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Ex Fumo - Tradução

Summary:

Bella aceita a oferta de Aro para ficar em Volterra durante sua missão de resgate a Edward. Era simples: ser transformada, pagar sua dívida e ir embora. Em vez disso, ela se vê aprendendo sobre o mundo dos vampiros e os caminhos nebulosos que o Destino percorre.

Divergência - Lua Nova. Universo Alternativo - Almas Gêmeas.

Notes:

Chapter 1: audentes fortuna iuvat

Chapter Text

 

Ela já tinha ouvido antes, várias vezes, que a vida é o que acontece enquanto fazemos planos. Não parecia ser o caso dentro daquele cômodo de paredes de pedra, cercada por criaturas sobrenaturais hostis. Na atmosfera opressiva da câmara gélida, sendo observada ostensivamente pelos atentos olhos dos Frios ali presentes, Bella sentia que a vida estava acontecendo enquanto ela tomava uma decisão. Isso porque, em poucos segundos, todo o caminho à sua frente poderia tomar rumos tão incrivelmente diferentes que ela tinha duas vidas completamente distintas diante de si.

Ao contrário de fazer planos e deixar a vida seguir seu curso ao invés de agir, tomar decisões dessa magnitude era rápido e dramático. Ela não tinha o privilégio de se demorar em sua dúvida. Nenhum dos vampiros que cravavam seus vívidos olhos vermelhos nos seus estaria disposto a lhe dispensar mais tempo.

Tempo. Efêmero e ingrato, sempre escapando.

— Hm, eu...

Ela olhou para Edward, ainda agarrada a ele em suas roupas úmidas, e ele franziu o cenho com sua hesitação. Estava lá? A segurança que ela queria, a certeza de que um dia ela seria imortal? Mas seus olhos eram escuros como carvão e não transpareciam nada. Ela buscou os olhos de Alice e ali estava, a promessa pétrea do futuro que ela almejava e merecia.

Mas será que isso importa agora? Se ela foi embora antes, mesmo quando não queria, só porque ele mandou...

— Sim.

Bella!

Ela olhou para o chão de mármore, mas logo o encarou novamente. As linhas em sua testa estavam muito mais pronunciadas, com vincos tão profundos quanto o anseio de Bella por pertencer. Ela não conseguia suportar a visão do choque e da decepção dele e, ainda assim, sentia raiva. Uma raiva úmida, que faz gritar e chorar ao mesmo tempo.

— Ela não quis dizer isso. Ela...

O que ela estava se dispondo a enfrentar? Ela realmente não sabia, mas tinha esperança. Ela esperava estar agarrando com unhas e dentes a única chance real de se tornar imortal que jamais lhe seria oferecida, esperava poder sair daquele lugar um dia e, mais do que qualquer outra coisa, esperava que Edward a perdoasse e a aceitasse de volta.

Os olhos dela transbordavam com súplicas, mas ele apenas negou com a cabeça. Negou insistentemente, murmurando de novo e de novo que ela não estava falando sério, que estava cansada, que não sabia o que estava aceitando. Ele a segurava de forma quase dolorosa e, mesmo assim, ela se agarrava a ele, e se agarraria até quando pudesse. Ela se agarraria a ele para sempre, se fosse possível.

— Edward, meu querido. — Aro suspirou e Bella finalmente notou a condescendência que maculava suas doces palavras. — Todos nós temos direito ao nosso livre arbítrio, mesmo os jovens. Bella merece poder tomar suas próprias decisões.

— Essa é realmente a sua decisão?

Bella gaguejou, respirou fundo e tentou outra vez. Irritação começava a se apossar dela e sua própria raiva deu lugar à tristeza oca que ela sentira com a partida dele. Ela finalmente tinha poder real de decisão, e a verdade é que ela queria aproveitar essa oportunidade. Ela poderia lidar com as consequência dessa escolha quando fosse a hora. Naquele momento, ela precisava aproveitar a chance de se tornar imortal.

Meus pensamentos estão seguros. Posso me tornar imortal e servi-los pelo tempo que eles quiserem e então vou estar livre, e eles não precisam saber que nunca tive intenção de ficar. Posso pagar minha dívida e voltar para você, Edward. Por favor, por favor, entenda. Por favor, me perdoe.

Infelizmente, seus pensamentos também estavam a salvo dele e ela só podia desejar que ele conseguisse vê-los em seu rosto. Com súbita determinação, a resposta saltou de seus lábios.

— Sim.

Ele a encarou, atônito. Alice deve ter visto alguma coisa, porque Edward virou a cabeça rapidamente em sua direção. Seu olhar se voltou para Bella em uma fração de segundo, sua voz deixando escapar uma ponta de desespero.

— Bella, por favor...

— Você não pode estar falando sério, Aro.

A sala inteira se voltou para o rei louro e Bella enrijeceu. Ela não tinha considerado que a oferta de Aro não era definitiva, ou que seu aceite não era uma garantia. Caius gesticulou com irritação, mas Aro ignorou seus protestos com um leve sorriso.

— Ah, irmão, certamente você vê o potencial. Imagine as possibilidades quando ela for uma de nós!

O peito de Edward vibrou com um rosnado baixo e Alice agarrou sua mão. A sala caiu em silêncio absoluto enquanto Caius olhava atentamente para a vidente. Uma leve brisa fez farfalhar a bainha dos mantos dos guardas que os rodeavam, imóveis como estátuas gregas. Bella tentou se concentrar nas batidas ritmadas de seu coração, contando-as para ter alguma noção da passagem do tempo. Ela teve impressão de sentir o gosto da poeira antiga do lugar em sua língua, trazida pelo ar que dolorosamente inalava.

Caius se pronunciou.

— Desconheço tal futuro.

O ar ficou mais denso com suas palavras — se isso fosse possível. Os guardas voltaram seus olhos para Alice quase que imperceptivelmente.

Ela se manteve perfeitamente imóvel, mais uma estátua de mármore em belos trajes. Seu rosto não transparecia nada, uma máscara perfeitamente desprovida de emoção. A ordem estava implícita, mas não era de forma alguma nebulosa. O significado real da declaração não escapou a ninguém, nem mesmo a Bella, então Alice deu dois passos à frente.

Soltando a mão de seu irmão com enganosa displicência, como era de seu feitio, ela a estendeu para Aro, que a tomou nas suas com voracidade.

Outra discussão silenciosa ameaçou sufocar Bella. Ela ainda se agarrava a Edward como conseguia, mas ele parecia se afastar mais e mais a cada segundo que se passava. Ela percebeu então que ele não realmente a segurava mais; ela se mantinha junto a ele por conta própria.

— Que fascinante.Aro sorriu seu sorriso apaziguador. Em seguida, olhou para seu irmão sanguíneo e acenou graciosamente com a cabeça. Caius relaxou em seu trono, deixando-se tombar no encosto da cadeira. Aro se dirigiu a Edward.

— Heidi em breve chegará com nossa refeição. Você e Alice devem aguardar até o anoitecer para deixar o castelo. Aproveitem esse tempo para se despedir.

Ele não se moveu, não demonstrou de forma nenhuma que tinha ouvido Aro. Seus olhos escuros e opacos estavam fixos em Bella.

— Edward, vamos embora.Alice agarrou um de seus braços e o arrastou em direção às portas. Edward pegou Bella pela mão, levando-a consigo.

— Seja bem-vinda, Isabella!

As últimas palavras de Aro quase foram interrompidas pelo fechar das pesadas portas quando Demetri os conduziu para fora da sala. Ele olhou por cima do ombro para Bella, encarando-a por tempo demais, mera curiosidade cortês se tornando escancarada rudeza. Notando a expressão no rosto de Edward, ele sorriu timidamente.

— Perdão.

Ele então desviou os olhos sem se explicar e não voltou a olhar para Bella até que eles alcançaram a recepção. Bella não fazia ideia do que poderia ter motivado seu interesse, mas imaginou que ele também pudesse ter um dom que não funcionava com ela. Ela olhou para Edward em busca de uma resposta, mas ele se manteve olhando resolutamente para frente, sua mandíbula travada e a mão fria na dela tensionada como se ela o queimasse.

Bella desejou poder ver o que Alice mostrou a Aro, o que Edward devia ter visto também. Ela queria poder pelo menos perguntar a ela, ter uma conversa de verdade e esclarecer as consequências de sua escolha. Transfixada pelo movimento dos ombros de Demetri por baixo das camadas de suas roupas, ela desejou poder perguntar a Edward o que o vampiro de olhos vermelhos pensava dela e por que ele tinha olhado para ela daquele jeito. Os olhos cor de vinho de Demetri encontraram os seus novamente quando eles chegaram à mesa de Gianna e Bella se lembrou de que não poderia perguntar nada a eles. Não com tantos ouvidos poderosos por perto, prontos para ouvir cada palavra.

Os vampiros pareceram escutar algo distante, baixo demais para ouvidos humanos e que permaneceria um mistério para Bella. Demetri se inclinou respeitosamente antes de desaparecer pelo mesmo corredor pelo qual eles chegaram à recepção.

