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Elia assistiu enquanto todos os sorrisos morriam em Harrenhal.
Isso aconteceu no instante em que o Príncipe Rhaegar Targaryen de Pedra do Dragão decidiu coroar Lady Lyanna Stark de Winterfell como Rainha do Amor e da Beleza ao invés dela, sua legítima esposa e mãe de seus filhos, após vencer as justas deste maldito torneio.
Como ele pôde? Elia se perguntou, comprimindo os lábios com força para não esboçar nenhuma outra reação diante dos inúmeros olhares que se lançaram sobre ela, sejam eles curiosos ou julgadores. Os murmúrios ao seu redor eram insuportáveis, ao mesmo tempo que mal passavam de um burburinho indistinto. Todos pareciam estar se perguntando o mesmo: O que tinha levado o príncipe a escolher outra mulher, que não sua esposa? E o que Elia tinha feito para merecer tamanha humilhação?
Muitos aqui, por mais que não pudessem demonstrar abertamente, estavam satisfeitos com aquilo, e alguns deviam até achar graça. Pois, embora os Sete Reinos estivessem unidos sob a governança da Casa Targaryen, ainda haviam muitas desavenças entre alguns territórios. E principalmente contra Dorne, onde Elia nasceu com o sol e cresceu com o passar dos anos, onde era uma princesa e poderia andar entre serpentes sem ser atacada, respeitada até mesmo por estas criaturas tão venenosas, mas não mais traiçoeiras do que os nobres, que fariam comentários indiscretos e perguntas ousadas sobre toda esta situação.
Como ele pôde? Elia se perguntou novamente. Como ele pôde submetê-la a passar por isso? Lágrimas surgiram no canto de seus olhos castanhos, mas ela piscou para afastá-las. Não se permitindo desmoronar aqui, diante de tantos que se alegrariam com sua tristeza.
Enquanto isso, a menina parecia absolutamente encantada. Os seus olhos estavam arregalados e as bochechas rosadas, ela parecia tentar conter um sorriso que queria se espalhar em seus lábios. De qualquer forma, ela estendeu sua mão para pegar a coroa de flores azuis, rosas do inverno, que havia sido estendida na sua direção, na ponta da lança do Príncipe Rhaegar. Ao lado dela estava seu noivo, Lorde Robert Baratheon. Ele riu - um som que parecia muito mais tenso que honesto - e agiu como se não se importasse, falando com bom humor forçado:
— Me parece que nós estamos de acordo sobre quem é a donzela mais bela de todos os Sete Reinos, primo!
Esboçando um pequeno sorriso nos lábios, o príncipe acenou com a cabeça para Robert e deu uma última olhada em Lyanna, breve, mas firme ao mesmo tempo. Logo, ele fez com que seu cavalo trotasse para fora da arena seguido pelos aplausos do público, que não sabia de que outra forma reagir, a não ser fingir naturalidade. Elia se recusou a fazer parte disso, no entanto, e se levantou assim que pôde, com o que restava de sua dignidade.
Oberyn e Ellaria, seu irmão mais novo e a amante dele, bem como Ashara Dayne, sua dama de companhia e melhor amiga, a seguiram imediatamente.
— Eu vou matá-lo! — Oberyn declarou em alto e bom som, andando de um lado para o outro no quarto que fora destinado à Casa Martell em Harrenhall, sem medo de ser ouvido por alguém que passasse pelo corredor ou entrasse de repente. — Não, não... Melhor! Vou castrá-lo, aí nós veremos se aquele príncipezinho encantado de merda conseguirá ser infiel a esposa sem um pau! Aquele filho da puta!
— Não, você não fará nada disso. — Elia o repreendeu. — Eu prezo mais pelo meu irmão vivo do que desejo meu marido morto.
Oberyn estava irado, continuou xingando e amaldiçoando Rhaegar com todos os males, pragas e castigos. Ellaria e Ashara se sentaram ao lado dela, segurando suas mãos ou afagando suas costas, permitindo que ela deitasse a cabeça sobre seus ombros e descansasse um pouco. Ainda assim, cercada por pessoas que a amavam e fariam de tudo para confortá-la, Elia não chorou, nem proferiu qualquer ofensa contra o marido. Ela guardou a mágoa e a fúria que sentia dentro de si, refazendo aquela mesma pergunta repetidas vezes em seus pensamentos.
Na manhã seguinte, Elia o confrontou. Quando teve que voltar para o quarto que dividiram durante a sua estadia no castelo gigantesco, que mal era algo a mais que ruínas após ser incendiado por Balerion, o Terror Negro, nos tempos da Conquista de Visenya, Aegon e Rhaenys. Ela questionou o porquê, como ele pôde. Ela finalmente chorou, mas isso não pareceu comover seu marido, o pai de seus filhos, o bastante para ser claro com suas palavras.
— O dragão deve ter três cabeças. — Foi o que Rhaegar lhe disse a princípio, a segurando pelos ombros e tentando confortar. — Eu não desejava de lhe causar tanta tristeza, Elia, mas você não pode me dar um terceiro filho.
