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Verde como o céu, azul como a esperança.

Summary:

"— Se não, eu posso te entregar o número de uma amiga. Ela é superlegal, está solteira, igual a você.— a voz esfuziante dela não passa batido. Como aqueles champanhes dispendiosíssimos que circundam as taças com resplendorezinhos e tudo mais. Em contramão, Yuri está maldizendo-se até o exício. Tudo, menos isso. Tudo, menos isso.

Briar balança a cabeça devagar como se ela pudesse enxergá-lo, os pés estão enervados outra vez e as unhas arranham o couro do banco enquanto ele se embala para frente e para trás como uma criança consternada. O último gole do chá há tanto esquecido cai como uma navalha perfurando o estômago dele e fazendo-o cuspir sangue. Ele encosta a cabeça na quina da mesa, não faz questão de desligar e solta um muxoxo baixinho. E aqui está. O abismo estratégico ridículo o qual nem um idiota cairia.

Yuri não sabe onde está com a cabeça quando decide que ele deve perder o senso comum.

— Não vai precisar, mana. Eu tenho... Alguém. Uma... Namorada."

Chapter 1: I. Ontem é o anteontem de amanhã e o amanhã de anteontem.

Summary:

"Ela não aparentou se importar em fazer recepção a ele, o que fê-lo questionar se ela, de fato, não estava o vendo ali ou só não queria falar com ele. E foi assim, sem um cumprimento ou sinal de que ela o reconhecia, que ele a fitou correr escada abaixo ao passar por ele.

Sem amizades, é o jeito Briar que contasta a mulher do quinhentos e vinte e nove."

Notes:

há uma semana fez um ano que eu comecei a escrever isso aqui e, para ser bem sincera, ainda faltam quatro capítulos inteiros para terminar — particularmente eles são meus favoritos desde a primeira edição e merecem um cuidado especial. acho que não importa se os yuriona têm muitos haters, se eles não são canon, a minha vontade de escrever sobre eles sempre vai ser mais forte que eu. ambos têm uma coisa tão legal enquanto personagens que malemá são desenvolvidas e isso me deixa inteiramente encantada e triste. então eu aproveito o tempo para aprimorar minha escrita com histórias sobre eles. e acabo publicando por que essa pergunta tão boba persiste dentro de mim — o que será que eu vou pensar quando ver esses manuscritos enquanto adulta?

informações extras:
1. o título "verde como o céu, azul como a esperança" surge da música 'verde que quero rosa' do cartola;
2. eu tenho a ideia de que o loid tem um papel muito importante na vida da fiona como percursor da paixão avassaladora que ela tem por ele, e resolvi não mudar isso, então eu coloquei eles com a mesma formação para que eles se conheçam antes. como divergência canon eles são psicanalistas, porque a psiquiatra é chata para mim quanto narradora da personalidade deles. isso porque trabalhar o inconsciente quase tem a ver com hipnose — e hipnose é muito espionagem da parte dos dois;
3. a maioria das referências cinematográficas têm a ver com as obras de fritz lang;
4. o título do capítulo 1 parte de uma frase do primeiro conto de 'homens sem mulheres', de haruki murakami.

acho que só!
da Lit ꢡ𐑼,
boa leitura a todos.

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Cacófato trespassa sua outiva no segundo em que se deslinda no próprio discernir. E ele medita no abalroar de porcelanatos, nas autonomásias — ou verdadeiros nomes — em murmurinho; na sineta da porta balançando-se de um lado para o outro; na máquina de pagamento do caixa percorrendo um bipe-bipe que vai e volta e os ininterruptos e dissemelhantes meio-tons de obrigado propriciados à atendente, os quais, desembaraçadamente, tornariam-se uma consonância. A noite calorenta se encomprida de um a outro lado da claraboia, a vista se harmoniza à forma do céu ao se coligar em um cambiante de safira consolador que faz as ruas se fulgurarem fronteiro dos trabalhadores voltando para suas casas neste fim de dia. A vidraça se patenteia, assinalada com partículas quase irremovíveis de água, e ele consegue ementar que não se defronta com uma salseirada há alguns dias. O que resta em canícula frisa pelas palmas dele e seus dedos ficam suados ao esquadrinhar em torno. Um garoto mais novo e mais conspícuo que todos ali perpassa de um lado para o outro, a ponta dos cabelos pintados de verde e os trajes, acintosamente, retalhados quase relumbrando contra o local. Ele empreende se estugar um pouco mais quando o dia dele acaba malogrando o manejo e incorrendo-se pelas próprias mãos com as unhas pintadas de preto.

Briar conjectura que isso seria capaz de se transverter em conto romântico infantojuvenil no momento em que o menino se acotovela numa enxurrada de vênias e exaspero ao ver a bebida dele alastrando-se na blusa de uma mulher plenamente colidente dele, cabelos cacheados e vestida como uma executiva. A feição exterioriza uma presença mais do que discrepante da aparência dela ao mostrar os dentes retinhos e balançar as mãos para ele atenciosamente, figurando obsequiar, em baixo timbre, uma piscada e um outro café. Bem, ainda existem pessoas gentis em Berlint.

O poente comedido, eventualmente, fez as pessoas saírem do trabalho e agora Briar tem que lidar com a pequena lotação no café que ele costuma frequentar após um turno de doze horas e nada além de água forrando o estômago. É fácil trocar um jantar fresco por chá quando morar sozinho pode ser tão desgastante quando a percepção de ter que cozinhar para si mesmo bate em sua porta. Yor o mataria se soubesse disso — a verdade é que Yuri nunca comeu mais do que duas refeições ao dia desde que se mudou, porque talvez ele sinta falta da comida dela — mesmo sendo execrável —, ou talvez ele simplesmente se agarre ao conforto de ter um prato quentinho esperando por ele depois da escola. Às vezes ele se dá desconto porque tem preguiça de cozinhar ou porque está com debilidade de fazer esforço para mastigar ou com sono demais para comer. Dizem que beirar a casa dos trinta anos é assim.

A certeza da sua própria familiarização com o ambiente é confortável o bastante para que Yuri faça o mesmo pedido corriqueiro — aquele mesmo chá de frutas vermelhas sem açúcar que quase sempre passa de oitenta graus e faz ele queimar a língua —, tudo o que precisa é de um pequeno sorriso gentil e um "boa noite" para saberem o que ele quer.

E Yuri Briar se afunda na própria solidão mediana ao se dar conta de que a única coisa que ele mal pode esperar é se esquentar e ir para casa tomar banho e se enfurnar nas cobertas para aproveitar a sua folga. Quem sabe ele tome café da manhã, almoce e jante no dia seguinte, uma sexta-feira relaxante e sem atrasos. Não dá para ter certeza de quando começou a não querer trabalhar tanto, o tempo cansando-o da rotina sem perceber.

Então ele dá um suspiro, e contempla a noite ostaniana através de todo o barulho zunzunando em seus ouvidos.
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Entre a nuance de azul-claro perdendo-se em índigo, a porta de entrada toca o sino mais de duas vezes ao abrigar os passos pesados de quem por ali passa, as batidas enrolando-se dentro dele com o tique-taque do relógio e a música genérica que se repete tantas vezes a ponto de fazê-lo trautear. Ele olha para o telefone a cada vinte cinco segundos, mesmo sem especular que alguém o mande mensagem, prevendo que algum tipo de portento tenha-o tornejando da pasmaceira de esperar.

Yuri nunca foi conveniente em aguardar, condicionar letargia, dirigir, fazer provas. Todos esses episódios que vindicam que ele fique mais de dez minutos com a sua própria mente, os quefazeres corriqueiros que são quase impossíveis de evitar desde que ele deixou Yor para morar quase do outro lado da cidade. Briar não chamaria isso de autossabotagem, mas, se ele não fosse ele mesmo, evitar a presença de si próprio seria uma coisa a qual não teria esforço em repetir.

A sineta bate uma vez ali, um chute na porta como se alguém estivesse sem mãos para impulsar a maçaneta, espantando-o até que perceba o eflúvio da bebida quente dando voltas ao redor dele, o cheiro acalmando-o como um arrebol. Ele apoia as duas mãos contra o porcelanato, sentindo o objeto queimar as palmas dele, custosamente apoquentando-se. Sem virar imediatamente para olhar, Yuri se concentra no elóquio beirando-o:

— Merda, que merda, que merda.— ele estuda o tom de voz, a brusquidão denunciando como ela chutou a porta algumas vezes antes de realmente conseguir entrar na cafeteria, o sussurro baixinho e insultoso como quase sempre, e ele memora bem de como esta frase se mostrou pertinaz de quando em quando ao seguir dos últimos setenta e dois dias, num timbre mais enfático ou inquieto, e Briar não pôde evitar de gravar porque é raro que ela se proponha a fazer barulhos durante o tempo com ele, quase como quisesse manter a voz em segredo.

Ele conta um, dois, três, sete, doze, quinze. E move o visar, minudentemente, sem evidenciar, algo como andar devagar quando um predador está de olho em você, para observá-la de esguelha — uma confirmação para ter certeza dela. É demorado em raciocinar — porque ele mal a viu fora do sofá dele, se isso não incluir no corredor que os transforma em vizinhos.

— Sylvia! — ela parece impaciente, impiedosa, pés com saltos desassossegados em luta com o soalho ao estabilizar o celular por forma que os dedos dela atestem como está agarrando mais descomedidamente do que teria. Ela fica ali, sentada em uma mesa um pouco longe dele, com a feição, amiúde, agastadiça dela que ele nunca teve a alacridade de desorganizar. Aquele tipo de rosto que Briar tem insuspeição que a perpetra a se conjecturar imperante sobre o mundo, quem sabe a Via-Láctea, inteiro. A franja está caindo nos olhos dela ao se encostar no banco e jogar a cabeça um pouco para trás, a boca desacerrando-se em uma anétema que, de modo inegável, não é autenticada por quem quer que esteja do outro lado da linha.— Eu sei que não deveria ter feito isso, mas esses adolescentes me tiram do sério e...

Yuri fica um tempo projetando a silhueta dela para torná-la em algum sentido, solidificando-se de que a sua vizinha de porta não é consequência da própria insânia, os tinidos escondendo-se ao fixá-la tal qual um despudorado, tão imergido que não se faz ver o despautério sem-fim que será se ela pegá-lo atalaiando. Ele prescreve como não chegou a vê-la fora de tecidos condizentes com códigos de vestimenta específicos — nunca tocando a campainha dele com um pijama ou algo que a faça parecer desarrumada — e isso não se esvai agora. No entanto, Briar, até que em fim — ele espera que isso seja algum presente dos céus —, delineia como meias-calças escuras contornam tão bem, tão levianamente bem, as pernas dela, as botas de salto alto quase parecendo feitas sob medida para ela. Fiona ainda está compenetrada na discussão ao cruzar as pernas, as unhas desfeitas — e ainda assim bonitas — descansando na mesa ao revirar os olhos.

Só por fascínio, o coração dele dá um pincho despavorido, um furor para resignar o enfoque. Os zunidos volvem a fazer parte do derredor quando ela se levanta bruscamente, a chamada terminada ao passo que se encaminha até a recepção.

Tem algum banheiro?, Frost interroga, uma soada tão melódica quanto um epinício. O que ele julga ser usado para não amedrontar as pessoas. A atendente dá um sorriso enquanto assente, os gestos de mão indiciando como ela guia Fiona até o local. Mas Yuri sabe que não é retribuída com afabilidade ao circuitar os fios liláses se esvoaçarem com a retirada subtânia na perseguição do toilette.

Ele interroga se deve esperá-la usar o banheiro, questionamento estulto — consueto em demasia —, para conversar com ela, algo mais do que o "boa noite" que troca com ela umas três vezes por semana. Eles em tempo nenhum se denominam além das encomendas erradas que os levaram aos momentos noturnos. Um "seu nome é realmente Fiona?"; "O que esteve fazendo nas duas últimas semanas?".

Quiçá ela estar no mesmo lugar, na mesma hora, que ele seja alguma coisa — ou é só a elementar e trivial evidência de que eles moram no mesmo bairro. Como começar uma conversa com ela? Melhor dizendo, eles conversaram. Nada muito contingente. O bate-papo mais estirado que conseguiram conservar foi um: "Você está bem?" na ocasião em que o destino se tornou tirante nas primeiras noites e ele recebeu como resposta um açorado "sim, sim, sim, sim." E para por aí. Yuri tarda a descortinar como ele está muitíssimo submerso em seu respectivo subconsciente que encara a janela como um pacóvio psicopata — é isso que significa ser deixado com os próprios pensamentos. O chá está começando a perder a fumaça ao se ver nos próprios devaneios.

E Yor está ligando antes que possa se perguntar por Fiona, se repreender por parecer um idiota, aproveitar a sua bebida e ir para casa.

Briar prescinde de pensar. Coloca um sorriso suspirado, quase pendendo para baixo, no rosto. Atende a chamada.
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— Yuri? — ele delonga um pouco um retorno, atasca os dedos entre os cabelos caliginosos tal qual nuvens chovosas e se concentra na voz dinâmica e no fôlego imperturbável de Yor. Ela não está em casa, é possível descobrir, o barulho da cidade envolvendo-a por um momento, a voz mais baixa por causa disso, e Briar se lembra de como ele odiava a parte sul de Berlint a essa hora — pessoas mal-educadas, quase sempre com brigas e metrô mais do que cheio ao sair do trabalho. A parte leste acaba, a cada instante, mais fleumática ao se mudar para cá. Ele dá um lamento tacanho, para não deixá-la fisgar, antes de voltar com o sorriso inicial chafurdando a própria estafa. O chá não está mais tão quente ao engoli-lo como se fosse remédio.

— Oi, mana! — ele não sabe se demorou demais para responder, mas guarda o questionamento para si mesmo.

— Ei! — Yuri pode sentir o sorriso dela através da frase, uma indicação de que ela se mexe ao respirar um pouco mais a duras penas.— Como você está? — Yor ainda é a mesma garota de dezesseis que estava sempre cansada do trabalho e, ainda assim, tinha tinha tempo para perguntar sobre o dia dele quando diz isso. Há uma memória vaga dos dois sentados na mesa daquela casinha apertada enquanto ele explicava as diversas matérias, as quais tinha aprendido na semana, para ela. E isso o deixa tão lento que ele quase precisa de um papel para escrever as palavras e finalmente entender o que ela disse.

— Trabalhando... Mas bem. E você? — Briar consegue depois de um tempo, coçando os olhos só para a confirmação de ainda estar vivo. E ela continua:

— Toda vez que te ligo você diz a mesma coisa, Uri! Você tem que se divertir...— ele decora bem esse pequeno discurso que eles voltam a cada dois meses — quando ela tem algo importante para anunciar sobre a família que está formando. Ele nunca sabe se deve sondá-la se, o que ela sente quando tem boas notícias para anunciar para ele, é culpa, então é fácil puxar a conversa para o lado descontraído para deixá-la ciente de algo sobre os sentimentos dele em relação a isso:

— "Sair com amigos, ir à baladas, arranjar uma namorada. Eu sei que você não pôde ter uma adolescência descente porque não tivemos pais, e esse tempo não vai voltar. Mas, Uri..." — ele itera o que atina que ela vai exprimir, uma queixa absorta para que Yor saiba que ele diz: estou bem. Bem sozinho. Não se preocupe.

— Aproveite o tempo que você tem fazendo coisas que gosta, você pode...— ela integraliza. Ele retrograda:

— Faltar no trabalho de vez em quando, mana, eu sei. Mas eu não tenho motivos para isso.— quando algo correlato a esgotamento físico e enternecedor começa a devorá-lo pelos rins e os pés dele se repuxam, atormentados, os dedos buscam por um guardanapo em cima da mesa e se esforçam para transformar um pedaço de papel em um barquinho fajuto que ele aprendeu a fazer em algum dia fodido do exército.

— Arranje motivos.— Yor ainda tem a conversa firme em mente.

— Não tenho amigos.— ele poderia usar aquele tom depreciativo que sempre acaba caindo em algum achincalho ou risada falsa que dá um aperto angustiante no peito, mas a única coisa que resta é a impaciência ao esfregar as mãos no rosto.

— Mas tem uma namorada, não tem? — ela provoca, o jeito brincalhão e fraterno que eles não costumavam mostrar quando mais novos aparecendo ali. Yuri quase bufa, desviando das bobeiras sem prestar atenção:

— Você está bem, Yor? — ele espera que ela responda quando pergunta uma segunda vez, mesmo que com a voz arrastada. Ela não faz.

— Como vai ser padrinho de casamento da sua irmã se não trazer uma companheira? — porque de repente ela joga de uma vez na mesa algo que ele não estava preparado para escutar. Yuri fica uns bons dez, vinte segundos, sem respirar, o barquinho se desequilibrando assim como os batimentos cardíacos dele. Ele pesca alguma motivação para buscar períodos, uma locução, verbos, seja o que for, mas se controverte se compreendeu-a direito.

— O quê? — ele gostaria de estar em um lugar sozinho para poder ser um pouco mais barulhento, mas um sussurro é o suficiente no segundo em que algo pesado e viçoso se revira nas entranhas dele. Yuri está com os lábios entreabertos ao se encostar no banco, algo como um diz que diz malquerido no ouvido, a cabeça pendendo para trás e é só aí que ele repara o sino bater uma outra vez.

O corpo tem uma retornança para frente de modo incalculado, desenha como ela acabou de começar uma outra ligação e segura o café com a mão vazia, sempre usando uma força a mais por algum motivo. Briar chega a idealizar os saltos dela batendo no chão, reverberando de longe mesmo que ela já esteja fora da audição dele. Ele quer se inteirar, e prognostica, no o que a expressão impassível dela quer passar, se ela lavou o cabelo hoje de manhã. Fiona sempre tem cheiro bom. Seria esquisito revelar, mas às vezes ele se pega no supermercado descontraidamente sentindo a fragrância dos sabonetes e xampus, atrás daquela fragrância específica de baunilha que sempre dá voltas de alucinações no estômago dele toda vez que beija o pescoço dela e ela estremece, aquela fragrância que ele sabe que ela gosta porque compra e usa regularmente. Ele não descobre exatamente o que ela usa de tão bom. Ela vem hoje à noite? Ele não negaria apesar do cansaço. Já faz mais de uma semana desde a última vez que se viram, então...

— ...E eu disse sim, apesar de todas as relutâncias, porque acho que amo ele mais do que o esperado, Uri.— o murmúrio manhoso e apaixonado de Yor é a única coisa que não passa despercebida quando ele perde Fiona de vista. Ele se encontra no final da anedota, delito o pegando tão intrinsecamente que chega a sentir um enxovalho por deixar sua irmã mais velha falando sozinha. Sabe que Loid a pediu em casamento, não quando e nem em que horário, mas pelo menos tem certeza que foi ele.

Yuri desistiu de contraditar o relacionamento dos dois no segundo ano juntos — ela estava radiante como a primavera e Loid solidou que nunca a açoitaria. Quando eles adotaram uma menina, uma pirralha que agora ele chama de sobrinha, não teve outro caminho além de saber que nenhum dos dois estava disposto a deixar a estreiteza que eles têm em mãos para trás. Então não há nada que ele possa desejar, agora, além de coisas cafonas que, pela medida do amor incondicional dele, são julgadas como simples:

— Estou megafeliz por você, mana! Vou visitá-la para dar os parabéns. E vocês já têm uma data? — Briar resolve que esmiuçar por alinhar as novidades é a melhor opção, uma forma de limpar o fato de que ele não foi o suficiente por alguns segundos.

— Vamos casar no outono. Em outubro.— ela diz quase que tensamente, como se esperasse por algum tipo de reprovação. E Yuri sente o impacto do assombro, mas ameniza isso rasgando o guardanapo com o origami feito há alguns momentos.

— Em quase menos de dois meses? — ele é compreensivo em questionar.

— Bom, estamos apressados porque ocorreu um emprevisto e... Eu estou...— ela se atrapalha na frase, engolindo o resto das palavras como se bebesse água em um dia de julho. Ele não precisa saber o que ela vai dizer para ter uma confirmação de suas suspeitas. De repente, Briar está mole como gelatina e a visão fica turva.

— Bom, Uri, você vai ser tio! — ela faz questão de esconder a animação que ele sabe que está presa nas mãos, ou no rosto, ou na garganta dela. Yuri só quer vomitar porque Loid Forger é um maldito. E ele vai socá-lo até que aqueles dentes tão retinhos e perfeitos se atrofiem naquele crânio imprestável...

— Sabe que eu sempre achei que escutaria isso de você primeiro? — ela é sincera, e alguma coisa ali o faz estremecer ao se imaginar com a vida dela. E Yuri não quer tomar detalhes, então não liga quando o assunto se mantém, oscilando um pouco nas palavras.

— É...— agora ele desiste da ansiedade e dos guardanapos rasgados, deixa o silêncio tomar conta do primeiro fio de cabelo às pontas dos pés dele. E segue sem que ele mesmo escute, guardando um pouco mais de si mesmo para não dar minudências à Yor.

— Você não respondeu minha pergunta.— ela sibila — Vai trazer alguém para conhecermos, não é?— é quase uma súplica dizendo para ele arranjar algum tipo de valor em si mesmo.

Vou? Ele quer perguntar.

— Se não eu posso te entregar o número de uma amiga. Ela é superlegal, está solteira, igual a você.— a voz esfuziante dela não passa batido. Como aqueles champanhes dispendiosíssimos que circundam as taças com resplendorezinhos e tudo mais. Em contramão, Yuri está maldizendo-se até o exício. Tudo, menos isso. Tudo, menos isso.

Briar balança a cabeça devagar como se ela pudesse enxergá-lo, os pés estão enervados outra vez e as unhas arranham o couro do banco enquanto ele se embala para frente e para trás como uma criança consternada. O último gole do chá há tanto esquecido cai como uma navalha perfurando o estômago dele e fazendo-o cuspir sangue. Ele encosta a cabeça na quina da mesa, não faz questão de desligar e solta um muxoxo baixinho. E aqui está. O abismo estratégico ridículo o qual nem um idiota cairia.

Yuri não sabe onde está com a cabeça quando decide que ele deve perder o senso comum.

— Não vai precisar, mana. Eu tenho... Alguém. Uma... Namorada.
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Naquela quarta-feira de abril, fazer hora extra não convizinhava algo deletério. E na oscilação de lassidão e taciturnidade em que tudo que assentava notório na miragem dele passava como algum tipo de fantasmagoria circunstancial ou bosquejo, ela foi o que ele mais se deteve nas vinte horas completas do seu dia. Com a cara amuada e o cachecol purpureado para atenuar a resultância do ar na primavera — ele se inquiriu se ela sabia como a cor do tecido se destoava satisfatoriamente com os cabelos dela. Apesar de estar carregando duas caixas que ele julgou serem pesadas, ela não demonstrou isso enquanto passava apressada ao lado dele, os braços longe de fraquejarem com o caminhar impassível. Ela saiu pelas escadas de emergência na mesma medida que ele resvalou para fora do elevador, a presença dela caindo sobre ele como um tiro malfeito quando eles quase esbarraram.

Ela não parou muito longe da porta dele, um malabarismo para encontrar algo dentro dos bolsos, mas antes que Yuri dispusesse ajuda, as chaves se enrolaram na mão dela. E, logo em seguida, ela entrou no apartamento ao lado, nem um pouco canhestra ou tumultuada pela presteza. Yuri ficou um tempo estagnado, raciocinando a nova presença no apartamento que a vizinhança inteira diz ser mal-assombrado — não que ele chegasse a acreditar, a falta de pessoas visitando-o ali por dois anos o deixou acostumado demais para acreditar que alguém se mudaria para lá. O olhar ainda permanecia voltado para a porta ao lado até vê-la sair novamente, calçados encaixados nos pés rapidamente e carteira em mãos desta vez.

Ela não aparentou se importar em fazer recepção a ele, o que fê-lo questionar se ela, de fato, não estava o vendo ali ou só não queria falar com ele. E foi assim, sem um cumprimento ou sinal de que ela o reconhecia, que ele a fitou correr escada abaixo ao passar por ele.

