele estivesse diante deles, em sua verdadeira forma. Com isso, o casal se despediu, seguindo em direção as crianças que precisavam deles.
— Eles sempre souberam sobre mim. — Falou Eren, sem olhar para Mikasa. — Em outras vidas, eles foram meus pais, e agora, Carla me viu e chamou meu nome, ela sabia, de alguma forma, sabia. Talvez seja uma bruxa também, mas quem sabe.
Mikasa assentiu. O cansaço estava chegando assim como o amanhecer. Vendo o estado da jovem e sabendo a jornada que os esperava, Eren a tomou em seus braços como uma noiva, e rumou para a cabana na floresta, para que pudessem descansar antes de seguirem em direção ao futuro prometido, uma vez que dessa vez, ela o escolheu e com o poder de ambos, iriam reerguer o clã Azumabito em Hizuru.
— Sabe Eren, eu não fique pena, ao contrário gostei de vê-los queimar. — Admitiu a jovem, enquanto se permitia ser carregada por ele, aproveitando o contato ao máximo.
— Bom, pois teremos que sujar um pouco as mãos em Hizuru. — Deu um sorriso sacana, fazendo o coração da jovem errar uma batida.
— Pronta para uma nova aventura, minha querida noiva?
Mikasa ainda não tinha certeza, mas seja o que estivesse lhe esperando no outro continente, sabia que agora não estava mais sozinha e nunca mais ficaria, e assim poderia enfrentar o que quer o que o destino estivesse preparando.
Notes:
Obrigada por você que chegou até aqui! Não pretendia mesmo fazer uma fic tão longa, mas aconteceu e sou culpada! Espero que tenham gostado e acompanhem minhas outras fics! Feedbacks sempre são bem-vindos!
Ah, antes que esqueça, aqui a playlist! > https://open.spotify.com/playlist/1adgcDTBFuJjcHkybxlGz5?si=2ffa8d2e10ad4e42

(Previous comment deleted.)
RowanMayfair0 on Chapter 1 Mon 25 Nov 2024 07:41PM UTC
Comment Actions