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Summary:

E se Bella Swan tivesse feito uma escolha diferente no fim daquele verão?

Depois que Edward foi embora, Bella Swan não correu atrás.
Ela ficou.
E aprendeu a viver de novo — um dia de cada vez — ao lado de quem nunca foi embora.

Sem voo até a Itália, sem Volturi, sem promessas de “para sempre” — só o som das ondas quebrando em La Push, os motores ronronando na garagem de Jacob Black e os livros antigos que ela ainda ama reler à noite.

Depois de escolher ficar com Jacob, Bella segue sua própria estrada: entra para a faculdade comunitária de Port Angeles, decidida a se tornar professora de inglês.Enquanto isso, Jake conclui um curso técnico em mecânica e carpintaria, e começa a montar sua própria oficina na reserva.

É uma vida simples, mas cheia de significado: jantares com Charlie, ligações caóticas da mãe, tardes preguiçosas na praia com a matilha, histórias passadas entre os anciãos Quileute e planos que se constroem aos poucos.

Essa é uma história sobre o dia a dia.
Sobre escolhas humanas.
Sobre aprender que o extraordinário também pode morar na calma.

E que o amor verdadeiro não precisa de eternidade — só de presença.

Notes:

(See the end of the work for notes.)

Chapter 1: Dia

Chapter Text

— Não me lembro do seu cabelo já ter estado tão longo, está tentando rivalizar com o de Jacob? — minha mãe disse, fingindo implicância. Na verdade, eu não estava. Ou se estava, não poderia ser proposital, uma vez que não havia notado.

Rapazes e garotas da Reserva Indígena Quileute tinham em comum seus cabelos longos, lisos e negros ao vento. Os meus eram chocolate e levemente mais ondulados do que os tradicionais fios nativo-americanos dos quileutes, mas me sentia bem de ter “partilhar” isso com o grupo. De costas, eu poderia ser igual a qualquer jovem local, voltando da faculdade aos finais de semana para visitar os amigos, a família… e o namorado. A diferença só se tornava óbvia ao olharem meu rosto e a palidez se destacar.

Então é isso, não precisei racionalizar muito para concluir que gosto da ideia de me misturar entre eles. Mas não daria o braço a torcer tão fácil à Renée.

— Acho que apenas perdi todas as tesouras da casa que funcionam para o meu armário da faculdade — brinquei de volta.

— Charlie parece não ter problemas para cortar o cabelo.

— Ah, mas ele tem uma barbeira de confiança. Afinal, Sue precisa gostar do que vê para continuar com papai.

Isso tira um sorriso jovial e sincero de mamãe. Ela gosta de quando eu brinco sobre as vidas amorosas dos dois. Acha que é dessa forma que os filhos reagem a uma separação saudável. Não que a deles seja recente, ou que eu ainda guarde ressentimento. Quando meus pais se separaram, eu era tão nova que mal consigo me lembrar de mais do que meia dúzia de brigas. Agora que cresci minhas memórias de Forks, a cidade pequena e cinzenta que minha mãe escolheu deixar para trás anos antes, são vívidas e minhas — domingos de beisebol na tela plana com Charlie, o peixe frito de Sue (receita de Harry), acampar com Seth e a resistente Leah, comprar livros de receita com Emily, ouvir música com Angela e Eric… e beijar Jacob.

Adoro minhas memórias. Não imaginei que fossem se tornar tão preciosas para mim tão cedo na vida. Pode ser que goste mesmo da minha vida.

Tenho 20 anos. Passei os últimos dois frequentando a faculdade comunitária Peninsula College, dividindo meu tempo entre o campus de Port Angeles e a cidade onde moro, Forks. No último mês, concluí um curso de dois anos (equivalente a um tecnólogo) com ênfase em Literatura Inglesa e Educação, e consegui uma transferência com aproveitamento de créditos para a University of Washington (UW), onde vou cursar a Licenciatura em Inglês com habilitação para o magistério.

