Chapter 1: A inocência de uma criança
Notes:
Admito que venho pensando em escrever essa história há algum tempo, e por isso estou especialmente animada com o que poderei desenvolver a partir de agora.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
O que é família? Para Iphigenia, essa palavra não tinha significado. Em sua curta vida, tudo o que recebeu dos pais foram olhares vazios, silêncios pesados e reclamações intermináveis — por tê-los decepcionado, por habitar um corpo que não aceitavam, por jamais corresponder às suas expectativas.
Nada além de indiferença ou tapas que ardiam por dias.
Portanto, quando a manhã chegou e a garota foi jogada de volta ao quarto como um objeto descartável, não estava preparada para a reviravolta silenciosa que começaria a redesenhar o rumo de seu destino, nem para o que viria a seguir.
Castigos não eram novidade para Iphigenia. Por ser considerada uma menina má, aprendera a conviver com eles desde cedo. Mas naquela noite, algo mudou. A decepção no olhar do pai se apagou, dando lugar a uma fúria que ela nunca tinha visto antes.
Em vez de segurá-la pelo braço, como fazia nas outras vezes, ele cravou os dedos em seus cabelos e a arrastou pelos corredores com uma urgência condenadora, sem se importar com os solavancos, os tropeços, ou a dor que deixava no caminho.
De certo modo, Iphigenia sabia que havia desobedecido ao falar com o convidado do pai sem permissão. Por isso, compreendia a frieza nas palavras da mãe, o motivo pelo qual chamara a punição de justa ao ouvir seus gritos.
Como criança, precisava aprender para melhorar. Era o básico.
Mas, apesar de repetir isso para si mesma, nada conseguiu impedir os soluços de escaparem por entre os lábios, nem as lágrimas de correrem pelo rosto em rios confusos e desgovernados.
O medo a fez tremer. Assustada, encolheu-se no canto, abraçando os joelhos como se o mundo pudesse desaparecer se ela ficasse bem quietinha. E por um instante, funcionou.
Até que uma risada cortou o silêncio.
Com os olhos ainda marejados, Iphigenia ergueu a cabeça devagar, atraída pelo som com a mesma curiosidade silenciosa de quem vê uma fresta de luz depois de muito tempo no escuro.
Do lado de fora, onde o sol brilhava sem pudor, o jardineiro deixara as ferramentas caírem ao chão para acolher a filha. Ao pegá-la no colo, beijou sua bochecha com a ternura de quem toca algo precioso, iniciando um gesto simples, mas tão puro, que parecia pertencer a outro mundo.
Iphigenia se aproximou da janela e apoiou os bracinhos no parapeito. Esticou o corpo o quanto pôde e permaneceu ali, em silêncio. Olhava com tanta atenção que, sem perceber, passou a desejar algo que nunca ousara antes: ser amada daquele jeito.
Nem que fosse por um dia.
Nem que fosse por alguém que ainda nem existia.
Esse desejo, nascido entre o sofrimento e a ternura, não se perdeu no vento.
Ecoou.
Subiu pelas frestas da realidade e atravessou os véus do tempo, alcançando o grande tear onde os destinos de todos se entrelaçam. E ali, entre fios dourados e tramas esquecidas, um fio escarlate vibrou, sutil, mas firme.
Três pares de olhos se voltaram em silêncio. Presenças que existiam antes mesmo que o tempo tivesse nome, antigas demais para serem apagadas. Ao sentirem o sutil estremecer daquele instante, souberam. O que nascia ali não era um desejo passageiro de criança, mas um chamado — profundo demais para ser ignorado.
E toda dívida, cedo ou tarde, precisa ser devidamente saldada.
Notes:
Como já deu para perceber, minha intenção é criar capítulos bem lúdicos, brincando com palavras, imagens e adjetivos. Neste primeiro, por exemplo, escrevi sob o ponto de vista de Iphigenia, dando ao texto um tom mais “infantilizado”, adequado à perspectiva dela.
Além disso, busquei destacar elementos do machismo presente na Grécia Antiga — algo tão absurdo que, muitas vezes, as mulheres nem sequer tinham direito a um nome próprio, sendo usadas principalmente como peças em acordos políticos entre famílias.
Outro ponto que quis abordar foi a violência e a negligência infantil. Acredito que tenha ficado claro que Iphigenia sofre com isso. Ela é, de certo modo, um produto do meio em que vive: sua mãe desejava ter um menino e, ao não conseguir, passou a ser humilhada pelo próprio marido. É um ciclo de ódio que se perpetua dentro de muitas famílias nobres na antiguidade.
• Quem é Iphigenia (Ἰφιγένεια)?
Bem, a princípio, eu queria usar uma personagem histórica. Mas, diante da escassez de documentação e dados confiáveis, acabei optando por criar uma personagem original. Escolhi o nome Iphigenia, que significa “nascida forte” ou “aquela que faz nascer uma prole forte” — algo que ganhará mais sentido à medida que a história avança.
Chapter 2: Misericórdia divina
Notes:
Olá! Espero que gostem desse capítulo, pois gostei bastante de escrever ele~
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Em algum lugar acima das nuvens, sentada em um trono de ouro e marfim, Hera, a deusa do Olimpo, saboreava uma taça de vinho com a serenidade de quem tem a eternidade à disposição.