Sem amizades, é o jeito Briar que contasta a mulher do quinhentos e vinte e nove.
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A temperatura finalmente aumentou naquela tarde de sexta-feira a qual o dispensaram mais cedo, chegar em casa se tornando mais interessante quando a encontrou uma outra vez. Catorze dias depois, quando o Sol deu uma pequena apresentação quase inédita, ela estava sem o cachecol e um cardigã azul-marinho que não deveria fazê-lo estremecer por dentro. Ela não parecia reparar — como todas as outras vezes desde que se mudou — nele, calcanhares tensos e uma roda-viva patentemente estampada nela ao ficar parada nas caixas de correio do saguão por mais tempo do que deveria. De uma forma rasa, o olhar dela se intercalava entre o dele e o dela. E quando estava prestes a deixar a carta pela fresta das correspondências dele, Yuri resolveu se aproximar:

— Ei.— ela passou-lhe às mãos a impressão de se assustar, um pulinho pequeno que poderia fazê-lo rir dela — só até se deparar com o rosto inexpressivo e antissocial que ela tinha. Não havia nenhum sorriso, evidência de que ele fez o coração dela disparar, nem um cumprimento, nada que fizesse parecer que ela era amigável. A carta quase resvalando pelas mãos dela logo que esbarrou com a percepção de que os olhos dela eram mais escuros do que ele imaginava, ludizios como se ela estivesse alucinando em febre, a única parte dela que Briar teve certeza que podia apresentar algum tipo de emoção. Diferente de quando estava se mudando e a franja dela estava afastada, por algo que ele julgou ser praticidade, os fios liláses escorregaram contra o olho esquerdo como se estivesse diante de uma audição para fazer um papel de assombração em um filme de terror dirigido por Hideo Nakata.

Fiona não evidenciou medi-lo de cima abaixo, e trancou para si mesma como estimou que ele, finalmente, estivesse falando com ela, e se aproximou um pouco ao observar o papel e depois alçar o visar sobre ele.

— Você é o Yuri Briar do 528? — a voz dela era tão doce que ele quase enterneceu como açúcar prestes a virar caramelo. Ainda assim, as palavras carregavam à pampa a personificação dela, mesmo com uma pergunta cotidiana, e Yuri abrigou calafrios.

— Ahm... Sou... Sim.— ele não soube porque balbuciava a cada duas letras ou porque almejava por se distanciar no momento em que ela carregou seus passos para o espaço dele, todo esse fervedouro levando o resto da frase que ele supunha que poderia ter algo de complemento. Os olhos dela se ergueram uma vez mais e Yuri se atrasou em algomerar as peças de que ela estava estendendo um envelope para ele.

Ele deu um sorriso de agradecimento que nem sequer foi matutado em ser devolvido. O envelope quente ao parar na mão dele, uma evidência de que ela segurou o papel mais forte do que necessário. Então ele passeou as próprias concentrações sobre o nome, endereço e número do edifício. Briar alteou a cabeça, preparando um agradecimento em palavras preso na língua.

Ela foi embora antes que fosse concretizado.

Ele sevdeteu aos lados. Se fisgou rodopiando um pouco até ver o elevador parando no quinto andar. Yuri se aproximou das correspondências, o organizador dela bem ao lado do dele.

Frost, 529.
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Assim que se sucederam noventa e sete horas a datar de quando ela não se afligiu em ceder um ou outro laivo no que fosse concernente a o que quer que levasse o primeiro nome dela, ele recebeu uma encomenda dela. Caixa ínfima, nada empolada.

No momento em que bateu à porta, orientado o suficiente para proferir o nome dela abertamente, ela não estava.

E se postulou em uma determinada quantidade. De alguma forma, todos os pedidos que ele fazia paravam na casa dela e todos os pedidos que ela fazia paravam na casa dele. Na maioria das vezes, Yuri batia à porta dela e ela aparecia sempre arrumada como se tivesse um código de vestimenta mesmo em casa. Ela nunca o deixou observar o apartamento dela além dela mesma, e nunca pediu obrigada ao fechar a porta na cara dele. Fiona não se esforçava para ser gentil ou tocar a campainha dele por outro lado, as cartas ou caixas em propriedade dele sendo deixadas rentes ao tapete de boas-vindas.

Quatro semanas depois, prestes a destrancar a porta, um post-it amarelo reluzia na altura da visão dele.

Enfatize aos entregadores que o seu apartamento é o 528.
Obrigada.
— 529.

As letras se figuravam acertada e esmeradamente escritas. Reavendo o papel por um tempo, ele se questionou por quanto tempo ela fez caligrafia.

Dois dias depois, uma resposta chegou:

Estive ocupado, mas avisei hoje pela manhã. Faça o mesmo algum dia desses, por favor.
Obrigado.
— 528.
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A atmosfera era austrífera tão logo que a aurora se intercorria à vigília, os dias módicos do desfecho da primavera depondo uma acossa grudenta nos braços, o rastro de umidade nos asfaltos esquentando os pés mais do que esperado. A tempestade caindo agitava cidadãos correndo por toda parte e a única coisa que Yuri fez foi caminhar como se estivesse ansiando protelar um evento importante. De alguma forma, ele não se achava encharcado ao chegar em casa, apressurando-se pelo elevador para chegar rápido no apartamento por nenhum motivo especial.

Ele estava abrindo a porta quando a viu, lumes embaciados de maneira que apanhar um relato eversivo exporia ter sido o trecho menos pior da tarde dela, mas nada na expressão corporal indicava isso além da mirada malcontente. As roupas largas se amarfanhavam ao aglomerarem-se no corpo dela, cintura estremada em função do jeans escuro e isso o levou a indagar se as mãos dele poderiam se jungir de modo correto ali. As íris ibitórias cobriram-no, todas semelhantes de percorrerem entregar algo que ele esqueceu na casa dela, ainda que não tenha acontecido, e Yuri a encarou de volta por um átimo. Fiona estancou o andar antes de passear de absoluto pela linha imaginária que os mantinha longe, ele conseguiu visar os coturnos dela contra a luz automática quando ela parou na frente dele, a diferença de altura induzindo-o a perceber a falta dos saltos que ela sempre estava usando ao passar por ele e ignorá-lo. Ela tinha um cheiro bom de chuva misturada com ela que Briar não sabia que precisava decorar. Ela suspirou um pouco até virar para ele e Yuri queria saber o que ela preconcebia fazer, então ele abriu a porta um pouco mais — esperando por um desabafo ou um cumprimento.

Sem muita discussão ou raciocínio, os passos se tornaram nulos ao retirar os sapatos. Yuri afastou um passo e meio para trás, segurando a maçaneta e não se preocupando em como ele estava deixando o assoalho molhado. Fiona não pareceu ligar para o afastamento dele ao colocar os pés cobertos por meias brancas no tapete dele, andando e andando devagar até onde Yuri estava — não totalmente dentro de casa. Ela permanecia na altura do queixo dele, e ele mordeu os lábios ao ver que ela estava prestes a se alastrar pelo espaço dele, engolindo em seco quando ficou coberto por surpresa sem saber o que fazer. A expiração dela se revolveu em instabilidade, algo análogo à exortação, ele delongou que ela o abraçasse e talvez lumuriasse quando acolitou o torso dela no dele, as pupilas dela dilatando como as de um felino pidão.

Em vez disso, Frost se pôs nas pontas dos pés e desviou a visão para baixo em intentar não olhar as íris dele ao beijá-lo.

Foi confrangedor. Porque ela era mais alvoroçada que ele e estava compelindo-o a perder o autocontrole ao antever as costas contra a parede, a luz acendendo quando eles esbarraram no interruptor. Foi revigorante. Porque o jeito que ela apertava o colarinho dele estava fazendo-o sufocar em quentura. Foi assombrosamente apropriado. Porque ele estava sorvendo, vivendo a pele inteira e todas as curvas dela sobre os dedos quando aceitava se filar a ela. Recriava a sensação térmica do núcleo de uma estrela, a estupefação de andar descalço em quasares. Porque ele estava afundando na respiração mesclada e estampando o corpo cálido ao empunhar o pescoço dela. Foi extemporâneo. Porque os lábios dela eram deleitosos demais, mélicos demais, maviosos demais, acirrantes demais, cruéis demais. Era para ocasionar uma parada cardiorrespiratória. Porque ele estava começando a estatuir que não queria e não precisava sentir o ar no pulmão.

Mas foi estúrdio ainda mais. Uma vez que ela estorvou o momento e perseguiu os coturnos do chão como se nada tivesse acontecido. Ela segurou o batente, exibindo a astenia das pernas ao puxar o ar com a força que conseguia. Briar piscou a cada segundo, tentando pescar o que se sobreveio, os cotovelos doendo ao apoiar-se na parede para não aluir, o limiar bem aberto agora que tinha soltado a maçaneta.

Ele alcançou um parco fragor atribuindo rodopios nas orelhas dele. Fiona desapareceu em casa sem olhar para trás. E Yuri ficou a ver navios.

Estou ficando maluco. Isso não faz sentido nenhum e eu estou maluco.
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Ele intentou não ponderar acerca disso, porque ponderar acerca disso era a acepção de atinar-se em curto-circuito e bater à porta dela, e ele se deteriorou no pretexto concreto da contrariedade, só tinha indubtabilidade de que não devia fazer isso. Ela estava bêbada, ele planeou se exortar. Mas havia a total reminiscência da língua dela e reorganizou como ela tinha gosto de café — o gosto que ele execrava tanto que sentia horripilação assim que alegado, até que cafeína fosse atribuída em conjunto com ela. Uma variedade déspota, um sabor egrégio do que café controlaria exprimir. Este sabor que ele acaba benquerendo, e recapacitando, e pernoita no céu da boca dele por dias seguidos. Que, em consequência, angaria um sítio na mente dele e obsecraria o mesmo sempre que se esforçava para ser, de fato, clarividente.

Yuri acabava de levar o lixo ao encontrá-la saindo de casa. Ele pressentiu que ela se sustinha advertida dele, os olhos escancarando-se um tanto sem nem vislumbrá-lo. Ele perdurou em inércia até vê-la rechaçando a franja do cenho ao escrutiná-lo, a mão direita atarraxando a própria saia ao tolher os calcantes no lugar, inigualável proceder que relatava ao passo que se miraram. A luz automática piscou, desligando ao passarem mais de um minuto propínquos a tocar a ataraxia, o oxigênio irascível tão logo que desguarneceu que ela carregava alguma coisa que ele apetecia sob as faúlhas do azul constelado na primavera. Os fios liláses resplandeceram, e ele semelhou atingir uma experiência extracorpórea quando ela perseguiu um anexim no escuro para passar-lhe às mãos, os lábios dela faiscando acolá. Briar remexeu os braços, cooperando com o sensor de movimento. Não era de bilateral cognição no momento em que ele desacorrentou o próprio anélito, girou a chave e nem ao menos a lançou um esguardar, a porta abrindo com um estampidozinho árido. É isso.

— Você está indo a algum lugar? — ele reparou as próprias palmas ao remoer que findou uma alicantia em oposição a si mesmo. Ela rilhou os dentes na língua para ter crédito de que estava harmonizada. E se aprumou antes de retorquir, ombros altos e costas retas ao forcejar perscrutar por desembaraço.

— Não.

Foda-se. Foda-se. Foda-se. Foda-se o cansaço. E o trabalho. E os motivos. Foda-se. Ele só precisava de dois passos para alcançá-la.

E Yuri fez. Fugindo da noção como se não lograsse superintender a própria mente.

Ela não inferiu em que segundo ele estava desconcertando-a com afã o suficiente para fazê-la eternecer, a íntegra que ela carecia naquele instante, que a fez cambalear para trás, o torso bradando por ele ao, por pouco não, precingir-se nele no passadiço. Os trovões depauperaram nas costelas dela e, abruptamente, tudo o que Fiona vivenciava era ele e seus arfares. Ideando, suplicando, permitindo, precisando-o perto. Carregando, puxando, arranhando-o para mais perto.

E, com todas as incertezas e ruas fechadas à contramão, eles estavam dentro do apartamento dele no momento seguinte.

Notes:

obrigada por ler o primeiro capítulo!

Chapter 2: II. Estresse acumulado que me leva à porta ao lado.

Summary:

"— Namora comigo? — Yuri não pensa muito antes de falar e a pergunta sai mais ambígua do que poderia. Há um momento de assimilação, parece um filme de terror repleto de sangue, um choque sem-fim que causa um arrepio que a faz se achar torturada. Fiona bate os cílios uns nos outros uma, duas, três, cinco vezes, o garfo na boca, preso entre os dentes, como se tentasse desvendar algo tão difícil que deixa os miolos latejando.

— Quê? — ela exala, com a boca um pouco cheia. Talvez escarnecedora, entretanto, ao que tudo indica, perturbada. Alçando uma exteriorização quase nauseada, com a acentuação do vozear comedida que, de qualquer forma, cruza os quatro costados."

Notes:

informações extras:
1. na primeira versão esse capítulo levava o título de "revés", e só na segunda correção (que seria a terceira ou a quarta versão) ele passou a se chamar "estresse acumulado que me leva à porta ao lado".
2. é o capítulo com menos angústia, o que torna ele o mais bobo também.
3. "todo mundo tem uma esquisitice" é uma frase que sumire diz para k em "minha querida sputinik" de haruki murakami.
4. kkkkkkkk eu me lembro que quando eu comecei a escrever esse capítulo, a novela "volta por cima" tinha algumas semanas de iniciada e eu tava numa crise fodida de ressaca literária — é aquela coisa, sem ler, sem escrever —, em determinado dia eu liguei a televisão e em alguma cena tava tocando a música "cilada" do grupo de samba molejo. foi a única coisa que eu consegui me agarrar naquele momento. eu fiquei por semanas escutando "que cilada, desilusão". é daí que nasce o primeiro parágrafo.
5. eu acabei de descobrir que to publicando esse capítulo na semana errada, no dia errado (nao sei matemática basica), mas tudo bem neeee, se eu nao postasse hoje eu iria terminar os trezes capítulos em — abril do ano que vem. de mais a mais, ele ja ta corrigido, eu ja to aqui, e os dias, os anos, a hora, tudo isso, sao so invenções do capitalismo, entao vai assim mesmo !

boa leitura, pessoal!

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

É um aboiz. As mãos suadas em luta com o pano da própria calça, passadas de cima para baixo em um desígnio sem benefício ao bordejar os números no renque dos olhos como uma criança aprendendo a contar, é um aboiz. É um aboiz se arrastar até o tapete pacato em matiz de plúmbeo. É um aboiz que esteja aqui antecedente ao alvorar. Seus malditos pés irrequietos são um aboiz. E esse cerebrozinho desgraçadamente irreprimível que o trouxe até a porta de madeira tão sem-graça quanto a alcatifa, idealizando-a antes e depois de adormecer. É, evidentemente, um aboiz assim que, pela primeira vez em cinco meses de convivência, ele bate à porta dela depois das duas da manhã, o horário que ela costuma sair da casa dele nos fins de semana ou em dias de folga. E acolá, uma observação esdrúxula: ela nunca o deixou visitar o espaço dela. 

Depois de chegar em casa e repousar por uma hora, Briar se vê investigando as circunstâncias que o persuadiram a intrujar Yor. E desdizer o trará uma contrariedade que o fará sair com mulheres desconhecidas. Então tudo, menos encontros às cegas. Yuri, além do mais, não tem conceituação no que se diz o porquê de espicaçar a inanidade do sono de sua vizinha de porta estranha a qual tem um relacionamento estrambótico com ele, mas não desiste de fazê-la atendê-lo.

Os dedos das mãos agem como se tocassem piano enquanto encostam a madeira e ele dá dois passos para trás. O processo se repetindo três vezes antes de obter algum resultado rápido. É como um portal para o purgatório escutar o farfalhar da fechadura sussurrar um bem-vindo nada agradável. 

Ela é quase como uma deusa, a deusa-emoção Melancolia — se possível —, com os olhos fisgantes que o fazem afundar em algo que nomeia de neve álgida, fazendo o coração dele cantar um soneto que ele quase não sabe onde fixou na memória com toda aquela pulcritude esplenderosa que o faz se sindicar se ela, a sério, cintila tanto assim ou se é ele quem está alucinando. Os cabelos estão bem-arrumados ao passo que abre a porta, quase como se nem tivesse se aproximado do travesseiro. Ela demora um pouco para assimilá-lo parado na frente dela, ajeitando o casaco ao corpo contra o frio ameno, respiração tranquila, postura perfeita, expressão um pouco emburrada e Briar chega a cogitar que levará uma bronca dela.

Ela puxa a maçaneta um pouco mais, os braços — agora claramente — resguardados por um cardigã marrom, o qual quiçá ela estivesse caçando antes de recepcioná-lo. O pijama de cetim escuro um pouco lasso em desacordo com a silhueta dela, resvalando pelo ombro esquerdo logo que ela para de premer o tecido da blusa quente, os pés descalços nulificando toda a pertinácia para acabar com o ar gélido contra o corpo dela. Ele sabe que a pegou desprevenida ao descobrir que é a primeira vez que a vê tão casualmente desalinhada. Frost espreita as horas aquém de tirar algo dele.

— Eu estou menstruada.— ela cochicha, por pouco não, raivosamente, a mão direita na maçaneta e a esquerda enrolando a bainha da blusa de frio. Os olhos dela estão presos nos dele ao franzir o cenho como se pelejasse decifrar que droga seu vizinho de porta está fazendo aqui em uma madrugada de quinta-feira. Yuri empeça uma libração quando simboliza que é a maior declaração que logrou arrancar dela no último mês inteiro, e, em um tropeço para redarguir, fica tão feliz com isso que responde impensado: 

— Não seria um problema.— ele comprime os lábios quase que imediatamente, tomando consciência das próprias ações. As mãos dele estão suando ainda mais ao enfiá-las no bolso e dar um passo para trás como se escamoteando-se dela. Briar pega um vislumbre das unhas dela afundando-se na superfície da madeira e ele abre e fecha a boca cinco vezes antes de fisgar uma entrepausa:

— São. Duas. E. Quarenta. E. Três. Da. Manhã.— é um sussurro entredentes, uma ameaça explícita de atravessar o tapete e enforcá-lo contra a parede branca do corredor escuro que eles dividem. Do contrário, ela recua, dá um suspiro que poderia matá-lo. E fecha a porta bruscamente.

A tranca automática apita, o barulho fazendo cócegas nos pés dormentes dele. E Briar está batendo na madeira mais uma vez antes de ela terminar de dar meia-volta e ir deitar. 

— Isso foi péssimo.— ele desempoa a garganta, intensifica a própria boatice o suficiente para ecoar no passadiço — tendo exatidão de que ela interpreta, e esse é o único intento dele —, coça a cabeça e prende o lábio inferior contra os incisivos. O corpo está perto da entrada o bastante para ter certeza que poderia tocá-la se não houvesse uma barreira.— O que eu quero dizer... Eu não vim para isso. Eu só queria dizer que... Não teria problema porque...— os cabelos dele voam quando ela resolve abrir a entrada uma vez mais. Fiona estanca com um ponto de interrogação no centro da testa, não distinguindo por que ele ainda não saiu dali, malbaratando seus calamitosos devaneios para acatar as queixas dele. Agora ela resta, impaciente, com uma carranca à vista que dá exórdio para ele blaterar o destrambelho que tencionar, contanto que permita-a fugir em dez minutos, braços cruzados e compleição física estorvando-o de dar uma espiadinha para o lado de dentro. O lado de dentro deve ser tão sem-graça quanto o tapete sem-graça e a feição sem-graça dela.

— Eu não jantei.— ele finalmente narra e ela começa a escrutinar o soflagrante em que perdeu ele espelhando a mãe dele nela mesma. Fiona almeja extirpar os fios de cabelo diante dele, mas aí ela dá um passo adiante, e é um pouco mais suave do planejado de princípio porque ele está cheiroso e isso a apazigua.

— Eu não me importo.— ela devolve, rápida em demasia, sincera, sem nem pensar. Ele sente como se tivesse perdido a capacidade de montar letras e os lábios se entreabrem no momento em que começa a coçar a cabeça como se isso aliviasse a sensação de ter o cérebro fritando. Idiotice. Sempre faço isso perto dela.

— E não deveria.— Briar contorna, a boca secando com o desconcerto, desvia o olhar dela, enfim observa a luz lunar invadir o apartamento escuro, e consegue ver como os móveis são quase todos em tons distintos de azul. Azul. Ela gosta de azul, ele grava.— Quer dar uma volta? — Yuri continua, incapaz de deixá-la neste momento. 

A espera por um retorquir se prolonga por um, dois minutos. Eles piscam um para o outro como em uma batalha de pingue-pongue. 

— Não.— ela é apática e isso dá calafrios. Sendo o tipo de pessoa que dá as ordens, isso o deixa como um cachorrinho recém-adotado, apegado e agradecido. Fiona está agarrando a blusa ao corpo quando ele formula: 

— Não é um encontro. Posso te pagar panquecas.— ele age como um homem irracional que não pode fazer coisas simples sem um acompanhamento básico. E ela não pesca por que ele a escolhe para acompanhá-lo.

Em algum momento ele raciocina o não dela e o formato e a entoação dele parece como um balde de água fria. 

— Não importa. Eu posso comer amanhã.— Briar reconsidera, optando por assolar com esse lero-lero sem pé nem cabeça. Refere-se, eles não são realmente conhecidos.

— Por que eu? — ela não precisa dizer mais. Você poderia ter chamado qualquer pessoa, mas por que eu? Isso o pega em um passo em falso, caindo daquela escada de concreto pertencente do próprio subconsciente que o leva diretamente para o abismo toda vez que comete um maldito erro. 

Pensei em você hoje. Percebi que faz seis dias que você não bate à minha porta. Inventei uma namorada de mentirinha inspirada em você. Sabe o quão irresistivelmente enlouquecedora você fica com botas de salto alto e saia? 

Por isso você. Porque eu estou com algo que deveria se intitular saudade, mas chamarei de estresse-acumulado-que-me-leva-à-porta-ao-lado.

— Minha família mora longe. 

Ela é intimidadora, e ele sabe que ela sabe bem disso. E é óbvio que a voz dele deslizaria em apoquentação com essa lorota ilógica que acabou de inventar. Mas Fiona aceita, de alguma propensão. Talvez porque o jeito como ele a oferece aquele olhar pidão a deixa sem jeito. E nos próximos quarenta e cinco segundos, quando Frost começa a consumir a alma dele com o olhar e deixá-lo sem ar, Yuri decide que se aproximar dela nunca vai ser uma opção. 

Ele demora a perceber que foi atraído involuntariamente pelo tapete uma outra vez e, com passos de chinchila, Briar foge dela como se ela realmente estivesse disposta a cometer um atentado contra ele.

— Descul...

Ela bufa, quase borbulhante e implicitamente convencida por ele antes de interrompê-lo: 

— Me dê cinco minutos.

E fecha a porta mais uma vez. 

 

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Ele encara a bebida. Gás carbônico, mais água do que sabor, gelos flutuando ao darem voltas e mais voltas que o fazem questionar sobre a origem — e se são higiênicos — deles. Conforme a condensação se faz presente, há uma linha quase transparente onde o líquido começa e o silicone no qual o vidro está apoiado se torna úmido. Tem açúcar demais, calorias demais, isso pode causar câncer — veja só —, pelo menos o jornal diz isso. Ele passa os olhos pelo recipiente outra vez, e agora parece alambicado como tudo isso se assemelha à construção de um longa norte-americano da década de sessenta.

Evitá-la parece inviável agora que Yuri delineia alar o visar para ela. Parece insultuoso o quanto ela faz as bochechas dele pegarem fogo, como um garotinho conhecendo a professora gentil aos seis anos de idade.

Por que Yuri Briar estaria jantando às duas da manhã em um café vinte e quatro horas com a sua vizinha de porta? 

Isto é, ela está aqui com ele. Ele não planejaria isso nem em um milhão de anos há cinco horas atrás. Mas, de fato, Fiona está defronte a dele, com esses olhos fulgurantes que o largam liquefacto, tecendo uma coisa que o induz ter certeza que eles só são compatíveis como vizinhos que às vezes dormem juntos: ela enche as panquecas com canela como se não houvesse amanhã, e depois completa com um pouco de mel, afasta o prato. E não faz careta ao beber café — sem açúcar!

Frost ainda tem o semblante pachorrento, aquele que trancafia as reações dela em um baú residente ao lado de navios naufragados, que só é fascinante quando pertence a ela. Briar nunca chegou a admitir para si mesmo, mas sabe como ela é portentosa sem precisar fazer esforço. Há quinze minutos atrás ela fechou a porta na cara dele, e quatro minutos e quarenta e três segundos depois ela tinha um coque nos cabelos liláses e roupas pretas comuns demais que podem valer milhões nela. Para uma comparação justa, ela é como o arrebol em um dia de novembro, junto do Sol estendendo-se preguiçosamente sobre o céu e o nevoeiro caindo como em um daqueles globos de adereço à venda em lojinhas de cidadezinhas no interior que apenas turistas adquirem; uma obra de arte feita tão meticulosamente que dá medo de tocar, o tipo de arte que você compra e não consegue parar de estupefazer-se. Uma manhã única em um inverno único. É exatamente assim que Fiona soa. 