— Por favor, não saiam antes do anoitecerele instruiu Edward e Alice. Depois, voltou-se para Bella Voltarei para te buscar depois do banquete.

Banquete?

Ela assentiu, sem expressar sua confusão. Ele então se foi, e os fios de cabelo que se moveram suavemente ao redor do rosto de Bella eram a única indicação de que ele sequer estivera ali. Gianna continuou trabalhando em sua mesa, com a cabeça levemente inclinada enquanto suas unhas escarlates se moviam pelo teclado. A luz azul da tela do computador lhe conferia uma aura fantasmagórica, mesmo sob as luzes quentes que iluminavam a sala. Os tapetes, as flores, os quadros nas paredes – toda a composição tinha clara intenção de dar ao lugar uma atmosfera aconchegante, mas algo parecia frio e dissonante. Como se uma sombria nota de órgão pairasse no ar, ou um calafrio se escondesse atrás das portas, pronto para fazer estremecer uma alma desavisada.

— Bella ...

Edward relaxou seus músculos com esforço e suavizou sua expressão. Por um momento insano, Bella pensou que ele parecia um devoto pagando penitência. Ela nunca tivera o hábito de ir à igreja – seus pais nunca a forçaram ou encorajaram - mas o rosto dele a fez pensar em pinturas e esculturas religiosas de museus que ela visitara quando criança, em excursões escolares. Ela não se surpreenderia se ele caísse de joelhos.

Alice o interrompeu, sua voz muito mais urgente, mas igualmente carregada de dor.

— Eu vou, Bella. Se ele não quiser te transformar, eu mesma vou, você sabe disso. E se não for eu, Carlisle com certeza...

Por que eles fariam isso? Por que algum deles a transformaria se não fosse para se isentar de mais culpa, a mesma culpa que levou Edward a Volterra em primeiro lugar?

— Você foi emboraela murmurou, sabendo que eles poderiam ouvi-la de todo modo. Alice piscou os olhos uma, duas vezes. Edward não se moveu. Não sei o que esperar do futuro. Não posso...

Não posso passar por tudo isso de novo, tudo o que vocês me fizeram passar. Não consigo me reerguer outra vez.

— É diferente agoraAlice prometeu.É completamente diferente, Bella, nós nunca arriscaríamos sua vida. Isso muda tudo.

— Mas nós já arriscamos. — Edward balançou a cabeça mais um pouco, como se o gesto pudesse livrá-lo de sua terrível culpa ou do horror da situação. —Nós a deixamos vulnerável quando Victoria estava à espreita.

— Nós não sabíamos... não queríamos...

— Não importa. Tudo o que fizemos, mesmo sem querer, a magoou. Ela tem todo o direito de nos rejeitar.

Alice engoliu e franziu a testa, suas pequenas mãos se entrelaçando nervosamente. Ela calçava uma luva e a outra se projetava para fora do bolso de sua jaqueta. Bella queria dizer que ele estava errado, que ela nunca os rejeitaria. Seus lábios se entreabriram e as palavras chegaram a formar um nó em sua garganta, mas ela parou a tempo. Ela não podia dizer isso.

— Eu te amo — ela se limitou a dizer, observando as sobrancelhas dele se erguerem e os ombros caírem. — Amo todos vocês, e sempre vou amar. Só não conheço vocês como achei que conhecia.

As mãos de Edward se fecharam em punhos e a surpresa que tomava conta de suas feições desapareceu em um piscar de olhos, uma intensa amargura tomando seu lugar.

— Eu também me enganei ao achar que te conhecia — ele rebateu. A leve oscilação de sua voz escondeu bem seu tom acusatório, se ele tinha alguma intenção de acusá-la. — É esse o tipo de pessoa que você é? Alguém que busca beleza e imortalidade a qualquer custo?

Ela sentiu que ele não estava apontando dedos. Ele a estava repreendendo. Estava lhe dizendo que não estava bravo, só decepcionado, e Bella ficou irritada de novo, porque como ele se atrevia?

Não era assim que eu queria finalmente vê-lo de novo.

Não, ela não queria que a raiva ou qualquer outro sentimento ruim estragasse o reencontro deles, um momento com o qual ela havia sonhado por meses. Ela não queria que nada manchasse a memória que ela tinha dele, mesmo sabendo que ele não estava ali por ela, não quando ela não fazia ideia de quando o veria outra vez.

— Quero ter um lugar no mundo. Quero pertencer.

Edward suspirou. Ele não podia julgá-la por querer algo tão fundamental.

— Você não vai se encontrar aqui, Bella. Volterra não é lugar para nós.

Nós. Ele escolheu a palavra de propósito, mas Bella só conseguiu associá-la à sua partida, a como ele precisou especificar que "nós" incluía apenas ele e sua família, e não ela. O vazio em seu peito ecoou o vestígio dessa dor e ela estremeceu. Ela notou vagamente que suas roupas ainda estavam úmidas devido à sua corrida através do chafariz da praça mais cedo.

— Eu vou ficar bem. Minha hora chegou quando nos conhecemos, de qualquer jeito.

A piada não amenizou o clima pesado.

— Eu estou aqui, Bella, e você também. Ainda temos um ao outro. Sei que cometi um erro, mas você não deveria ter que pagar por ele. Não vou te deixar de novo, a não ser que você me mande embora, por favor...

As palavras dele eram tudo o que ela queria ouvir, mas seriam genuínas? Será que elas vinham do coração ou apenas do desespero que o jogara nos braços dos Volturi, implorando pelo fim? Ela queria acreditar nele, cada fibra de seu corpo pulsava com a necessidade de acreditar em suas palavras, mas ela ainda sentia um frio na barriga toda vez que se lembrava do vazio de sua ausência repentina. Nunca poderia ser como se ele jamais tivesse existido, não quando a passagem dele por sua vida a tinha mudado para sempre. A única coisa que ele tinha conseguido com sua tentativa foi a morte de uma parte da alma dela.

Era isso, aquele buraco em seu peito. O pedaço de sua alma que era dele e que ele levou consigo quando a deixou. Uma pequena estrela que despertara nela uma nova vida, uma estrela que morreu no momento em que ele desapareceu de sua vida. Ela fora mais uma vez transformada de forma irreparável por aquele abandono.

E apesar de tudo, naquele momento, ele estava lá, e ela também. Por mais alguns minutos, isso era tudo o que importava.

— Eu vou ficar bem — ela repetiu, sua certeza agora um eco fraco do que fora na primeira vez. — Eu caio em pé, você sabe. Como um gato. Nove vidas e tudo mais.

— Quantas vidas você ainda tem? — Alice perguntou.

Bella não respondeu.

— Bella, pense no Charlie. Pense na Renée. Por Deus, e funcionar, pense até no Jacob. Você foi embora para nunca mais voltar, pense no que está fazendo!

Ela pensou, pensou em todos que nunca mais a veriam e doeu, mas pensar em continuar sendo a pária descoordenada dentre eles doeu ainda mais. Ela sabia que os lobos culpariam os Cullen e provavelmente acabariam com o tratado, sabia que Charlie nunca mais seria o mesmo se ela sumisse no mundo. Ainda assim, ela sentia em seu âmago que essa era sua última chance. Sua única chance.

Ela tinha que aproveitá-la.

Se isso fazia dela egoísta, então que fosse. Ela deveria ter o direito de ser egoísta nesse caso. Todos deveriam ter.

— Você estava pensando em mais alguém além de si mesmo quando foi embora?

Edward congelou, as mãos suspensas no ar em meio à sua gesticulação aflita. Ele inspirou longamente antes de comprimir os lábios em uma linha fina outra vez. Alice emitiu um som que poderia ser um choro, ou talvez um engasgo.

— Bella, eu... Essa não é a resposta para seus problemas que você acha que é.

Bella cruzou os braços sobre o peito, em parte em uma tentativa vã de se aquecer, mas principalmente em resposta tensa à súplica dele. Ela olhou para o chão para evitar encontrar o olhar dele.

— Acho que tenho o direito de descobrir isso por conta própria. E espero que você não me julgue muito por isso.

Eu vou voltar, Edward. Cem vezes, mil vezes, se você me quiser de volta. Eu sei que é injusto esperar isso de você, mas por favor, por favor, espere por mim.

Ele não parecia que iria esperar por ela. Parecia arrasado e com o coração destroçado.

— Não há um único vampiro vegetariano morando aqui, você parou para pensar nisso?

Ela piscou algumas vezes. Não, ela não tinha parado para pensar nisso.

— Eles se alimentam de humanos, todos eles. Eles estão se alimentando de humanos neste exato momento.

Finalmente, ela sentiu o calafrio que estava esperando atrás das portas para fazê-la estremecer. Edward terminou de falar encarando Gianna e a secretária fez o possível para fingir que não o tinha ouvido.

Só que ela também estremeceu.

— Vou dar um jeito. Vai ficar tudo bem.