Sim, eu dei sorte — grande parte da grade de cursos da UW é oferecida no campus de Seattle, a cerca de 4 horas de distância de Forks, incluindo o tempo de travessia de balsa.
As outras duas opções são Bothell e Tacoma, sendo esta última o melhor destino possível: ao contrário de Seattle, onde a formação docente exige um mestrado após a graduação, o campus de Tacoma oferece programas de licenciatura com habilitação para o magistério já em nível de graduação.

Pouco antes de pegar o avião para a Flórida, recebi os papéis de boas-vindas da universidade, com mapas de alojamento, orientações e a melhor das notícias — ficarei em Tacoma. Menos de 3h10 de viagem, e sem depender de balsa! Posso ir e voltar nos finais de semana, talvez até durante a semana. Ou talvez sorte não tenha tanto a ver com isso quanto às horas de pesquisa que investi para me preparar… e acalmar o coração de Jacob.

O fato é: em mais dois a quatro anos, serei professora de inglês — e não vou mais precisar sair da cidade para estar em uma sala de aula.

Penso em lecionar em Forks, na própria reserva. Não sei a quem isso alegraria mais, Billy ou Jake e amo os sorrisos de ambos de formas diferentes. Quando Billy sorri, sinto o abraço caloroso de um segundo pai, alguém que se quer manter satisfeito, orgulhoso das suas boas ações, muito parecido ao que hoje sinto por Charlie.

Quando Jacob Ephraim Black sorri, ele espanta a chuva e o vento frio, faz meu rosto e meu corpo esquentar como um verão em Jacksonville. A primeira vez que disse a ele que gostaria de fazer literatura inglesa depois do ensino médio e lecionar mais tarde, obviamente ele afirmou que eu era uma grande nerd, que não esperava nada menos e me pentelhou por dias. Logo ele admitiu que estava orgulhoso e torcia por mim, e que ainda que eu decidisse estudar fora, dar aulas longe e tudo o mais, ele me apoiaria e se resolveria com a matilha, porque não me perderia de vista para um bando de adolescentes na puberdade.

“Eu conheço o tipo, Bells, estou na mente desses garotos. Literalmente, você sabe, coisa de lobo. E você é muito linda. Sei como eles pensam. Esses moleques vão precisar saber que a professora gata tem alguém a altura para brigar por ela”. Ele defendeu seu argumento há 2 anos, dando a entender que era a coisa mais óbvia do mundo, ao que eu ri, pontuando como aquilo parecia antiquado e meio machista. Ao invés de se ofender, ele bagunçou meu cabelo e me beijou.

Contei que pensava em estudar na faculdade de Port Angeles, na Universidade de Washington e que depois voltaria para dar aulas à mini Pauls e Embrys e mini Leahs e Emilys. Ou quem sabe a alguns alunos menos afortunados e mais pálidos da Forks High School. A isso, ele reagiu com um beijo mais intenso. E depois outro e outro, até que aquilo sobre o que falávamos parecesse distante.

Pensar nele me faz sorrir.
E agora também faz meu peito apertar um pouco.
É a saudade. Ele é meu melhor amigo e não nos vemos há 2 semanas, período recorde dos últimos anos. Mas eu precisava passar um tempo de qualidade com a minha mãe, não fazia isso desde a formatura do ensino médio.

Na casa dela temos toda a vitamina D que pudermos imaginar ao nosso dispor, espreguiçadeiras para aproveitar o sol, a praia à nossa frente, e virgin pinã coladas saindo da cozinha tão rápido quanto as mãos de Phil são capazes de prepará-las.

E admito, por muito tempo senti falta do clima ensolarado estando em Washington, onde faz muito mais sentido estocar suéteres do que biquínis. Só que isso mudou. Quando penso em felicidade, o sentimento está muito mais atrelado à La Push, a Reserva e ao Carver Cafe do que a essa praia de areia amarela esbranquiçada e luz solar infinita.