Aos seus pés, pavões desfilavam em círculos, numa palheta de cores vibrantes. Cada "olho" nas penas era mais que ornamento — eram ecos da memória de Argos Panoptes, o servo fiel cujos cem olhos agora observavam o mundo por sua senhora. E naquele instante, um deles viu algo digno de sua atenção.
Uma oração. Uma prece murmurada por lábios trêmulos, enquanto a jovem, tomada pelo desespero, se ajoelhava diante da estátua.
Foi então que o pavão, em sua função de mensageiro dos cem olhos, soltou um guincho agudo que cortou o ar, detendo-se por um instante antes de se aproximar de sua senhora.
Apesar disso, Hera —fazendo jus ao epíteto Basileia, a Soberana— não se apressou diante do som que clamava por sua atenção. Com calma, abriu devagar apenas um dos olhos, aquele cujo brilho mesclava os tons profundos do âmbar e a fúria silenciosa de uma tempestade.
"Se a notícia tiver relação com a nova amante do meu marido, não se deem trabalho de continuar," murmurou a deusa. "Todas as traições que enfraquecem nosso matrimônio queimam em minha pele. Por isso, já sei do beijo que Zeus deu àquela semideusa."
Hera era a deusa do casamento. Tudo — das pequenas mentiras sussurradas entre lençóis às promessas rompidas depois do altar — recaía sob seu domínio. Por isso, quando falou, suas palavras caíram como ácido: invisível na superfície, mas destruindo tudo por dentro.
Em contrapartida, o pavão parecia discordar de sua senhora. Com um guincho estridente, abriu a cauda em um leque majestoso, erguendo-se com imponência enquanto os cem olhos em suas penas reluziam, atentos e vivos.
Por um breve momento, o silêncio reinou.
Então, sem que fosse necessário mais um aviso, as cores da plumagem se espelharam nos olhos de Hera — e, com elas, sua consciência se projetou além, atravessando véus e distâncias, rumo ao chamado.
Numa ventania passageira, a deusa se fez presente no Heraion, seu templo mais sagrado. Invisível e incorpórea, deslizou com leveza sobre o mármore frio, até que seu olhar repousou sobre a jovem em prantos diante de sua estátua.
Dos seus lábios, preces trêmulas se desprendiam como últimos suspiros, sufocadas pelo cansaço, mas acesas por uma fé tão pura que fez Hera recordar dos tempos de glória do seu Panteão.
Diferente do que a deusa esperava, aquela mulher não suplicava apenas por um matrimônio. Implorava por proteção — e esse clamor, tão puro quanto desesperado, reacendia em Hera um poder antigo, o mesmo que hoje dormia nas flechas de Ártemis e que, agora, despertava ao se moldar num chicote prateado entre seus dedos.
Com um único movimento, suas vestes de seda se transfiguraram, mudando em tempo real. As dobras etéreas deram lugar a uma armadura dourada, semelhante à de Ares em suas cruzadas, mas adornada por joias que proclamavam, sem dúvida, sua autoridade como rainha.
"Ó grande Hera... deusa do casamento... Estou aqui porque não sei mais a quem recorrer..." sussurrou Iphigenia, a voz arrastada pela exaustão, sem perceber a presença divina que a envolvia. "... Meu coração está cansado... só queria alguém que me tratasse com ternura... que não gritasse, não me ferisse... alguém que me olhasse como se eu tivesse valor... e não como se eu fosse
Enquanto a garota soluçava, Hera escutava.
A cada palavra, a deusa sentia os fios do destino vibrarem, como cordas tensas de uma harpa desafinada. Não havia fingimento, tampouco promessas de grandes templos — apenas o apelo nu de quem só queria paz.
Mas as surpresas não terminavam ali. Quando a jovem ergueu o rosto, Hera enfim enxergou aquilo que selava sua decisão: uma marca vermelha na bochecha, a assinatura cruel de tudo o que lhe fora negado.
"Escuta-me, Hera... Senhora dos véus e dos lares... se meu destino for a dor, então fecha meu coração como se fecha uma porta... Eu te imploro, ò deusa misericordiosa... realize meu desejo—"
Antes que Iphigenia terminasse sua súplica, todas as velas do templo se apagaram de uma vez — como se uma presença invisível tivesse passado entre elas, arrastando consigo a luz e o fôlego do mundo.
Em seguida, o grito agudo de um pavão ecoou entre as colunas sagradas, dilacerando o silêncio. Logo depois, o estalo do chicote cortou o ar, fazendo a pele da humana se arrepiar.
Hera havia escutado.
E, acima disso, havia decidido.
Na manhã seguinte, o dia transcorreu normalmente, menos para o chefe da família de Iphigenia. Quando este acordou, sentiu que algo estava errado. Profundamente errado.
Na manhã seguinte, tudo parecia normal, exceto para o chefe da família de Iphigenia. Ao abrir os olhos, um horror silencioso tomou conta dele ao perceber as marcas vermelhas e profundas de um chicote gravadas em sua pele — feridas que nenhuma mão humana poderia ter causado.
Confuso, o homem não conseguia lembrar como havia chegado em casa. Tudo o que recordava era o último gole tomado na taverna distante, o murmúrio abafado das vozes e a embriaguez que o dominara. Nada além disso.
Longe dali, no silêncio do jardim iluminado pela luz tênue do sol, um pavão branco caminhava entre os arbustos, observando com olhos atentos o caminho incerto que Iphigenia estava prestes a trilhar com aquela nova chance.