Se eu repetir essas palavras o bastante, será que elas viram realidade? É assim que essas coisas funcionam?

Alice passou como um borrão por ela e, antes que Bella percebesse, estava sendo esmagada em um abraço.

— Desculpa. Por favor, Bella, me desculpa. Eu pensei... Eu disse a ele que...

—Alice.

Ela deu um passo para trás e olhou para o irmão.

— Eu te disse que era um erro burro. Eu sabia...

Ele soltou uma risada sarcástica.

— Sim, você sempre sabe, não é? O que você sabe agora? Quer contar a ela?

Bella franziu a testa, mas Alice não disse mais nada. Ela suspirou e soltou Bella sem dizer uma palavra.

— O que você sabe?

A vampira deu de ombros.

— Nada. É muito vago ainda, não se preocupe com isso.

Como ela poderia não se preocupar?

Ela tentou. Quando Edward disse para ela deixar tudo para lá e descansar, Bella tentou aproveitar seus últimos momentos junto a eles em vez de se preocupar com o futuro. O que quer que fosse que Alice tivesse visto, não era concreto ou importante o suficiente para preocupá-la. Poderia ser um futuro ainda muito distante, poderia ser tão incerto que nunca se tornaria realidade... Sentindo suas pálpebras pesando cada vez mais, ela se sentou com eles nas cadeiras da recepção e pousou a cabeça no ombro de Edward, feliz por ele não a rechaçar. Gianna os observou tomarem seus lugares, voltando rapidamente ao trabalho assim que eles se acomodaram. Através de sussurros abafados que só eles conseguiam entender, Alice e Edward começaram a discutir como voltariam para casa e o que diriam a todos sobre Bella ter ficado para trás. Embora tenham falado sobre outras coisas, Bella não conseguia captar tudo com seus ouvidos humanos no estado de exaustão em que se encontrava.

Sem relógios ou janelas em volta, eles não sabiam dizer se a noite caía lá fora. Bella tentou não dormir, apesar de seu cansaço. Seria um desperdício de seus últimos momentos com aqueles que, de certa forma, ela ainda via como família. Ela tentou descansar como pôde sem adormecer, fechando os olhos e ouvindo seus sussurros rápidos enquanto o sol certamente desaparecia do céu lá fora.

Finalmente, Edward e Alice se voltaram para as portas que Demetri havia fechado horas antes. Bella se virou também, embora muito mais lentamente. Para sua surpresa, foi Alec e não Demetri quem passou pelas portas reabertas, seus olhos de um vermelho vívido.

Porque ele se alimentou. De sangue humano.

Bella ignorou outro calafrio.

— Sintam-se livres para ir agora — disse Alec a Alice e Edward. — Pedimos que não se demorem na cidade.

Nenhum dos dois respondeu. Edward puxou Bella contra seu peito com força.

Ele tentou mais uma vez.

Uma última vez.

— Bella, por favor, vem com a gente.

Ele disse que ainda me ama, disse que me transformaria. Alice também. Vou mesmo ficar aqui sozinha?

Um novo medo a acometeu, um medo que deveria ter se apossado dela muito antes. Outra pessoa o teria sentido ainda em frente aos reis, diante da escolha de voltar para casa ou permanecer em Volterra. O que aconteceria com ela ali, humana e sozinha naquele castelo? Eles a transformariam imediatamente ou a manteriam humana por mais tempo, mortal e indefesa no meio de todos aqueles vampiros? Ainda que ela se tornasse imortal ali dentro, o que esperariam dela? Ela ainda seria muito jovem e talvez realmente não se encontrasse ali. Eles também poderiam rejeitá-la.

Bella precisou se lembrar de que já tinha ouvido essas promessas antes, que eles lhe prometeram um futuro com eles, disseram que ela era parte da família... e foram embora. Em um piscar de olhos. Como se as palavras que significavam o mundo inteiro para ela não significassem nada para eles. Sem ar e trêmula, ela balançou a cabeça.

— Não posso.

Enquanto Bella proferia sua resposta, Jane se juntou ao irmão na recepção, tão silenciosamente que Bella só notou a garota e seu sorriso sinistro quando olhou para Alec outra vez. Não demorou muito para que Félix e Demetri se juntassem a eles.

— Não há a menor necessidade disso — Alec reclamou para ninguém específico.

Assim como antes, era evidente que Félix e Jane ainda tinham esperanças de que os Cullen causassem problemas e eles teriam uma desculpa para lidar com eles.

Não, não os Cullen. Eles acham que Edward vai causar problemas.

Percebendo isso, Bella mais que rapidamente se pôs de pé. A última coisa que ela queria era chutá-los porta afora sem ter a mínima ideia de quando os veria de novo, mas ela não tinha tanta certeza de que Alec estava certo. Conhecendo Edward, Félix e Jane tinham uma boa chance de ganhar essa aposta.

— Não posso só te deixar aqui sozinha.

Por um momento, Bella pensou que ele pediria para ficar ali com ela. Por não mais do que alguns segundos, Edward parecia pronto para ficar.

— Vou ficar bem — Bella disse pela milésima vez. Ela mordeu o lábio. — Me escreva, se quiser.

Ela se sentiu ao mesmo tempo corajosa e imprudente, e seus olhos buscaram os imortais mais velhos por conta própria. Demetri sorriu educadamente.

— De fato, escrevam. Não há problema algum.

Alice lhe lançou um último olhar de pena antes de pegar o braço de Edward outra vez. Ele não se mexeu, seus olhos estavam fixos em Bella. Félix flexionou os braços e despiu seu manto cinza, andando até o vegetariano com resoluta arrogância.

— Vista isso, você está um pouco chamativo. —ele instruiu zombeteiramente. Edward arrancou a capa de suas mãos e a jogou sobre os ombros. Ele finalmente desviou o olhar de Bella.

— Claro. Sim, vou escrever. E vou voltar para te buscar. — Sua voz estava tão rouca que Bella quase não discernia suas palavras. Talvez ele tivesse dito outra coisa.

Ele tomou Bella em seus braços uma última vez, enterrando o rosto em seu cabelo, sacudido por soluços secos tão violentos que, naquele momento, ela finalmente acreditou em suas palavras. Acreditou que ele a amava e que ele estava falando sério quando jurou lhe dar imortalidade, mas já era tarde demais. Ela não conseguiu se forçar a falar quando o sentiu beijar sua testa e se afastar, não conseguiu encontrar sua voz quando viu Félix levando ele e Alice embora. Bella estava paralisada, observando tudo se desenrolar diante de seus olhos como se acontecesse a outra pessoa. Ela achou que podia ouvir gritos ecoando, dizendo para ela falar alguma coisa, para mudar de ideia e ir com eles para fora daquele lugar assombrado, mas ela não conseguia se mover. Ela assistiu em silêncio enquanto eles partiam, horrorizada com a própria demora em processar o que tinha feito.

A voz apática de Alec a arrancou de seus devaneios.

— Que comovente.

Um riso infantil se fez ouvir e Bella viu Jane a analisar da cabeça aos pés, um sorriso malicioso em seu rosto angelical.

— E agora, o que vamos fazer com você?

Chapter 2: fide nemini

Chapter Text

Aninhando-se desconfortavelmente em um canto remoto de seu peito, Bella sentiu o tamborilar trépido do seu coração mudando de ritmo como se um beija-flor estivesse tentando escapar de sua gaiola. Não bem como um crescendo, mais como o pulo repentino de um animal selvagem que anda a esmo por uma floresta tranquila ao ouvir o primeiro tiro do caçador. Sua determinação, já tão frágil devido à demonstração de fraqueza de Edward, ruiu e se foi em um último patético e penoso sopro. Ela sustentou o olhar feroz de Jane da melhor forma que pôde e pelo tempo que conseguiu antes de Demetri se cansar da disputa silenciosa e encerrá-la com um suspiro pesado.

— Seguimos nossas ordens — ele respondeu à vampira, embora a pergunta dela não passasse de uma provocação.

Com isso, ele deu meia-volta e seguiu para o corredor de onde viera. Félix foi sozinho até a recepção e lançou a Bella um olhar enviesado e um sorriso torto antes de fazer o mesmo, deixando Bella sem alternativa a não ser seguir os gêmeos. Ela o fez assim que eles se deram as mãos e começaram a voltar para o corredor. Olhando por cima do ombro para ver Gianna, Bella percebeu que a secretária não estava mais em sua mesa.

A horrível tensão que tomava conta do ambiente se dissipou, mas Bella ainda sentia seus resquícios na maneira rígida e na postura cautelosa dos vampiros. Eles estavam quietos demais, e ela não conseguia saber se eles eram sempre tão silenciosos ou se estavam em silêncio por sua causa. Como ele parecia não dar muita importância à situação, Bella se manteve ao lado de Alec enquanto todos caminhavam para onde quer que estivessem indo, mas Jane pareceu ter um problema com isso. Seu sorriso maldoso desapareceu em um piscar de olhos e seu rosto assumiu a expressão indignada de uma criança mimada. O gesto não passou despercebido por Alec.