Minha mãe tentou apelar para as minhas memórias e preferências de adolescente quando insistiu para que eu considerasse a transferência para a Universidade da Flórida. Mas já era tarde.

Meu coração estava em Forks.
Estava com a chuva, o verde e Jacob.

Abro o ecrã para olhar a foto do protetor de tela. Seth Clearwater tirou aquela foto na noite de 17 de julho, menos de um mês antes. Era o primeiro dos três Dias Quileute, celebração anual que acontece em La Push. Somos Jake e eu, nossos rostos próximos, por trás de uma fogueira. Estamos comemorando sua tradição e meu bacharelado. Rindo como idiotas completos.

Minha mãe notou o gesto.

— Gosto do que ele faz com você — Renée comenta e eu franzo a testa. Ela está segurando dois copos de chá gelado de pêssego e passa um para mim, que aceito de bom grado. Estamos na primeira semana de agosto e este é um dia particularmente quente.

— O que quer dizer, mãe? — Dou um longo gole no chá, me sentando na cadeira. São quase 16h, e se não entrarmos em casa logo, vou precisar de mais protetor solar em breve.

— Que você mudou nesses últimos dois anos. É esperta, deve ter notado. Seu pai e eu, sim. Está mais alegre, Bella, querida. Mais solar.

— Solar? — A pergunta soa irônica.

— Não ria. Sabe o que quero dizer — mamãe se defende.

— Na verdade, não sei — instigo — se importa em elaborar?

Renée se recosta na braçadeira de vime com um suspiro exagerado — a explicação exigia esforço filosófico.

— Ah, Bella, é como... você sabe quando o sol entra pela janela num dia frio e muda completamente o jeito que o cômodo parece? — Ela faz um meneio amplo com a mão, tal como pintasse um quadro no ar. — Não é que o frio vá embora, mas tudo parece mais leve, mais possível. Você está assim. Antes, você andava pela casa como se tivesse um cobertor invisível nos ombros. Agora, você tem brilho nos olhos, fala com as mãos, ri mais alto. Nem precisa pensar duas vezes para aceitar um convite. Isso é solar.

Ela dá um gole no chá e sorri com os olhos, satisfeita com a própria metáfora.

— Você sorri mais, Bella. Até quando está distraída. E isso... — ela toca levemente minha mão — isso diz muito.

Aceno com a cabeça em consentimento, porque realmente não tenho mais nada a dizer. Ela está certa. Há chances de que nunca tenha estado tão certa na vida.

— Mãe? — Chamo sua atenção. Alguns minutos se passaram e ela está distraída com uma revista de moda. É o verão de 2008 e tudo de que Renée (não) precisa é mais uma tendência para seguir.

— Sim, querida? — Responde, erguendo os olhos das páginas coloridas.

— Quer entrar e ver um filme? — eu sugiro. Acho que meu corpo atingiu sua cota de sol do dia. Não quero voltar a Forks tão vermelha que vire piada entre Embry e Jared ou tão tostada que Jake não possa me tocar sem arrancar suspiros de dor. Cenários nada atraentes.

— Mas é claro! — exclama — Quer pipoca? Eu posso fazer! Ou talvez seja melhor deixar Phil a cargo disso. Algum filme da sua preferência, meu bem?

— Sinceramente, não. Por que não escolhe dessa vez? — sugiro e recolho nossos copos da mesa de jardim para levar à cozinha.

— Você deve ter sentido mesmo a minha falta. — mamãe ri e eu a respondo mostrando minha língua como uma garotinha birrenta.

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— Gosta dessa? — 3 dias depois, estávamos num shopping center fazendo o que minha mãe chamou de “compras de sobrevivência universitária”.

Quando ela cunhou o nome, achei que teria mais a ver com cadernos e canetas extras, sabe, para o caso da minha ocasional má sorte bater na porta e eu perder todo o material no primeiro dia para a chuva ou algo do tipo. Duas horas entrando e saindo de lojas depois, me dei conta de que, para mamãe, sobrevivência tem mais a ver com jeans, sapatilhas e blusas baby look rendadas. Não me opus, claro. Sou filha única e não vejo minha mãe tanto quanto deveria, portanto não neguei a ela o prazer de estufar o meu guarda-roupas.