Ainda quando está tomando café puro. Uma momice abrange o rosto de Yuri até que ela volte a fitá-lo. As costas estão rentes ao banco quando ela cruza os braços e, como a adulta amargurada que ela é, boqueja: 

— Você não deveria comer algo tão gorduroso às duas da manhã.— ele observa o hambúrguer apetitoso antes de dar uma mordida generosa, e mirá-la depois de começar a mastigar junto com um gole do refrigerante de maçã. 

— Canela faz mal para o fígado.—  Briar aponta petulantemente, "o sujo falando do mal-lavado, pirralha." — E café vai te fazer morrer do coração.— ele dá um sorriso que por um segundo envolve somente as bochechas dele e a força de vontade para parecer inconveniente. Fiona tenta voltar ao tempo em que decidiu estar aqui. E a lembrança nem sequer pensa em aparecer.

Ela quer, quer dizer que não se importa, mas quem começou não foi ele. Então fica reticente ao olhá-lo através da caneca, um pouco de vapor cobrindo a visão. Há um período em que ela só faz companhia para ele enquanto sacia a fome agravada depois de dezesseis horas de jejum e ele, por sua vez, a acompanha enquanto desfruta da sua bebida preferida. Não é constrangedor, mas está longe de ser algo que se chama de tranquilizante.

— Você já contou uma mentira porque não estava prestando atenção? — de repente Briar chega com o lado questionador que Fiona nunca ruminou presenciar. O silêncio imita ter envergado-o em uma roda-gigante de memórias que o estão fazendo perquirir as coisas mais prosaicas. Ela deixa a xícara vazia de lado, puxa o prato novamente com intenção de cortar um pedaço das panquecas, mas retém os movimentos por um átimo, destrinchando aquela ideia improcedente de quem analisa a pergunta dele tim-tim por tim-tim. Ela morde os lábios antes de respondê-lo:

— Não sou idiota.— não é uma piada, nem tem tom de arrogância. Apenas beira a obviedade. Há algum impulso nela que reconhece como esse rosto um tanto esbelto e tão extrovertido na frente dela, que a faz querer esmorecer, a conduz dizer as coisas sem pensar. Cerca o intolerável não arquitetar uma citação lisonjeira para passar às mãos quando está com Yuri. É por isso que está sempre impedindo-se de parolear ao redor dele. 

— Mas já fez algo que te deixou em uma situação confusa? — por um ápice ela se remanesce do segundo em que pisou em Ostania e quando fez, pela primeira vez, uma entrevista de emprego. Mesmo depois de sete anos, não há dúvidas: ostanianos sempre têm conversas sem fundamento e inquéritos à socapa que poderiam poupar saúde mental e uma alta quantidade de saliva gasta em bate-papos banais.

— Dificilmente.— é a única coisa que tem em mãos. 

— O que quer dizer com 'dificilmente'? — "você quer calar a boca e deixar a sua filosofia para mais tarde?", ela quer responder, mas toma consciência de que estar aqui é resultado de cavar a própria cova no minuto em que ele apareceu na porta dela às duas e quarenta e três da madrugada de uma quinta-feira e ela aceitou sair com ele. 

— Minha vida não é embasada por grandes emoções. Nunca tive nada além de colegas. Nada além de noites únicas com alguém que eu achei atraente em algum lugar. Eu não precisava mentir quando não tinha ninguém ao meu redor. E nunca me meti em situações confusas porque me importo de menos com as pessoas.— ainda que meu trabalho se contrarie a isso, Fiona guarda a última parte, achando que disse demais sobre ela. Por outro lado, Yuri quer descobrir o que a faz tão solitária e esquecer o assunto inicial, mas o risco de ser ignorado o faz recuar.

E, em tantos milésimos de mansidão, ele toma tempo para empilhar o copo com o refresco acabado, o prato sujo de molho e pegar um guardanapo não utilizado em intenção de organizar um barquinho de origami. Fiona se pergunta se ele tem medo de manter contato visual com ela, porém o pensamento se esvai ao tropeço que ele dá início a um diálogo, recomeçando de onde ela parou: 

— Eu namorei uma vez. Tive um melhor amigo, mas nós perdemos contato depois do casamento dele. Uma irmã. Um pai. Até que ele morresse pouco depois da minha mãe.— ele realmente não parece o tipo de pessoa que guarda ressentimentos em relação ao luto ou relações acabadas, ela decora. E abre uma exceção no momento seguinte: — Chloe fez minha vida ficar um pouco mais colorida no colegial, mas nossos caminhos se desencontraram. Então eu tive uma única grande emoção.— a escolha por grande emoção em vez de grande amor faz o cerne dela errar uma batida e Frost nem sabe o porquê. Ela não sabe quem é Chloe, mas tem certeza que ela é o motivo de uma parte da pusilanimidade inerente dele. Com o âmago ainda descompassado, Fiona se ajeita desconfortavelmente no estofado fofinho. Os dedos dela apertam o talher com um pouco mais de força ao perfurar um pedaço de panqueca como se quisesse esgoelar um pobre-coitado. Yuri não se dá conta. Tem um pouco de canela caindo no prato devido a gravidade, o olhar direcionado para ele. 

— Contou uma mentira porque está apaixonado pela sua ex? — Fiona desvia a atenção dele para comer as panquecas. 

— Não...— ele balbucia, a frase oscilando de forma heteróclita à proporção que as mãos procuram revirar o passo a passo do barco de papel. Ele odeia esses barcos de merda.— Não. Quer dizer, não foi bem assim...— ultrapassando uma novidade, ele está sendo estúpido na frente dela outra vez — Eu estava com sono. E contei uma grande besteira para a minha irmã. Foi isso. Não exatamente por causa dela, da minha ex, no caso, mas...— Por causa de você. Briar quase fica hiperventilante repentinamente, tem medo de ela saber ler mentes e entender que está falando dela. O que é um fragmento volúvel, já que ela ainda permanece com a expressão que explicita a falta de qualquer sentimento dela por ele. Ela age como se eu fosse uma porta. 

Ela passa um tempo analisando-o rodopiar a arte de papel recém-feita entre os dedos. Frost não precisa dizer para evidenciar que quer respostas dele. Yuri finalmente resolve seguir:

— Minha irmã mais velha vai se casar. E eu estava prestando atenção em outra coisa enquanto ela falava sobre isso na ligação. E ela falou algo do tipo: "Como você vai ser padrinho de casamento se não levar uma acompanhante?". E, naquele momento, eu parei de pensar. Ela logo se pôs a contar como foi pedida em casamento enquanto eu estava no mundo da lua. Só voltei a prestar atenção quando ela disse 'encontro às cegas'.— ele conta como se estivesse depondo contra um crime em um julgamento de um malfeitor acusado de homicídio de segundo grau. Arrastando os dedos sobre a madeira, Yuri se sente na obrigação de adicionar informações: — Encontro às cegas me dão vontade de vomitar. Não sei explicar por quê e talvez nem se relacione com algum tipo de trauma ou pavor. Só não faz sentido para mim. É nojento.— Fiona se encosta no banco mais uma vez ao perceber que o desabafo dele a puxou involuntariamente para mais perto. Estuda o rosto dele como faria com um paciente qualquer, apesar de ele ser só um vizinho que dorme com ela às vezes e fala pelos cotovelos.— Então eu disse a ela... Que tenho uma namorada.

Ela não tem fabulação do porquê quer sorrir apenas para zombar da cara dele. E ela achincalha baixinho, não o bastante para fazê-lo se irritar. 

— E você tem? — a sensação de comicidade escafede ao tomar consciência da própria indagação. Isso coloca uma dúvida do tamanho do Oceano Pacífico sobre a impressão do caráter dele. Os braços de Frost estão cruzados quando ela passeia as íris por ele. Ela traça o que responderia se ele dissesse sim. Na verdade, ela não diria nada. De repente se imagina sentindo o peito apertar, uma coisa que ela não quer decifrar o motivo, e o deixando plantado naquele estabelecimento.

— Claro que não.— é um quase franzir de cenho que chega com o rebate dele, como se confirmasse de que ele foi ensinado a não trair ninguém. Ela, maquinalmente, quer saber o que o impede de estar casado com a namorada do colegial. E quando parece uma pergunta que uma mulher ciumenta e transtornada de desvelo faria, Fiona assente — estremecendo com seus pensamentos imbecis —, desistindo da pausa para voltar a comer.

Eles ficam no remanso pelo o que coincide uma eternidade, mais recordando estarem sozinhos na praia num dilúculo melancólico escutando a brisa fraca do que na presença um do outro. Yuri observa os lados, todo arrumadinho e colorido, fisga que estão praticamente sozinhos no estabelecimento. A garota do caixa desapareceu sem um sequer desajuste. Ele tem um pensamento de que eles podem morrer em algum momento, mas desviando o olhar para o lado direito a rua é apenas deserta e iluminada. Ele duvida que algum lunático apareceria agora. Então Briar se estende um pouco para frente: 

— Namora comigo? — Yuri não pensa muito antes de falar e a pergunta sai mais ambígua do que poderia. Há um momento de assimilação, parece um filme de terror repleto de sangue, um choque sem-fim que causa um arrepio que a faz se achar torturada. Fiona bate os cílios uns nos outros uma, duas, três, cinco vezes, o garfo na boca, preso entre os dentes, como se tentasse desvendar algo tão difícil que deixa os miolos latejando.

— Quê? — ela exala, com a boca um pouco cheia. Talvez escarnecedora, entretanto, ao que tudo indica, perturbada. Alçando uma exteriorização quase nauseada, com a acentuação do vozear comedida que, de alguma forma, cruza os quatro costados.

— Namora comigo.— a pergunta se bandeia em confirmação. Parece uma ordem. Ela continua mastigando, o âmago excedendo um limite que ela não sabia que era possível. Quem sabe café realmente me mate do coração agora.— Você sabe, de mentirin...— Briar não precisa saber a resposta dela ao vê-la jogar fora a comida mastigada como um gato vomitando bola de pelo. Maluca. 

— Você é muito mais esquisita do que parece.— ele tem uma feição amarrada em mãos, uma repreensão desnecessária que ela agradece por desviar a temática. Ela solta um suspiro como se aliviada, jogando o garfo na cerâmica e observando o pequeno bolo de massa mastigada que deixou no prato. 

— Orgulhosa que você saiba disso. Todo mundo tem uma esquisitice.— então ela pega as chaves e, com um esgar blasfematório, apressa os passos porta afora. 

Briar sente vontade de fazer um pouco de escândalo ao deixar o dinheiro em cima da mesa e aviar atrás dela. O sino da porta de vidro esbraveja com ele tropeçando sobre a própria rapidez ao perder a noção da sua força. 

— Eu não gosto de você! — é esclarecido antes que ele possa alcançá-la. A rua vazia e cheia de postes levando a voz dele até ela o faz se sentir em um cenário trovadorista. Ele não quer saber o que aconteceria se começasse a fazer uma serenata para ela aqui mesmo. 

À contramão, Fiona assente, e corre mais um pouco. 

— Eu não quero namorar você... De verdade.— ele se sente na obrigação de alegar ao chegar ao lado dela, preparado para acompanhar a presteza dela. 

— Briar, aceite seu destino de encontros às cegas.— é quase um deboche. Ele interrompe o caminhar dela, visando ao colocar o corpo no campo de visão alheio.

— Por seis dias.— Briar levanta os dedos. Agora ele parece bonitinho assim, com vontade de implorar. Frost fecha os olhos, se escracha pelo pensamento e dá um passo para trás, atrapalhando-se de estar mais próxima dele. 

— Olha, você pode arrumar uma amiga da época da escola. Sabe que isso renderia frases como: "eu sabia que vocês ficariam juntos!", ou qualquer coisa cafona que as pessoas gostem de falar para desejar parabéns, o que deixa tudo mais real.

— Não é assim que funciona.—  Yuri rebate com um muxoxo, ela tem vontade de arregalar os olhos e gritar com ele.

— Isso não é problema meu.— ela se interpela, desvia o torso dele e ele corre atrás, querendo segurá-la mesmo sabendo que contato físico o ocasionaria um nariz quebrado. 

— De certa forma, o que temos é...

— Não temos nada.— Frost não dá aval para a fala dele.— E eu só tive uma conversa completa com você. Quer dizer, eu nem sei o que você faz ou quantos anos você tem ou qual o dia do seu aniversário ou a sua comida ou o seu tipo de música preferido. Somos vizinhos de porta. É só isso.

Yuri se sente um pouco ofendido, não que ele queira ser visto por ela. Só achou que um pouco de consideração não faria tão mal. 

— Tirando o fato que nós dormimos juntos trinta vezes? — ele quer saber se deveria ser mais sincero, porque eles nunca dormiram juntos no sentido iniludível da coisa. Estamos transando há dois meses e você nem me dá bom dia quando passa ao meu lado no elevador, eu não sou culpado de você não saber o que eu faço, quantos anos eu tenho e o que eu gosto de comer. É isso que ele quer dizer. E há menos de vinte minutos que ela disse que não se importa com ninguém. No fim das contas, nessa luta imaginária sobre culpa, Briar perderá se disser algo a mais porque parecerá um homem louco de desvelo desesperado por um pouco de aconchego. 

— Você está contando? — pela primeira vez desde que eles saíram da lanchonete, ela caminha como uma pessoa normal. 

— Não os dias, mas quantas vezes você gemeu, o que totaliz...

— Cala essa boca!

 

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O caminho de volta parece uma constante caminhada em um mar de areia ao ponto mais quente do sol, apesar de terem certeza de que deveria durar menos de quinze minutos para chegarem às suas respectivas casas. A falta de ruídos transforma a presença um do outro em algo semelhante a um processo de divórcio, o crepúsculo querendo se dissolver transformando essa afirmação ainda mais coerente. É pouco menos de excruciante.

Ela busca pela caixa de entrega de cartas assim que entram no hall. Ele sabe que eles não têm mais assunto por hoje, e quando tem certeza de que ele não está no campo de visão dela, a primeira coisa que faz é se colocar nas pontas dos pés para se esgueirar sem que ela tome nota. Uma ação pra lá de exequível se ela não aparecesse atrás dele repentinamente, um envelope nas mãos dela sendo estendido para ele.

— Coisa sua.— ela murmura sem olhá-lo, não volta ao fato de que ele estava prestes a não se despedir dela ao deixá-lo plantado e virar as costas. Antes da luz automática do passadiço acender, o nome de Loid e Yor reluz em letras douradas no escuro. Ela deve ter falado algo sobre isso ontem, na ligação corriqueira que ambos fizeram. 

Yuri revolve o fitar para frente para se deparar com Frost apertando o botão do elevador num frenesim, o que o faz ter fidúcia sobre as manias comuns que ela tem. Eles estão em lados distintos ao entrarem no local. 

— É o convite de casamento da minha irmã.— Briar esclarece mesmo sem ser preciso, ele sabe que ela não se importa. Ela só resolve dar uma resposta em relação a isso no momento em que o painel está no segundo andar.

— Bom para ela.— Fiona devolve, o número mudando de dois para três. 

— Frost...— talvez ele possa fazer um bocadinho de manha, abespinhá-la tanto até fazê-la aceitar. Mas ela é estóica demais para isso. Quando o quarto andar se faz presente, ela troca o peso de um pé para o outro ao lançar um olhar reversivo para ele. 

— Sério, procure outra pessoa.— é uma demanda, aquele tipo de enunciado que diz que ela não aceitará nem se ele transferir uma alta quantia de dinheiro para a conta bancária dela. 

— Por quê? — ele inquire, e sente como se estivesse finado de fome suplicando por migalhas. Ela prende a boca entre os dentes, daquele jeito que o faz ter certeza de que ela não sabe o que faz com ele toda vez que age assim, como se ela não soubesse o quão bonita é. E isso irrita tanto. O põe mais do que tresloucado. Porque, de lá para cá, o bom-mocismo dela na não proficiência do alvoroço que ela constrói tão estritamente o deixa soltando fogo pelas ventas.

— Desastre.— tem algo na voz dela que diz que a verdadeira intenção era transformar uma única palavra em cantoria, mas com ela sai como um xingamento baixinho. A porta de aço se abre e ela não hesita em sair, passos silenciosos quando começa a andar. 

— Não vai ter desastre nenhum.— ele sussurra, fingindo ter controle de tudo o que acontece na própria vida, o que, diga-se passagem e para fins de honestidade, é uma grande picuinha. 

— Diz isso agora, mas vai ficar pegajoso depois.— Fiona retorque; estanca na porta dela. Ela solta os cabelos e enfia o laço no próprio punho. Ele quer saber o que a faz tão malditamente encantadora. Yuri conta as próprias pegadas ao decidir se aproximar. A luz automática deixa um estrépido taciturno ao acender. Eles se enxergam bem melhor assim. 

A franja dela está, novamente e como sempre, cobrindo o olho esquerdo dela ao passo que Briar está perto o suficiente para conseguir colocar os dedos nos fios macios dela. Com a respiração pesada e um pouco de sede, ele se estreita para um beijo que Fiona tinha intenção de recuar se ele não estivesse prendendo o rosto dela entre as mãos. 

— Eu não vou.— Yuri insiste. Então ele afunda os lábios nos dela, luz desligando quando se encostam na parede.

Ela suspira, e logo desiste. Fiona enleia os braços no pescoço dele e por habito amassa o casaco dele na parte de trás, trazendo-o para mais perto e apertando-o para confirmar o quão bom os beijos dele são, respirando pesadamente quando coloca a língua dentro da boca dela. Yuri rodeia a cintura dela com o antebraço esquerdo e a quentura dele quase a faz engasgar. O sensor de movimento está confuso, vez apagando, vez não. Por um momento os lábios dela ficam em segundo plano e ele trilha uma maré de beijinhos até o começo dos ombros dela — a linha máxima onde o casaco dela permite. E, depois, se afasta. 

— Você está com gosto de sabor artificial de maçã e comida.— ela reclama, ofegante, mentirosa — porque ela adora o gosto dele —, encurralada entre a parede e ele. O sensor já desistiu e eles estão no breu. 

— Como se você não estivesse com gosto de canela.— Briar devolve, puxando os dedos dela para encontrarem o coração dele. Ele realmente não quer entrar em uma discussão sobre como ela faz ele gostar de sabores que ele odeia.— Meu coração não bate por você.

Com algum esforço, Briar demonstra o ritmo pacato e normal. Os olhos dela reluzem no escuro ao olhá-los. Fiona faz uma inicial anteface, porém se impede ao lembrar da sua feição habitual. Ele age como um idiota. 

— Ainda estou apaixonado pela Chloe, tá bom? — como se eu ligasse. Ela desata o ar pelo nariz. 

— Procure-a nas redes sociais. Implore para que volte.— ela dita como uma palhaça, e se repreende por deixar a própria voz sair mais esguiniçada do que deveria. Yuri não parece se dar conta, reprimindo um clamor, mordendo o ombro dela, arrepio bom percorrendo-a quando se encosta na parede para sentir os dentes dele.

— O que eu faço para você aceitar? — Frost engole da consciência crua quando acha que poderia aceitar isso. Nem pensar. Ela escapa pelo vão que os braços dele deixam ao prendê-la.

— Não faça.— ela é simples. Digitando a senha para destrancar a porta, claridade voltando pelo movimento e estoicismo a preenchendo. O céu está mais claro quando a porta se abre e ela fica um tempo tirando o sapato antes de acender as luzes.

— Tchau, 528.

E, assim que a tranca automática apita com o rotineiro tilintar, a única coisa que Yuri Briar tem em palmas é dissensão. 

Notes:

há 35 minutos que eu finalizei as últimas modificações oficiais do roteiro, e isso significa que ele está — quase — pronto para ser colocado no forno. então, eu meio que acabei de acabar a história! pelo menos para mim.
de qualquer forma, eu volto logo.
obrigada por ler,
da Lit!

Chapter 3: III. Movendo bocas com palavras ocas.

Summary:

"Assim que as sacolas caem no chão, o zíper dela está escorregando pelos dedos dele. É Fiona que pensa em afastá-lo. E Yor tem os olhos arregalados, e um sorriso de quem sabe que atrapalhou alguma coisa fazendo-se presente no rosto dela — o tipo de expressão que, ainda que inconveniente, não a deixa envergonhada.

— Para falar a verdade,— ela não precisa de uma desculpa ou uma iniciação para se ver confortável para falar — quando você me disse sobre sua namorada, eu não acreditei, Uri."

Notes:

informações extras:
1. o nome original do capítulo três era "mesmo pensando detalhadamente, é um ponto de interrogação." isso é uma referência a uma parte do final que expressava a confusão do yuri e surgiu de uma música do red velvet (eu não faço ideia de qual, escutei todas as músicas, vi todas as traduções e não consegui me lembrar), mas depois eu percebi que, ao final do capítulo, eles estavam "movendo bocas com palavras ocas" como diz chico buarque em 'tantas palavras'.
2. parça, nesse primeiro parágrafo aí tem umas partes que eu escrevi pensando em inglês, mas nenhum outro sinônimo me apeteceu o suficiente p substituir justo a palavra que me incomoda. queria me desculpar pela impressão colonizada que o ritmo da leitura pode passar. acho que foi só esse parágrafo mesmo. eu realmente não tenho apreço por esses comédias.

boa leitura, galera!

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Há um entremente no sábado corrediço o qual ele prognostica como seria se deparar com o guarda-roupas dela, aquele que ele deduz ser recheado de saltos dos mais amplos padrões — como o escarlate que ela calçava na segunda vez em que passaram uma fugaz noite entrelaçados — e com um espaço reservado para as poucas, e permanentes joias, que ela desloca consigo mesma. Ele hasteia à memória as madrugadas as quais desordenou acordado matutando sobre qual seria a ocupação dela, com toda essa postura de modelo que a faz quase intocável. E esses pensamentos voltam ao vê-la apoiada contra as paredes frias de aço do elevador no momento em que os pés dele tocam o interior do local. Os olhos dela descem por ele, daquela maneira implicitamente faminta que ele só reconhece porque faz a mesma coisa com ela. Como sempre, a consideração dela é um zero à esquerda e receber um boa-noite não passa de uma quimera infeliz.

Yuri a mede de cima a baixo, se pergunta se ela está de vestido por baixo do sobretudo azul-escuro, se trabalhou hoje ou só foi passear pelo centro de Berlint, por quê ela tem uma sacola com o logo da loja de animais mais cara da cidade em mãos e por quê, para ela, ele parece tão fácil de se ignorar. Fiona age como se ele estivesse invisível, um corpo morto que resolveu assombrá-la.

Então ele se aproxima, desafeição arvorando uma trepidação no estômago dele no soflagrante em que as portas se fecham e Briar encosta os ombros nos dela. É um empurrão quase imperceptível, um protótipo pouco racional de irritá-la, como uma criança que não sabe lidar com seus sentimentos sobre a colega de classe. Frost não faz nem questão de olhar, como se concentrada demais no que ela irá comer de janta.

— Quer parar de me ignorar? — ele sussurra, quase rosna, um pouco atropelado e — quase — magoado. Fiona ainda não presta atenção quando o elevador começa a andar, como se ele não estivesse ali, ou como se ela não tivesse tentado evitar a entrada dele ali, apertando os botões mais de uma vez antes de Yuri chegar, ou como se ele não tivesse provocado-a e fosse ignorado.

A sensação de estar levitando preenche a barriga deles com o frio o qual ambos estão acostumados. O painel marca o número um e as portas se abrem. Os três corpinhos agitados do outro lado se demonstram ansiosos para saírem logo dali, dedinhos pressionando a chamada para a descida mesmo com um espaço aberto na frente deles. Quando se dão conta disso, o barulho inunda os ouvidos dela repentinamente, as cores das roupas que os deixam parecendo bonequinhos bem-decorados a aporrinham. Os brinquedos em mãos tornando o lugar bem mais pequeno do que deveria ser. Frost tem uma expressão amarrada quando a porta se fecha. E é com um pouco de relutância que ela se propõe a apertar os botões para o segundo andar e sair imediatamente.

Briar não espera para ir atrás. Os saltos dela espancam o chão, dão vida à fantasia de que ela é uma espiã infiltrada de Westalis pronta para acabar com a vida de quem entrar no caminho dela. E por um momento o cérebro dele vira gelatina, com a imagem dela, e ela sendo agressiva, e agressivamente graciosa. Se ela fosse uma espiã de Westalis talvez Yuri pudesse esquecer a rivalidade, existente mesmo depois de guerra, entre as duas nações. Ele adoraria que ela consumisse-o. Ela nem precisava pedir.