Ele ousou envolvê-la com seus braços e beijá-la no topo da cabeça, sussurrando sobre como Elia ainda era o “sol da sua vida”, como ela o fazia sentir feliz apesar de todas as milhares de preocupações, cobranças e ameaças de seu pai. Elia queria bater nele, queria machucar ele. Era o que Rhaegar merecia, mas ela não conseguiu fazer. Ela não podia ter outro filho sem arriscar a própria vida, isso era certo, mas não era motivo para que ele fizesse o que fez. Se ele queria um maldito bastardo, que o tivesse, com a maldita Lyanna Stark ou qualquer outra.
— Mas eu ainda sou sua esposa. E você não me colocará de lado. Nem os nossos filhos, seus herdeiros. Os únicos legítimos que você terá enquanto eu estiver viva. — Elia se afastou dele, se recompondo, secando suas lágrimas e dando as costas para sair do quarto. — E por causa disso, eu não vou me arriscar na tentativa de satisfazer a sua vontade de ter mais um.
Olhando por cima do ombro antes de se retirar, ela viu como Rhaegar parecia machucado, com as sobrancelhas franzidas. Como se Elia o tivesse traído, e não ao contrário. Como ele ousava parecer assim, ela não sabia. Antes, eles estavam felizes o bastante apenas um com o outro, com sua pequena família. Ele nunca pareceu insatisfeito com ela ou com o que ela pudera lhe dar. Por que agora Rhaegar tinha que fazer isso, para que Elia sofresse tanto? Para que ela desejasse voltar com Oberyn para Dorne, quando seu irmão mais novo lhe fez a proposta?
Ele quase implorou, na verdade. Argumentando que ela não precisava se sujeitar a este tratamento indigno, que poderia voltar para seu lar quente e ensolarado, desértico, mas belo, para o seio de sua mãe e os braços de seus irmãos. Elia realmente queria, mas ainda tinha filhos; Não importava quanto sangue Martell corresse nas veias de Rhaenys e Aegon, eles também eram filhos de Rhaegar e parte da Casa Targaryen, eles pertenciam à coroa e ela não teria permissão para levá-los embora consigo, considerando que teria para si mesma.
Como esposa do herdeiro do trono, Elia também fazia parte da família real e, mais diretamente que qualquer outro súdito, deveria agir somente com a boa vontade do rei.
Elia se recusou a pedir por isso, entretanto. Ela sabia que não partiria sozinha, que não os deixaria para trás a mercê da sorte, sem ninguém para lutar por suas reivindicações caso fosse necessário. Mas, não muito depois, Elia se arrependeria amargamente desta decisão. Ela deveria ter pegado seus filhos na calada da noite e fugido para Dorne, depois para mais longe ainda, talvez para as Cidades Livres com Oberyn, ele já havia se aventurado muito por lá e sabia como se virar.
Porém, como Elia poderia adivinhar que estava correndo tanto perigo? Que Rhaegar daria início a uma guerra por causa de um romance frívolo com uma mulher - uma menina - que já estava noiva de outro homem? Ele fugira com Lyanna Stark para onde somente os Deuses sabiam nos Sete Reinos, a escondera para mantê-la só para si mesmo, para gerar um filho; Um bastardo. Ou talvez por amor, paixão ou tolice. Todas essas palavras pareciam sinônimos para Elia. No fim, ele preferiu sua amante e seu bastardo ao invés da esposa e filhos legítimos.
Ele estava lutando uma guerra contra Robert Baratheon por Lyanna Stark, enquanto Elia, Rhaenys e Aegon eram prisioneiros de seu próprio pai, sofrendo ameaças constantes para que os Martell permanecessem leais aos Targaryen, para que Dorne não se levantasse em favor de sua princesa, abandonada e aprisionada.
Ela continuou a se fazer aquela mesma pergunta uma centena de vezes durante todo esse tempo... A última vez fora quando descobriu que Porto Real estava sendo saqueada e os portões da Fortaleza Vermelha arrombados, quando um enorme e desonrado cavaleiro irrompeu pela porta de seu quarto junto de outro e massacrou não apenas ela, mas também seus filhos.
Elia teve que assistir, impotente, enquanto sua doce Rhaenys tentava se esconder embaixo da cama de seu pai e era arrastada de volta, só para ser apunhalada até a morte por Sor Amory Lorch. Onde estava Rhaegar para proteger sua filha? Ela não pôde fazer nada enquanto seu pequeno Aegon era arrancado de seus braços por Sor Gregor Clegane e tinha o seu crânio esmagado por suas mãos grandes, brutas e sujas com o sangue de inocentes. Onde estava Rhaegar para proteger seu filho? Ela não tentou lutar enquanto ele violava seu corpo e nem resistiu a sua própria morte, pois viver já não fazia mais sentido. Onde estava Rhaegar para protegê-la?
Elia não conseguiu uma resposta sobre como o seu marido pôde fazer e causar tanto mal a ela e a sua família.
Ela morreu sem esta resposta.