Notes:
Admito: me empolguei bastante com este capítulo. Desde que aprendi sobre Hera e seu histórico como a "esposa ciumenta", sempre tive vontade de explorar outro lado — aquele que revela o quanto é irônico (e profundamente injusto) que justamente a deusa do casamento seja marcada pela dor da infidelidade.
Agora, sobre o chicote de Hera: é verdade que, na mitologia clássica, ela não possui uma arma de guerra que a represente. Mas em muitas mesas de RPG das quais participei, ela aparecia empunhando um chicote. Por isso, me dei liberdade criativa para adicionar essa parte no enredo.
Mudando de assunto... o que acharam da punição do pai da Iphigenia? Preciso dizer: me senti particularmente satisfeita ao imaginar o constrangimento dele tentando justificar o súbito surgimento daquelas marcas nas costas. Delicioso, não?
• Argos Panoptes ("Argos, o que tudo vê") era um gigante com cem olhos espalhados pelo corpo, e Hera o designou como guardião da ninfa Ío, uma amante de Zeus que foi transformada em vaca para fugir da ira da deusa. Hera desconfiou da transformação e, para mantê-la sob vigilância, ordenou que Argos a vigiasse.
Zeus, desejando libertar Ío, enviou Hermes para dar fim ao vigia. Hermes usou a música de sua flauta e histórias monótonas para fazer todos os olhos de Argos se fecharem ao mesmo tempo. Quando o gigante finalmente dormiu por completo, Hermes o matou.• Hera Basileia (Ἥρα Βασίλεια) — Hera, a Soberana. Refere-se ao papel de Hera como rainha do Olimpo, esposa legítima de Zeus, e deusa da realeza, da ordem e da autoridade feminina.
Chapter 3: Um presente, um acordo
Notes:
Estamos indo passo a passo, e confesso que estou animada com a direção que tudo está tomando. Já tenho mil ideias fervilhando para o que vem depois~
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Hera havia cumprido sua promessa.
Não com grandiosidade, aparições divinas ou maldições destinadas a atravessar gerações em forma de mito, mas com delicadeza — moldando, pouco a pouco, o destino daquela que estava sob sua proteção.
A misteriosa morte de seu antigo pretendente foi o primeiro acontecimento decisivo. Em seu lugar, o pai de Iphigenia lhe apresentou outro homem: Anaxândrides II, o príncipe herdeiro de Esparta.
Nos primeiros encontros, Iphigenia permaneceu em silêncio, temendo o pior. Mas, ao contrário do que imaginava, tudo o que recebeu foi uma indiferença dura, tão fria e impenetrável quanto pedra.
Anaxândrides II não era o marido dos seus sonhos de infância. Mas era suficiente. Pelo menos, ele não erguia a mão contra ela, nem a desdenhava por ser mulher. E, naquele mundo, isso já era mais do que muitas tinham.
Por isso, quando os dias começaram a se arrastar e a rotina de Iphigenia mergulhou na monotonia, ela não reclamou. Comparada ao passado, aquela quietude era um alívio — e os pequenos incômodos se tornavam insignificantes diante da liberdade que sua nova vida lhe permitia.
Entretanto, ela se esqueceu de um detalhe essencial: toda paz é passageira, por mais gloriosa que pareça.
Enquanto caminhava pelos corredores, Iphigenia ouviu, sem querer, as vozes abafadas dos senadores. Já estava acostumada com isso. Mas, naquela tarde, não conseguiu se afastar a tempo de ignorá-los.
"...quatro anos sem filhos. Deve ser infértil."
Aquela acusação, dita com descrença e desprezo, abriu um abismo sob seus pés. Ela havia se esquecido disso. Com o marido sempre ausente, obcecado por espadas e guerras, a ausência de filhos foi perdendo a urgência.
Mas agora, apenas uma pergunta ecoava em sua mente: por que ainda não havia engravidado?
O medo veio como veneno. Sutil, porém inevitável. Sem pensar duas vezes, procurou o curandeiro real, não em busca de consolo, mas de uma explicação que soasse menos desesperadora. Não encontrou nenhuma. Nenhuma bênção, nenhuma maldição. Apenas um silêncio prolongado, espesso como neblina.
Meses se seguiram, e seu ventre continuava vazio. A cada proposta que algum general fazia, oferecendo a filha como nova rainha ou concubina, Iphigenia chorava em silêncio antes de dormir.
Às vezes, a dúvida surgia como um sussurro cruel: que crime imperdoável teria cometido aos olhos dos deuses? Seria, por acaso, um demônio disfarçado — condenada a jamais gerar vida e conhecer a verdadeira felicidade?
Não sabia. Apenas lhe era certo que, contra toda lógica que conhecia, Anaxândrides II permanecia ao seu lado. Todas as propostas, viessem de onde viessem, eram recusadas, sem explicação alguma.
Era estranho. Um rei não deveria hesitar em abandonar uma esposa estéril. Isso era o natural. O aceitável. O esperado.
Mas ele não o fez.
E Iphigenia permaneceu rainha por mais um longo ano, como se os sussurros dos senadores jamais tivessem existido.
Quase todas as noites, pesadelos a perseguiam como espíritos famintos por medo. Sempre que vinham, seu corpo estremecia, aterrorizado pela ideia de ser arrastada de volta à casa paterna.
Por isso, quando se encolheu na cama, certa madrugada, estava pronta para reencontrar, nos sonhos, as mesmas memórias distorcidas de sempre. Mas, dessa vez, o que veio buscá-la não tinha nome nem lugar no mundo que conhecia.