Briar pisca ao dar conta do estampido se esvaindo. Fiona está apoiada na porta de emergência que dá caminho para as escadas, a bolsa presa entre os dedos e espalmada contra o metal ao passo que ela arranca os saltos enquanto murmura os mais sujos dos palavrões. A franja dela está um pouco esvoaçada assim que empurra a passagem com o corpo, e ele não consegue evitar um suspiro ao perceber que não pode só ficar admirando-a sem falar nada. Yuri apressa o passo, tenta encontrar uma saída para iniciar um elóquio:

— Você está me evitando.— ele confirma, em alto e bom som mesmo que ela não possa fugir dele desde que ainda está lutando contra o umbral emperrado. Ela solta um suspiro, sem querer dar palco para o melodrama dele.

— Estou evitando aqueles pirralhos barulhentos.— Fiona responde, de qualquer jeito, com os braços cheios e uma recusa por ajuda quando ele tenta empurrar a entrada, antecedendo uma recordação.— Esse prédio velho de merd...— Frost gostaria mesmo de saber o que acontece quando ele puxa a maçaneta e ela quase escorrega no próprio equilíbrio. Ela olha para ele como se fosse um extraterrestre. A escada está do outro lado, ela poderia deixá-lo para trás, mas ele intervém, como o bom não-cala-a-boca que ele é:

— As portas antigas de metal travam quando empurradas, o que não acontece mais em novas construções. Era uma questão de proteção, já que o prédio é antigo e nas guerr...— ela não pretende escutá-lo, passa por ele como um furacão em intenção de correr em direção às escadas, a voz dele sumindo aos poucos — Evitando pirralhos e me evitando também.— Fiona estanca os passos, prestes a bater a porta de metal na cara dele, mas Briar é mais rápido em se esgueirar pela fresta quase estreita.

Ela para na frente dele, estóica, talvez extenuada, um pouco atroz e irregular. A respiração dela é quase fora do sério quando está estática encarando-o. Ela gostaria de odiar o quão pertinente e insistente seu vizinho pode ser. É coerente tomar um pouco de paciência ao contar até dez, ele acarando-a como se ela estivesse o maltratando por não respondê-lo. Este maldito rostinho gentil. Frost dá um viés confirmatório para ele falar:

— Precisa dizer quando não quiser mais me ver. Me ignorar não vai fazer eu me afastar. Nós somos vizinhos, e você sabe.— ela morde os lábios, acha que está agindo como uma adolescente quando o enfrenta com um suspiro de desfeita. Então volta a subir as escadas. Correndo e quase interpelando-se nos degraus, dois de cada vez quando sabe que Yuri não vai parar de segui-la até se deparar com uma justificativa dela. No segundo lance, com um estalo nos nós dos dedos, ele resolve retornar:

— Você não bate à porta há tanto tempo, 529.— ecoa no corredor. Medido. Insistente. Controlador. Ridículo. Fiona trava um passo, prende a respiração e mantém todo o peso sobre uma perna. Ela engole em seco, a voz dele dando voltas contra o corpo dela. Três semanas desde a última vez que ela dormiu tão bem que quase pediu obrigada. É sempre difícil respirar quando ele está entre as pernas dela e a faz ficar tão livre de aversão que ela perde as coisas mais triviais. Dormir com Yuri é como ganhar uma viagem para as partes rurais de Westalis, aquelas com tanto silêncio que a paz de espírito é quase uma primazia; dormir com ele é como ganhar, sem precisar jogar com números para isso, na loteria; é como tomar café quente em uma manhã fria; é como assistir filmes antigos que trazem sensação de nostalgia. Parece mais do que idôneo, mais do que lídimo, mais do que inevitável.

E tem, com frequência, o ápice em que ela asfixia um clamor no travesseiro com as digitais visceralmente ínsitas em si mesma e toda aquela pusilanimidade consecutiva da calmaria a faz se sentir sem-graça sem tê-lo por perto, e desmancha a asserção: dormir com ele é tomar consciência de que Yuri não é um alguém o qual ela não possa cobiçar agora, hoje e depois e depois e depois de amanhã.

Seus pés atravessam mais um lance de dois em dois degraus, como uma criança brincando de amarelinha, sendo rápida para ir contra si mesma na ideia de nortear-se e enrolar as coxas na cintura dele. E no quinto andar, Fiona se esquece por que está ignorando-o. Porque Briar está tão contíguo dela que é imperioso não perder o controle. O antônimo de silêncio mesmo que calado.

— Podemos fingir que aquilo nunca aconteceu? — ela quer morder os lábios e quer dizer sim, porque nem ela lembra mais, e se virar para vê-lo, porque fica tão fraca que quase não tem noção de onde está. Por pouco ela não almeja. As íris em carmim param na mão dela segurando a maçaneta e o lugar mal-iluminado empeça nela um estremecer, a quentura dele fluindo dos dedos dos pés ao último fio de cabelo como um choque elétrico.

Assim que Fiona abdica de abrir a porta, o metal volve em barulho e a meia-volta dela faz a claridade voltar por inteira. As íris dele estão em um vinho tão intenso que ela tem certeza que pode vê-las pulsando. Pulsando por ela. Com uma mordida nos lábios, que ela tanto gosta de beijar, e o corte de cabelo que, nas entrelinhas, adora porque pode puxá-los à vontade. E há este momento em que ela decide que Yuri Briar tem um dos rostos mais bonitos que já viu, não que cogite em admitir.

— Você não cansa de falar? — ela é autoritária e fria o suficiente para fazer alguém chorar, mas talvez Yuri esteja hipnotizado o bastante para não contestar. Porque ele gosta da brusquidão dela. Indecifrável, silenciosa, sempre bruta demais quando se trata de estar com ele. Ele não pode condecorar menos.

Ela levanta o rosto para ele, pupilas dilatas sobressaindo-se tanto que Yuri consegue se enxergar no reflexo polido. Ele afasta a franja para vê-la um pouco melhor. Fiona quase recua, lembrando-se de que iria se afastar dele, mas as mãos dele a mantêm perto. E é horrível que ela queira tanto ficar.

— Estou tão... Desesperado...— ele sussurra, assentindo, aproximando-se, sentindo-a. Tão parecido com um animalzinho que ela não pensaria duas vezes em resgatar.— Por você.— reverbera como um mantra na mente dela. Yuri quase vive a respiração dela contra a boca dele, as mãos teimosas em tocá-lo enquanto retorque os gestos, ausente, perdida, com sede. Ela engole em seco. Busca ar. E ele fica maluco.— Porra, pensando em você...

— Fica quieto.

Ele mal percebe a dor quando as unhas dela se fincam nos cabelos dele, puxando-o para ela tão freneticamente que poderia tropeçar nos próprios saltos se estivesse com eles. Yuri gostaria de inquirir se as câmeras registram alguma coisa, mas ela está empurrando-o tão bem contra a porta que é dificultoso raciocinar. As bocas se batem em um diástase acelerado, o gosto dela soçobrando-se nele e Briar quer — quer mesmo — parar só para esquadrinhá-la e dizer que ele achava que ela não era o tipo de pessoa que gostava de framboesa. É tão bom que ele quer questionar se é o batom, ou uma bala ou um chiclete e transformar essa discussão em uma conversa sobre a vida dela, aquele tipo de conversa que o faria conhecer os cantinhos mais secretos dela.

Impossível fazer isso quando é incrivelmente confortável enfiar a língua na boca dela e agarrá-la pela cintura até que ela cicie enquanto ele morde os lábios dela. Briar acaricia a nuca dela, os dedos enrolados nos fios liláses até que Fiona o empuxe num frenesim e a maçaneta resvale contra o cotovelo dele. Os dois tropeçam para fora, a porta expulsando-os ao quase tombarem para trás, insistindo contra o fôlego para não se soltarem ao retomarem a posição. Briar arfa, descendo os beijos para o queixo e o maxilar dela. Ela arranha o pescoço dele, bagunça os cabelos dele não porque precisa, mas porque gosta. Deixa selares perto das orelhas, da mandíbula e uma mordidela no pé do ouvido dele na mesma medida que ele afunda os dentes no pescoço dela. Um rumor de comprazimento tem domicílio na audição dele e um sorriso começa a roubar-lhe os lábios ao escutá-la murmurinhar:

— Eu preciso... Tomar banho.— mas ela nem tenta afastá-lo, amando que possa estar tão perto dele. Fiona se envergonharia de como o meio-tom dela está afetado com a frase, mas ela não liga ao continuarem tropeçando para trás. Briar enfia as mãos geladas por baixo da blusa que ela veste, fazendo tantos caminhos pelas curvas dela que ela até poderia dizer o nome dele.

— Mas você tá tão cheirosa.— ela inclina a cabeça ao passo que o antebraço direito se aperta ao redor dela e o fôlego se faz ausente. Não dá para descortiná-lo quando ele afunda o nariz no pescoço dela para complementar a afirmação anterior. Quase gemendo e implorando por ela, dedos coçando para não despi-la em frente à própria porta.

Frost sorri de modo tão imperceptível que é difícil dizer se foi ou não um sorriso. As mãos dela encontram as bochechas dele para vê-lo melhor, um murmúrio em reprovação com os lábios novamente grudados. Ela tem os olhos vidrados nos dele, e os braços em volta do pescoço dele ao desgrudar-se dos beijos depois de alguns segundos.

— Vinte minutos? — Fiona data, mas sai mais como uma pergunta. Ele alberga um muxoxo como se ela estivesse fazendo um flagício. Mas não se atrasa em anuir, amantético com o quão perto os lábios deles estão.

— Não mais do que isso.— a voz de Yuri é trêmula e acometida. Ela confirma, apartando-se até que só veja a parede branca em seu campo de visão. Ele não consegue pensar direito com ela ali, e só por isso sussurra: — Você pode tomar banho comigo.

Ela não demora nem um segundo para se virar. O imo saltando pela boca até sentir que vai parar. Fiona morde as bochechas e é insensata a forma como ela pode se sentir viva porque ele a seca como se só ela existisse, como se fosse a mais intrigante pintura realista. À contramão, mostrar minimamente os dentes é a forma mais limpa que ela tem de não se deixar saber mais sobre ele:

— Até logo, 528.

Ele escuta a porta fechar. E, pela primeira vez, se deixa levar pelo ar que não sabia que estava prendendo.

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Do passado para o presente, eles nunca transladam isso para a cama. Não, propriamente dizendo, por um mútuo beneplácito, mas porventura porque estão sempre tão afoitos que se desvalam na entrada, ou no balcão da cozinha, no divã e nos passadiços. Como na primeira vez em que situavam alucinados a ponto de arrancarem tecidos como se estivessem revirados em álcool, tropeçando e empunhando-se sem sequer saírem da porta. Desde então, nunca chega ao colchão. 

Yuri não leva isso tão a sério quando formula sobre, convencendo-se de que, apesar da falta de uma conversa explicativa, dividir lençóis atravessa limites que ele não consegue controlar. Perquirir-se muito sobre isso traz perguntas sobre o que porra está acontecendo e ele começa a endoidecer.

Ela, alguma vez, já perguntou como foi o dia dele? E já se sentou no sofá dele sem que isso envolvesse estar com as mãos dentro das calças dele?

Não é como se ele quisesse alguma espécie de preleção. Refere-se, é indubitável que Briar permanece não ementando tudo quando ela está em cima dele. Em favor de saber que Fiona Frost é, ele hesita nas designações, exímia. Ainda que com a propensão mandona que fica escancarada depois da sexta-feira em que ela colocou os pés no apartamento dele e, bruscamente, o compeliu no sofá sem pestanejar, insistindo contra quando ele tentou tocá-la. Não que ele se importe em deixá-la guiá-lo, às vezes. Eles não entraram em uma discussão verbal, tomando consciência de que é difícil demais falar com dopamina rodeando-os da cabeça aos pés. Ela desistiu de contradizê-lo depois da quarta vez, quase como uma gatinha manhosa ao perpetuar silenciosamente a forma como ele faz bem a ela.

— Como foi... A semana? — ele a puxa para frente tão abruptamente que os dentes se batem quase que dolorosamente — a quantidade de adrenalina absorve isso.

— Eu odeio...— a frase dela é engolida quando ele, intencional, esfrega o próprio estômago em direção aos pontos sensíveis dela, dedos afundando nas coxas dela, e uma certeza de que ela vai causar a morte dele. Fiona nivela a boca contra o peito dele, uma vibração dela passando por ele quando volta a se mexer, enrolando-se ao continuar:  — Ah, porra, Briar.— é um cantar e é quase uma reclamação, uma vez que ela se estorva de trautear o nome dele de modo tão impecável em sua língua e ele está arregalando os olhos, as pernas atarraxando a cintura dele até que ela consiga se imergir nele completamente. O sotaque dela está tão explícito ali — ele veneraria Westalis por ela, pelo amor de Deus — que só o que consegue planear é em como mantê-la neste sofá até de manhã, fazê-la bradar o nome dele até que se permeie na carne dele e fique gravado para sempre.

As unhas dela provavelmente estão se marcando contra as bochechas dele ao puxarem o rosto dele, tão perto daqueles íris reluzentes em nuance de quartzo fumê, comandos cerebrais se tornando nulos para dar espaço a Fiona, Fiona, Fiona.

— Eu odeio como você é falante. Cala essa maldita boca.— o visar dele se afaga todinho defronte a ela, hálito sucumbindo na fala dela. E ela quer tanto dizer como ele parece um filhotinho abandonado, e como isso o deixa tão gostoso. Ele não sabe como ela mantém as palavras enquanto faz o próprio trabalho tão bem que o está fazendo revirar os olhos como uma garotinha.— Assim mesmo.— ela sussurra como se tivesse acabado de treiná-lo. Ele solta uma risada entre um gemido, mordendo o lábio inferior dela com tanta força que sangra. E Frost gosta disso mais do que ela poderia admitir.

— Deus, Fiona, você é tão, tão gostosa, eu...— é um vitupério. Uma estúrdia. Ela o cala com um tapa bem no rosto dele, um rastro de quentura contra as bochechas e o pescoço dele à medida que uma interjeição por silêncio ardilosa sai da boca dela. Protestar é, quase, o ideal, mas não dá tempo para pensar quando os dedos ásperos estão mapeando os mamilos e todo o resto do corpo dela.— Ei! — ele, por fim, consegue dizer. Um conclame sobre as ações dela, mais como uma súplica que, minuciosa, secretamente, quer ir além. É no escuro, com os olhos bem fechados — ou melhor, no côncavo de suas palavras —, um esguicho silento de felicidade.

— O quê? Vai dizer que não gostou? — ela está pedindo para que se cale, mas não se nega em sussurrar perguntas, mordê-lo as orelhas, rumorar bem próximo de onde se escuta, beijá-lo ali sem saber que ele está sorrindo acima dela. O selo que para nas bochechas dele é um pedido de desculpas, obviamente aceitas porque ele, a sério, está entorpecido. Mas ainda é recalcitrante demais para não proclamar uma vingança.

Fiona engole o ar quando ele agarra a nuca dela com força o suficiente para causar uma distensão. Ela apoia as mãos no sofá, arfando ao se mover tão freneticamente que seus quadris poderiam deslocar. O estrépido é encharcado de concupiscência quando ele a pressiona com o polegar e as pernas dela começam a tremer como pegar um aguaceiro no ar engerelado e chuvoso de outubro, soçobrando a língua na boca dele para desistir dos queixumes. Ela arranha o peitoral dele o bastante para deixar sinalizado, Briar amparando-a ao agarrar-se à parte posterior das coxas dela. Yuri passa a mão pelo estômago dela e para no pescoço ao guiar a boca para lá. Ela puxa os cabelos dele com força para evitar gemer e ele toca em tudo que pode alcançar, enfraquecendo-a, enlouquecendo-a, lembrando-a. A força dos dentes dela pressionando contra a própria carne parece não ser o suficiente para calá-la. Então ela o beija, com as mãos nas bochechas dele e olhos suplicantes e sussurros secretamente chorados e tremores e satisfação e tanta saudade e tudo o que ela sente e não pode explicar.

Yuri geme contra a boca dela, a sensação quente e estreita o fazendo estagnar. Ele está praticamente se contorcendo ao se afundar nos cabelos dela. Com veias pulsando. Respiração aplastada. Cerne denunciando o estado de sede por ela.

As unhas dele se cravam contra a cintura dela ao permitir-se oscilar, suor cedendo um corpo pegajoso e oxigênio sufocante. Por um momento ele se sente tão tonto que pode desmaiar. Até que ela esteja encarando com os olhos grandes e airosos e cintilantes, boca um pouco aberta e ofegante quando ela direciona os cochichos para uma mordida no peitoral dele. É forte, desleixado, dolorido e ele ama a sensação da arcada dentária dela agaturrando-se nos músculos dele.

Ela morde. Com certeza morde.

Briar acha que poderia tatuar o formato dos dentes dela quando a ferida começa a pulsar bem no eixo dele, enquanto ela desacerela os quadris só para ter certeza de que acabou. Ela agarra o rosto dele uma outra vez, não o suficiente para fazê-lo sentir dor, mas o suficiente para vivenciar a quentura dela impregando nele.

— Estou com fome.— é a única que ela diz, toda cheia de autoridade, não parecendo estar a fim de ir embora esta noite. Suada e alquebrada. Um sorriso quase dança nos lábios dele ao absorver o olhar dela. Os dedos passeiam sobre os fios de cabelo grudados na testa, retirando-os para o lado, franja perdida quando encontra o rosto dela sem obstáculos.

— Quer ficar para o jantar? — Briar esconde, mas ele se sente tão feliz que quase morre, âmago palpitando e palmas formigando. Com a ideia de ela aceitar passar um tempo com ele sem que eles precisem estar sem roupas para isso.

— Talvez.— é o murmurinhar inexpressivo que Briar manuseia o gostar. Ele dá um sorriso que é escondido com os dentes dele apertando o próprio lábio inferior. Yuri puxa o queixo dela, beija-a e beija-a e beija-a até que eles se enlacem em uma teia de sorrisos implícitos.

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Quando o astro rei arrasta Ostania para a iniciativa de um novo azo, as janelas estão abertas e a claridade se põe a aconchegá-la com quentura na mesma proporção que faz cócegas no nariz dela, peito subindo e descendo lentamente em uma evidência do sono inigualável que por pouco não enreda a ociosidade de padecer em coma por várias semanas a fio. Cheiro de lavanda se esgueira pelas narinas, e é quase dubitável não enfiar o rosto no tecido macio. A lavagem perceptivelmente bem-feita do cobertor atenua, por vez, o braço dormente que ela deitou em cima. E o travesseiro, por outro lado, é tão acetinado que a engolfa em conforto, alfazema misturada com macadâmia impulsionando-a sentir o almíscar pelas próximas horas inteiras, sem nem se importar como foi parar nesta situação.

Fiona não sabe quando ou porquê ela dormita. E na brecha em que alfim estipula abrir as pálpebras porque, veja só — incrivelmente ela não usa amaciante de lavanda e nem lava o cabelo com xampu de óleo de macadâmia —, é laborioso de se achar. Os entretons neutros esclarecem o cômodo inteiro, impossibilitando-a de ao menos raciocinar, e ela quer morrer quando a luz quente da manhã permeia os olhos dela, que ficam fechados anterior de resolver buscar pelas horas, visando o teto antes de levantar os braços ao reparar no relógio em cima da televisão. Ela quer saber se é burra assim mesmo ou aquilo sempre esteve lá. Os ponteiros a deixam tontinha antes de decidir que são seis da manhã e ainda tem trinta minutos para se declarar atrasada.

Em contrapartida, ela busca o braço direto no alto para atapear a visão dela, puxando o cobertor para o rosto para se amorar — o que não adianta logo que a claridade se alastra em contato com as muitas camadas de tecido. E ela se vê no sofá dele ao esmiuçar o derredor. As próprias roupas estão descansando ao seu lado, como colegas de quarto, dobradas e delicadamente empilhadas.

Não dá para se interpelar onde ele está porque, antes de tencionar isso, Briar aparece. Ele é todo bagunça e desorganização ao andar de um lado para o outro com o quépi em mãos. Cabelo úmido, aparência cheirosa. E Frost acha que ele não deveria ficar tão bonito naquele uniforme verde. Ela estica o pescoço só por um momento, sabendo que ele não a enxerga ao parar do outro lado da sala, os pés impelindo-se ao final do sofá para se arrastar melhor, tendo certeza de que ele não sabe o quanto ela seca a bunda dele naqueles três inexatos segundos.

Você deveria parar de me assediar.— ou ele sabe. Ela não sabe como, talvez leia mentes. Fiona finge que não escutou ao morder os lábios e encostar no estofado.— Você dormiu bem? — Briar nem pensa em voltar à conversa de antes, perguntando sem nem mesmo encará-la, ainda atrás de alguma coisa quando rodeia a sala sem esperar o redarguir dela.

Fiona tem um ponto de interrogação no meio da testa quando ele suspira aliviado, não havendo mais algazarras além da respiração dele e ela se vê demandando o que ele estava procurando. Ela se arrasta para fora das cobertas, não se desassossegando em espreguiçar-se ao vestir de bate-pronto as peças de roupa que ela selecinou em paletas de cores por inteiras distintas depois de tomar consciência que estava mais desalentada para vê-lo arrancá-las do que simplesmente parecer bonita.

— Por que você não me mandou embora? — é como se ela estivesse culpando-o por algo muito grave, pescando a jaqueta de zíper que ela julgou suficiente para esconder a falta de um sutiã.

— Eu fiz macarrão para você e, quando voltei, você tinha tipo, roubado todo o espaço do meu sofá e estava dormindo tão profundamente que nem mesmo uma bomba poderia te acordar.— a frase dele sai como um verbete chistoso, um dito carregado de incontestabilidade sem-fim, e ela fisga que não trajou nenhum tipo de sapato para encontrá-lo, lembrando-se de que saiu apressada e com os pés praticamente molhados marcando o piso para vê-lo.

— Não importa.— Fiona rosna.

— Expulsar visitas é falta de respeito.— Yuri devolve.

— Não sou visita.— ela retruca, mais uma vez, parando na frente dele, agora tem certeza de que ele é policial, o broche dourado se contrastando com o verde-escuro denunciando muito mais do que imaginava. Por pouco Fiona não sussurra um você é tão lindo, 528. E ela recua um pouco para trás, encostando no balcão para evitar aspirar e passá-lo alguma impressão errada.

Fiona não quer olhar para ele ao mover-se para frente e mudar a direção diretamente para a saída, andando rápida e silenciosamente ao mesmo tempo como se estivesse fazendo algo de errado — ainda que os olhos de Yuri estejam grudados nela. E é com sarcasmo que a voz dele traça uma linha fria sobre as costas dela:

— Sair sem se despedir é falta de educação.— ele parece tão mesquinho que ela quer revidar.

— O que você sabe sobre educação, — agora ela encara o nome dele estampado no uniforme, um teatrinho chulo de boa garota que acabou de encontrá-lo após bater o carro em uma estrada movimentada — Tenente Briar? — não é nada amoroso ou brincalhão, mas é novo vê-la pronunciar o nome dele tão jeitosamente e em alto e bom som.

— Eu sei...— ele se aproxima, segura-a pela cintura e anota secretamente o quão bonitos são os olhos dela. — Que você deveria só...— ela quer interromper com uma aluna chata que quer se demonstrar prestativa a todo momento. Ultrapassar a pateticidade. Mas não se deixa responder ao beijá-lo.

Não é rápido, mas também não é amarascente ou célere. Tem gosto de pasta de dente, é fresco, mas quente, apertado, mas confortável. Não quente o suficiente para ser chamado amoroso, mas não insensível o suficiente para não ser chamado de deleitoso. Ela não sabe porque deixa ele pará-la em cima do balcão, as pernas em volta dele ao afundar as unhas nos fios escuros. Eu amo café da manhã.

Os movimentos se retesam do lado de fora e os passos se tornam mais lentos. A tranca automática apita, ambos imersos demais para tomar pensamentos sobre o derredor.

— Eu estou atrasada.— Fiona diz contra os lábios dele ao puxá-lo involuntariamente para mais perto. Ele sorri ao afundar a boca na dela mais um pouco, as mãos dela amassando a cintura dele para senti-lo mais, descendo traiçoeiras ao fim das costas dele, interrompidas antes de chegarem ao traseiro dele. Yuri gargalha contra o bico de exuberância se engendrando na boca dela.

— Eu não estou te empedindo...— Yuri prolongada um amasso, os dedos na bochecha dela passeando para o pescoço.— De ir.

E Fiona puxa ele para mais, mais, mais, mais perto e eles estão para esquecer o horário, os calcanhares presos às costas dele e um emaranhado de selinhos tomando forma em rapidez e inquietação.