— Não deveríamos assustá-la — ele a lembrou. Jane apenas bufou e olhou para frente.

Ao contrário do labirinto úmido de pedra que Bella percorreu ao chegar no castelo, dessa vez os vampiros a guiaram apenas por corredores simples e bem iluminados, adornados por pinturas e tapeçarias. As robustas portas de madeira espalhadas pelo caminho permaneceram fechadas até que eles alcançaram os níveis superiores do edifício. Tropeçando no piso acarpetado e tremendo de frio e de um medo que ela não conseguia disfarçar, Bella foi surpreendida pela onda de alívio que a acometeu quando eles pararam em frente a uma das portas simples. Ela sabia que deveria estar ansiosa. Aquela porta fechada escondia algo desconhecido, e ela não tinha ideia das ordens dos guardas, mas a tranquilidade e o silêncio da caminhada até ali lhe trouxeram certo alívio.

O que a aguardava era uma questão totalmente diferente.

A porta se abriu por dentro sem nenhum sinal visível por parte dos vampiros ao seu redor. O cheiro de papel velho e lustra móveis a atingiu assim que a porta se abriu, revelando uma sala de estudos bem organizada. Por detrás dos odores mais fortes, ela também podia sentir um leve cheiro de flores e folhas secas.

— Isabella! Obrigado por ter vindo. Por favor, sente-se.

A voz retumbante de Aro era inconfundível, mas ela levou alguns segundos para avistá-lo no fundo da sala, parcialmente obscurecido por uma estante alta. Vestido todo de preto, mas sem a capa ondulante que usava antes, ele acenou graciosamente em sua direção e uma brisa suave agitou seus cabelos. Olhando em volta, ela se viu sozinha com o rei dos vampiros. Ele sorriu para ela novamente e ajeitou os punhos de suas mangas compridas antes de fazer um gesto indicando uma cadeira.

Bella engoliu em seco, mas o nó em sua garganta continuou sendo um lembrete incômodo de seu desconcerto. Avistando uma cadeira surrada perto de si, ela entrou na sala e sentou-se nela hesitantemente. Aro acenou com a cabeça de forma encorajadora, juntando as mãos translúcidas como papel e sustentando um sorriso caloroso em seus lábios.

— Que bom que você se juntou a nós. Obrigado por aceitar nossa oferta.

Um bufo de raiva a fez pular em sua cadeira.

— Irmão, você a assustou.

Bella precisou esticar o pescoço para ver quem Aro estava repreendendo. O rei loiro também estava lá, ela finalmente percebeu, e ele tinha os braços firmemente cruzados sobre o peito. Seu olhar fuzilante era o completo oposto do sorriso amável de seu irmão.

— Não é uma oferta nossa, não é mesmo?

O sorriso de Aro vacilou.

— É isso que estamos prestes a resolver, não é?

Caius descruzou os braços e deu alguns passos em direção a eles, assentindo com a cabeça a contragosto. Bella estava inclinada na beira de seu assento e corrigiu sua postura quando percebeu.

Aro olhou por um momento do imortal ao seu lado para a humana à sua frente, e seu sorriso voltou timidamente. O olhar carregado de ódio de Caius deu lugar a uma neutralidade austera. Não era a energia relaxada e acolhedora que Aro tentava transmitir, mas com certeza era um avanço. Por algum motivo, os olhos de Bella se voltaram para os pés deles e ela notou que ambos usavam pares idênticos de reluzentes sapatos de couro.

— Você tem uma habilidade interessante, Isabella, mesmo sendo humana — disse Aro, animado. — Não é uma ocorrência comum, e é por isso que lhe ofereci um lugar em nossa guarda. Infelizmente, essa mesma habilidade complica um pouco a nossa situação, consegue ver como?

Bella mordeu a bochecha enquanto considerava a pergunta dele. Ela não sabia se ele a estava testando ou simplesmente queria incluí-la na conversa, mas ela se sentiria melhor se eles falassem na maior parte do tempo. Ela pensou no que havia acontecido na sala maior — a briga desencadeada por Edward quando ele se colocou entre ela e Jane depois que Aro não conseguiu ler seus pensamentos.

— Você não consegue me ler como lê seus guardas.

Ele bateu palmas e ela pulou de novo.

— Muito bem! Sim, isso mesmo Não consigo acessar seus pensamentos como faço com meus guardas. Certamente você pode ver como isso seria um problema, caso você fique aqui conosco.

Ela ignorou seu tom condescendente, tentando não se ofender por ele falar com ela como se ela fosse um cachorro inteligente. Sim, ela podia ver como isso poderia ser um problema. A julgar pelo modo como Caius levantou o queixo e a encarou com os olhos semicerrados, ela imaginou que ele tivesse um problema maior com isso do que Aro.

— Ela não é confiável.

Aro suspirou dramaticamente quando Bella não tentou refutá-lo. Ele pegou uma cadeira surrada para si e se sentou ao lado dela — para deixá-la mais confortável, decerto, pois ele não precisava se sentar. Caius não teve a mesma cortesia, permanecendo exatamente onde estava, imóvel e sem pestanejar.

— Bom, eu não verifico os pensamentos de todos aqui com muita frequência Na verdade, é muito raro que eu sinta a necessidade de fazer isso. No entanto, com os recém-chegados, é boa prática. Com certeza você consegue entender o porquê.

Ela assentiu lentamente com a cabeça. Quanto mais tempo ela passava naquele lugar, menos inclinada se sentia a ficar. A névoa de seu desespero havia esvaecido e ela começou a ver sua decisão pelo o que ela era: um pensamento intrusivo que levou a melhor depois de meses de saúde mental em declínio.

— É por isso — continuou Aro, aparentemente alheio a seu pânico interno — que pedimos que você seja totalmente transparente conosco. Precisamos conversar sobre suas razões e expectativas, e precisamos conhecê-la melhor. Mas você precisa ser honesta. Consegue fazer isso?

Será que ela conseguiria?

Ela não tinha certeza. Ela não queria ser honesta com eles, é claro. Todo o seu plano dependia de sua intenção de enganá-los e tirar vantagem deles, mas agora que estava pensando um pouco, ela não achava que tinha a habilidade necessária para fazer isso.

— Ok.

Aro olhou para Caius e eles tiveram uma conversa rápida e inaudível.

— O que você sabe sobre nós?

Foi Caius quem fez a pergunta e, portanto, ele não foi feita de forma clara e nem amistosa.

Ela franziu a testa.

— Sobre vocês...?

— Os Volturi — explicou Caius com impaciência. — O clã olímpico não parece ter falado muito sobre nós, então por que você quer fazer parte da guarda?

Ela se encolheu. Eles sabiam. Claro que eles sabiam que tudo o que ela queria era a imortalidade, como poderiam não saber? Era óbvio demais. Ela teve vontade de bater em si mesma.

— Eu não tive muito tempo para... considerar a oferta — ela admitiu. — Nunca me encaixei em lugar nenhum. Depois que os Cullen deixaram Forks... tem sido difícil. Eu quero um lugar no mundo, eu acho.

— E ser imortal.

Ela não respondeu, mas seu silêncio foi aquiescência suficiente para o líder de cabelos claros.

Ele sorriu e estalou a língua.

Aro deu de ombros.

— Perfeitamente compreensível, eu diria.

— Ela não realmente tem conhecimento de nós ou de nossa importância para a comunidade vampira. Ela quer ser mordida e voltar para o clã olímpico — Caius praticamente a acusou, ofendido por sua ignorância.

Aro não parecia se importar com seus motivos questionáveis.

— Ela é jovem. Nós a ensinaremos.

— Não vale a pena...

— Ah, mas isso nós não sabemos, não é? Sempre podemos ter esperança, irmão.

Bella percebeu que eles estavam deixando que ela entendesse a conversa, ao contrário da discussão sussurrada que eles tinham compartilhado antes, o que só podia dizer que ela também deveria participar.

— Eu vou ficar. Por quanto tempo vocês quiserem.

Ela tentou soar firme, mas sua voz falhou no final. Caius riu com desdém.

— Garotinha tola e ingênua. É uma honra fazer parte de nossa guarda. Você acha que está se sacrificando para obter algo que deseja, mas não pode estar mais longe da verdade. Se você não for formidável, não se engane: não vamos te querer aqui.

Bella sentiu seu coração começou a bater violentamente em seu peito outra vez, e ela tentou controlar sua respiração. Seus dedos se curvaram, agarrando as bordas do assento da cadeira. Ela podia ouvir o ruído áspero de suas unhas raspando contra a madeira. Aro não amorteceu o golpe dessa vez, esperando ansiosamente pela reação dela à advertência do irmão.

Por mais rudes que fossem as palavras de Caius, Bella sabia que eram verdadeiras, ou Aro teria dito algo.