Iphigenia abriu os olhos em um mundo branco — sem chão, sem céu, sem tempo. Um lugar sem contornos, sem medidas. Um ventre.
O ventre daquilo que existia antes de tudo.
A̶n̶a̶n̶k̶e̶
"Shhh... nomes têm poder, criança... até mesmo em pensamento..."
Não havia som. Não havia corpo. E, ainda assim, Iphigenia ouviu os sussurros com nitidez, reverberando em sua mente como ecos antigos, enquanto dedos — velhos demais para pertencerem a qualquer deusa ou titã — entrelaçavam, com paciência, os fios de seus cabelos.
"Ó pobre alma... por que teceram para ti um destino tão sórdido e sombrio?"
A voz não era humana. Era um murmúrio de instrumentos desafinados, um assobio de fera domesticada pela eternidade. Maternal mas, ao mesmo tempo, monstruosa.
Como uma serpente, a mão escorregou pelos cabelos até pousar no pescoço. O corpo de Iphigenia se contraiu — um espasmo involuntário, resquício de um instinto primitivo de sobrevivência. Mas ela sabia: não se escapa daquilo que é origem e encerramento.
Do que está antes e depois de tudo.
"Ah... agora compreendo por que as minhas filhas tentaram interferir. Não é comum que desafiem o inevitável — há leis demais, fios demais... mas algo dentro delas se agitou por sua causa."
A mente de Iphigenia não compreendia as palavras, apenas as sentia. Não em forma de pensamento, mas numa infusão silenciosa que se entranhava em sua carne e ossos, antiga e profundamente familiar.
"Vejo potencial em você, pequenina, por isso lhe dou uma escolha. Uma chance de distorcer o fio e tentar um caminho diferente. Ou não. O fim será o mesmo, mas a jornada que você trilhar pode ser outra."
Sangue escorria dos ouvidos de Iphigenia, intenso como as águas turbulentas do rio Cócitos, enquanto a voz continuava a reverberar, tecendo seu poder sobre o tecido do cosmos.
"Mas preste atenção, criança: sua morte será prematura. Pode vir agora, pelas mãos de um traidor, ou mais adiante, quando seu ventre carregar a vida que chamará de filho. O desfecho permanece o mesmo. O que muda é o preço que você está disposta a pagar."
A palavra cravou-se nela como uma lâmina afiada.
Filho. Família.
Porque aquele era um assunto delicado. Seu desejo de infância. Um sonho antigo, nascido no instante em que vira o jardineiro sorrir para a filha. Pequeno, quase tolo, mas teimoso o suficiente para segui-la como sombra nas horas mais escuras da vida.
"E então...? O que escolherá?"
No fundo, apesar da hesitação inicial, Iphigenia sabia que não havia outra saída senão aceitar a proposta de Ananke. Porque, antes de tudo, era humana — e a ganância corria em seu sangue como um instinto antigo.
Assim, um dos incontáveis fios que tecem a imensa tapeçaria do destino altera seu rumo, movendo-se com a leveza de um sussurro e a inevitabilidade de um juramento antigo, enquanto as Moiras, vigilantes, acompanham cada vibração de sua nova trajetória.
Entretanto, nada disso impediu Iphigenia de despertar com o corpo encharcado de suor, perdida entre a dúvida se havia apenas dormido ou cruzado para outra realidade. Ao seu redor, tudo parecia inalterado, mas uma voz silenciosa, nascida nas profundezas de sua consciência, sussurrava com insistência que nada jamais seria igual.
Porque agora, no fundo de seu ventre, algo novo germinava.
E em algum lugar onde a luz não alcança, longe dos olhos dos homens e das vontades divinas, uma força primordial sorria, contemplando o caos em silêncio.
Notes:
Na minha interpretação, a relação entre Iphigenia e Anaxândrides II é particularmente interessante. Como bom espartano, ele não expressa emoções com facilidade — é ríspido, contido, quase inacessível. Mas sua lealdade é inabalável. Uma lealdade silenciosa, quase instintiva, que antecipa o tipo de rei e general que seu filho um dia se tornará.
Quanto à associação entre Ananke e o ventre, foi um jogo deliberado de palavras. Em muitos relatos antigos, ela é descrita como anterior a tudo — inclusive a Kronos, o próprio tempo personificado. Evocar o ventre nesse contexto não é apenas simbólico, mas profundamente mitológico: trata-se de retornar ao princípio de tudo, ao útero da criação.
• Anaxândrides II, rei de Esparta no século VI a.C., é uma figura curiosa dentro da história espartana, sobretudo pelo episódio pouco usual envolvendo sua recusa em abandonar a esposa, considerada estéril, algo que contrariava profundamente os costumes de sua época.
• Ananke (em grego: Ἀνάγκη) é uma das mais antigas e misteriosas divindades gregas do destino — e, curiosamente, ligada à ideia de inevitabilidade e coerção, o que a torna até mais fundamental que as Moiras em alguns mitos órficos e pitagóricos.
Chapter 4: O peso da decisão
Notes:
Será que a decisão de Éileithyia passará sem consequências? Ou, talvez, a pergunta mais inquietante seja se tudo o que as Moiras estão fazendo realmente vale a pena.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
O nascimento.
Há algo de solene — e terrível — nesse rito de passagem. Não se trata apenas do início de uma vida, mas de uma travessia irreversível, onde a alma se torna carne, o silêncio se rasga em grito, e a ausência se converte, enfim, em presença.