— Espera um pouco.— ele abre um pouco mais as pernas dela, se encaixa entre elas tão perfeitamente que Fiona quer implorar para ele tirar aquele maldito uniforme verde e bonito que o deixa tão delicioso que deveria ser proibido.— Ainda nem terminamos o nosso café da manhã...— ela gosta de como nosso soa na boca dele, e se estende para beijá-lo quando acha que pode começar a parecer desamparada e boba e derretida pela voz dele. Ela agarra a nuca dele, puxa-o para perto o bastante antes de murmurinhar sobre os lábios dele:

— Está flertando comigo? — a soada dos números sendo digitados nem toma uma silhueta assim que a voz dela dá voltas na mente dele. Briar achincalha, suspirando e suscetível às mãos dela o agarrando da forma que envia toda a pressão para o estômago dele.

— Você decide.— ela revira os olhos, fraca pela bobagem dele, entranhando o beijo mal que reflete que não reclamaria se ele puxasse o cabelo dela e pegasse-a por trás — contanto que estivesse com este uniforme que ela odeia em outros policiais (ela odeia policiais, caramba). Mas Yuri tem um gosto bom assim e ela quer provar tanto que não se importa.

Ele enfia as mãos nos cabelos dela e ela nem pensa em ficar para trás. A língua mapeia a boca dela e, Deus, como ela deseja que ele tivesse sido o primeiro amor dela. A destra demarca as coxas por um triz não desnudas dela, a temperatura corporal aumentando quando ele se afasta para olhá-la nos olhos. Briar dá um sorriso. Ela se enterra por dentro.

— Você está atrasada.— ele tem uma expressão que atenua o rosto dele, envergando o desejo que ele tem que ela não o olhe com as pupilas dilatas só porque ele parou de fazer o que ela queria e sim porque ela quer ele. Não só fisicamente. Não só neste momento. Não só por praticidade.

Não pensa nisso.— e é óbvio ao perceber que ela não pensa nele com aquele tipo de paixão. Ele solta uma risada quando o beijo volta ao início, amando o desespero dela mesmo que isso não signifique para ela o que ele quer que signifique para si mesmo.

Assim que as sacolas caem no chão, o zíper dela está escorregando pelos dedos dele. É Fiona que pensa em afastá-lo. E Yor tem os olhos arregalados, e um sorriso de quem sabe que atrapalhou alguma coisa se fazendo presente no rosto dela — o tipo de expressão que, ainda que inconveniente, não a deixa envergonhada.

— Para falar a verdade — ela não precisa de uma desculpa ou uma iniciação para se ver confortável para falar — quando você me disse sobre sua namorada, eu não acreditei, Uri.

Ele se afasta de Fiona tão rapidamente que chega a questionar se esteve cingido a ela há alguns minutos. A mais velha se aproxima, e ele pode jurar que a barriga dela já está aparecendo e ser tio parece aterrorizante, mas o terror é ela estar docemente falante em seguida:

— Mas ela está aqui. E bonita como o inverno ostaniano.— Fiona aglutina o mau caratismo na língua ao segurar a fala informativa e arrogante de que ela é de Westalis e, em contrapartida, ela intervém com algo mais importante:

— Eu não namoro o seu irmão.— a frase sai fria, séria e irritada em demasia. Um repelente contra confusões. Ela nem precisa da confirmação de que aquela mulher é irmã do idiota parado ao lado. São como clones um do outro. A impaciência para pular do mármore ocasiona os pés descalços dela no piso frio. Frost fecha a jaqueta, passando pela mulher sorridente que, só por amargura, sente vontade de fazer chorar.

— Mas...

— É óbvio que ela não é minha namorada...— Yuri interrompe, ofegante e afobado, parecendo que vai vomitar de nervosismo, o estômago revirando e loucura permeando-se nos tecidos dele. Ela está de costas ao pensar saber que ele irá desmentir tudo isso. Porém, de repente, o silêncio se torna demais e vê-lo caminhar até a irmã mais velha não é um bom sinal.

Então, na impulsividade, a única coisa que sai daqueles malditos lábios é:

— Porque nós estamos noivos!

Notes:

outras informações extras:

3. hoje cedo (quando eu acordei), eu pensei em tanta coisaaa — o que é mentira porque eu tenho pensado o que vou falar há meses incontáveis. acho que é óbvio que determinadas comunidades que se isolam de outros grupos ganham um sotaque específico, ainda mais se isso se tratar da segregação de países. aqui têm muitos dialetos e estudar a construção linguística dos falantes de português brasileiro é sempre ótimo, então eu fiquei pensando que entre westalis e ostania teria algum tipo de diferença de dialeto. acho que a maior diferença entre eles poderia ser mais a questão da utilização de fonética, porque seria provável que westalis tivesse palavras mais antigas no vocabulário e musicalidade a mais. a fiona tenta conter isso porque ela obviamente acharia ridículo falar cantando. ostania fica com as falas atropeladas e o dialeto mais jovem, isso diferencia a personalidade deles — ela fala quase criando uma melodia, mas tem a fala mais serena. e o yuri falaria como um paulistano médio. é como se ela tivesse o sotaque da mooca (nao o nicho da mooca que é influenciado pela faria lima, mas a mooca + zona sul da periferia), de itaquera, da sapopemba, a zona leste de são paulo em geral, mas aí você pega esse dizer de desenho antigo e atrasa ele. e é como se o yuri tivesse o sotaque norte/oeste, que vai da pompeia até jaçanã. é uma comparação rasa e não exatamente o que eu formulo em si, e isso nem é uma comparação, nem como eu imagino que soe as frases deles, mas é o mais próximo que eu tenho de uma analogia para conseguir distanciar a forma como eles falam. "ai, lita, mas que coisa inútil!", pois é, muito tempo no metrô me faz pensar pra caralho.
4. isso não é informação, mas eu tive que corrigir esse capítulo de novo depois de nove meses e eu percebi que minha escrita é medíocre e eu fiquei rimando sem querer. além de ter certeza que ele tem um bocado de erros gramaticais porque eu to na correria e dormi no meio de 3 das 7 correções que eu fiz. mico do cacete. mas vai assim mesmo.

da Lit ꢡ𐑼,
até mes que vem!

Chapter 4: IV. O entendimento não passa da soma dos nossos mal-entendidos.

Summary:

"— Quer que eu passe cinco dias com você? Vá ao casamento da sua irmã como sua noiva? — ela parece um pouco inacreditada e o encara como se ele fosse um fugitivo de um manicômio.— Você não pode só...— a frase fica incompleta e ela faz cara feia — ou tenta, porque, caramba, ela é sempre tão malditamente bonita — como se estivesse sendo espancada.

— Não seria estranho eu terminar com a minha noiva do nada? — Briar continua por ela, dando ênfase no título para que ela sinta o peso da palavra.— Eu sinto muito, Frost, mas não posso só...— ele a imita, com o tom filosófico que reticências sempre devem ter — Estou em dívida com você."

Notes:

notas (in)úteis:

1. entao esse capítulo (o projeto inteiro, né. alem de mais alguns one-shots) é uma das coisas que eu estive fazendo em vez de ler os livros para o vestibular. porque eu fiquei pensando que era muito melhor para eu passar o tempo corrigindo e aprendendo palavras bonitinhas do que lendo livro de MULHERES BRANCAS malditas que se resumem em uma racista uma nordestina direitista e uma Portuguesa da Aristocracia. eu sou woke demais e nao consegui parar de pensar em como elas estiveram em conjunto no apagamento da minha árvore genealógica, mas em algum momento eu vou engolir com farinha e água. com certeza não vai ser agora. "ai, lita, mas isso contribui para a história?" de jeito nenhum, eu só to bem frustrada mesmo. porque estar no brasil é tipo: "vamos ler apenas livros de mulheres para o vestibular até 2029" e elas nao sao muito piores de espírito do que o governo do getulio vargas. bom, nem sempre o pensamento crítico te permite ler livros que você gosta, né.
2. o nome original do capítulo quatro era "empurrar e puxar", vinha de pushin' n pullin' — daquele grupo de kpop, veludo vermelho. ele ia ser um dos únicos com nome definitivo, mas o capítulo dez me deu muito trabalho no que se diz a nomeação. e eles acabaram trocando de lugar, porque fazia sentido. o entendimento deles não passa da soma dos próprios mal-entendidos. lá para metade/final de 'minha querida sputinik', de haruki murakami, a sumire, nos escritos que o k achou, diz exatamente essa frase.

boa leitura!

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

De repente, emperra. O diafragma empaca — meândrico, topa com a combustão, cérebro galgando em ação para acudir, mas o pulmão nem tem afinco para forcejar. O ar acaba. A vista gira a trezentos e sessenta graus. A infuca para granjear esgoelar é baldada. Emperra. As costas coçam, os pés obstruem, os movimentos não se desvelam. Emperra. Ela engole e, não obstante quase engasga, uma massa de espanto impedindo-a. Ela sonha que cai, desfalece e não levanta. Ela se assusta, e não reage. Emperra. Os dedos enfezam contra a palma da mão, e ela sente, sente, sente tanto, acutilando as três camadas de pele, um mar de sangue que não consegue sustar ou planger porque está emperrada. Emperra. Porque as elucubrações reencetam e lá, na supressão do inalar, na garganta oclusa, na disrupção exposta, na razão reprimida, ela atinge um pavor que a faz começar a resvalar pelo chão, como se estivesse há tempo demais fervendo dentro de uma panela. É difícil se tornar vapor, no entanto. Porque emperra.

Abstruso assimilar que proeza tomou para fazê-la testavilhar e esbarrar o crânio na viga que desanexa o hall da entrada à sala, até que o panorama dela esteja enevoado e Fiona reúna a astúcia de que ganhou uma concussão. Ela sente como se os tímpanos dela tivessem pipocado só com aquela asserção inclemente. Tudo apita — desde as buzinas dos carros na avenida lotada lá embaixo ao âmago dela que, tadinho!, se afoga na miscelânea de uma história sem fim determinado — ao passo que as madeixas melífluas de Yor oscilam de uma ponta à outra, os braços alicerçando com força o irmão por volta de pulinhos de prolfaça. Por um momento Frost o alcança acolá, ábdito de situar-se propínquo de um desafogo que contradiz a agitação descontrolada e traz coerência ao disse me disse que acabou de sorver como verídico. Parece não saber que tem uma boca grande e que só sabe cuspir lixo.

E no segundo seguinte, Frost destapa que os braços daquela mulher são pacienciosos e tão esmagadores que percorrem desviados de ser um enlace, além de uma trivialidade em concordância com validações de apreço. Não que ela tenha a concepção completa de um abraço para opinar sobre o que se caracteriza ou não em um deles. É coerente tomar da consciência que a última vez que recebeu um abraço caloroso foi aos seus quatro anos de idade. Há duzentas e setenta e seis semanas. E é tão pesssimamente abafadiço, contíguo em demasia, querençoso e espontâneo que acerca o estarrecedor. São vinte segundos prendendo o ar com o dorso inquietante para sentenciar enternecer ao toque dela, íris arregalando-se ao ater o queixo no ombro dela, em um bramido mudo de socorro a Yuri. O cheiro de rosas se penetra nas narinas dela e é inverossímil saber o porquê de estar confinante desta desconhecida e por que pretexto não consegue se afastar.

Os olhos deles se cruzam, mais ou menos como se ela rogasse por uma prelação. Briar permanece intrêmulo, engolindo o sorriso que desarvorou dele mal que Fiona o espavoriu com os caninos adegalçando-se em cominação despontando bem atrás de Yor. Ela fecha as pálpebras com força e a vontade de gritar e bater a cabeça na parede é quase tão incontrolável quanto a sede. Quando Yuri dá um passo à frente, sapatos engraxados e meias branquinhas que ela gostaria de saber se foi ele que lavou, os lábios dela se juntam em um "O" que permite-a suspirar sem fazer barulho.

— Yor, está machucando ela.— Yuri é harmonioso, por pouquíssimo não evocando uma ode, promissor como o sol em setembro, nadinha pudico e divisa a irmã com tanta delicadeza que Fiona puramente para de pensar por mais tempo do que se é factível parar de pensar. Ela não memoriza o último instante que comeu algo, mas o estômago dela revira e cultiva um protótipo de embirração em contradição com a exibição fraterna desconhecida. Ela não restringe a demonstração fleumática, e pensa que tende a estar notoriamente afetada ou como um canino pontapeado no meio da rua.

A perda de mormaço a faz se constatar meio desconcertada ou inepta. E Frost almeja execrar no minuto em que Yuri aglutina os quadris dele nos dela, arrastando-a pela cintura até que estejam em um abraço lateral. Ele não é tão quente quanto à irmã, e por outro lado o aperto tem quase o mesmo peso. A canhota se rasteja pelo final das costas dela em intenção de buscar pela mão desprovida de qualquer anel que seja, buscando cobri-la em um momento de evitação de dúvidas. Ele se aproxima da orelha dela, todo traiçoeiro e imprudente:

— Para de fazer essa cara. Nós somos um belo casal.— ela quer morder aquele rostinho bonito que ele usa para jogar esse charme fajuto que ela tanto malquere. Apesar disso, aquém que seja capaz de redarguir qualquer coisa, os lábios dele afundam na bochecha dela. E emperra. A respiração, por algum motivo; o coração, por algum motivo. A mão livre dela sobe pelas costas dele, puxando os cabelos dele para trás de uma forma que Yor não consegue ver. O pescoço dele só não estrala por questão de controle, a dor retendo-se e espalhando-se na nuca dele depois de alguns segundos.

Eles sorriem em tautocronia. Um autêntico reclame de pasta de dente exibido lá pelas oito da manhã.

— Eu estou tão feliz! — a mais velha se agita, a voz aumenta, embarga, se equilibra, um suspiro de mitigação assume conta dela e por pouco não é possível ver o peito dela se inflando de chamego. Irritante.

Yor Briar tem muitos dentes. Será que ela tem só trinta e dois? Por que ela sorri tanto por eles? Não deveria sorrir mais por si mesma?

— Todos estamos.— ele remite, maçãs do rosto alastrando-se sobre os olhos dele, uma estrela da melhor qualidade ao depositar um selinho na têmpora dela, fora de órbita em uma tentativa de desviar dele. Ela está perto de se constranger, mas se dispersar é inviável quando estar acorrentada a ele é um preceito.

E Yor exterioriza mais a arcaria dentária, rutila mais. E tudo está tão soalheiro. E bem-fadado. E condenável. E lancinante. E Fiona não espera que a felícia de uma estranha desencarne. Porque ela parece o melhor para o próprio irmão. E está triunfante de tanto contentamento que Frost apetece prantear. Só por isso, e nenhum outro motivo, ela se coage a dizer:

— Nós estamos.— é abafado, imperceptivelmente amendrotado, mas confirmativo, amigável o bastante para fazê-la ter certeza.

Fiona ratifica esse disparate enrolado. E não tem fidúcia do porquê.
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Então lá está ele. Cara a cara com este tapete que de certeza evitaria se tivesse forma humana. Sem percepção exata para a cólera que a cor cinza causa nas entranhas dele, mas é pesada e irritante. Em evitação à melancolia que olhar para aquela cor causa nele, os olhos se reorientam para a garrafa de vinho que empunha no momento. Por um segundo ele se interroga caso teria de ter velado-o naquela sacola insensatamente faiscante em matiz de dourado e formato retangular que foi entregue a ele em uma adega depois de gastar metade do seu salário naquele lugar.

Yuri nunca denotou uma percepção sobre isso, mas sabe que sua vizinha de porta não é o tipo de pessoa que gosta de regalos. Mesmo que sejam por um pedido de desculpas.

Eles não trocam números, e em consequência ele não pode falar com ela em outro quadrado que não o corredor deles. E Fiona está desatendendo-o há mais de setenta e duas horas, não que Yuri esteja contando, e ele está prestes a desvairar ao não reavê-la no elevador, ou escadas e nem mesmo saindo para o trabalho. É só por isso que ele bate à porta dela às nove da noite. Um pouco mais cedo, um pouco mais tarde do que eles definem como "cedo".

Ela sempre apareceu primeiro do que ele, e só por isso Briar nunca instituiu o que viveria apregoado de horário deles. Pensar nisso o deixa um bocado estatelado. Sem números. Sem cotidiano. Sem horário fixo. É isso que quer dizer sem compromisso?

A inquietude começa a erguer um estado no estômago dele e é tão execravelmente difícil respirar quando ele percebe que não sabe nem de que cidade de Westalis ela veio. A cor favorita dela. Quem são os pais dela. Por quê ela se mudou. O que ela gosta de comer. Por qual motivo ela não quer um compromisso. Por que ele não quer um maldito compromisso?

Os sapatos se atormentam de um lado para o outro e — de repente — a vontade de fugir se torna palpável, as palmas suando, cérebro pressionando-o a alinhar a conduta para ficar mais prudente. E os olhos dela rodeando-o ao se dar conta de que parece um inseto embriagado. Briar engole em seco, quase engasga com uma força desconhecida impulsionando-o a se aproximar. Ela tem uma presilha presa na própria franja e a visão do rosto dela o faz girar como se prestes a desmaiar. Ela nem pensa em cumprimentá-lo. De alguma forma, decorou o jeito como ele toca a campainha e soube bem quem estava no frontíspicio da porta para cogitar em não se estimular para atendê-lo. Mas ela fez. Abriu a porta o suficiente para ele saber que está ouvindo-o e vendo-o, mas não o suficiente para deixá-lo ver o interior da casa dela.

Eles ficam em silêncio por vinte, — acarando-se, suspirando, simulando uma parca cinesia — quarenta — com ele delineando o que emitir e contemplando-a com aqueles olhos formosinhos — segundos até que ele esteja estendendo uma garrafa de vinho para dentro da casa dela. Os dedos dele tiritam como se ela pudesse avançar no pescoço dele, ou como se ela o maltratasse constantemente, e ela quer saber de onde e desde quando surge essa apoquentação assim que ele fica contíguo dela. Fiona olha a bebida, lê o rótulo sorrateiramente, se questiona por que ele compraria um vinho tão caro para ela. E anota mentalmente que nunca faria isso por ele. Frost visualiza o anseio que ele tem de sair correndo e emprega as palavras 'eu não sou uma mãe abusiva, pare de tremer, idiota' na boca, e Yuri chega antes:

— Eu não queria ter feito aquilo.— ele se força a manter contato visual, erguendo a cabeça e falhando em manter um tom de voz tranquilo. Ele diz como se estivesse engolindo as letras, lábios quase nem abertos com uma teimosia se debatendo no peito dele. Ela nunca imaginou-o dizendo isso e o âmago dela salta repentinamente, sangue açodando mais rápido entre as veias dela e seus pés quase ficam inquietos. Frost morde o interior das bochechas, tomando nota dos dedos perturbados dele enquanto procura por declarações indiscutíveis, e não objeta. Yuri arrasta um aspirar entre os dentes, e apanha a insuspeição de que jamais admitiria seus erros para outro alguém que não fosse ela.— Eu fui imprudente. Não deveria ter te colocado nos meus problemas. Eu só... Não quero decepcionar a única pessoa que está sempre orgulhosa de mim. Não quero que ela se preocupe comigo por não me empenhar em algo que não seja trabalho.— ela não entende a sensação, e por outro lado nunca quis tanto bisbilhar um tudo bem. Eu te entendo. Mas não. Fiona não entende o que é ter alguém para se preocupar com ela ou ela mesma para se preocupar com alguém. Alguém para contar e partilhar a dor.

— Já passei tempo demais fazendo-a pensar em mim. A vida da minha irmã nunca foi só dela. Eu sempre estive lá, ainda mais nos dias cansativos. E ela... Conseguiu se livrar de mim há tão pouco tempo. Eu quero... Que ela seja feliz com a própria família e não tenha que me ligar para fazer perguntas corriqueiras sobre eu estar feliz.— ela quer perguntar por que o vínculo deles é tão forte, por que eram só os dois, como é carregar um amor tão grande assim. Fiona recua. Olha para os dedos inquietos dele até que tenha certeza de que é só uma ilusão. Ela sente. E quer ceder. Isso não é problema meu.

Ela oscila um pouco antes de pegar a garrafa, apertando até que possa sentir as palmas dormentes. Fiona abre a porta por inteira, o olhando com indiferença — um esforço sobre a expressividade que ela mesma construiu ao redor da adolescência para a vida adulta. Ela fica com raiva. Ela não se importa com a raiva.

— Você fez de propósito.— Frost declara. Ele se aproxima.— Não tinha nada melhor para inventar? Noiva? — é um cuspe de descrença que o faz se sentir até um pouco inferior. Ela tem toda a razão de estar com raiva.

— Que nome você daria para o seu vizinho com quem você transa há meses, só sabe nome e endereço, desconhece a formação e, veja bem, nunca dormiu junto? Como eu vou explicar que nós somos instáveis e que você não está gostando de mim e eu não estou gostando de você, mas que nós marcamos cada canto possível do elevador até o meu apartamento? — não é uma frase qualquer. É um empurrãozinho para deixá-la arrancando os cabelos, um questionamento mais profundo do que a relação intitulada dele permite.

— Normalmente é isso que se chama de passatempo.— Fiona é rápida em rebater. Não se deixa levar pelas pegadas que ele deixa antes de ter uma resposta que o deixe satisfeito.

Briar abre a boca, mais do que irritado por dentro. Talvez ela esteja certa. Talvez ele esteja levando para um caminho profundo que não se encaixa aqui. E as pernas dele tremem de decepção. É fácil desistir quando ela apresenta fatos os quais realmente não está interessada:

— Nós podemos só... Conversar?

Ela deveria se repreender por dizer que sim.
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A madeira se fecha com um baque surdo. Quase involuntária a forma como os pés dele escorregam para fora dos tênis escuros e se deixam colidir com o assoalho em tom de castanho-escuro. As mãos tencionam e um eletrochoque o percorre dos braços ao pescoço. Ele sente que precisa ajustar a postura, então o faz. Ele sente que não deve se mover, então não o faz. Ela demora algum tempo, talvez trinta segundos, para perceber que ele está estático como se ela fosse a banca do Trabalho de Conclusão de Curso dele. E uma lembrança bem óbvia a interrompe mentalmente com a percepção de que eles são, de fato, desconhecidos. Permissão para entrar.

Fiona está perto de tartamudear, no entanto resigna nem bem de meditar que sua queixa pode estalar assovelada. Ela estreita as digitais pelo vidro de modo compacto, obsecrando para que o suor da própria mão não extrapasse para a garrafa.

— Você...— Frost levanta o queixo, apontando para ele e incerta do que proferir.— Pode entrar.— os lábios são comprimidos e ele descongela imediatamente, um sorrisinho desaconchegante se abrigando na feição dele. Fiona não retribui. Imita a ataraxia.

A casa dela é mais policromática do que ele concebia pela presença dela. Nuances de rodocrosita e um azul-escuro, margeando o subtom de safira, se dissemelhando pelo cômodo de ponta a ponta — e é pra lá de intratável não relatar que essas não são as cores prediletas dela. Yuri não tem confidência se Fiona compreendeu que o possibilitou fazer uma coisa que escapou há dois meses — colocar os pés dentro do apartamento dela. Ele não sabe se era, de verdade, uma diretriz de restrição rigorosa dela ou se — ele nunca bateu à porta dela por vontade própria. E a coisa inusitada sobre Frost é: ela tem um gato que estava atrás do sofá e agora encara-o como um felino antissocial faria. Com o corpinho esguio e um caminhar que o poderia fazer parar nas mais renomadas passarelas, ele para na frente dele como se quisesse barrar a passagem e Briar não pensa antes de se aproximar.

— Não encosta nele.— a voz o faz recuar num centésimo, a increpação ruindo como um balde carregado de uma predicação nem mais nem menos mal-encarada e isso quase o macera por dentro. Em compensação, ele se submete às frugalidades da casa antes de machar a seguir dela até a cozinha.

— Qual o nome dele? — o ensaio de caucionar um bate-papo não se vigora. A tartufice no que se refere a não escutá-lo extrapola limites, auxiliando a situação a assemelhar exatidão e a garganta dele rasga como se mastigasse pedras ao engolir em seco. Ela é uma péssima anfitriã.

Ela abre os armários, dispondo uma taça à vista dele. E sem demora de vasculhar um pouco mais, ela pousa um copo revestido de transparência encontradiço ao lado. Não é nem consentâneo entrever para se inteirar que ele está crispando o semblante. Fiona olha para o derredor, dois vírgula cinco por cento conspurcada. Sente a incumbência de se dirimir, embora ele nem tenha aberto a boca para interpelar.