E pra ser honesta a camiseta bordô que ela tem em mãos é mesmo bonita. Com meio botão frontal e gola quadrada, manga curta e ajustada, é casual o bastante para usar no final de semana com o pessoal e arrumada o bastante para vestir com casaco na UW.

— Sim. A cor é bonita, vou experimentar. — falei, pegando o cabide de madeira escura da sua mão direita e sinalizando que ia entrar num provador. Renée acenou positivamente de volta e dirigiu sua atenção à sessão de sapatos.

3 horas depois eu tinha ganhado 4 blusas novas, 2 jeans bootcut, 1 par de peças íntimas de algodão e um par de botas de cano curto de camurça marrom, que não seriam muito práticas na chuva, mas que de acordo com mamãe, ficariam lindas com o jeans cinza e a blusa azul cobalto escuro.

As sacolas estavam posicionadas na mesa de um quiosque chamado Gator Bites & Smoothies — minhas congratulações pela referência local quase forçada — e uma garçonete pegava nossos pedidos quando Phil ligou, avisando que se atrasaria.

É sábado, tecnicamente seu dia de folga, mas um dos caras se machucou jogando golfe durante a semana e o time precisou substituí-lo por outro do banco e o técnico achou que não seria má ideia um treino a mais para garantir que ele estava entrosado e no ritmo dos outros jogadores.

O que levaria um jogador da Minor League Baseball a arriscar o futuro de uma carreira já incerta, eu não compreendo. Seja como for, os times estão na reta final da temporada regular, com séries quase diárias. Por isso nos despedimos de Phil no café da manhã e não o vimos desde que saiu mastigando suas panquecas com xarope de bordo.

Eu não ligo muito, ele é um cara legal, mas nada demais. Porém Renée parecia estar contando que fossemos passar mais tempo juntos, os três, do que de fato passamos nessas 2 semanas. Penso que por eu estar mais velha e ela querer criar memórias.

— Acho que você tem tudo de que precisa, certo? — perguntou. Mamãe não gostava muito do silêncio e não dava muita brecha para ele, ao contrário de Charlie, que via nele um conforto amigo.

— Acho que meu armário vai entrar em choque com tanta novidade. Deve ser mais do que comprei no último ano. — brinquei.

— Está crescendo, Bella. Quer dizer, logo mais vai conhecer outras pessoas, ir à festas… Uma parte de você vai querer se parecer com as outras garotas. Só espero que se lembre de sua velha mãe quando for comprar vestidos — Renée fez biquinho.

— Não acha que está sendo um pouco dramática? — rio, suave, para não ferir seus sentimentos.

— Sobre eu estar ficando velha ou sobre você me visitar mais vezes?

— Mãe, não posso simplesmente pegar um avião para Jacksonville toda vez que você achar que eu preciso de roupa nova. Pense no gasto. — Cruzei os braços, tentando parecer firme.

— Gasto? — Renée arqueou uma sobrancelha, sinal claro de que essa palavra não fazia parte do dicionário dela.

— Querida, você está prestes a entrar na universidade. Não pode viver essa era com camisetas desbotadas e calça jeans de 2006.

— Tecnicamente, é do ano passado — murmurei, pegando a sacola que ela me estendia. — E tecnicamente, eu ainda nem sei se vou conseguir pagar a UW sem um empréstimo. Nesse caso, sim, “gasto” é uma palavra que veio pra ficar.