Para os grandes poetas da humanidade, o nascimento é o despertar da vida. Mas, aos olhos dos deuses, sua importância é ainda maior: representa o início de um novo ciclo, o fio recém-tecido que, em silêncio, se entrelaça à vasta tapeçaria do destino.
Por isso, quando Éileithyia — filha de Hera, senhora dos partos e das dores que anunciam a vida — hesitou, o tempo prendeu a respiração, pois nada de bom se anunciava quando aquela que rege o destino das parturientes interrompia seu passo.
Não foi uma prece que chamou sua atenção, tampouco um clamor desesperado.
Ao invés disso, havia sido um arrepio sem nome, um puxão surdo e profundo que atravessou seus sentidos — como se algo, ou alguém, tivesse cruzado os limites de seu domínio e tecido, com mãos estranhas e estrangeiras, uma nova trama, sem lhe pedir permissão.
Foi um incômodo sutil, quase imperceptível no início, mas estranho o bastante para chamar sua atenção.
Aos poucos, a consciência de Éileithyia, antes dispersa entre preces murmuradas e rituais antigos, começou a se condensar, atraída para um único ponto onde tudo parecia mais quieto do que deveria.
Ela conhecia bem os humanos. Sabia exatamente como a invocavam: fitas sagradas enroladas nos pulsos, joelhos dobrados ao chão, tochas acesas junto ao leito, enquanto suas vozes se erguiam em súplicas silenciosas.
Era assim que ela — Lysitókos — se manifestava como aquela que liberta, guiando o frágil caminho da vida até a luz.
Mas desta vez, a situação era diferente.
Das profundezas do silêncio, um pulsar ardente percorreu os fios do destino, fazendo Éileithyia perceber, de repente, o impacto profundo que suas escolhas exerceriam sobre o futuro.
A partir daquele momento, sua intervenção deixou de ser uma escolha para se tornar um mandamento inscrito nas estrelas.
Perdida em pensamentos, Éileithyia franziu a testa ao sentir o toque frio e insistente das Moiras envolver seus sentidos, manipulando-os para que seguisse fielmente o que haviam tramado com antecedência.
No entanto, ao atravessar o véu delicado que separava seu reino do mundo mortal, ela não tomou forma humana. Em vez disso, preferiu arder como chama viva; uma luz tremeluzente que dançava junto ao brilho constante de sua tocha sagrada, projetando sombras inquietas pela sala onde Iphigenia lutava para trazer o filho ao mundo.
No meio daquela tensão, as filhas de Nyx giravam pelo ar como abutres impacientes, rosnando entre si enquanto estendiam garras afiadas, sedentas por saciar sua fome com mais uma morte violenta.
Mas as Moiras, fiéis às promessas seladas entre Iphigenia e Ananke, não permitiriam que o fio da vida se rompesse antes da hora. Éileithyia sabia disso — e as monstruosas Keres também.
Por esse motivo, quando Éileithyia permitiu que parte de sua divindade transbordasse como um sinal de advertência, a mensagem foi clara como fogo: aquela humana estava sob sua proteção. Enquanto permanecesse em seu domínio, naquela cama, nada mais a tocaria.
Pois ali, Éileithyia reinava soberana, divindade patrona e guardiã da vida daquela mortal.
Seu papel naquele momento ia além de simplesmente ajudar uma criança a nascer. Era fazer o impossível, lutar contra o tecido que as próprias Moiras tentavam reescrever, sustentando com as próprias mãos uma vida que já estava destinada a se apagar antes mesmo de compreender o que é existir.
E assim Éileithyia fez.
No quarto da rainha de Esparta, servos corriam apressados, trazendo panos limpos e bacias de água fresca para aliviar a dor que consumia sua senhora.
Apesar de o parto ter começado há horas, ele ainda se arrastava, prolongando-se numa luta feroz contra o tormento lancinante que consumia Iphigenia a cada suspiro.
No meio do caos meticulosamente controlado, uma mulher se destacava pela expressão firme e impenetrável. Com palavras curtas e cortantes, assumia o comando, ditando ordens precisas com a segurança de quem havia feito aquilo milhares de vezes.
Sem hesitar, Éileithyia reivindicou o corpo da mortal que, entre todas, lhe pareceu a mais apta a suportar o peso de sua presença.
Em outra ocasião, teria sido mais criteriosa, exigindo um receptáculo à altura de sua divindade. Contudo, diante das circunstâncias, ela deixou o desdém de lado para concentrar-se no que realmente importava.
Apesar do cheiro forte de ervas queimadas e do suor que impregnava cada canto da sala, nada conseguia ocultar o estado deplorável da mulher sobre o leito. Iphigenia oscilava perigosamente entre a vida e a morte, dominada por tremores que escapavam ao seu controle.
A dor já havia ultrapassado o suportável.
Éileithyia estreitou os olhos. Seu olhar percorreu os lençóis encharcados de sangue, detendo-se na cor alarmante e no padrão irregular do fluxo. Bastou um instante para que ela soubesse: o bebê havia se virado no ventre, atravessando o canal da vida em posição errada.
Aquilo explicava a dor prolongada, o esforço inútil, a exaustão cada vez mais funda que afogava Iphigenia.
A deusa se aproximou, sentindo a urgência pulsar ao seu redor, espessa e quente como o líquido vermelho que se espalhava pelo chão de pedra. Seus olhos divinos captaram, em silêncio, aquilo que os mortais não podiam nomear.