— Eu não planejo receber visitas.— uma lépida roboração. Ela rosqueia a fechadura do álcool e ele estende os vidros para ser menos complicado de derramar o vinho.

— E seus pais?

Ela parqueia. As engrenagens superaquecem e o peito apouca, estagnando a concentração na própria obra e puxando a garrafa tão rápido que cai uma boa parte da bebida no balcão. Ela não demonstra sair do sério ao se afastar do molhado, colocar o vinho em pé e tampar o objeto. As gavetas da cozinha ecoam ruídos cada vez mais altos à medida que ela busca por algo que possa acabar com a própria bagunça. Na última, com um dedo preso e uma bateção ainda mais alta, Fiona dobra o tecido e limpa a bagunça com rapidez, apertando o pano contra o mármore um pouco forte demais.

— Não é da sua conta.— ela diz, num sussurro entredentes, esfregando a mesa uma última vez para garantir a secura.— Nada meu é da sua conta, Briar.— e postula. Uma ira a eclode e, mesmo que não seja autoria dele, ela se sente invectivada em demasia. Ele engole em seco. E hesita:

— Eu só queria...— Frost o entrava pelo remanso que não inteira coisa caritativa, a franja resguardando os olhos pela inexistência da presilha que, agora ele repara, Yuri não tem certeza onde foi parar e a boca pronta para murmurinhar algo.

— Se quer realmente que eu te ajude, — ela quase parece procurar por palavras, virando as costas e dando alguns passos em direção à pia para lavar as mãos.— não pergunte sobre mim.

Ele engole o vinho antes de dizer que entendeu porque era tão bom quando ela não falava. Yuri se arrepende de ter bebido tão súbito quando mantém em mente que um copo a mais consistiria o eficaz para fazê-lo sair rastejando dali com a catastrófica cachomônia para álcool da família Briar.

— Você vai me ajudar? — ele cochicha. Fiona segura a taça em concordância do médio e do anelar. Vira o copo como se fosse café. Ela é maluca. E não parece oscilar em nenhum momento. Ela cicia um barulho que parece ter saído involuntariamente, uma confirmação cantada.

— Mas não porque eu quero.— ela adora confirmações. E ele sorri como se tivesse ganhado na loteria, como se ela tivesse emendado todos os contratempos dele, como se, de alguma forma, ela fosse insigne. Uma volta-face exequível assolando-se nos tecidos dela.

— Então... Eu meio que vou jantar com meu cunhado e Yor no fim de semana. Ela pediu que você fosse e...

— Quando vai dizer a ela que está mentindo? — o suspiro é tão pesado que o coração dela parece preso nas costelas, uma impaciência tomando forma na espinha dela. É uma frase com o tom superior de repreensão que o faz se sentir miúdo perto dela.

— Depois que ela se casar. Eu prometo. Daqui a três semanas.— ele tenta soar o mais verdadeiro possível, mas algo o diz que ela enxerga o estremecimento nas palavras dele. Yuri não quer saber o que virá a se desenrolar na hipótese de ele não perfazer seu próprio plácito e, por um minguado de juízo, arrasta para si a indagação de no que acabou de se entranhar. Eu devia mesmo ter procurado alguém do colegial.

— Precisa de mim por um dia? — ele gostaria de saber porque ela não pede nada em troca, a feição cansando-se e o indicador revirando a borda do copo vez ou outra. Ele decide que a venceu por insistência.

— Por... Seis.— o anunciamento sai dividido, cauteloso como se aproximar de um leão. As maldições que ele esperava saindo da boca dela não aparecem, no entanto. É a primeira vez que ele vê a expressão dela se contorcer quando não está tocando o corpo dela. Ela desvia o olhar, traça os movimentos do gato até que ele vá para onde ela está e suma da visão de Yuri. Fiona comprime os lábios. Ele continua: — Yor vai se casar no litoral e...

— Quer que eu passe cinco dias com você? Vá ao casamento da sua irmã como sua noiva? — ela parece um pouco inacreditada e o encara como se ele fosse um fugitivo de um manicômio.— Você não pode só...— a frase fica incompleta e ela faz cara feia — ou tenta, porque, caramba, ela é sempre tão malditamente bonita — como se estivesse sendo espancada.

— Não seria estranho eu terminar com a minha noiva do nada? — Briar continua por ela, dando ênfase no título para que ela sinta o peso da palavra.— Eu sinto muito, Frost, mas não posso só...— ele a imita, com o tom filosófico que reticências sempre devem ter — Estou em dívida com você.

É por um fio que ela não pula em cima do balcão, agaturra a garrafa de vinho e vergasta na cabeça dele para aliciar esmiuçar alguma espécie de autarcia na fisionomia dele. Mas os dois só se fitam. Por um. Três. Quatro minutos. Quase uma batalha para ver quem pisca primeiro.

— Não torne isso pessoal demais.— ela propõe, séria.— Eu não preciso de uma nova pessoa na minha vida, Briar. E não pense que eu gosto de você ou algo do tipo. Você é meu vizinho e vice-versa. Só isso.

Ele assente, não porque aceita, porque precisa. Fiona o mede, como se persuadida a entrar nessa emboscada sem-fim, mesmo, às escondidas, conhecendo que se ela realmente não quisesse isso, não teria aceitado nem se a vida dela estivesse em jogo. Um zum-zum-zum inconveniente que ela dissimula com uma repreensão mental. Yuri pisca algumas vezes, designando o que dizer ao passo que faz tudo dentro dela permutar o lugar involuntariamente.

— Só isso.— ele devolve. E ela não sabe o que tem de tão sublime na voz dele, quase revertendo-se num acalento ao fazer morada nos ouvidos dela. Então ela suspira — porque, a sério, ela deve ter algum problema com a respiração e ele é a origem disso.

Eles ficam raciocinando o que acabou de acontecer antes que ele se aproxime, sem saber exatamente o que fazer com isso. Ela o olha de cima a baixo e, quando lembra como ele foi tão doce lá na porta, Fiona se derrete tanto que se desespera. Às vezes ela acha que ele deve ter passado algum tipo de doença para ela, com a vontade de vomitar alojando-se nela toda vez que chega perto demais. Ainda assim, um comando silencioso se faz presente entre eles, mandando-o se aproximar um pouco mais.

É corriqueiro. E o pega de súbito.

As mãos dele mal encostam na cintura dela no momento em que ela se agarra a ele como um coala, lábios encontrando-se quase de imediato e mãos emaranhadas em cabelos. Um dos pés dela quase encontra o chão quando ele a empurra contra a bancada e ela segura o mármore com a palma esquerda enquanto a direita o puxa até que Yuri não seja nada mais do que a língua dentro da boca dela. Ela aperta as pernas contra a cintura dele, como se quisesse permanecer com o almíscar e o palato dele para sempre. Briar aperta as coxas dela forte sobremaneira em intenção de canalizar todo o sentimento reprimido há três dias — porque ele execra ficar tanto tempo sem ela. Ele empurra um dos joelhos dela para cima em uma rapidez que a faz quase escorregar, se ele não estivesse sempre pronto para segurá-la; ela morde os lábios dele ao passo que o zíper da calça jeans dele fricciona o centro dela. Fiona se esculhamba; porque ele nem fez nada demais e ela consegue ver quantas vezes tocaria as nuvens se ele só continuasse esfregando-se nela assim. Eles gemem como dois idiotas quando ele enfia as mãos dentro do sutiã dela e ela se deita como um banquete na pedra gelada. Yuri arrasta-a pelos joelhos, os fios e as roupas recentemente bagunçadas como se um tsunami tivesse passado em cima dele, desgrudando as bocas e pronto para marcá-la com os dentes. Por outro lado, ela não pensa duas vezes antes de afastá-lo com o indicador no meio da testa dele.

Briar franze o cenho, e Frost espreme os lábios antes de murmurar:

— Você foi tão folgado lá atrás. E eu não te perdoei.— uma ameaça entredentes, ela tem disso. Mas o que Fiona, realmente, quer conclamar é: continua, continua, continua.— Isso te torna um puta de um mentiroso, manipulador, irresponsável.— ele se afasta quando ela dá um tapinha na testa dele, mas a dor é excluída porque é impossível não ficar absorto no jeito que ela direciona todos aqueles xingamentos para ele.

— Era uma questão...

— Fica quieto.— ela não está brava, ela quer tanto ele quanto ele quer ela. E parece cedo demais dizer que ela pode gostar da ideia de ser noiva de mentirinha dele. À contramão, o aviso dela parece fazer de mais. Ela ergue as sobrancelhas. Ele entende. Se separa custoso, com as garrinhas implorando para permanecerem no corpo dela.

— Nada de café da manhã? — ela não responde. Uma vingança. Yuri dá meia-volta e solta um muxoxo antes de dizer: — Boa noite, 529.

Ele atravessa o corredor e o gato o persegue como um verdadeiro guardião, olhos grandes a todo momento fiscalizando os movimentos dele. Parece até que ele tem mais consideração do que a própria dona. O nome dele é...

— Mabuse.— ela murmura como se lesse os pensamentos alheios. Yuri se vira bruscamente, buscando o contexto. Ela está se aproximando ao pegar o felino, que rapidamente se aconchega, nos braços dela.— O nome dele é Mabuse.

Ele quer assentir, introduzir a ideia de que ele sabe que Mabuse vem do protagonista criminoso de "Dr. Mabuse, o Jogador", de Fritz Lang — o filme favorito dele —, perguntar se ela lembra de uma tarde particularmente específica e inesquecível para ele, mas ela se aproxima; assim, de repente, incerta e cega pelos seus próprios movimentos. Frost queria estar brava, ressentida por ele perguntar sobre a família dela, mas às vezes é difícil para ela mesma se lembrar das coisas que ele falou. Ela se move quase como uma rainha, os pés descalços silentos no piso. Briar se encosta na porta, a mão na maçaneta destrancada fica inerte ao passo que Fiona o encurrala.

Ela coloca Mabuse no chão, observa o rosto dele dos quatro costados. Ele se impede de corar e, nas pontas dos pés, Frost cola os lábios na bochecha dele em um ato praticamente involuntário. Yuri fica tonto. E tonto. E tonto. E tonto. E ela diz:

— Obrigada pelo vinho.— e então Briar desfalece. Ele quer saber quantas facetas ela tem, que pensamento tão doce a fez mudar de opinião. Quando ela percebe o que acabou de fazer, é um segundo para estar a quinze metros dele. Ela sente o corpo queimar como uma adolescente teimosa, os antebraços coçam, a nuca formiga, a audição se dá por interrompida. Tão chocada quanto ele, o descontrole querendo enterrá-la e uma coisa se estatuindo no estômago dela.

A mão esquerda se levanta e os dois dedos são direcionados para a porta imediatamente:

— Fora.— autoritária como de costume. Ele a olha como se fosse uma extraterrestre, e perde o fôlego, imo batendo mais rápido e boca seca, mas não nega a própria saída.

Yuri caça os sapatos, tropeça para fora e fecha a porta antes de deferir que as reações declinem em cima dele como chuva. Ele tateia as bochechas como uma lontra, perscrutando por rastros dela. E, tão logo que mete os pés em casa, se acomoda ao assoalho — as pernas bambas; e gargalhadeia citando caso análago a um pascácio. Sem idear por quê divaga nisso todo lusco-fusco pelas próximas semanas.

E ela perquire em que espancou com a cabeça ao soçobrar o rosto no sofá até se extraviar do labéu.

Notes:

mais notas inúteis:

3. o nome do gato da fiona, por um ano, não foi planejado ser chamado de mabuse. o nome dele era abacaxi, mas abacaxi na formatação pt-br (e de alguns outros países latinos que agora não me lembro). abacaxi é uma palavra pouquíssima utilizada. são tipo três países que têm essa palavra como substituição de "ananas" ou "pineapple" e era significativo pra caramba. o abacaxi representava para fiona justamente a única coisa que ela criou um vínculo único, era um nome único para a fonte de amor única que acompanhou ela pela jornada inteira dela. mas aí eu percebi que enquanto eu escrever em um site multinacional, eu tenho que ser acessível para vários falantes de outras línguas, se alguém ler. eu percebi que eu tinha colocado uma coisa específica no roteiro que é mais ou menos: fiona + yuri = mabuse. e ficou da forma que todos vão entender em alguns capítulos.

da Lita,
até mês que vem!

Chapter 5: V. Palavras no corpo, respostas ao vento.

Summary:

"É uma titilação que enceta bem ali atrás da orelha dele, vagueia ao fim dos cabelos e percorre para a nuca tal qual um monte de formiguinhas operárias fazendo o caminho para casa após um longo dia coletando pequenos pedacinhos de açúcar. Da titilação, assoma o suor que se amealha nas mãos dele, permitindo as costas pegajosas. As formigas escorrem em uma linha reta pelas pernas dele e, quando chegam aos dedos dos pés, ele, alfim, desconhece o fôlego como se estivesse asfixiando. Uma dor de cabeça acaba com a noção de audição que ele tinha há menos de um minuto atrás, e o zumbido ocasiona o cenário alvoroçado. As mãos buscam pelo batente, uma forma de voltar ao próprio juízo. Ele respira. Os lábios se abrem. As pupilas dilatam como os olhos de um társio filipino. A terra para de rodar e ele tem certeza de que não é o único a paralisar.

Fiona é ainda mais estonteante na ocasião em que se revela na porta dele no dia seguinte, propriamente no horário acordado e com um vestido azul-escuro que coteja conforme as regras com ela."

Notes:

curiosidades/informações úteis/inúteis:

1. essa parte da história era um limbo não nomeado. porque ela não se encaixa na divisão tradicional que eu fiz do enredo — já não pertence mais à primeira parte porque ultrapassa cinco mil palavras; não se enquadra na segunda parte porque não tem entre nove a doze mil palavras e nem angústia de cabo a rabo, mas não pode ser a terceira parte porque não chega perto de ser o ápice e muito menos possui quinze mil palavras ou subdivisões. então eu apelidei ele de socialismo, uma transição entre dois sistemas, não é inteiramente um e muito menos outro;
2. o nome original da capítulo cinco era "empáfia"; então no fim do segundo semestre do ano passado ele passou a ser "boquiaberto, me travo por me ver a te admirar demais", referenciando 'inalcançável você', do leo cavalcanti, por causa da antepenúltima cena. mas uma semana antes do capítulo quatro ser postado, ele virou 'palavras no corpo, respostas ao vento'. vem da gal costa.

boa leitura!

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Os passadas dela são como plumas almejando o soalho. Tão taciturnas que ressoram como um bailado eufônico instruído para um simpósio vultoso. Tão quietas que ele vem a se interpelar se acordaria na hipótese de ela bater em retirada do quarto dele no meio da alvorada. E é coerente depreender que ela é silenta de fio a pavio; que, apesar de aparentar neurastenia, ela não está longe de nunca ficar decerto exaltada. É quase inesperável escutar a televisão dela, ou as músicas que ela ouve — se, de fato, ela ouvi-las —, as ligações que ela faz e o chuveiro dela. O tipo de vizinha excelente. O tipo de pessoa que odeia fazer parte da vida de terceiros, construindo uma confidência e independência ao redor de si mesma que não são quebradas tão facilmente.

A vizinha exímia, mas uma péssima anfitriã. É difícil arrancar um cumprimento da boca dela quando ele está por perto, como se ela não se afetasse em externar receptividade meramente para não estar conectada de qualquer forma que seja com ele. Em ocasião alguma articulando um 'oi' ou entregando-lhe um bom-dia. Hoje ela nem o analisa antes de o deixar entrar como todo o tempo, transita para a cozinha como se ele fosse um avantesma.

Yuri se impede de ligar, nem franze o cenho no instante em que fecha a porta e deixa os sapatos largados de qualquer jeito antes de seguir atrás dela. Se passa meio segundo antes de visualizar que ele jamais a viu em mais nada que não incluísse saias ou calças, é por isso que fica estático ao repará-la naquele vestidinho que não sabia que podia ficar tão bem nela. O tecido, provavelmente macio, rútilo — de cetim —, em conjunto das alças finas que, escorregando a qualquer momento, o convidam tão graciosamente para afastá-las e propalar selinhos pelos ombros dela; o tipo de costura que demarca a cintura, os quadris perfeitos e quase não querendo esconder as coxas delineadas dela — as pequenas marcas que moram ali quase o fazendo salivar. Tudo em função da cor tão clara de azul, que quase beira o branco, contrastando com o lilás do cabelo dela.

A sacola cai do aperto dele para o chão. Um aviso da distração se estendendo mais do que deveria. Ela se vira, curiosa, e ele sai do transe. Frost observa-o abaixar para buscar as coisas que se estatelaram, a pele fervilhando porque sabe que ele estava calado por causa dela. O olhar mútuo entre eles que os atrapalha de segurarem os mais banais dos diálogos. Ontem, a caminho de decidirem a falsa história de casal deles, dez segundos de um encarar recíproco foi o suficiente para que eles não decidissem coisa nenhuma, ocupadíssimos em se beijar no carpete da sala. E é isso que continua trazendo ele ao apartamento dela.

— Eu trouxe...— Fiona não sabe por que ele fica tão bonitinho quando envergonhado, mas guarda esse pensamento tão profundamente que ela chega até pensar que a falsa ideia de um ódio por ele partindo através dela causa isso. Orelhas vermelhas, mãos inquietas e fala quase desordenada.— Chá. Eu trouxe chá. Você disse que não gostava, então...— Yuri deixa em mãos a embalagem como se isso fosse uma fiscalização na fronteira entre Westalis e Ostania. Ela descobriu que ele não toma café na noite passada, o que é surpreendentemente estranho demais para ela. Fiona não pôde evitar o ponto de interrogação no meio da testa no ponto em que Briar revelou isso a ela. Ele disse que o gosto é péssimo; e ela queria expulsá-lo de casa.

Mas ela contorna a ofensa que ainda se assola no ego dela com os dois ombros se levantando levemente, assentindo um assentir suave em seguida.

— A água está esquentando ainda. Pode demorar um pouco.— por um mísero milissegundo, sorrir parece tão tentador que ele tem que se controlar para não demonstrar o quão feliz fica quando ela realmente fala com ele. A concordância é um pouco oscilante e irreal no momento em que ela o olha com os olhos cintilantes. Ela se encosta perto da pia, ao lado do fogão. Um silêncio tão implicitamente convidativo que ele fica baralhado.

— Como foi o dia? — apesar de nunca ter a conclusão dela, Briar não deixa a questão passar. Fiona troca o peso dos pés, mira as unhas médias desprovidas de cor, nem arquiteta levantar o olhar para ele. Ela quer dizer: "Talvez não tenha feito o meu trabalho direito hoje. Descobri que perdi um paciente para o suicídio. Não era exatamente o que eu esperava quando saí de casa."

— Não tão bom.— é a única coisa que ela pode oferecer sem deixar a impressão de que quer contar histórias a ele para mantê-lo por perto ou algo do tipo. Sai com um suspiro involuntário no encalço e, por falta de controle, um aperto no peito que a faz querer praguear uma careta e começar a chorar. Mas Fiona não faz, balança um pouco a cabeça e ajeita a franja na frente do olho dela. Ele se aproxima, um pouco indeciso entre se acomodar ao lado dela ou ficar na frente dela.

— E você quer falar sobre isso? — às vezes ela não gosta de como ele pode ser prestativo. Frost gostaria que ele nem sequer reconhecesse considerar o que ela sente como qualquer outro homem, quiçá, faria. E do contrário de tudo isso, a solicitude dele é tão constante que quase a faz meter os pés pelas mãos — aquele tipo de erro tosco que a faz pensar nele pela noite, que a faz querer ajudá-lo porque ele se importa com a família dele do jeito que ela não pôde se importar, e ementar que isso é tão doce que beira o amável. O tipo de erro que ela comete agora, quando contar um pouco sobre a vida dela para ele parece reconfortante.

— Não é da sua conta.— é mais um sussurro do que uma frase arrogante. E ele entende tão bem que ela sente um pouco de raiva. Um modo de compreensão que a faz gostar mais dele do que deveria.

— Sabe, quando eu era pequeno, vira e mexe minha mãe me dizia que pessoas em dias ruins precisavam de abraços. Escutei isso por pouco tempo, porque ela morreu assim que eu fiz meus sete anos. À contramão, eu nunca esqueci.— ele conta a anedota como quem não quer nada, mas oferece os braços abertos como se não tivesse nada melhor para fazer além de confortá-la. Tão ridiculamente resiliente.

— Um pouco ridículo.— ela sabe que não. Que quer abraçá-lo até se fartar. Esquecer da água esquentando, deixá-la evaporar porque passou tempo demais agarrada a ele. Ela quer escutá-lo contar mais histórias bobas de infância, uma vontade agravante que só um inimigo procurando informações do rival iria querer. Yuri balança a cabeça, aproximando por vontade própria quando ela volta ao solo.

— Você vai ver só.— a mão direita dele, quente como o interior de uma estrela, escorrega facilmente pela cintura dela assim que ele decide abraçá-la primeiro. Ele se abaixa um pouco, e ela se pergunta se sempre foi baixa ou se ele que é alto demais, envolvendo ambos antebraços por inteiro um pouco acima dos quadris dela. É diferente do abraço de Yor — um pouco mais forte do que ela esperava até. Diferente de Yuri, ela a agarrou pelos ombros como se fosse virá-la de ponta cabeça. Diferente de Yuri, era barulhento e bagunçado porque ela estava animada. Diferente de Yuri, era menos quente. Não sufocante o suficiente para fazê-la soltar um suspiro. Não confortante o bastante para amassá-la até perder a dor.

Ele esfrega o queixo nos ombros dela e Fiona toma um veredito: é isso que chamam de abraço. As mãos dela o alcançam tão relutantemente que ela pensa ser mais viável não retribuir. Até que ele agarre os dedos dela e enrole-os no próprio torso. E eles ficam. Com os braços esquentando por estarem perto da chaleira. Em silêncio porque ele entende se ela preferir que ele não saiba sobre ela. Com as notas de baunilha dela alentando-o até não poder mais. Com o cheiro de macadâmia que a faz ter certeza que ele acabou de tomar banho; com o aroma de amaciante que a faz pressupor que ele acabou de tirar a camiseta dele do varal. Com ela lutando para admitir que gosta de abraços; mas não deveria gostar porque é só uma exceção boba. Um vizinho que ela mal conhece não deveria fazer tanto por ela.

— Isso é estranho.— ela murmura, mas não satisfeita afunda ainda mais nele. Yuri sente, traça pequenos caminhos com os dedos nas costas dela. Alguns segundos antes que ele queira responder, tomando consciência de que gostaria de ficar enclausurado a ela algumas vezes mais. Ele levanta a cabeça, medindo-a:

— Não é como receber um abraço de seus pais, é? — seria quase dubitável ver a volta-face de expressão dela caso não estivesse tão perto. As íris escurecem um pouco mais e os olhos caem tão imperceptivelmente que não parece uma grande coisa, mas é. O aperto dela se torna quase nulo ao redor dele. O esforço para não reagir contra a fala dele a obriga engolir em seco. Então, no esforço que faz para encontrar uma mentira, ela acaba enrolada num vaivém de abrir e fechar a própria boca.

São belos dez, quinze, dezoito segundos antes que ela pare de falar o que nem sequer começou, com o olhar dele desviando para baixo. Uma cena furtada. Orelhas para cima em sinal de vigilância. Olhar autoritário. Unhas afundando nas roupas dele como se para afastá-lo dela com as patinhas de cores em uma mescla perfeita de equilíbrio como Yin-yang.

Mabuse é um ótimo nome para uma bola de pelo com cara redonda manchada de preto e branco, mais parecendo um executivo de terno e botinhas claras do que apenas um gato. Foi na terceira vez frequentando a casa dela que ele descobriu que o felino dela, muito diferente do que pensava, não é arisco — apesar de tentar monopolizar a própria dona a quase todo momento. Por outro lado, algumas poucas horas foram eficientes para que o felino olhasse-o com lumes grandes e radiantes. E ele foi inicialmente áspero por fora e docinho por dentro — uma vez por outra Briar tem em mente que, como muitos outros donos de gato que combinam a personalidade com seus bichinhos, Fiona também é assim, apesar de nunca ver o lado doce dela.

Ele se afasta dela, e Mabuse se afasta dele. Um acordo atinente que deixa as mãos coçando para acariciar o pelo macio em volta do corpinho esguio. Yuri só não a deixa descobrir como ele sabe que o gato dela gosta de carinho na orelha, já que só consegue se aproximar quando Frost não está por perto. Briar perde as contas de quantas vezes recebeu um "se você encostar no meu gato, eu vou te matar." Não que ele duvide dela, mas não tem muito o que fazer quando Mabuse resolve simplesmente se aconchegar no colo dele por vontade própria quando ela não está olhando.

