Chapter Text
Quanto mais o homem digitava, alimentava planilhas e resolvia questões financeiras, menos o tempo parecia passar. Os ponteiros do relógio, pendurado bem no centro do setor, quase zombavam dele. Para Son, era uma tortura silenciosa. Ele mantinha os olhos fixos naquele círculo branco cheio de números e ponteiros, como se encará-lo com força fosse o suficiente fosse fazê-lo girar mais rápido.
O salário na Equality era ótimo, é verdade — falavam disso o tempo todo. Mas, em troca, ele recebia longas tardes estressantes na frente de monitores que piscavam sem parar, cercado de paredes lisas e quase monocromáticas. Nem as promessas de promoções futuras conseguiam motivá-lo a ver naquele ambiente algo além de uma gaiola chique e gelada graças ao ar condicionado.
Quando o relógio finalmente anunciou sua liberdade, Hyunwoo empurrou tudo o que tinha na mesa para dentro da mochila com a eficiência de quem repetia o movimento todos os dias. Caminhou a passos rápidos em direção ao elevador, evitando realmente correr — não por cansaço, mas para evitar parecer desesperado nas câmeras de segurança. Apertou o botão do térreo e esperou. Alguns segundos depois, um solavanco súbito sacudiu a cabine, seguido por um estalo metálico e um som surdo através das paredes do elevador. Olhou para o visor digital e o mesmo começou a piscar em vermelho.
Preso. Em plena sexta-feira à tarde.
Perfeito.
Son suspirou fundo e revirou os olhos antes de amaldiçoar mentalmente três gerações da pessoa responsável pela última manutenção daquele caixote metálico. Vasculhou o pequeno painel até encontrar o botão de emergência. Uma voz abafada, com sotaque carregado de tédio, respondeu do outro lado.
— Recepção da Equality, JunLia falando... ah, oi, senhor Son. Já estou ligando para os técnicos. Pedi urgência, tá? Mas... pode demorar um pouquinho. Não sei quanto tempo exatamente. Sinto muito, viu?
Son se encostou na parede da cabine, ainda tentando decidir se deveria rir ou chorar. A luz de emergência lançava uma coloração estranha sobre o alumínio das paredes, e por um segundo, ele pensou ter visto algo... se mover no reflexo. Mas devia ser o cansaço. Só podia ser.
Sentado no chão metálico do elevador, com as costas apoiadas nas paredes geladas, Ele deixou a mochila escorregar de seu ombro. O tédio começava a se transformar em inquietação — não só pela prisão forçada, mas pela sensação estranha que estava naquele lugar desde o estalo. Algo no ar parecia... diferente. Parado demais. Silencioso demais.
Resolveu vasculhar sua mochila em busca de distração. Talvez encontrasse os fones de ouvido ou um biscoito perdido. Mas, no meio da papelada amassada, do carregador enrolado e dos comprovantes de almoço que nunca jogava fora, algo chamou sua atenção. Um envelope.
Não era branco nem plastificado como os comuns do escritório. Era de um tom pardo envelhecido, áspero e com bordas irregulares, como se tivesse sido feito à mão ou encontrado em um baú velho. Estava fechado com uma aba dobrada e selada com um símbolo que Son não conseguia identificar, talvez alguma língua diferente ou realmente só desenhos distintos.
Curioso, puxou o envelope com cuidado e o girou nas mãos, tentando entender como aquilo teria parado em sua mochila. Não havia nome, nem remetente. Apenas o estranho selo, em vermelho desbotado quase sumindo do papel. Ele começou a deslizar o dedo por baixo da aba para abrir o envelope.
Foi quando o papel começou a pegar fogo do nada.
As chamas se ergueram em um segundo, consumindo o envelope rapidamente. O susto fez Son recuar, quase escorregando no chão liso do elevador. Mas o mais estranho não foi o fogo, e sim o fato de que, em poucos segundos, o envelope desapareceu por completo. Sem deixar cinzas. Sem cheiro de queimado. Como se nunca tivesse existido. O homem ficou parado, com os olhos arregalados e as mãos estendidas no ar, como se ainda pudesse sentir o calor do papel que já não estava mais lá.
O som metálico ecoou por um instante, como se algo tivesse se movido ou caído do lado de fora da caixa do elevador. Hyunwoo ficou com os olhos fixos na parede diante dele, tentando decidir se deveria se aproximar ou simplesmente fingir que nada tinha acontecido.
Mas antes que pudesse tomar qualquer decisão, um estalo alto o fez pular no lugar.
— Tem alguém ai?! — gritou uma voz abafada, seguida por pancadas fortes na porta de metal.
O homem se levantou rapidamente, com o coração acelerado, não sabia dizer se pelo susto ou pelo envelope queimado. Logo ele ouvou mais batidas, acompanhadas do som de ferramentas forçando a porta. U
— Senhor Son, tudo certo aí dentro? — perguntou alguém do lado de fora, enquanto a porta finalmente cedia com um rangido alto.
Son forçou os olhos, piscando várias vezes até conseguir enxergar direito. Um dos técnicos, com macacão azul e uma lanterna presa na cabeça, o observou com uma expressão confusa.
— Você tá bem? Parece que viu um fantasma.
— É... só o susto mesmo. Achei que ia passar o fim de semana aqui dentro. — O técnico riu e lhe estendeu a mão para ajudá-lo a sair.
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A sala estava mergulhada em escuridão, exceto pela luz azulada que piscava mostrando várias telas espalhadas sobre a bancada metálica. Os cabos, enrolados se espalhavam abaixo da mesa pelo chão até sumirem em caixas de energia vibrando baixinho.
No centro de tudo, um jovem magro, de feições afiadas, pontudas e olhos fixos digitava em um teclado mecânico com velocidade, fazendo sons característicos se espalharem pelo ambiente silencioso, digitando entre comandos, códigos e janelas que se abriam e fechavam em sequência. À sua volta, gráficos, registros ocultos, fotos, e endereços piscavam em tempo real. Apesar da velocidade, ele mantinha a expressão tranquila, realmente se divertindo ali, como se estivesse jogando um joguinho infantil de investigação muito fácil.
De repente, o quase silêncio da sala foi cortado por passos firmes. Uma figura masculina mais, parcialmente coberta pelas sombras do corredor, se aproximou por trás. Usava roupas escuras e um sobretudo pesado, que balançava suavemente a cada passo, seu modo de andar era quase gracioso.
A voz grave que soou parecia menos uma pergunta e mais uma exigência disfarçada:
— Já conseguiu localizá-lo?
O garoto não se virou. Um sorriso torto surgiu no canto de sua boca. Ele soltou um último comando no teclado, e uma nova janela se abriu com diversas informações agora organizadas e uma foto de alguém no centro do esquema.
Então, virou-se lentamente, encarando o homem à sombra com um brilho travesso nos olhos.
— Claro… Son Hyunwoo, entrarei em contato direto em breve.