Estava ficando cada vez mais difícil respirar. Ela concentrou sua atenção por alguns instantes nos nós de seus dedos que embranqueciam com a força que fazia, vasculhando a mente em busca da coisa certa a dizer, as palavras que selariam o acordo e convenceriam os seres milenares à sua frente do quanto ela estava levando a sério a oferta deles. Do quanto ela se dedicaria, se não a eles, pelo menos ao seu próprio objetivo.

Objetivo esse que poderia beneficiá-los também. Seus dedos começaram a formigar. Quando ela enfim respondeu, quase não conseguia mais senti-los.

— Vou atender suas expectativas ou morrer tentando.

Eles ergueram as sobrancelhas em uma demonstração que teria sido cômica se não tivesse sido tão elegante e sincronizada. Bella encolheu os dedos dos pés dentro dos seus tênis puídos enquanto esperava que eles dissessem alguma coisa, sentindo a pressão em seu peito começar a afetar sua cabeça. Ela respirou fundo o mais silenciosamente que pôde.

Finalmente, Caius riu. O som forte e caloroso reverberou pelas paredes apinhadas de livros ao redor deles, ecoando por alguns segundos a mais em sua cabeça que latejava. Bella não relaxou.

— Muito bem.

Aro abriu um sorriso resplandecente que o fez parecer um gato prestes a atacar.

— Que bom que você se juntou a nós — repetiu ele, com a voz baixa e solene em um tom completamente diferente da primeira vez em que disse as mesmas palavras.

Ele se levantou e Bella o imitou por reflexo, quase derrubando sua cadeira no processo.

— Temos só mais uma coisa a resolver.

Assim que Aro proferiu as palavras, a porta atrás dela se abriu. Demetri estava na soleira, alto e esguio, encarando-a por baixo das sobrancelhas escuras. Seus cabelos negros dançavam sobre seus ombros quando ele se afastou para deixar o terceiro rei entrar na sala de estudos e, em um instante, ele se foi, deixando-a na companhia de mais um vampiro atrás de portas fechadas.

— Este é meu irmão Marcus — Aro o apresentou. —Você o viu mais cedo.

Ela assentiu com a cabeça. Marcus a olhou com desinteressada cordialidade.

— Estamos discutindo a permanência de Isabella em nosso lar, irmão, e gostaríamos de sua opinião.

O rei de aparência jovial a encarou e ela se encolheu sob seu olhar distante. Ele levantou uma das mãos e roçou a palma de Aro com as pontas dos dedos, fazendo com que Aro soltasse um suspiro de desaprovação. Ele parou por um segundo, abriu a boca e desistiu de falar. Em vez disso, forçou-se a sorrir novamente e balançou a cabeça.

— Entendo. É claro que também acredito que seja um risco desnecessário. O sangue dela é atraente demais.

Eu acredito que não testá-la é um risco desnecessário — Caius interveio. — Ela deveria provar que é digna de confiança. Se ela morrer, ainda é melhor do que ter uma recém-criada traidora em nosso meio.

O coração de Bella parou por um segundo.

Eles estavam discutindo o momento de sua transformação.

Eles estavam decidindo transformá-la imediatamente. Eram dois contra um se Aro também achasse que tê-la como humana no castelo era um risco desnecessário.

Um novo pânico contorceu o fundo de seu estômago, enregelante e entorpecente. Ela o sentiu se espalhar por seus braços e pernas e logo não conseguia sentir nada além do pulsar de seu sangue contra seu crânio. Ela queria isso, sua mente entoou como um mantra. De novo e de novo, ela lembrou a si mesma de que queria isso mais do que qualquer outra coisa e tinha se oferecido para servi-los em troca disso.

Então, por que ela estava entrando em pânico?

Tudo aconteceu muito rápido. Ela estava sozinha com imortais estranhos que não tinham motivo algum para se importar com ela. Ela era apenas uma curiosidade passageira para eles, um experimento. Eles não sofreriam com sua morte, se ela acontecesse. No máximo, ficariam um pouco desapontados. Bella começou a se dar conta do que ela havia aberto mão por aquela nova vida: seu pai, que ela não poderia ver nunca mais, assim como sua mãe e Phil. Seus amigos da escola também teriam que pensar que ela estava morta, e Jacob não iria querer vê-la ou ficar perto dela quando ela se transformasse em um de seus inimigos naturais. Ela poderia ter perdido os Cullen também, jurando lealdade a outro clã, e um do qual Edward e Alice pareciam não gostar muito. Ela estava sozinha.

Foi o que ela pensou por um momento excruciante.

Demetri reapareceu, com tão pouco barulho quanto antes, dessa vez ladeado por Félix e Jane. O brilho animado nos olhos deles e seus sorrisos esperançosos a alertaram quanto a algo alarmante envolvendo Edward e Alice.

— Mestres — saudou Jane com doçura. — Eles ainda estão na cidade.

Caius bufou.

—É claro que estão.

Aro franziu os lábios, visivelmente insatisfeito pela primeira vez desde que Bella o deixou pegar sua mão.

Eles não tinham ido embora. Edward e Alice ainda estavam por perto, na cidade, ignorando a ordem de Aro para irem embora assim que saíssem do castelo. Eles estavam desobedecendo aos reis do mundo dos vampiros por ela.

Ela sentiu uma centelha de esperança se acender violentamente em seu coração e se tornar uma chama.

— Eles foram contactados?

O olho direito de Jane tremeu e seu sorriso deu lugar a uma careta.

— Sim. Eles solicitaram outra audiência, mas não antes da chegada de Carlisle Cullen.

A pequena chama ameaçou reduzir o coração de Bella a cinzas.

Aro murmurou, parecendo refletir sobre as notícias. Depois do que Bella só poderia descrever como outra troca incômoda de olhares silenciosos entre os dois únicos reis que se importavam com o que acontecia ao redor deles, Aro pousou uma mão fria em seu ombro. Ela prendeu a respiração.

— Demetri, por favor, leve Bella aos aposentos dela. Jane e Felix, fiquem de olho nos Cullen e os conduzam de volta assim que Carlisle estiver aqui.

As palavras ecoavam insistentemente em sua mente, intensas e incômodas como uma dor de cabeça latejante. Conduzam-nos de volta assim que Carlisle estiver aqui. Seu futuro não estava selado; pelo menos não ainda. Nem tudo estava perdido.

A voz calma e grave de Demetri a arrancou da agitação nervosa que a consumia.

— Sim, mestre.

Bella expirou.

Guiada pelo toque leve como pluma de Demetri em suas costas, ela saiu da sala tropeçando nos vãos entre as tábuas do piso de madeira. Ele riu de sua falta de jeito e ela ficou mortificada ao sentir suas bochechas arderem em resposta. Em uma tentativa vã de se esconder dele, ela abaixou a cabeça e deixou o cabelo cair como uma cortina entre eles.

Como se ele não pudesse cheirar o sangue ou sentir o calor a metros de distância.

— Você foi muito corajosa em ficar para trás sozinha — ele comentou, sua voz quase um sussurro.

Ela não ousou olhar para ele, consciente da mão dele em suas costas e do rubor em seu rosto traiçoeiro, mas pensou ter ouvido algo como um elogio em seu tom.

— Hm, obrigada. — Ela então considerou o possível significado subliminar de suas palavras. — Se foi um elogio.

Ela sentiu os dedos dele se contraírem, fazendo com que as unhas dele raspassem o tecido de sua blusa. Quando ele falou, ela pôde ouvir seu sorriso.

— E o que seria se não um elogio?

Bella arrastava os pés pelo piso acarpetado, e isso era um desastre prestes a acontecer, então ela se esforçou para levantá-los adequadamente a cada passo. Ela se perguntou se ele pensou o mesmo e se esse era o motivo da mão em suas costas; se ele estava prevendo a queda dela e se preparando para apará-la.

— Uma ameaça.

Ele riu. Ousando olhar para ele, Bella o viu jogar a cabeça para trás e rir indiscriminadamente, seu sorriso aberto realçando sua beleza sobrenatural.

— Você saberia se fosse uma ameaça, Isabella. Se você estiver em dúvida se um vampiro está te ameaçando, ele provavelmente não está.

Ela vislumbrou o rosto de Laurent, a lembrança de seu encontro com ele na clareira ainda vívido em sua memória.

Ela acreditou nele.

— Então, obrigada.

Ele soltou outra risada, um pouco mais discreta dessa vez. Ela esticou os braços, colocando-os desajeitadamente nos bolsos, e seu cotovelo roçou nele. Ele não deu nenhuma indicação de que havia sentido o toque, mantendo a mão nas costas dela para guiá-la enquanto caminhavam lado a lado, mas ela sentiu um pequeno choque elétrico subir por seu braço até o ombro e estremeceu.

Ele tirou a mão de suas costas.

— Perdão — ele disse da mesma forma que havia dito a Edward mais cedo naquele dia; com um toque de escárnio que não era suficiente para convencê-la de que ele estava de fato zombando dela. Com isso, ele tomou a frente, andando em velocidade humana para que ela pudesse acompanhá-lo.