Com a conversa perdida — e Fiona dá graças a Mabuse por isso —, ela desliga o fogo e, de costas para os dois, o gato dá uma volta pelos pés de Yuri e esfrega a cabeça na canela dele como uma mesura de boas-vindas. Briar atravessa a ilha, pegadas atrás dele logo em seguida. Ele sorri por um momento e, silenciosamente, se inclina para passar a mão nas orelhas pontiagudas do felídeo. E só percebe que um simples afago levou-o sentar no chão quando o felino se aconchega contra ele e o cheiro de café — que não deveria ser tão viciante para um gosto tão execrável — se torna palpável.

Ao final da bancada, Fiona trava o passo. Yuri olha para ela com uma xícara em cada mão e finge não saber que elas são novas. Ela intercala o olhar entre o gato e ele, e solta um suspiro longo ao se dar conta que Yuri não está encostando nele. Então Frost retorna o caminhar, procurando se sentar no chão assim como Briar. Ela estende a caneca em tom claro para ele, a única diferença do objeto dele para o dela sendo a bebida dentro.

As pernas cruzadas deixam uma visão levemente perturbadora de como o caminho para as coxas dela poderia ser tão fácil se eles não tivessem que tratar de algo que ele julga importante. Ele não entendeu a motivação dela para ajudá-lo e, a sério, parece que não vai ter respostas tão cedo.

Fiona cobre a caneca com as duas mãos e, em um deslocamento por ora indistinto de tão fluído, encosta os calcanhares juntos ao chão ao virar um pouco o corpo. Tão perfeitamente deslumbrante. Como se estivesse modelando especialmente para ele. Yuri perde o sinal, audição nula quando esquece que têm assuntos a tratar.

— Por que nós nos conhecemos no mercado? — o colóquio vem todo desestruturado, as palavrinhas dançando na mente dele como as voltas no estômago que se tornam presentes toda vez que Fiona o olha e ele perde a noção do tempo. Briar pisca pelo menos três vezes antes de descobrir que tem que prestar atenção e começar a desenrolar as letras da própria mente como um imbecil. Ele toma um gole de chá antes de deliberar que eles estão treinando um roteiro que inventaram para o jantar que vai acontecer daqui a três dias. Ela ainda o olha, determinação mínima para inventar uma historiazinha de quinta que ele deveria ter formulado.

— Eu não sei? — Yuri é confuso e lento ao pronunciar, olhando para longe com os pensamentos de esteio dimanando na cabeça dele.— Não podemos chamar isso de destino? Qualquer coisa idiota que possa acontecer na vida real ou em um maldito romance contemporâneo. Talvez possamos fingir que você pediu minha ajuda para...

— Eu odeio ajuda.— ela interrompe — E muito menos pediria ajuda a você.— toda aquela pateticidade emanando dela quando entrou aqui, há menos de uma hora atrás, esvaiu em formato de aspereza. E surpreendentemente ela não tem gosto de lixa.

De tempos a tempos, ele acha que Frost não percebe o quão apática pode ser. Briar toma mais um gole do chá, deixa o silêncio invadir a sala para que ela repense as ações. Mas a única coisa que Fiona faz é manter os olhos no gato adormecido no colo dele, como se a língua afiada por chaira não trilhasse nem um fiasco de remorso naquele frio coração que mal consegue receber uma ferida sem antes se curar. Yuri faz uma nota sobre Mabuse ser a única coisa que Frost aparenta gostar.

— Você não pode ficar me dando rasteiras toda hora, entende? — talvez ela interprete o tom dele como um viés confirmatório para começarem a se desentender e ele nem liga. Até que ela esteja franzindo o cenho. E ele explica: — Não pode ficar me maltratando na frente dos outros.— ela engasga em algo que parece um sorriso, mas se mostra ofendida e inacreditada por um mero segundo. Fiona comprime os lábios um pouquinho, e os olhos arregalam-se levemente em surpresa com a dramaticidade dele. Expressão essa que não se torna inteiramente nítida em função da franja dela.

Ela coça a garganta, espalma a mão direita no chão de uma forma que é, obviamente, desconfortável: o pulso em uma posição nada favorável que vai fazê-la ter dores terríveis daqui a meros cinco minutos. A parca intimidação a faz virar o rosto, fingir que ele não existe. E abrindo os lábios como uma pirralha relutantemente ofendida, ela deixa escapar:

— Não estou te maltratando.— por pouco não beira uma contradição, como os políticos populistas gostam de fazer. Fiona se sente minimamente culpada, e a ideia de ter que se desculpar com ele a faz ter alergia. Conversas sentimentais a deixam com vontade de vomitar as próprias tripas, o próprio cérebro, o próprio estômago, o próprio figado, a própria língua e os próprios malditos dentes.

— Porque faz isso toda hora e se acostumou? — os devaneios dela são uma deixa para a fala de Yuri, a pergunta saindo mais como uma afirmação debochada do que dúvida. E o felídeo parece saber as vibrações ao abandonar os dois preguiçosa e rapidamente.

— Eu não faço...

— Faz sim.— ele corta antes que ela possa desviar do assunto como sempre adora fazer, coloca as cartas na mesa fingindo que a conversa vale um punhado de notas de cinco mil dalcs: — Você sempre me ignora, principalmente quando as perguntas são sobre você e... Quase nunca me deixa tomar o controle da situação, como se eu fosse uma criança indefesa.

Yuri murmura, mas ela não parece correlacionar. Franze o cenho, os lábios se tornando algo que o preparam para uma sessão de humilhação daquele jeito pacato e implícito que só ela sabe como fazer direito.

— Quem é o idiota que quer contar da própria vida para uma pessoa desconhecida? — tom medido, olhos tão inexpressivos que o tiram do sério — ela realmente precisa ser tão blasé? —, como um urso pardo morrendo de fome quando encontra comida fresca por acaso em uma caminhada. É claro que é um ataque pessoal.

— Viu só? — Yuri abre um sorriso, confirmando sua tese em menos de cinco minutos.— Acabou de fazer de novo. Esse seu jeito de me atacar usando exemplos que não deveriam ter a ver comigo. E não é só a sua própria vida que me interessa. Porque você me ignora quando deveria me dar ao menos um boa-noite. O seu gato é mais receptivo e gentil que...

— Vai à merda.— ela vocifera. E ele se deleita com as formas dela de dizer que não quer se envolver com ele. Podemos seguir assim até a parte em que você finge que me ama. Fiona coloca a xícara, aparentemente vazia, no chão, aproximando-se dele. Contato visual. Do tipo que pede por um beijo. Do tipo que o diz para se manter longe. Do tipo que o deixa desesperado para aprender a lê-la. Do tipo que pode, também, significar raiva. Do tipo que pode esconder a intenção dela de enforcá-lo e ligar para Yor e dizer: "Ah, que pena que seu irmãozinho tão imprestável acabou de morrer. Infelizmente não éramos noivos. Espero que seu casamento não seja tão padecido pela morte deste inútil que não consegue nem respirar por trinta e dois segundos sendo enforcado."— Você age como um coitado. Como se o mundo girasse em torno de você. Sensibilidade demais não leva ninguém a lugar algum.

— Se tiverem uma má impressão, nós pareceremos um casal abusivo.— ele tem a palavra final. Frost desiste. Suspira e tenta soar menos fria, compreensiva, dando espaço para ele falar.— Nós só precisamos ser como um casal normal, com conversas normais e um apelido normal. Como aquele bando de bocós que andam pelas ruas de Berlint se chamando de 'bebê'.

— Corta essa.— é uma ordem entredentes, com ela se afastando e sentindo o corpo arrepiar de tanta aversão.— Seu nome é Yuri. Vou te chamar de Yuri.— Frost pronuncia lentamente, os lábios fazendo curvas para silabar o nome dele, o que, de verdade, o encanta por uma parcela de átimo, uma asseveração inequívoca que poderia ser elementar, se ela não fosse brutalmente antissentimentalista.

— Você é fria demais para isso.— é um antifaz em forma de frase. Ela balbucia, uma, três vezes. Por outro lado, ele a olha como se aceitasse a escolha dela.

Um silêncio que poderia abraçar o continente todo os deixam calados. Ela completa as linhas da palma esquerda com os próprios dedos destros, na intenção de não ter uma frase atingindo-a para não respondê-lo de novo tão cedo. Enquanto isso, Yuri pega um pouco de fôlego para murmurar algo a ela, um frio na barriga o deixando balançado à beça.

— Posso... Te chamar de coração? — ele parece piorar a situação. A calada fazendo morada até mesmo embaixo do tapete, nos rejuntes das paredes e nos órgãos internos deles. Fiona o vista, mais uma vez, não como sempre. Briar consegue jurar que ela está inquieta mesmo parada e sem uma mudança de expressão além da respiração pesada. Ela morde os lábios, obstando-se de sentir e gostar. Até que uma lâmpada pareça ser acendida acima da cabeça dela.

— Você chamava sua ex assim.— uma forma de advinhar. Não é uma pergunta. Ela diz como se soubesse demais. O jeitinho psicanalista de manipular a si mesma com falsas informações que se tornam verdadeiras em três minutos para a mente dela.

— Não chamava, não.— Yuri devolve na mesma hora, meio acuado.

— Tente só... Evitar me chamar.— ela não quer saber o que vai acontecer se ele levar isso a sério.

Isso não é um não.

Entre trezentos segundos de olhares furtivos e a falta do que direcionar um ao outro, além da vontade nula de chutá-lo para fora, ela deita no chão e ele acompanha ao lado. Eles analisam cuidadosamente o teto como trabalhadores da metrópole que fingem que o telhado da própria casa é uma vista da galáxia em intenção de expulsar as marcas da exploração em um dia cansativo. Fiona intervém, de repente, entediada:

— Me beija.— ela diz, uma ordem rápida, talvez um ataque implícito. Ele se pergunta se escutou direito, mas então ela rouba o olhar dele. Tão saudosa e momentaneamente dele.

— Será que eu deveria? — Yuri quase brinca, ela meio que fica impaciente. Observa-o sem mandar instruções como se fosse uma escolha só dele. Em meio à quietude, às luzes acesas e os lábios dela, Briar pede por um 'por favor' com o olhar, e ela sabe bem o que ele quer dizer mesmo sem as inclementes silabas.— Duas palavras.— ele diz, baixinho, como um gatinho passando fome, os dedos erguendo-se para uma ilustração que toma tantos caminhos que ela fica um pouco tonta. Frost fecha os olhos, respira fundo, pensa seriamente em expulsá-lo, mas se permite ser um pouco mais flexível.

Ela muda as posições. Sobe em cima dele e as coxas dela não negam em rodearem a cintura dele, a temperatura perfeita para esquentá-lo em uma noite de verão fazendo frio. O olhar se volta para os polegares dele subindo pelas pernas dela, o tecido do vestido sendo arrastado para o lado ao passo que as palmas dele se encaixam nos quadris dela. Yuri tem um jeito de usar a própria força para fazê-la vir para frente; eles encostam os narizes e a respiração dela se torna um engasgo baixinho. Ela tenta encontrar todos os modos de dizer isso a ele sem parecer uma grande palerma e demora quase um minuto inteiro.

— Por favor.— Fiona quase perde a concentração, o pravo 'r' de herança westaliana quase a atingindo no meio do caminho. Yuri acha que ela não gostaria de saber o quão louco ele é para ver o verdadeiro sotaque dela — que não têm tanta diferença, mas ainda assim é especial.— Por favor.— ela repete, comodadamente querendo impetrar um pouco mais. Briar dá um sorriso prá lá de satisfeito.

E imerge nela até que as decepções do dia só sejam uma impressão. Até que a tristeza dela se esqueça de se revolver em culpa. Até que o mundo acabe e o oxigênio dele vire o jeito, a quentura, o corpo, o beijo, os cabelos dela e aquela petulância que tanto o deixa dando voltas no colchão pela madrugada.

Até que ela seja o mundo e ele não precise de mais ninguém além dela.
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O estofado toma um farfalhar baixinho assim que o peso se torna um pouco mais palpável acima dela, quase como se competindo avidamente com a repulsão elétrica. Um toque que a faz ter certeza ser possível encostar nele sem que as partículas se afastem. Ela arfa e o joelho direito dela se enrosca contra o quadril dele, uma fricção deleitosa que a faz querer jogar a cabeça para trás, braços por um triz não embaralhando-se com a destreza que ele segura o rosto dela e a destra dela puxa o queixo dele mais para frente. A quantidade excessiva de almofadas quase a impede de alcançá-lo antes de fazê-las voarem para os quatro cantos daquele apartamento. Os dedos livres são ágeis em perpassar contra a cintura dele, e isso é um influxo competente em extirpar um alarido da boca dele, unhas valando na pele dele e os lábios desgrudando-se por causa disso, o sabor de framboesa transitando pelas veias dele como algum tipo de alucinógeno. Há uma fulgência se espraiando pelas feições dela, artifício que o deixa afobado e indulgente, prestes a sucumbir. Uma vez ou outra Yuri quer tanto transparecer a ela o quão exponencialmente vistosa ela é que conjectura que logra ter um achaque se não disser isso. Mas é nos lábios com gloss borrado, no pescoço abrasador, nas mechas espargidas para todos os sentidos, na boca entreaberta e no sopro afetado dela que ele perde a própria declaração. Desde que é cristalino sobremaneira prever que elogios a deixariam incômoda.

Fiona deixa mordidas no lábio inferior dele, e conduz para as bochechas e final da orelha dele. Yuri sorri, submerge no pescoço dela para se deparar com o almíscar de baunilha que ele seria capaz de ensandecer-se e, pela primeira vez, no segundo em que as mãos traiçoeiras dela se arrastam para um beliscão no traseiro dele, ele não reclama. Se arpoa na forma como ela o empuxa mais para frente e se esfrega nele até que os dois coincidam bêbados estúpidos sem conseguir eliminar as roupas. Ele chia, regressando para a língua dela e ela suspira, atarraxando os dedos nos ombros dele com uma força que parece inofensiva e pode quebrar ossos ao mesmo tempo. A percepção dele faz o cômodo ter aspecto muito mais alumiado do que efetivamente está à medida que ele espalma as mãos nas coxas dela em intenção de arrancar a calcinha dela. Ela levanta os quadris sem que ele tenha tempo de pedir, consternada, com o coração na traqueia. Uma ação intrincada e atrapalhada que o obriga a se afastar um pouco dela.

Ela usa ambas as mãos para afastar os cabelos escuros caindo no rosto dele, não hesitando em descer para a bainha da camiseta dele em tempo recorde. Ele aceita tão rapidamente que ela o dispa que chega a se perguntar se há ao menos um pouco de dignidade sobrando em si.

Fiona morde os lábios como se estivesse prestes a comprar o mais belo vestido estampado na vitrine da loja mais cara ao final do centro de Berlint. Secando-o tal qual um objeto caro que ela pode descartar quando quiser. Ele sabe que sim. E, de um jeito quase aflituoso, migra para os calcanhares dela. Um, três, seis, onze beijos em linha reta.

Ela pretende nunca admitir como estar no sofá dele é a sua parte preferida e mais esperada do dia. Ainda mais quando ele traça uma linha de carícias e mordidelas dos tornozelos às coxas dela. Quando eles estão de folga e aparecer à porta dele no final da tarde não é nem um pouco inconveniente. Sem nunca implorar apesar de querer, sabendo que abrir a boca está fora de cogitação, mesmo que ele perpetue tão bem o próprio trabalho que é difícil de controlar. Ela suspira e se contorce, canalizando a raiva dele que não sabe exatamente de onde surgiu. Fazendo como na primeira noite: sem ao menos olhá-la ou tentar entender a motivação que a levou até ele.

O silêncio, como sempre, a irrompe e com uma intenção de distração, ela responde, depois de dois dias, a pergunta dele:

— Você pode me chamar de coração.— uma frase mansa que não tem intenção de colocá-lo como um insignificante pedaço de plástico. Mansa da forma que o faz imaginar que ele não é só nada para ela. Briar levanta a cabeça para olhá-la, os cabelos escuros bagunçados, o rosto ganhando cor e lábios um pouco inchados. Ele não entende a vontade repentina de beijá-la, mas não contraria, se aproximando confortavelmente dos lábios dela. E apoia as mãos no braço do sofá para que seu peso não caia todo nela. A beija como se estivesse com saudade, como se dissesse o quão linda ela é quando fala assim com ele, e como ele gosta de tê-la no sofá dele três vezes por semana, como ela é uma ótima vizinha e que, às vezes, ele gosta do quão chata ela pode ser.

— Yuri.— ela murmura, afastando-o, empurrando-o para baixo, fria como o inverno westaliano. De volta ao normal em trinta segundos. Os olhos dela são mais comando do que súplica quando murmura: — Faça isso logo antes que eu desista de você.

Yuri apoia as palmas quentes nas coxas expostas ao ar frio da noite e dá um sorriso brincalhão que poderia fazê-la derreter. Poderia. Mas não faz.

E, ai, que vontade que nela dá, de vê-lo pedindo-a para ficar.

— Como você quiser, coração.
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É uma titilação que enceta bem ali atrás da orelha dele, vagueia ao fim dos cabelos e percorre para a nuca tal qual um monte de formiguinhas operárias fazendo o caminho para casa após um longo dia coletando pequenos pedacinhos de açúcar. Da titilação, assoma o suor que se amealha nas mãos dele, permitindo as costas pegajosas. As formigas escorrem em uma linha reta pelas pernas dele e, quando chegam aos dedos dos pés, ele, alfim, desconhece o fôlego como se estivesse asfixiando. Uma dor de cabeça acaba com a noção de audição que ele tinha há menos de um minuto atrás, e o zumbido ocasiona o cenário alvoroçado. As mãos buscam pelo batente, uma forma de voltar ao próprio juízo. Ele respira. Os lábios se abrem. As pupilas dilatam como os olhos de um társio filipino. A terra para de rodar e ele tem certeza de que não é o único a paralisar.

Fiona é ainda mais estonteante na ocasião em que se revela na porta dele no dia seguinte, propriamente no horário acordado e com um vestido azul-escuro que coteja conforme as regras com ela. Ele, a sério, não precisa perguntá-la pela sua cor favorita. Os saltos finos e escuros adornam o tornozelo dela por meio de entrelaces esguios que terminam em um pequeno laço, a altura perfeita para que ela não precise ficar nas pontas dos pés para encará-lo o quanto quiser e Yuri quase se interpela ao ver o quão formosa ela está. Com lábios vermelhos e maquiagem lindamente condizente com ela. Ele quer inquirir em razão de ela ser tão...

— Você esqueceu de alguma coisa? — mesmo que o período de aragem ainda não tenha incoado, as claraboias do corredor batem e fazem o ar correr como se fantasmas estivessem prestes a caçá-los. A voz dela também o acorda. E agora Briar repara na forma como está parado segurando a maçaneta, boquiaberto para ela. Ele recua, apenas três passos, ainda que não esteja exatamente próximo, suspira sem deixá-la perceber e é rápido em desviar a falta de atenção dele:

— Você está...— Deslumbrante. Perfeitamente linda. Extorquindo meu coração friamente como um assalto a banco sem se importar em deixar rastros de sangue para trás. Reluzindo da cabeça aos pés. Me fazendo querer ser seu. Me fazendo querer que você fosse minha. Ele desenoda a garganta, a boca ressequida como os dias arábicos, batidas cardíacas irregulares como um quadro abstrato. E, em uma súplica por controle, Yuri sorve seus ponderações, mencionando assim: — Exatamente como eu imaginei que estaria.— o rumorejo flui mais como se ele estivesse correndo uma maratona e Fiona o acha ridículo por isso.

— Como? — ela questiona, deslizando uma olhadela ao longo do tecido para ter crédito que não tem coisa alguma de errônea com ela. Observando os saltos, tateando as costas para ter certeza de que o zíper atrás não está aberto e se escrachando por não ter um espelho para ver se o lábios pintados não estão borrados — ela nunca foi adequadamente boa em passar batom como as garotas da escola eram. Afinal, quem além dela não teria mãe?

Antes que ela possa interpretar um inseto perdido, Briar se aproxima dela, achando que fez uma besteira quando pareceu não estar elogiando-a. Ele levanta a mão direita na altura do rosto dela e, por um impulso, acaba tendo o antebraço torcido. Fiona demora a perceber o reflexo. Ele se imediata, as mãos dela ao redor do braço dele:

— Desculpa. Eu só...— com os dedos esquerdos, os fios liláses da franja dela são afastados um pouco, não o suficiente para se juntarem ao resto do cabelo, mas o suficiente para descobrirem o olho dela. Ela solta ele, e por um momento parece que eles estão embolados um no outro, mesmo que nem estejam se tocando. Frost não pede desculpas ou obrigada ao vê-lo se afastar um pouco. Ela toca a própria coluna, sem saber o que dizer quando Yuri pigarreia mais uma vez.

— Que dia é o seu aniversário? — ele insere rapidamente. Fiona não tem certeza se era por isso que ficou encarando-a estaticamente por mais de um minuto há alguns segundos atrás. É diante disso que a única reação dela é franzir o cenho no momento em que Briar está de costas para ela enquanto tranca a porta. Não é uma pergunta solta, uma introdução de uma explicação dando corpo para o sucesso do desvio das ações dele: — Sei que não deveria perguntar, mas Yor normalmente faz isso, então... Se você estiver desconfortável, não precisa...

— Dezesseis de janeiro.— ela deixa de uma vez. Os olhos dele se arregalam quando a tranca automática faz barulho, mas antes de se virar, ele se esforça para desmanchar a expressão.

— Minha mãe fazia aniversário neste dia.— parece uma informação irrelevante quando ela não liga.— Bem... É por isso que minha irmã sabia a senha da porta. Quase todas as nossas senhas têm o aniversário dela, foi uma coisa que entramos em consenso na adolescência e...— ele está por ali, interpelando-se outra vez, a expressão dela que não é opniática, mas o avisa de que ela não é a melhor pessoa para receber uma exegese dele.— Não é da sua conta, né? — Yuri prende o ar entre os dentes quando ela afirma, como uma professora quando pergunta algo a um aluno e ele responde certo.

Então ele se cala. Fica mais eminente e ela quase toca o cabelo dele por impulso, os fios que ela nunca viu penteados para trás a deixando curiosa para afastar uma mecha teimosa insistindo em cair pela testa dele. O terno azul-escuro dele contrasta o vestido dela, uma combinação impensada que, sinceramente, caiu muito bem. Uma confirmação da tese dela sobre Yuri Briar ser, de fato, um charme.

As mãos dele se arrastam pelos bolsos da calça atrapalhadamente, calado para manter a postura profissional entre eles, até que esteja estendendo um anel para ela. É simples, uma pedra pequena e rosa, que quando reluzente fica da cor dos cabelos dela, fazendo-o brilhar mais e mais. Ela não olha muito para a mão depois de passar o arco rapidamente pelo anelar direito. E ele faz o mesmo com a aliança ainda mais simples, prata e comum. Ela quase abre a boca antes de observá-lo levantar o indicador direito para escutá-lo dizer — sem olhá-la:

— Não pergunte onde eu achei.

Fiona não sabe o que ela está fazendo da vida.
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É inverossímil se obliterar. Do semblante que ela quis tanto tocar por dias e noites, com lábios primorosos para se beijar. Da voz que proferiu tantas questões, ensinamentos e conhecimentos que, mesmo que bobíssimos, ela nunca deslumbrou. Das mãos que ela tanto quis segurar. Da amizade que ela teve por tanto tempo que pensou que poderia enlouquecer sem ele — secretamente, é claro.

Fiona se lembra de Loid Forger. O garoto que frequentava as aulas de metapsicologia com ela. Que sentava ao lado dela; aquele que ela nunca viu repontar uma indagação ou dar as mãos à palmatória para tirar dificuldades, mas sabia o quão bom ele era naquela matéria. O principal fator da primeira vez que ela se sentiu atônita, magnetizada por alguém. Almejando fazer o que ele fazia, almejando ser tão boa em tudo quanto ele. Ela ainda não entende o que era a sensação de tirar notas mais baixas do que ele — como sempre, uma péssima psicanalista consigo mesma. Frost lembra dele na residência, de como almoçavam juntos todos os dias e esporadicamente papeavam de algo que não fosse a faculdade. Loid sabia sobre tudo, pensava sobre tudo, era empenhado e esforçado em tudo e parecia amar tudo aquilo. Eles não foram tão próximos quanto ela sabe que imagina, mas tem certeza que a paixão por ele foi, de tal maneira lídima, branda e pulsante. Ele nunca esteve verdadeiramente interado disso, algo sobre os dois sendo sempre fraternal demais para ele. Frost, de lado a lado, parecia imprevisível e isso espaventava as minguadas almas à roda dela. E como imaginava, ele não foi atrás quando ela largou de mão. Uma colega da faculdade. Não amiga. Nem paixão.