— Você não precisa de um empréstimo — bufou — seu pai e eu…

— Eu sei, eu sei. — a interrompi antes que começasse um discurso emotivo — Os dois ofereceram suas economias para ajudar a bater os custos. Mas não sei como me sinto quanto a isso. — suspirei — Eu estive fazendo contas, mãe. A mensalidade anual para residentes de Washington vai ficar em US$ 11.869, mais os custos com moradia, alimentação, transporte, materiais… uns US$ 22.402, sendo razoável. Isso dá um investimento de US$ 34.271 por ano. É muito para pedir de vocês. Sei que Charlie está sendo bastante generoso. E que a bolsa de estudos ainda não foi descartada…

— Ah, Bella, você é brilhante. — Foi a vez dela de me interromper — Aquelas pessoas da Martin... Martin o quê mesmo?

— Martin Family Foundation. É uma bolsa para transferências excepcionais... — Suspirei. — Mandei minha candidatura meses atrás, mas o resultado só sai no fim do verão.
— Elas vão amar você. — disse, como alguém que já tivesse lido a carta de aceitação. — Se eu ainda fosse professora, você seria aquela aluna que eu colocaria estrelinha dourada todo dia e ainda escreveria uma carta recomendando pra Harvard.

— Você foi professora do ensino fundamental, mãe. Eu tinha sete anos quando desenhei um tubarão que mais parecia uma nuvem com dentes, e você disse que era uma metáfora visual.

— E estava certa! — disse ela, ofendidíssima. — Eu sei reconhecer talento quando vejo. E inteligência. E comprometimento. E a necessidade urgente de blusas novas.
— Você desviou rápido.

— Estou treinada para isso.

Renee deu um gole no suco de manga com menta e me lançou aquele olhar maternal que eu vi em poucas e específicas ocasiões — o tipo que enxerga pensamentos antes mesmo de virarem palavras. Eu estava ali, mas minha cabeça já tinha voltado a girar nos números: mensalidade, moradia, bolsas, empréstimos... e o buraco que tudo isso podia abrir na minha conta bancária — e na deles também.

Ela me observou em silêncio por um instante e, com um suspiro leve, me puxou de volta pra terra firme.

— Acabei de perceber que a gente nem falou sobre a sua redação. Ou sobre a bolsa. Ou como foi que você se inscreveu para essa… Martin Foundation, é isso? — Ela deu mais um gole, talvez tentando disfarçar o quanto se importava.

— Ah, a redação… — forcei um sorriso. — Na verdade, foi até bom ter me distraído com você um pouco. Ficar ruminando isso não ia mudar nada. Escolhi escrever sobre a literatura como ferramenta de transformação na educação pública. Nada muito surpreendente. Mas fui cuidadosa. Argumentativa, com base em dados, bem mais sóbria do que inspirada. Só que, quando terminei, fiquei pensando: “Será que essa fundação rica vai realmente dar dinheiro pra alguém que escreveu isso?”

— Eu apostaria nisso. — Ela sorriu com a certeza imprudente que só ela tem. — Continua.

— Então… — respirei fundo. — No processo da MFF, eles olham bem além das notas. Claro, mandei a redação, três cartas de recomendação e os históricos da Peninsula College. Mas o que eles realmente querem saber é o que você fez com o que aprendeu. E o que pretende fazer com isso no mundo real. Eles procuram gente que vá usar a educação para fazer diferença na comunidade, sabe?

Ela me observa com atenção. Continuo, um pouco mais hesitante.

— Enfim… Eu incluí no meu formulário aquele projeto de leitura que fiz com os alunos do ensino fundamental da Quileute Tribal School. Conversamos sobre ele por telefone, lembra?

Renée faz que sim com a cabeça.

— Foram apenas 3 meses, as férias deles. A ideia inicial era só incentivar a leitura com atividades de literatura e uns círculos de conversa sobre histórias tradicionais, mas no fim a gente criou até uma pequena feira do livro com coisas escritas por eles. Mãe, alguns deles levantaram coisas tão interessantes sobre histórias de origem, mundo espiritual. Mencionei isso na aplicação. Não como um "feito meu", porque teve muito mais com o esforço deles, mas como um exemplo do que eu gostaria de continuar fazendo, sabe? Quer dizer, fiquei feliz de ter colocado, mesmo que não dê em nada.