Sem perceber, o cansaço que dominava o corpo da mulher enfraqueceu os poderes de Éileithyia, impedindo-a de exercer qualquer controle sobre o destino que se desenrolava.
Embora fosse poderosa, nem mesmo ela, uma deusa grega, podia ir contra a natureza. Por isso, quando compreendeu o que devia fazer, tudo o que lhe restou foi o silêncio.
Se os nós se recusam a ceder, a única solução — feroz e irrevogável — é abrir passagem, rompendo a carne como se fosse o véu que separa os mundos.
Um calafrio percorreu o ambiente. O ar pareceu se tornar mais denso, como se uma presença invisível tivesse preenchido cada canto da sala.
As servas hesitaram, interrompendo o vaivém de sussuros e panos. Até mesmo os guardas que estavam do lado de fora sentiram um arrepio na nuca, embora não soubesse explicar por quê.
A chama da tocha — a única que permanecia firme desde o início do parto — tremeluziu de modo estranho, como se respirasse junto com a dor da rainha, oscilando a cada contração. Ali, Éileithyia se manifestava. Não como figura, mas como a centelha de algo maior.
"Precisamos abrir..." disse Éileithyia, usando a voz rouca da parteira, carregada de firmeza.
As outras outras a olharam, surpresas e hesitantes. Abrir? A rainha corria o risco de sangrar ainda mais, talvez até morrer. Mas ela — Éileithyia — não vacilava.
Naquele momento, era a vontade da deusa, a força que transcendia o medo, que guiava cada gesto e tornava realidade aquilo que, em qualquer circunstância comum, seria impossível.
O caminho natural para a vida estava bloqueado, um obstáculo que a mortalidade não podia superar sozinha.
Então, com a lâmina ardente firmemente em mãos, a deusa mudou de estratégia. Sob seu olhar atento, a carne cedeu, abrindo-se delicadamente até revelar a criança milagrosa de Iphigenia.
As servas, antes hesitantes e receosas, agora se moviam em perfeita sincronia, guiadas por uma força invisível que silenciava o medo e despertava a esperança.
Enquanto a rainha tremia — dilacerada entre a dor e a esperança de sobreviver a mais um dia — Éileithyia não permanecia como mera espectadora. Ela era a força viva que sustentava aquele instante, a mão divina que segurava o fio tênue da vida e da morte.
Naquele momento sagrado, a vontade da deusa prevaleceu, ardendo com a mesma intensidade das chamas que ainda dançavam na tocha ao lado do leito.
Notes:
Tenho adorado explorar a mitologia grega — ela é simplesmente fascinante! Mesmo depois de meses mergulhada nesse universo, ainda me surpreendo aprendendo algo novo a cada pesquisa, a cada leitura. É como se os mitos tivessem sempre mais uma camada a revelar.
Ultimamente, achei interessante aprofundar um pouco mais na ideia dos epítetos. Segundo uma definição simples que encontrei, um epíteto é "uma palavra ou expressão usada para caracterizar alguém ou algo, geralmente destacando uma qualidade marcante, uma função ou um atributo simbólico".
No contexto da mitologia, os epítetos cumprem um papel ainda mais encantador: ajudam a diferenciar aspectos de uma divindade, revelam funções específicas, regiões de culto ou até mesmo estados emocionais e espirituais daquele deus ou deusa.
É por isso que gosto tanto de usá-los! Além de adicionar um tom mitológico sutil e interessante à trama, gosto da ideia de que cada deus, sendo uma entidade divina, pode assumir "personas" diferentes dependendo do epíteto que carrega ou invoca. Isso abre margem para muita coisa~
• Éileithyia é a deusa do parto, das dores do nascimento e da proteção às mulheres grávidas. Filha de Zeus e Hera, ela é uma figura ambígua: pode tanto facilitar o nascimento quanto impedi-lo, dependendo da vontade divina ou do comportamento da mãe. Um de seus epítetos mais marcantes é:
Éileithyia Lysitókos (Λυσιτόκος) — Aquela que liberta o parto.
Em certos rituais, mulheres grávidas usavam fios ou laços consagrados a ela. Acreditava-se que a deusa tinha o poder de "desatar os nós" do parto, libertando a criança do ventre - algo que também simbolizava a libertação da dor e da tensão.• Já as Keres (singular: Ker) são figuras muito mais sombrias. Espíritos femininos nascidos da Noite (Nyx), personificam a morte violenta, sangrenta e precoce, especialmente no contexto das batalhas.
Elas não são consideradas deusas no mesmo nível que Hades ou Perséfone, mas sim forças primordiais, tão antigas quanto cruéis. Irmãs de Tânato (a morte serena) e Hipnos (o sono), as Keres sobrevoam os campos de guerra, famintas pelas almas dos moribundos, banhando-se no sangue dos caídos.
Chapter 5: Ecos do Passado I
Notes:
Que tal nos afundarmos um pouco mais nessa trama? O próximo arco está prestes a começar.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Dédalo não gostava do silêncio.
Então, ao perceber o silêncio denso do labirinto, não tardou em preenchê-lo com histórias, na esperança de que aquela ausência ruidosa, que rondava como um fantasma sem nome, se dissipasse.
Suas palavras, doces e intensas, carregavam a mesma astúcia de suas invenções, envoltas por uma criatividade capaz de encantar qualquer um.