Ele a levou por outro conjunto de corredores agradáveis até um quarto de hóspedes de tamanho médio. Em contraste com a área de recepção impessoal e de aparência comercial e com as passagens frias que remetiam a calabouços, esse quarto parecia perfeitamente normal. Tinha uma cama queen size ao lado de uma mesa de cabeceira sem muitos detalhes, um armário simples e uma escrivaninha. A realidade sobrenatural de sua situação foi momentaneamente abafada pela atmosfera perfeitamente comum do quarto em que ela entrou e Bella finalmente relaxou. Demetri se virou, sorrindo com a mudança de postura dela.

— No armário há roupas de variados tamanhos, tenho certeza de que você conseguirá encontrar algo que te sirva. — Ele apontou para outra porta, do lado oposto à porta pela qual entraram. — Ali é o banheiro. Tudo o que você precisa para um banho já está lá.

Ela assentiu e ele se encaminhou para fora, parando no corredor com a mão na maçaneta da porta.

— Bem-vinda, Isabella. Espero que você se sinta em casa aqui.

Ela engoliu, sentindo-se nervosa com a sinceridade inesperada na voz dele.

— O-obrigada.

O sorriso de boas-vindas dele adquiriu um ar presunçoso diante da gaguejar dela e ele fechou a porta lentamente, sem tirar os olhos dela através da fresta entre a porta e a parede até que a distância entre elas desapareceu e a porta se fechou com um clique. Vendo-se tão sozinha quanto poderia estar em um prédio cheio de criaturas com sentidos aguçados, Bella se desfez em uma pilha de nervosismo e arrependimento, se lançando ao chão.

Era como se seu coração encolhesse, comprimido pela tensão crescente em seu peito, e caísse pelo buraco ardente que Edward deixara há tantos meses. Só que dessa vez ele não tinha ido embora, e Alice também não. Carlisle estava chegando. Eles não a abandonariam de novo, eles ainda podiam resolver tudo. Ela se confortou com essas verdades até se sentir em condições de ir tomar um banho muito necessário. Ela não conseguia se imaginar enchendo uma banheira e submergindo naquele momento, e não tinha ideia de quando alguém entraria lá para buscá-la, então um banho de chuveiro teria que ser suficiente.

Ainda assim, enquanto a água morna batia em seus músculos tensos e ela tentava desembaraçar o cabelo com os dedos, Bella não conseguia conter a onda de preocupações que tomava conta de sua cabeça outra vez.

Eles não confiavam nela. Ela não tinha certeza se era uma convidada ou uma prisioneira, mas os vampiros de Volterra não se importavam com ela e estavam dispostos a arriscar sua vida por mera curiosidade e a descartá-la caso ela não atendesse às suas expectativas.

Está tudo bem, sua mente bradou desafiadoramente.

Ela também não confiava neles.

Ela confiava que sua sorte a manteria viva por mais algum tempo e isso teria que bastar por enquanto.

Chapter 3: nosce hostem

Chapter Text

 

Foi tudo uma questão de política, no fim das contas.

 

O banho de pouco adiantou para ajudá-la a relaxar e ela ainda não tinha conseguido dormir quando Carlisle chegou. Com roupas limpas que jamais teria escolhido para si mesma, Bella calmamente o observou trocar gentileza atrás de gentileza com os três reis, suas vozes calorosas e amigáveis, suas palavras escondendo perigosas mensagens subliminares. Ela mal piscava. Ela não esperava que as coisas acontecessem dessa forma, mas é claro que aconteceriam. Ingenuamente, ela achou que Carlisle entraria no castelo e a resgataria num grande feito heroico. Talvez Edward começasse uma briga e os três vegetarianos tivessem que trocar alguns socos com os guardas antes de deixar o castelo, levando-a sobre os ombros. Testemunhar a realidade do seu "resgate" colocou tudo em perspectiva para ela. Não, não é assim que as coisas funcionam.

 

Foi tudo muito diplomático.

 

Carlisle realmente entrou no castelo; essa parte foi exatamente como ela tinha imaginado enquanto o esperava com ansiedade. Ele entrou com a confiança de sempre, de cabeça erguida e sorrindo seu sorriso de médico - o sorriso gentil e quase imperceptível, acompanhado de um suave franzido na testa. Ele parecia estar andando pelo hospital à procura de um paciente, preocupado com resultados de um hemograma. Bella quase esperava que ele suspirasse e perguntasse qual era o problema e como ela estava se sentindo enquanto auscultava seu coração descompassado com um estetoscópio desnecessário.

 

Ele olhou para ela com a familiar expressão de preocupação, mas o sorriso estava ausente. Seus lábios finos estavam levemente curvados para baixo, o que o fazia parecer mais severo do que gentil. O estômago de Bella deu uma cambalhota enquanto sua mente buscava um possível significado para a expressão do patriarca. Não podia ser algo bom, não parecia nada bom.

 

— Bella estará perfeitamente segura aqui, meu caro amigo. Nós te asseguramos. — Aro encarava seu suposto amigo americano do alto de seu trono, dispensando suas preocupações e refutando seus argumentos com facilidade. — Ela será bem cuidada e instruída e, é claro, quando estiver pronta, estará livre para partir, se assim desejar.

 

Como ela, Alice e Edward observavam a interação em um silêncio tenso, com olhos fixos à frente e evitando se entreolhar. Será que ela deveria dizer alguma coisa? O que aconteceria se ela voltasse atrás em sua decisão? Não parecia certo deixar Carlisle cuidar de tudo quando era a bagunça dela que ele tentava arrumar. Ao mesmo tempo, ela acreditava piamente que ele sabia o que dizer e fazer, e temia que sua interferência só criasse mais problemas. Ainda assim, ela deveria assumir a responsabilidade por seus próprios erros, certo?

 

Assim que ela decidiu se pronunciar, Alice virou a cabeça em sua direção, imediatamente seguida por Edward, e ambos a encararam com absoluto terror. Edward balançou a cabeça em negativa o mais sutilmente que pôde, enquanto Alice sussurrava uma única palavra, mal separando os lábios.

 

"Não."

 

Bella fechou os olhos e respirou fundo, sentindo uma dor no peito.

 

— Claro que sim — ela ouviu a resposta educada de Carlisle ao longe, como se por debaixo d’água, sentindo-se mais fraca a cada palavra — Não há dúvida quanto a isso. Só estamos preocupados com o conforto dela. Acreditamos que Bella se sentiria mais confortável se passasse pela transformação ao nosso lado.

 

Os olhos de Aro brilharam perigosamente.

 

— Entendo — ele sorriu com seu sorriso de gato de Cheshire e cruzou as pernas graciosamente — Nesse caso, sugiro que um de vocês fique aqui com ela, ou talvez dois.

 

Seus olhos então se voltaram para Edward, recaindo sobre Alice em seguida. Edward cerrou os punhos e travou a mandíbula com evidente indignação. Alice, no entanto, mordeu o lábio e torceu suas luvas de couro inquietamente. Edward rosnou.

 

Alice.

 

Ela balançou a cabeça, ainda evitando seu olhar. Seus olhos se fixaram no chão, mas Bella tinha certeza de que estavam cheios de dúvida.

 

— Ninguém vai ficar — declarou Edward. Sem tom era definitivo e não abria margem para discussão, mas Alice se balançava nas pontas dos pés, toda o seu corpo sacudindo com angústia.

 

— Eu...

 

— Alice, por favor.

 

Finalmente, ela olhou para o irmão. Enquanto ele lhe lançava um olhar duro de advertência, ela o olhava de volta com tristeza.

 

— Como vou conseguir ir embora de novo?

 

Ela não disse mais nada, mas todos ouviram o questionamento implícito:

 

Como você consegue?

 

Bella podia ver que eles pisavam em um terreno perigoso. Ela podia ver que os Volturi não queriam deixá-la ir agora que ela tinha aceitado a oferta deles, e pressioná-los demais poderia mudar o tom da conversa. Caius só conseguiria simular o tom amigável por um certo tempo e suportar um certo nível de insistência.

 

Carlisle suspirou alto.

 

— Eu tinha esperança de que pudéssemos ter uma discussão mais informal e reservada.

 

O rei de aparência mais madura ergueu uma sobrancelha alva. Em algum lugar da sala, um guarda riu zombeteiramente. Aro ignorou os dois e analisou Carlisle por um momento, inclinando a cabeça como um cão curioso. Seus olhos cintilantes perderam parte de sua austeridade calculista, sua frieza se dissipando enquanto ele considerava o pedido. Por segundos excruciantes, a grande sala ficou em completo silêncio. Bella pensou que estava perdendo a noção da realidade de novo, sua tontura a fazendo sentir como se o tempo tivesse parado.

 

Mas Aro mudou de posição em seu assento ricamente adornado e por fim falou:

 

— Muito bem.

 

Bella teve a impressão de que ele teria negado qualquer um, menos Carlisle.