— Uau. — A expressão dela era um misto de orgulho e surpresa. Franzi a testa e ela entendeu. — Não que eu duvide por um segundo que você vai ser uma professora maravilhosa. Mas… uau. Isso é sério.

— É? Sério é bom. Mas a resposta mesmo só vem no fim do verão. E eu estou tentando não criar expectativa. Mesmo que, no fundo, eu saiba que se não rolar, vou precisar de um milagre — que provavelmente atende pelo nome de “empréstimo estudantil”. Não acho que bico como garçonete em Tacoma vai abater muita coisa da mensalidade. E ainda tem a gasolina, porque vão ser muitas idas e vindas…

— Jacob não poderia se mudar para Tacoma? — Renée questiona, erguendo a sobrancelha.

— Não é só por ele, mãe. — descruzo os braços, querendo soar mais adulta.

— Para assistir beisebol com seu pai é que não é, Bella. — argumenta, rindo.

Rio, porque sou forçada a concordar e observo os pedacinhos de hortelã presos no fundo do meu copo.

— Tá bom, ele é grande parte do motivo. Mas saiba que também me preocupo em deixar papai muito tempo sozinho. Sei que ele se acostumou a me ter em casa.

— Charlie pode superar. Já tem 20 anos, seja comigo ou com ele, nós dois sabemos que não vai ficar na casa de um outro duto por muito mais tempo. Isso ainda não responde à questão de Jacob. Quer dizer, ele vai começar na Peninsula College, certo? Não é mais rápido se encontrarem em Tacoma, do que voltarem para Forks? Não é menos tempo de estrada?

— 1 hora menos pra ser exata. — bufo em concordância.

— Pois bem? — ela instiga e dá um último gole em seu suco.

— Ele é muito ligado à comunidade. Vai gastar 1hr de Port Angeles para Forks com o tempo bom. Por isso, temos conversado em fazer da cidade um meio termo. — minhas bochechas ficam rubras e me arrependo quase que imediatamente de ter aberto a boca.

Pareço uma adolescente apaixonada, o que é sim meio ridículo.

— Sabe, no caso de a saudade bater? Posso dirigir 2 horas até Port Angeles ou ele até Tacoma. Mas, não sei… Mudar parece muito definitivo. Não quero que ele se sinta enclausurado numa cidade onde não conhece ninguém porque é muito… fora do que está acostumado. E somos tão jovens; nunca falamos sobre a possibilidade de morarmos juntos. Fora que isso traria mais custos, porque o plano atual não inclui Jake morar no campus e…

— Querida, respire. — mamãe ri. — Estamos apenas falando de possibilidades. Me desculpe. Às vezes me esqueço de como são jovens, você está certa quanto a isso, jovens mesmo. Minha filha, tão jovem e tão crescida. — comenta mais para si mesma. — Acho bacana que leve em consideração os sentimentos de Jacob dessa forma, se quer saber. Ele está animado com o curso?

A mudança de assunto me deixa leve outra vez e traz consigo memórias bem-vindas de quando ele recebeu sua carta de aceite. Engato numa explicação sobre o curso, ao que ela pede mais uma rodada de sucos. Conto que ele foi aceito no curso técnico de Tecnologia Automotiva, um programa de grau associado em Ciências Aplicadas com duração de dois anos, que ele vinha namorando desde o segundo ano do ensino médio.

— Ele ficou radiante quando chegou a carta, sério. A gente estava na oficina do Billy, desmontando o alternador da caminhonete velha do Quil, e ele só gritou "Aêêê!" do nada. Quase deixei uma chave cair no radiador. — rio, lembrando do susto.

Renee também ri, divertida, das partes que entendeu. É curioso como há menos de 3 anos eu não fazia ideia do significado prático das palavras “alternador” e “radiador”, mas que por conta da família Black, entraram no meu vocabulário como muffins e cinema.