Quando começava a narrar, o mundo ao redor se desvanecia, e Ícaro era levado a paisagens que só existiam em contos antigos — mundos onde monstros dormiam sob montanhas, o vento sussurrava segredos proibidos e a liberdade parecia ao alcance de quem ousasse voar.
Ainda que apenas por instantes, aquelas histórias conseguiam amenizar o frio dos muros, aliviando a solidão que insistia em apertar o peito do pequeno menino.
Diante de sua decisão, Minos, o soberano impiedoso de Creta, não demonstrou nenhum tipo de arrependimento.
Após descobrir as tramas silenciosas que Dédalo arquitetou — os mapas secretos, os sussurros aos fugitivos, o auxílio invisível à fuga de Ariadne e Perseu —, o rei, tomado por uma fúria insana, confinou o artesão e seu filho no centro do próprio labirinto.
Não apenas para puni-los, mas também por medo.
Pavor.
Temendo que, algum dia, o mundo descobrisse o que Minos escondia — o Minotauro, metade homem, metade besta, fruto do pecado cometido contra Poseidon.
Desde então, Dédalo passou a narrar com mais fervor, como se, através das palavras, pudesse proteger a inocência que ainda existia nos olhos grandes e curiosos do seu primogênito.
Mas a pureza também tem um preço.
E o tempo, no labirinto, não perdoa ninguém.
Apesar do que dizem, o artesão sabia que o amor era semelhante à teimosia. Noite após noite, com as mãos nuas e o coração descoberto, moldava o impossível, movido por uma determinação incansável.
Dédalo recolhia penas levadas pelo vento, suaves como lembranças que se recusam a desaparecer. Aquecia a cera até que ela amolecesse, dócil ao toque de suas mãos, enquanto aos poucos moldava um par de asas mecânicas e delicadas.
Quando sua invenção enfim ficou pronta, Dédalo sorriu. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu renascer uma esperança traiçoeira nas profundezas do seu coração.
Mas esse sentimento, sobretudo quando é entregue a um jovem faminto por liberdade, cobrava seu preço.
Ícaro não era tolo. Apenas jovem, uma criança que havia passado tempo demais preso a chão duro, cercado de ecos e promessas vazias.
Por isso, quando voaram, ele não se conteve. Subiu mais. Depois mais. Como se quisesse tocar tudo o que lhe fora negado. Como se pudesse, enfim, encostar o dedo na própria ideia de ser livre.
Dédalo tentara gritar, em prantos, avisando seu passarinho para não voar tão alto, tão perto do sol. Mas, naquela altura, a cera já derretia — quente e inútil — como lágrimas que o mar aguardava lá embaixo.
Assim, Ícaro cedeu ao peso do próprio sonho e despencou, como uma flor que se entrega à luz que a consome.
Lá em cima, entre nuvens que pareciam algodão encharcado de ouro, um deus de cabelos cor-de-rosa o observava — imóvel, ausente e presente ao mesmo tempo.
Não sorria, não chorava.
Apenas via. Como se, em meio ao orgulho de ter sido tocado, também sentisse o amargor de ter queimado o único que ousou amá-lo de perto.
Enquanto o menino caía, o céu permaneceu claro. Brilhante até demais.
O sol não se apagou, não desviou sua rota. Mas algo em sua luz vacilou. Uma frágil interrupção no ritmo antigo. Como se, naquele instante, tivesse perdido algo que sequer sabia possuir.
Porque Ícaro, sem saber, havia tocado algo que nem mesmo os deuses ousavam nomear. Com suas asas frágeis e olhos reluzentes, havia encantado — por um breve e mísero instante — o coração de Febó Apolo.
Um amor que nasceu tarde demais, ardendo em silêncio, sem jamais ter tido a chance de ser escolha.
E então, veio a pausa.
Um silêncio se espalhou pelo mundo, espesso e dourado, como poeira em suspensão. Os ventos cessaram, o mar conteve o fôlego, e a luz hesitou, incerta de onde repousar.
Por um breve momento, durante a queda, o espírito de Ícaro encontrou-se com o divino, alcançando o impossível antes de se perder nas ondas implacáveis que engoliram seu corpo, deixando apenas uma ausência gélida para trás.
O deus continuou olhando, imperturbável.
Entretanto, naquele olhar não havia orgulho nem arrependimento, apenas a surpresa silenciosa de quem sentiu, por um instante, um amor que não compreendia, mas que jamais esqueceria.
O tempo, discreto, voltou a se mover.
Mas o céu jamais voltou a ser o mesmo.
Notes:
Dédalo, apesar dos pesares, é um bom pai — especialmente quando comparado a outros homens de sua época. Infelizmente, ingênuo demais para perceber o erro que cometeu com Ícaro. Amor nem sempre vem acompanhado de sabedoria, e talvez tenha sido exatamente isso que selou o destino do menino: a doçura cega de um pai que quis oferecer asas a quem só conhecia chão duro.
Continuando... admito que gosto bastante da ideia de Apolo ter "evoluído" no conceito de romance aos poucos. Como um deus, ele não entende muito bem a complexidade dos sentimentos humanos — nem deveria. Há algo de muito bonito nisso. Por isso, acho interessante que ele aprenda devagar, tropeçando nos próprios erros e acertos. Isso abre margem para muita coisa.
Aliás, toda a história de Pasífae e o Minotauro é uma loucura. Como sempre, a pobre mulher serviu de bode expiatório para o erro do marido — e ainda assim foi ela quem pagou o preço.