 

Descendo de seu trono com elegância régia, Aro deslizou em direção ao patriarca dos Cullen e pegou sua mão. Metade da sala se moveu com ele em estranha sincronia, com roupas escuras ondulando em volta de pés silenciosos. O rei abaixou a cabeça em sinal de concentração, deixando que seus cabelos negros obscurecessem seu rosto pálido.

 

O estômago de Bella rompeu o silêncio com um ronco, e seu rosto ficou quente quando ela notou algumas cabeças se virando em sua direção.

 

— Ah, parece que nossa querida Bella precisa comer. Vamos continuar essa conversa em meu escritório — Aro sorriu e se virou para Félix — Para a cozinha com nossa convidada humana, sim?

 

— Ele não — Edward engoliu com dificuldade antes de acrescentar forçosamente — Por favor.

 

Felix sorriu, mas não disse nada.

 

— Eu levo ela — Alec se ofereceu. Jane tentou suprimir uma careta, possivelmente prevendo a próxima frase de Aro.

 

— Obrigado, Alec. Jane pode ir com você.

 

— Sim, Mestre.

 

Jane parecia prestes a vomitar.

 

Bella queria protestar, certa de que poderia facilmente ignorar sua fome para presenciar a discussão de seu destino, mas ficou em silêncio. Os gêmeos passaram por ela sem dizer nada e saíram da sala; o ritmo lento com o qual caminhavam era a única indicação de que ela deveria segui-los. Lançando a Alice e a Edward um último olhar arrependido, ela saiu da sala.

 

Suas esperanças de fazer outra caminhada silenciosa pelo castelo foram imediatamente destruídas por um sibilo irritado de Jane.

 

— Não consigo ver o que seria da conta de Carlisle Cullen aqui. Criança desrespeitosa e intrometida.

 

Alec deu de ombros, mas Bella teve que se conter para não cair na gargalhada ao ouvir a garota chamando Carlisle de criança. Ela se perguntou mais uma vez qual seria a idade deles, pois sabia que Carlisle tinha sido transformado séculos atrás.

 

— Todo esse esforço é inútil — ele concordou, embora não tão acaloradamente — até porque Bella não quer ir embora. Não é mesmo?

 

Ele olhou para ela, seus olhos brilhando com um certo divertimento que parecia estranhamente deslocado em seu rosto de outra forma vazio de expressão. Pega de surpresa pela pergunta capciosa, Bella tropeçou, mas não caiu. Mordendo a bochecha, ela tentou imitar o tom diplomático dos imortais da melhor forma que pôde.

 

— Eu... tomei minha decisão. O que acontecer daqui para frente não depende de mim.

 

Sua voz saiu fraca e carregada de insegurança, e Alec sorriu. Jane rolou os olhos, surpreendendo Bella novamente com sua inesperada falta de modos.

 

— Você devia ter ido embora com eles e nos poupado desse circo.

 

Irmã, como assim? Ela tem um dom. Como nós. Recusar uma oferta tão incrível - um posto na guarda - seria uma grande burrice. E nós perderíamos a chance de ter mais um membro talentoso no nosso clã.

 

Bella quase parou de chofre antes de perceber que ele estava só provocando a irmã de novo, assim como tinha feito antes, quando ela chegou com Alice. O rosto dele era sempre tão sério quando dizia essas coisas que Bella demorava um pouco para perceber que ele estava brincando, mas Jane parecia mais do que acostumada com suas provocações.

 

— Como nós — ela ecoou, pensativa — acho que não.

 

Alec finalmente deixou a máscara cair, rindo e balançando a cabeça.

 

— Bom, talvez seu dom funcione nela quando ela se tornar imortal.

 

Essa perspectiva animou Jane tanto quanto instigou absoluto pavor no coração de Bella. O sorriso esperançoso de Jane se alargou quando ela notou a mudança de ritmo de seus batimentos cardíacos e ela continuou sua caminhada muito mais alegremente.

 

Bella observou os irmãos com curiosidade, apesar de seu estado físico e mental estar se deteriorando. Ambos tinham prazer em atormentar os outros, ela notou, embora Alec preferisse ser muito mais sutil do que sua irmã. Ela guardou essa pequena informação, decidindo manter distância deles o máximo que pudesse.

 

A cozinha não era nem um pouco como ela tinha imaginado.

 

Era um cômodo amplo, moderno e iluminado, repleto de eletrodomésticos de aço reluzente. As paredes eram de um creme pálido e os armários tinham sido pintados de branco, enquanto as bancadas eram de mármore claro. Ela semicerrou os olhos para protegê-los da mudança repentina de luminosidade e ouviu seu estômago reclamar novamente.

 

Alec se apoiou na grande ilha no centro do cômodo.

 

— Com que frequência você precisa comer?

 

— Ahn, de tantas em tantas horas. Umas três ou quatro.

 

Ele assentiu com a cabeça, apenas ligeiramente interessado, e Jane riu maldosamente.

 

— Acho que não vamos conseguir nos lembrar de te alimentar com tanta frequência. Quantos dias você consegue ficar sem comer antes de morrer?

 

Bella abriu a boca para responder, sentindo um frio na barriga, mas nenhum som saiu. Alec riu outra vez e Jane se juntou a ele, enquanto Bella ficou ali com a boca aberta como um peixe, sentindo-se idiota ao perceber que eles estavam apenas a provocando de novo.

 

Sua pele esquentou de vergonha até o pescoço, e ela se repreendeu mentalmente por ser um alvo tão fácil.

 

— Você realmente tem um cheiro incrível — comentou Alec com naturalidade antes de apertar um botão sob a bancada da ilha. — O tipo de sangue que deveria ser apreciado, não só tomado para matar a sede... e nós acabamos de nos alimentar. Pena que não podemos experimentar.

 

Bella se abraçou com força, incapaz de dizer se ele estava apenas tentando provocar uma reação nela, mas ele não lhe prestava mais atenção. Em vez disso, ele olhava para o teto com os olhos desfocados, e sua voz era monótona e baixa. Mesmo assim, suas divagações ainda conseguiram perturbar Bella e ela mordeu o lábio nervosamente.

 

Virando-se para Jane, ela notou que a garota a olhava com extrema concentração. Quando ela encontrou o olhar de Bella, seu rosto relaxou.

 

— Muito irritante.

 

Alec riu.

 

Ela foi salva da irritação crescente de Jane por um homem humano de meia-idade que entrou na cozinha pela porta dos fundos. Sua cabeça calva refletiu as luzes brilhantes quando ele entrou, e seus braços recobertos de pelos estavam parcialmente protegidos por mangas compridas que ele tinha enrolado até os cotovelos. Bella achou que ele parecia exótico e estrangeiro, com suas sobrancelhas grossas e escuras e olhos negros como breu, antes de se lembrar de que ela era a estrangeira exótica naquele caso. Ele entrou apressadamente, fazendo duas reverências antes de olhar para Bella inquisitivamente.

 

Jane falou com ele em uma língua misteriosa, rápida e permeada por sons ásperos. Ela parecia estar lhe dando instruções, mas Bella não conseguia captar nada do que ela dizia. O homem assentiu profusamente quando ela se calou, esfregando as mãos em seu avental sujo.

 

— Outra pessoa vem te buscar em cerca de uma hora — Jane a informou, em alto e bom som. — Tomara que seja outra pessoa… — ela acrescentou em sussurros, ainda alto o bastante para que Bella ouvisse.

 

Alec sorriu com a indisposição da irmã e saiu da sala sem olhar para Bella. Jane o seguiu prontamente, dando meia-volta e desaparecendo sem fazer barulho.

 

Bella olhou para o homem de nome desconhecido sem saber o que fazer. Será que ele falava a língua dela?

 

Se falava, não parecia disposto a usar seu conhecimento com ela – ou a falar com ela no geral. Ele gesticulou para que ela se sentasse em um dos bancos ao lado da ilha e abriu a geladeira, pegando alguns ingredientes e colocando-os em outra bancada. Era estranho e, para Bella, quase rude sentar-se ali e assisti-lo cozinhar para ela, mas ela não tinha escolha. Sua fome e seu cansaço ajudaram a deixá-la menos constrangida por só olhar para ele e esperar ser servida, e assim ela esperou pacientemente. Suas pálpebras tentavam se fechar e ela logo percebeu que seus braços e pernas começavam a pesar. O desconhecido começou a cozinhar, cortando a carne e os legumes habilidosamente e movendo as frigideiras sem esforço aparente. Os olhos de Bella se abriram com espanto diante da demonstração e ela se sentiu subitamente acordada, encantada com o espetáculo.

 

O cheiro de comida tomou conta da cozinha e seu estômago protestou outra vez. O homem olhou para ela com um ar divertido e levantou uma das mãos, quase tocando o polegar no indicador. Ela assentiu com a cabeça, desviando o olhar enquanto ele terminava de cozinhar.

 

Ela torceu para ele não estar cozinhando nada que fosse muito exótico para ela.

 

O homem chamou sua atenção novamente ao colocar um prato à sua frente na bancada.

 

— Obrigada.

 

Ele não respondeu. Esfregando as mãos no avental, ele se virou e a deixou sozinha na cozinha.