— O mais legal é que ele já fazia o programa CTE em Port Angeles, por isso não foi a maior surpresa do mundo. Mas, mesmo assim, ele ficou todo emocionado. Disse que agora é "oficialmente um mecânico em treinamento, futuro diplomado". Palavras dele, não minhas.

Dou mais detalhes sobre o curso técnico: Ele difere de uma faculdade tradicional, com foco total no mercado de trabalho. Falo sobre aulas em laboratório, onde os alunos desmontam motores, fazem diagnóstico computadorizado, aprendem a lidar com sistema de freios, transmissão e afins. Basicamente faço como um bom gravador e repito tudo o que Jake me disse quando estava alegre e orgulhoso demais para se conter.

Assim que concluo, ela ergue uma das mãos, querendo ajeitar uma mecha do meu cabelo fora do lugar, mas desiste no meio do movimento.

— Me preocupo com você, meu bem. Reconheço que é madura, e que algumas horas a mais de carro parecem pouca coisa, mas…

— Mamãe — sinto a necessidade de interrompê-la, mas faço isso com delicadeza.

— Bella, escute. — Ela ajeitou-se na cadeira, apoiando os cotovelos na mesa como quem se preparava para dizer algo delicado. — Não sou de te dar muitos conselhos, porque acho que tem a cabeça no lugar. Mas, querida, uma concessão, grande ou pequena, ainda é uma concessão. — Seus olhos buscam os meus, firmes, mas gentis. — Você esteve em dois relacionamentos sérios nos últimos anos e me preocupo como eles moldaram a forma como você faz suas escolhas.

Minha garganta apertou. Senti a pele do braço arrepiar, mesmo com o calor.

— Jacob tem 18 anos e você, não muito mais que isso. — Ela cruzou os braços, mas sua expressão não era de crítica, era de cuidado. — Só quero que esteja plenamente confortável com as decisões que está tomando — continuou, com a voz mais baixa — sobre a universidade, onde vai viver, sobre ele… Porque é você quem vai ter que viver com elas.

Por um instante, não consegui responder. Pisquei algumas vezes, sentindo o nó familiar da ansiedade se formar no estômago. Respirei fundo, buscando algo para dizer que não fosse um soluço ou um suspiro tremido.

— Mamãe. — Minha voz saiu pequena, quase um sussurro.

— Sim, meu bem. — Ela suspirou, a tensão se dissolvendo um pouco nos traços do rosto.

— Amo você.

Ela sorri.
Eu sorrio também.
Ela pede a conta e voltamos para casa, para minha última noite em Jacksonville antes da universidade.

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Meu voo sai em 30 minutos, o que significa que estamos trocando nossos últimos abraços e palavras de despedida antes de eu entrar numa já abarrotada fila de embarque. Pego minhas malas das mãos de Phil, peço para ele cuidar bem de Renée e beijo minha mãe na bochecha.

Sei que ela continua acenando muito depois de eu já ter entrado na área de embarque, do mesmo modo que sei que, para ela, o fato de que não posso mais vê-la não faz a menor diferença. Essa é Renée Dwyer.

A viagem de Jacksonville até Forks é longa — é bizarro como meu cérebro deleta o quão longa é, no momento em que saio do aeroporto, do contrário, duvido que me submeteria a isso espontaneamente. Passo a maior parte do tempo no avião tentando me distrair com um livro que já li duas vezes, mas não consigo avançar mais do que alguns capítulos.

São quase nove horas de voo até Seattle, com uma escala em Atlanta, onde não vi nada além do próprio Hartsfield–Jackson em toda a sua impessoalidade — o piso brilha, os terminais são conectados por um trem subterrâneo e as pessoas se movem com pressa.

Quando chego à Seattle, é o chefe de polícia de Forks, Charlie Swan quem está me esperando — ele insistiu e eu não teria conseguido dizer não ao meu pai. Daí foram mais cinco horas de viagem, entre carro e balsa, percorrendo quase 360 km. Perdemos a vontade de conversar depois da primeira hora e meia. E, honestamente, nenhum de nós se importa com o silêncio. É familiar, nossa dinâmica em casa.