Minos fez a promessa, Minos quebrou o trato, mas foi Pasífae quem foi punida. E nem vou falar sobre a "invenção" que Dédalo criou para ajudar a rainha de Creta a... consumar seu amor amaldiçoado. Isso me traz calafrios.
Dédalo (em grego: Δαίδαλος, Daídalos) era arquiteto, inventor, escultor e artesão excepcional de Atenas. Seu nome pode ser traduzido como “o engenhoso” ou “o habilidoso”. Era descendente do deus Hefesto ou de Erecteu, dependendo da versão do mito, e se tornou famoso por suas criações que desafiavam os limites do possível.
Ícaro (Ἴκαρος, Íkaros) é uma figura da mitologia grega, conhecido principalmente por sua trágica tentativa de escapar do labirinto de Creta voando com asas feitas de penas e cera.
Apolo Febo (Φοῖβος, Phoîbos) — “O Brilhante”.
Febo é um epíteto frequentemente associado a Apolo, tanto na tradição grega quanto, principalmente, na mitologia romana.
Chapter 6: Ecos do Passado II
Summary:
Faz tempo, não é? Antes de mais nada, queria avisar que dei uma revisada nos capítulos anteriores. Vale a pena dar uma olhada novamente — estão muito melhores!
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
O destino era uma amante caprichosa. Mesmo em sua engenhosidade, nunca deixava de revelar uma face cruel, quase sádica, que fingia toques ternos apenas para ferir com a delicadeza de um beijo.
Apolo sabia disso melhor do que ninguém.
Desde que foi proclamado Mantikos, o Profético, diante o grande conselho, precisou aceitar que suas previsões jamais seriam inteiramente confiáveis, sempre à mercê da inconstância.
Às vezes, se tivesse sorte, era presenteado com uma visão clara do futuro, onde um fragmento breve, porém intenso, se desenhava com nitidez nos contornos de seus sonhos.
Em outras ocasiões, tudo o que saía de seus lábios eram versos abstratos, enquanto imagens confusas e efêmeras piscavam na penumbra de sua mente, evasivas como sombras ao amanhecer.
Profecias que, basicamente, dependiam inteiramente das Moiras e do quanto elas desejassem revelar do futuro.
Portanto, quando Apolo sentiu a influência invisível das tecelãs percorrendo seu corpo, impedindo-o de transformar o príncipe que tanto amara em um deus, tudo o que lhe restou foi o gosto amargo da ironia.
Ele, que tantas vezes tocara os fios da tapeçaria, jamais imaginou que o destino pudesse, um dia, revelar-se tão cruel.
Em silêncio, o infame deus do sol mantém o olhar fixo no corpo imóvel de Hyacinthus, mal percebendo quando lágrimas anormalmente quentes, como plasma incandescente, começam a manchar seu rosto.
Seu discípulo. Seu amigo. Seu amado príncipe morrera diante de seus olhos. E Apolo, em toda a sua grandeza divina, nada pôde fazer além de apertar-lhe a mão, refém de uma impotência que nem mesmo a divindade podia vencer.
Em um momento, Apolo estava nas colinas de Esparta, entregando-se aos risos e beijos compartilhados. No instante seguinte, o mundo mergulhou em silêncio, e o sangue de Hyacinthus escorreu sobre a terra como rios cintilantes, marcado pelo ciúme cruel de Zéfiro.
Uma raiva imensurável tomou Apolo, fazendo-o ansiar por tornar-se Phōs Timōrós e incinerar o maldito deus do vento até que nada sobrasse além de cinzas. Ainda assim, ele não moveu um músculo, permanecendo parado, paralisado, enquanto assistia os últimos momentos de vida de Hyacinthus.
Assim como fez quando Ícaro caiu.
Durante minutos, horas, talvez até dias, Apolo ficou ao lado de seu amado, sem desviar o olhar do homem que lhe ensinara a amar sem machucar.
Ele permaneceu imóvel mesmo quando seu irmão, Hermes Psychopompós, chegou para conduzir a alma que as Moiras haviam escolhido como foco de suas tramas.
Apolo, independentemente de qual epíteto carregasse, não fez nada além de chorar, enquanto, no lugar do corpo do amado, florescia um belo jacinto, eternizando sua imponência em proteger quem amava através de uma delicada flor.
Novamente.
Notes:
Aproveitando essa deixa, quero agradecer a todos que têm acompanhado a história. A faculdade tem consumido bastante do meu tempo, mas podem ter certeza: não pretendo desistir dela de jeito nenhum.
• Apolo Mantikos (Μαντικός): significa “o Profético” ou “inspirado”, indicando seu papel como deus das profecias e das revelações divinas.
• Φῶς Τιμωρός (Phōs Timōrós): é divertido! Dei-me a liberdade de inventá-lo. Une os conceitos de “luz” e “justiça”, encaixando-se perfeitamente no tema da vingança.
• Ψυχοπομπός (Psychopompós): o epíteto mais significativo de Hermes quando se trata de seu papel com as almas. Literalmente, significa “condutor de almas” ou “aquele que as guia”.
MeikoBleach on Chapter 4 Thu 26 Jun 2025 09:37PM UTC
Comment Actions
AmaiSakka on Chapter 4 Mon 30 Jun 2025 02:25PM UTC
Comment Actions
MeikoBleach on Chapter 4 Mon 30 Jun 2025 07:55PM UTC
Comment Actions
MeikoBleach on Chapter 5 Sun 20 Jul 2025 10:22PM UTC
Comment Actions