 

Foi mais difícil comer do que ela esperava. Embora seu estômago implorasse por comida, ele a rejeitava ao mesmo tempo. As especiarias ardiam em sua língua e o cheiro forte que invadiu seu nariz quando ela levou uma colherada à boca a fez tossir. Bella demorou um pouco para se acostumar, parando e levando a comida ao nariz antes de tentar engolir outra colherada. Após a terceira, a náusea cedeu e ela pôde perceber que a comida era deliciosa, melhor do que qualquer outra coisa que ela tivesse provado na vida até o momento. Então, um pensamento mórbido lhe ocorreu, e foi como se gelo tivesse tomado conta de todo o seu corpo.

 

Parecia que ela tinha ganhado uma última ceia.

 

Ela afastou o pensamento e comeu com calma, saboreando cada porção, já que não tinha ninguém por perto para pressioná-la a terminar – ou assim ela achava. Uma voz aveludada chegou a seus ouvidos assim que ela descansou os talheres.

 

— Terminamos?

 

Ela deu um pulo, virando-se para encarar o dono da voz. Demetri inclinou a cabeça.

 

— Peço desculpas. Achei que tinha feito barulho o suficiente quando entrei.

 

Bella percebeu, pelo modo como ele sorriu, que ele sabia que não tinha feito barulho algum quando entrou.

 

— Ahn, sim. Já terminei.

 

Ela pegou o prato e se levantou para lavá-lo, mas Demetri a pegou pelo pulso.

 

— Deixe aí. Temos gente para isso.

 

Ela obedeceu, aliviada por ele tê-la soltado com a mesma rapidez com que a tocou. A frieza da pele dele a deixava profundamente desconfortável, algo que não acontecia quando ela sentia as mãos igualmente frias de qualquer um dos Cullen, e o fato de ele tocá-la com tanta frequência e com tanta facilidade a inquietava. Ela mexeu os ombros para dissipar um pouco da tensão e arriscou fazer uma pergunta.

 

— Como está indo? A conversa.

 

Ele deu de ombros.

 

— Bem.

 

Percebendo que ele não estava disposto a dar detalhes, ela suspirou, fazendo com que ele sorrisse.

 

— Preocupada? Sob a impressão, talvez, de que está em apuros?

 

Ela balançou a cabeça, embora ele tivesse acertado em cheio. Não, ela não podia deixar transparecer o quanto estava apavorada com as consequências de seus próprios atos, principalmente depois de ele ter dito que ela tinha sido corajosa.

 

— Sob a impressão de que estou sendo um estorvo.

 

Ele sorriu, levantando a mão e fazendo um gesto para que ela o seguisse de volta pelo mesmo corredor por onde ela tinha vindo.

 

— E não somos todos em algum momento da vida?

 

O que ele quis dizer com isso, ela não fazia ideia. O que quer que fosse, com certeza não aliviou suas preocupações. Caminhando ao lado dele, ela franziu a testa e ele decidiu lhe agraciar com uma explicação.

 

— Você é jovem, Isabella. É completamente compreensível que precise de auxílio e orientação. Você não é um estorvo para nós.

 

Ela lutou contra a vontade de corrigi-lo quanto ao seu nome.

 

— Jane discordaria.

 

Ele estalou a língua.

 

— Ah, Jane. Ela está chateada porque você roubou os holofotes. Vai passar em breve.

 

Bella torceu para que ele estivesse certo. Mesmo com sua aparência infantil e sem seu dom, Jane dava medo. Ela ainda era muito mais forte que Bella e parecia se irritar com muita facilidade.

 

— Você deveria dormir um pouco — Demetri interrompeu seus pensamentos — vou levá-la de volta ao seu quarto.

 

— Não sei se vou conseguir dormir agora. Não consegui antes.

 

Ele a olhou com curiosidade, pegando-a pelo cotovelo quando ela tropeçou e soltando-a assim que ela se estabilizou.

 

— Não importa o quanto você se preocupe, o resultado da discussão deles não mudará. Ele estava certo, mas não fazia diferença.

 

— Eu só... queria que tivesse alguma coisa que eu pudesse fazer. É horrível ficar quieta e ver todo mundo ocupado por minha causa enquanto eu descanso.

 

Demetri se calou por um momento. Ele a guiou resolutamente pelos diversos corredores em um ritmo constante, olhando sempre à frente, por fim parando na porta do quarto designado a ela.

 

— Você já fez pão?

 

Bella franziu o cenho, confusa.

 

— Ahn, não. Na verdade, não.

 

— A maior parte do processo de se fazer um bom pão é apenas esperar.

 

Ele abriu a porta para ela e se afastou. Bella entrou hesitantemente no quarto, examinando-o enquanto ainda escutava com atenção o vampiro sorrateiro atrás de si. Para sua surpresa, a mochila que ela tinha levado para a Itália estava ao pé da cama.

 

— Como...?

 

— Alice Cullen trouxe.

 

Ela assentiu, indo até a cama e ajoelhando-se no chão para abri-la. Para sua surpresa, tudo o que ela tinha guardado ainda estava ali, incluindo toda a sua documentação.

 

Percebendo que ficaria sozinha naquele quarto por algum tempo, Bella desejou ter levado alguns livros e imediatamente se sentiu tola.

 

— Falta alguma coisa?

 

Demetri ainda estava à porta, olhando para ela curiosamente. As mãos dele estavam juntas à frente do corpo e sua postura rigidamente ereta fez com que Bella se sentisse comparativamente desleixada.

 

Ela se levantou e jogou a mochila na cama.

 

— Não, está tudo aqui. Obrigada.

 

Ele não saiu e não respondeu, erguendo uma sobrancelha e adentrando o quarto lentamente.

 

— O que foi, então?

 

Bella olhou para baixo e passou a mão pelo cabelo para dissipar o nervosismo antes de responder.

 

— É só que... queria de ter alguma coisa para ler se vou ficar esperando aqui sozinha.

 

— Ah...

 

Eles se entreolharam sem jeito por um instante antes de Demetri sorrir outra vez.

 

— Vou ver o que posso fazer.

 

Ela tentou dizer "não" e "obrigada", mortificada por incomodá-lo ainda mais, mas ele se foi antes que ela pudesse sequer piscar. A porta se fechou sozinha, movendo-se suavemente e emitindo um clique muito depois de ele tê-la tocado.

 

Suspirando pesadamente, Bella pulou no colchão macio e chutou as cobertas para longe. A cama era quase confortável demais para ser usada, ela decidiu, o que poderia ter contribuído para sua dificuldade de dormir nela mais cedo.

 

Toda a situação com os Cullen não ajudava, claro.

 

Ela fechou os olhos e tentou controlar sua respiração, imaginando Carlisle e Aro na mesma sala apinhada de livros onde ela tinha conversado com os reis. Em sua imaginação, Aro deixava Carlisle ficar sozinho com ele no pequeno escritório, exceto talvez pela presença de um ou dois guardas. A conversa deles era amigável no início, mas sua mente célere não demorou para transformar o cenário agradável em um pesadelo violento. No final, o sorriso de Aro se tornou felino e perigoso em vez de caloroso e afável, e seus guardas se posicionaram cuidadosamente atrás do patriarca dos Cullen, curvados como leões prontos para o ataque. Bella tentou gritar, tentou avisá-lo, mas sua garganta se trancou e ela engasgou, arfando furiosamente enquanto Carlisle era subjugado.

 

Aproximando-se do vampiro contido com seu deslizar sinistro, Aro colocou as mãos translúcidas em seu rosto, sorrindo como um maníaco antes de puxar com força, e a cabeça de Carlisle foi arrancada de seu corpo com um estrondo metálico.

 

A cena inteira desmoronou quando Bella se sentou na cama, coberta de suor gelado. Seu cabelo estava grudado em seu rosto ensopado e seu corpo inteiro tremia, fazendo seus dentes baterem. Ela colocou os braços em volta de si mesma para interromper o tremor e travou a mandíbula, ouvindo-a estalar, mas logo abriu a boca em busca de ar. Ela ficou ali por vários minutos, com os braços firmemente fechados em volta de si e a boca aberta, engolindo ar como se fosse água. Quando se acalmou, afastou o cabelo do rosto e olhou ao redor do quarto, tentando encontrar um relógio ou qualquer coisa que pudesse lhe dizer quanto tempo havia transcorrido, mas não encontrou nada. O quarto estava mergulhado na escuridão, embora não absoluta, e ela imaginou que algumas horas tinham se passado. O pesadelo parecia ter durado apenas alguns minutos.

 

A única coisa que ela encontrou ao olhar mais de perto foi um exemplar surrado de O Morro dos Ventos Uivantes sobre a escrivaninha. Em cima dele, um pequeno pedaço de papel continha uma mensagem curta, escrita à mão em estonteante caligrafia.

 

"Ouvi dizer que é um de seus favoritos."

 

Tentando não pensar em como exatamente ele conseguiu essa informação, ela abriu o livro, grata pela distração.