Pela janela, o mundo vai ficando cada vez mais verde e úmido, a luz amarela dando lugar à azul. A estrada começa cercada por prédios e cruzamentos infinitos, mas assim que saímos da I-5 e pegamos a SR-104 rumo à balsa de Edmonds, a cidade vai ficando para trás. A travessia até Kingston é rápida, cinzenta, e completamente coberta por nuvens.

Depois, é só estrada. A US-101 parece ter saído de um filme antigo: longas curvas entre árvores altas demais, musgo pendurado nos galhos. Às vezes, surgem clareiras com uma casa perdida no meio ou uma placa indicando alguma cidade pequena que mal dá tempo de registrar. Port Angeles passa como um borrão. Depois, só mais floresta. Floresta e chuva.

Sim, a chuva veio me dar boas-vindas também. Uma surpresa, na verdade — porque, embora Forks continue úmida em agosto, esse é um dos meses menos chuvosos do ano por aqui. Ainda assim, ela nos acompanha do meio até o fim do trajeto. E, quando finalmente viramos no velho acesso da casa branca de dois andares, ainda está caindo — fria, cortante, indiferente às poças que vai formando pelo caminho.

O caminho de entrada é feito de cascalho grosso e escuro. Como a maioria das coisas em Forks. Os pedregulhos rangiam sob os pneus quando o carro de Charlie virou para a garagem.

Duas figuras nos esperam na entrada de casa, sob o toldo que faz um trabalho meia-boca de protegê-los dos pingos grossos.

Dois homens de cabelo longo e negro, que reagem à nossa chegada de formas diferentes. Billy ergue uma das mãos recostada ao lado direito da sua cadeira de rodas para dar um aceno breve e másculo na direção de Charlie — porque ele é muito legal para fazer mais do que isso. Já Jacob, atravessa a chuva e abre a porta do passageiro com inquietação mal disfarçada. Eu entendo, completamente. Estava louca para tocá-lo. E quando seus braços enormes me envolvem, eles abraçam meu corpo por completo, me escondendo da água e do frio.

Ele é tão quente. Sua pele me aquece mais do que meu melhor suéter. Amo tocá-la. Amo o seu tom amadeirado, o cheiro de sol, pinhos da floresta e metal — possivelmente do óleo e graxa da oficina —, amo seus olhos castanhos e a luz caramelada que passa por eles quando ele se alegra com algo, como agora. Amo ser abraçada por seus braços longos, o contato dos seus dedos calejados. Amo quando passa suas mãos largas no meu cabelo, mesmo que seja de implicância.

Quero beijá-lo, e sei que ele também quer, mas nenhum de nós faria isso na frente dos nossos pais.

— Jacob — meu pai pigarreou — Sei que sentiu saudades, mas deixe a garota respirar.

Jake responde com uma risada baixa que reverbera por todo o meu corpo.

— Billy! — Meu pai chama, através da chuva — Isso que estou vendo na sua mão é peixe frito?

— Pode apostar! Também trouxe cerveja!

Charlie gesticula positivamente, olha pra mim e segue rumo a porta, empurrando a cadeira de Billy para dentro. Jake, que está com um braço erguido acima da minha cabeça para me proteger da chuva, faz que não com a cabeça quando quando para entrar.

— Deixe uma mensagem de texto para Charlie. Estou te sequestrando por hoje — ele sussurra em meu ouvido.

Ainda não me acostumei com a diferença de altura entre nós. Talvez nunca me acostume. Quando quer me dizer algo baixinho, como agora, ele precisa se inclinar exatos 35 centímetros só para alcançar meus 1,63m.

— O carro está bem ali — ele aponta o dedo na direção do Rabbit vermelho 1986 e me guia gentilmente até ele.