E é um remoque que eles se achem uma vez mais na época em que ele está para nupciar com uma mulher que é o global antagônico dele — exultante, irrestritamente afável e toda sociável. Fiona de maneira alguma inferiu que ele gostava de barulho.

Ela enxerga que anda premendo a mão de Yuri além da conta tão logo que se apresentam à mesa, uma cinesia a qual narra que se dedos resfolgassem, um bocado deles já estariam sufocados — algo que a estorva de partir empregando passos à paulistana quando Forger adverte:

— Fiona Frost? — com um sorriso maduro e, ela não diria nostálgico, lembrado beirando a boca bonita que ele tem. Ele ainda é tão lustroso quanto ela se lembra, com os cabelos loiros arrumados à medida que tumultuados, os olhos cor de oceano que um dia ela amou e os óculos que sempre fez questão de esconder que usava. Há cinco anos, e ele semelha não envelhecer nada. Não aparenta cansaço ou linhas de expressão e Fiona data que a beleza dele é realmente irreal. — Ela fez faculdade comigo.— por algum tipo de impulso, Loid se levanta, leva Yor junto dele para cumprimentá-la. Ele explica e estende a mão esquerda para ela, a destra começando a suar com o aperto do falso noivo dela, mas Frost não hesita em afundar os dedos na mão dele um pouco mais só para não sentir o impacto que tocar Loid Forger causa nela.

Um aperto de mão cortês que não teria de sobreviver acima de dez segundos. Um dinamismo mecânico de quase empunhá-lo em uma circunstância ao ablaqueá-lo um tanto recalcitrante. Há dois pares de olhos em espinélio vermelho-pálido ladeando-os e ela é compelida a se desembaraçar de Yuri assim que Yor a engaiola em um amplexo de afago asfixiante. De costume.

— É sempre bom ter uma pessoa de confiança como parte da família.— Yor diz. Tão melodiosa quanto uma ode. Frost morde a língua quando, por instinto, quase sussurra que ela não tem família.

Repreendendo-se mentalmente, ela esquece isso por essa noite, se afasta gentilmente e, com um pouco de esforço, mostra a arcada dentária para Yor como se estivesse tão contente quanto ela.

— Eu digo o mesmo, cunhada.— e por agora ela atua, finge que não vê a preocupação no olhar de Yuri, finge que a maior paixão dela não está à sua frente depois de cinco anos e que ele não a vê como uma lembrança vaga.

Finge até que seja verdade.
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Malgrado de experimentar o vômito debruando-a a cada cinco minutos, o jantar ocorre tranquilamente bem. Com ele segurando a mão ou traçando mínimos círculos na coxa dela que a deixaram parva e bamba. O roteiro deles não sai pela culatra, Yor por algum motivo desconhecido pergunta o aniversário dela e ela responde. Eles são exibidos como um casal normal, com conversas normais, e apelidos normais. Apenas como dois idiotas que estão na mesma fase da vida, com os mesmos ideiais que, por acaso, se apaixonaram em um dia chuvoso em um supermercado no centro.

E no momento em que a observação para no sotaque que ela ainda tropica sem intenção, idem após nove anos em Osania, não dá para negar tagalerar de Westalis. Ela não conta a parte perturbada. A mais velha diz que sempre quis conhecer, que ela deveria levá-la lá algum dia e Fiona assente. Quando a sobretarde está prestes a terminar, a verdadeira noiva diz que vai levar Frost para escolher qual vestido ela irá usar no casamento daqui a algumas semanas e, sem poder dizer não — porque ela deve ser uma cunhada normal, com ideais normais —, elas trocam números.

Fiona disse para não deixar pessoal demais. Mas Briar é um problema. Agora problema dela. Isso é terrível.

E ainda que o cotidiano dela desmorone aos poucos por tê-lo deixado agraciar a vida dela com um pouco de confusão e irritação, a sonoite sucede airosa — assim como ele. As mãos dele descansam nas costas dela ao caminharem para o carro, nada novo os beirando.

— Yor gosta de você.— ele afirma. Ela escuta, como se considerasse um conselho importante. E eles estão aconchegados nos bancos em pouco tempo. O silêncio surge naturalmente, a presença e proximidade por mais de uma hora que os dois estão tendo causando isso. Ela decide que também quer falar alguma coisa, sem raciocinar.

— Loid foi meu primeiro amor.—  ela abona sem mais nem menos. Mas engole as palavras antes de continuar. — Informação irrelevante. Não é da sua conta.

Ele sabe como isso está se tornando um código deles para dizer: não retorne a este assunto. Por outro lado, Yuri não pode evitar:

— Aquele engomadinho? Eu nunca vi alguém tão metido.— a frase sai requerendo por um ponto de exclamação, mas a voz dele se desempossa no meio do caminho. Não tem ódio no dito, porém ainda é bom falar um pouco mal de Loid.

— Não fala assim dele.— ela abocanha os beiços, nem faz questão de divisá-lo. Ele inclusive não entrevê a hora em que converge os olhos na avenida. Sorrindo como um colegial delinquente que fuma nos lugares onde não deve. Ele suspira, falsamente aborrecido. E se vira para ela.

— Não tá mais aqui quem falou, coração.

Coração. É doce quando ele faz assim.

Notes:

3. trazendo a história da fiona para as minhas contas, ela tem por volta de três anos de experiência enquanto psicanalista. isso significa que ela ainda está com todo conteúdo que ela aprendeu fresco na memória e, mesmo que se esforce para ser a melhor profissional e aprenda rápido, ela ainda comete erros. eu acho que é comum você ver coisas e não conseguir não se assustar com elas, assim como o esmorecimento dela no início do capítulo. porque ela é forte enquanto pode, até o limite em que se sente insuficiente por acidentes que nem são, verdadeiramente, culpa dela. isso diz muito sobre a personalidade dela, eu acho.
4. eu cresci com o meu vô e com meus tios me chamando de 'coração'. meu tio não chamava só a gente assim, como a minha tia também e, simples assim, o tom era mais amistoso e carregado de um carinho interior que me impressiona até hoje. eu devia ter por volta dos meus seis anos nessa época, porque todo mundo é bem afastado hoje em dia, e eu adorava ficar analisando as palavras e o que elas poderiam significar de uma tal forma. "coração" é uma palavra simples, é um órgão comum, um músculo importante qualquer (de importância a gente tem muita); ela pode ser dita como forma de suavizar uma conversa até mesmo com quem você não conhece. mas é um apelido que tem as suas camadas. eu via como as relações se desenvolviam dentro da minha família e costumava pensar que esse tipo de cuidado era importante, porque ser o coração de alguém é diferente de ter o coração de alguém. se você tem o coração de alguém, você só comanda o amor daquela pessoa. mas se você é o coração de alguém, você precisa tomar cuidado, não tropeçar, porque se você bate demais, o sistema para. ser o coração de alguém é sobre manter o outro respirando, é diferente do sentido figurado de 'razão do meu viver', eu acho. e isso é muito meigo.

da Lita,
volto no halloween!

Chapter 6: VI. Riscar estrelas no chão para te passear no céu.

Summary:

"Às vezes, ela o encara no meio daquele monte de bagunça. Consente o hálito dele de amerissar reclinado nos lábios separados dela enquanto eles amparam as testas e destroem-se, embargam-se e concedem-se, no tocante à congruência que as peles deles têm. Eles se decifram e memoram e se beijam para calarem a voz, para deixarem as declarações inoportunas para trás. Outras vezes, ele a pega e denota aqueles selares no maxilar dela que repercutem como asas de beija-flores enquanto ela se permite liquefazer contra ele, em meio ao suor e aos puxões de cabelo que ele recebe de animosidade. Os lábios dele caem nos ombros dela e os dedos cingem os músculos dele, só para retornar o vislumbrar para o semblante dela quando os espasmos se esvaem e ela fica ofegante, os joelhos dele dobrando-se logo acima de suas panturrilhas. E tem, sempre, aqueles pequenos segundos em que ele quer abrir a boca para segredar o quanto ele gosta dela, o quão bom é estar nela e com ela que ele só se lembra o quão mal isso poderia soar quando a névoa de dopamina passa e ela fecha os olhos com mais força do que deveria, perdendo o contato visual para fazê-lo voltar à realidade."

Notes:

informações extras:
1. o capítulo seis inicia uma segunda parte da trama que vai até o número dez, algo que eu chamei de "registros da antemanhã". eles começaram a ser escritos no primeiro semestre de 2025, por volta de fevereiro, e do segundo mês deste ano até junho foi quando eu comecei a estudar de manhã e à noite e perder tempo pela tarde. a maioria dos parágrafos foram feitos quando eu não conseguia dormir de raiva, ou quando eu estava bêbada de sono demais para prestar atenção em que palavras meus dedos digitavam — isso torna os parágrafos mais recheados e os capítulos mais intensos (de nove até doze mil palavras).
2. inicialmente ele se chamava "sem compromisso" e eu particularmente achava bem asqueroso e estava disposta a mudar, e foi aí que eu troquei o título do capítulo 2 e dei para ele, "revés". mas revés não tinha significado o suficiente para mim, então, lá pelas seis mil palavras, passou a se chamar "cochilo sem nítido critério que me carrega p'rum compasso futuro", vindo de 'deusa inebriante' da julia mestre. ainda não era o suficiente para mim. quando chegou às 9 mil palavras se tornou "devias vir para ver os meus olhos tristonhos e, quem sabes, sonhavas meus sonhos", de 'as rosas não falam' interpretada por cartola. e aqui estava eu em uma sexta-feira, andando às sete da manhã, depois da segunda correção e escutando 'o glorioso retorno de quem nunca esteve aqui', que o capítulo 6 oficialmente se nomeou "riscar estrelas no chão para te passear no céu."
3. a penúltima cena não foi planejada até uma semana antes do capítulo cinco ser postado, porque foi o momento em que eu tomei consciência de que a yor diz para o yuri uma informação que, me considerando leitora, faria toda diferença se eu visse. coisa pouca, mas os detalhes são importantes.
4. "os nibelungos" é uma franquia de filmes dirigidos por fritz lang e lançados em 1924; não há fala alguma e duração de duas horas e meia cada. eu acho que os yuriona seriam a personificação dos idiotas que gostam de se ver esse tipo de coisa (eu inclusa!).
5. o yuri só usa óculos porque um homem moreno de cabelo medio não é um homem moreno de cabelo medio sem um óculos; entra um pouco como complemento da personalidade dele enquanto trabalhador cansado. quer dizer, eu acho que ele recebe um laudo de miopia quando o estresse de fazer parte da policia ostaniana se infiltra na vida dele (miopia tambem pode ser causada por estresse!). e um outro motivo é que existe uma cena muito especifica no cap 11 sobre isso.
6. prestem atenção em como a fiona gagueja quando ela diz que "encontrou" alguém. é um spoiler para a cena inicial da próxima parte. 😉

eu gosto muito deste capítulo!
boa leitura, pessoal.

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Um distinguir no próprio retrato, e o espectro dela é um ponto de ebulição. Um sobressalto finda o anélito e os olhos abarrotam de venustidade, apreciando o tecido púrpura consoante um amantético cumpriria. Ela se contasta ao revés uma, três vezes, enxovalha, anseia sorrir. Os dedos agarram o pano e os pés descalços acoroçoam-se no provador — giros involuntários irrompendo-a de lá para cá. As alças finas declinam por um momento de abstraimento, mas é laborioso prestar atenção mal que a única coisa que consegue fazer é cair de amores pela finalização que permite um corte que mostre as coxas dela.

As mãos correm pelas coxas, quadris, barriga, se firmam na cintura para uma nova encarada e se encaixam nos seios de forma totalmente descarada se não fosse ela mesma tocando o próprio corpo. Ela dá passos segredados, fantasia com Yuri sem querer. Ela gostaria que ele tirasse este vestido dela.

— Fiona? — a ingerência repentina a faz se reorientar, ligeira, desvencilhando-se de si mesma quando a sensação de ter o alvitre de uma adolescente na puberdade transmuta em opróbrio expugnando-se às orelhas dela. Yor tem uma cortesia tão doce que estaria apta a metamorfosear qualquer um em caramelo derretido. Com os lábios de orelha a orelha, dentes branquinhos que soçobram Frost em quizila e aquele tailleur vermelho que, sem exceção, a complementa perfeitamente bem. Ela, até então, não afastou a cortina do cubículo por inteira, e a única coisa que fica na visão de Fiona é o seu rosto redondo iluminado com o resplendor ínsito que tem, os cabelos escuros como petróleo e o entretom de carmim que quase faz parte do corpo dela.

Ela não granjeia deferir que foi dissuadida de seu dia de ociosidade para andar a sexta-feira completa pela metrópole com a futura esposa de seu ex-amor, falsa cunhada auspiciosa a qual, no fundo, Frost sabe que não foi com a cara. No instante em que ela a acionou, não deu para hesitar em inferir se Yuri não poderia ir junto porque, afinal, as dívidas de uma pessoa devem ser direcionadas pessoalmente para ela, e num ímpeto Yor implicou em enjeitar um não, sibilando, querançosa, algo do tipo: "Querida, eu sei o quão apaixonados vocês fofinhos estão, mas eu não posso deixar que meu irmão atrapalhe um dia pessoal de garotas."

Essas coisas ainda existem? Ela queria perguntar, mas só pôde retorcer a expressão para impedir-se de meter-lhe as mãos à garganta.

E agora provou tantos trajes que já desatendeu a pigmentação da roupa original dela — coisa essa que não se volve exatamente em uma reclamação a partir do momento em que ela cultua um guarda-roupa repleto de diferentes cores, cortes, formatos e tecidos.

Yor é mais introvertida do que ela angariou que seria, eloquente e solícita ao, em uma vasta inconsciência, disfarçar o próprio estertor. Ela antevê que a mais velha esteve aflita ao se reaverem, mantendo uma distância confortável; à contramão, com o passar das horas ela relaxa e quando andam pelas ruas, Briar não titubeia em conservar-se um pouco mais perto, os ombros apalpando-se de forma afável e Frost se interroga se esta família tem alguma coisa com toque físico. Eles gostam de calor. Yor não se subemete à pilhérias como as poucas pessoas que Fiona teve destemor de interagir — além de seus pacientes. Ela gosta de diálogos que se estendem até Saturno e de escutar também, assistindo Fiona como se anotasse ao indagar qualquer coisa sobre Westalis. Frost execra taramelar, mas ela se diligencia por horas e faz uma nota mental para dizer ao seu vizinho que ele deve mais do que imagina para ela.

Mesmo sem o gracejo corriqueiro, Yor a duras penas não sorri. Os olhos alumiando para ela em inflexão de agradecimento e entregando-a todos os vestidos possíveis como se fosse ela uma melhor amiga ou uma nova irmã. Frost não pressente o que tem de tão mirífico nela mesma, mas anuir não dói muito. Ao estagnarem na última loja, Yor escolheu a peça a dedo, sussurrou que ela ficaria bem em púrpura.

Agora, parada ali no cantinho como se com ignávia de interpelá-la, a percepção de não estar endrominanando a cunhada — e um agravo calado para fazer presença a ela no espaço desguarnecido — é um efúgio para dar dois passos para perto dela. Os saltos dela instituem um ronronar quase imperceptível no chão à medida que fica iminente de pouco em pouco. Ela a mede de cima a baixo com as íris magentas gentis e sonhadoras, fios caliginosos em uma cinesia que condiz com a empolgação dela. Então Yor estaca em frente a ela e aquela parca diferença de altura entre elas faz Fiona se sentir tão exígua quanto um pardal. E Briar arruma as alças dela, afasta a franja sem nunca deixar os olhos dela pousarem sobre si no espelho, uma ação simples que a faz preterir-se de respirar por pequenos segundos.

— Você é séria demais.— a calmaria na voz dela traz tempestades no próprio estômago. Fiona não faz ideia do que impulsiona o carinho maternal rodeando-as quando Yor organiza os fios liláses devagar e puxa as bochechas dela um pouquinho para cima como se para fazê-la sorrir.— Assim. Deveria sorrir mais.— e faz de novo. Sorri um sorriso caloroso à beça, devasta a loja, a cidade, e ela mesma, com um conforto fulgente que tem gosto de comida quente quando se está doente.

A tentativa de fazê-la se divertir quase não funciona, uma percepção pouco felizarda se alojando no intestino dela. Ainda assim, Frost não recua, quase comprime os lábios, mas Briar desvia. Ela não se sente ofendida por não ser bem-recebida pelo humor da cunhada, segue em frente tão determinada quanto uma criança feliz:

— Você é tão bonita, Fiona.— ela totalmente gosta de vestidos. E sempre se vê bem neles, não precisa de ninguém para avisá-la. Mas um elogio genuíno e descontraído a faz tão bem, como um amplexo caloroso em meio a um dia chuvoso.

— Sério? — ela não pensa antes de falar, retruca com um cenho franzido, uma cabeça pendendo para o lado, com os lábios entre os dentes em uma confusão que alvoroça os pelos dos braços dela. Yor ri, se torna contígua e segura as bochechas dela, assentindo sorridente. Ela tem almíscar de rosas e outono.

— Muito obrigada.— e não espera as dúvidas: — Por cuidar do meu irmão e deixar ele cuidar de você. Ele te olha com tanto carinho e... Nossa! Por um bocado de tempo eu quis tanto ver meu caçula feliz. Eu não o via assim há anos. Com o brilho nos olhos, o olhar juvenil. Trabalho demais sempre faz mal a todo mundo e...— o pranto enxurra os olhos de Yor. Fiona está para entrar em pânico, mas é tranquilizada quando a vê retirando as mãos dela e enxugando a própria feição: — Eu ainda estou me acostumando com esses hormônios chatos! — ela possui um riso choroso e um suspiro pausado que a afunda em mais e mais lamúrios.— E eu sei que você vai ser ótima para o meu bebê também e...

Ah. Isso é novo. Ela não sabia que tinha mais gente sendo adicionada na equação.

Entre tropeços e acertos e palavras embargadas, Briar a abraça quando não consegue esconder a emoção e agradece e Fiona dá tapinhas nas costas dela. Alguns não tão falsos quando permite que ela se apoie em seu ombro e chore o quanto quiser.

E Yor, depois de uma longa discussão gerada pela insistência de Frost em pagar a roupa, a presenteia com aquele vestido bonito demais para só usar uma vez na vida.

E, quando por fim chega em casa, Frost chora enrolada no meio das cobertas, prometendo que nunca mais derramará lágrimas por uma coisa tão idiota.
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Chega aos poucos. O estampido da porta do elevador ao se desunir; o chiado da luz automática ao se acender; o murmurar do zéfiro de fim do ocaso ao esbarrá-la; o farfalhar dos saltos da bota, do casaco marrom naufragando-a em agonia, as unhas escorchando o couro da bolsa desalumiada para vasculhar pelas chaves depois de ser notificada que deveria ter trocado a bateria da tranca automática há quatro meses atrás; o eco da respiração trêmula percorrendo o corredor e os baixos ultrajes que andam aferrolhados na faringe enquanto prelia para tentar memorar onde enfiou as chaves ao esfregar a mão direita desesperadamente contra as próprias lágrimas. Ela se apalpa, escorrega os braços pela calça de alfaiataria suplicando para se deparar com algum relevo nos bolsos. Quando o universo está a favor dela é fácil buscar e achar a única coisa que pode permiti-la entrar em casa depois de esquecer algo tão idiota quanto carregar a droga da fechadura.

As forças dela desabam ao empurrar a porta, prurido a ingerindo de dentro para fora, um padecimento no maxilar depois de segurar tudo o que não teria de por tanto tempo. Ela nem procura por Mabuse ao se desfazer do casaco, das calças, dos sapatos que agora parecem sufocantes, da bolsa pesada que cai como tijolo no assoalho. Seus pés se açodam, os sentimentos se postergam, a visão engrupia e o peito dói ao sair correndo em direção à cama. É viável enfiar o rosto no travasseiro quando a lástima realmente mostra as caras porque isso, quiçá, palie de si mesma o próprio vexame. Ela afasta as meias por conta própria, se derrama nas cobertas como magma, afunda na própria mágoa como se fosse a personificação da tristeza.

Esquece de se importar assim que um soluço a atravessa e ela se sente como uma criança indefesa.
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No momento em que ele a escuta chegar e, por conta da arquitetura velha e das paredes finas que teve consciência a partir do segundo que assinou o contrato deste apartamento e as suas mínimas passagens construíam estridores, a maneira como ela soluça é clara. Como se afogasse a si mesma em um tanque de sal e água, buscasse por mitigação por intermédio do próprio martírio. É pesaroso. Perdido. Exasperado. Saudoso. Sentido e cortante. Sufoca como nitrogênio. O deixa preocupado como provavelmente não deveria. "Não torne isso pessoal demais."

"Você é meu vizinho e vice-versa. Só isso."

Mas a permissão para perguntar-se se ela está bem parte do questionamento de se Yor disse alguma coisa de ruim para ela — ele sabe que ela não faria isso, porque Fiona pode ser pavorosa a ponto de ser impossível ofendê-la — e se preocupa se ela está machucada, com dor ou com saudade dos pais dela — aqueles os quais ela ficou na defensiva quando Yuri tentou mencionar.

Por alguns segundos ele se pega andando de um lado para o outro, fritando em dúvidas, quebrando a imagem de durona que ela mesma construiu para ele. Era fácil achar que ela não chorava por nada. Mas talvez ela chore. E por que chorar depois de um passeio com a própria cunhada de mentira?

Briar não sabe porque se preocupa. Ele sabe que não deveria se preocupar, mas o momento em que busca dois picolés dentro do congelador e tropeça nos próprios chinelos tentando correr até ela passa como um borrão.
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São fragores atenuados que fluem por debaixo da porta como sonidos de ratinhos toldando-se por entre as paredes. Fluxos que se tornam perceptíveis depois da segunda vez tocando a campainha. Mais uma vez ele tem uma escaramuça interna com o tapete dela. Agora as pisadas dela controlariam semelhar mais penas chocando a grama do que simplesmente passos, mas essa alusão se fragmenta quando ele identifica o toque pesado que eles têm ao se arrastarem até à entrada. E ela sabe que é ele e que está fazendo-o expectar demais quando para em frente à madeira e engole forçadamente o tremular de seu queixo. E ele sabe que ela está propositalmente tomando tempo antes de encontrá-lo. A energia dela atravessa as paredes, perpassa por ele com um trampesco que pesa toneladas e o faz querer aluir ao chão de tanta dor no peito. É uma vontade irreal, irracional e sem fundamento de querer confortá-la. Um vínculo pungente inexistente que o carrega até aqui. Com dois sorvetes quase derretidos, uma pretensão sem-noção e desculpa da mais palerma — para fazê-la ao menos revirar os olhos e enxotá-lo assim que confirmar que ela não está dilacerada.

As mãos dela exsuam e incorrem contra a maçaneta ao se deparar com ele ali, diante dela. Com uma camiseta branca e uma calça de moletom escura que poderia alegar que ele é só um grafiteiro das vielas de Berlint em vez de um tenente da polícia ostaniana. As mechas estão orvalhadas o suficiente para aquiescê-la de que ele tomou banho não há tanto tempo, o aroma respectivo entranhando-se nas narinas dela porque — de quando em quando — ao longo dos períodos em que ela beija-o até se entorpecer, enfia as unhas nos cabelos dele até que a satisfação seja o ponto alto de sua felicidade e deixa selinhos no pescoço dele, ela se pega recapacitando as notas do perfume dele. Instintivamente intoxicando-se na ponderação de voltar para casa com o cheiro dele e das almofadas exalando macadâmia, uma vez que ele costuma deitar a cabeça lá. Um torpor lépido que ela não vai solidificar e albergar até que eles voltem a serem simples desconhecidos.

Ela não dispõe nada além de uma mancha sob os olhos assentada com maquiagem, o que, efetivamente, só decorre o palpite de que ela estava asseando o rosto há alguns segundos atrás. Fiona tem uma blusa cinza grande o bastante para atapear as coxas dela e meias grossas ao destrancar a porta. Os olhos dela reluzem como sempre, medem-no por um parco ínterim. E ele não sugere nada. Ela cerra um pouco as palpebras e os lábios quase tiritam ao entrevê-lo, entretanto dispersar o visar para baixo e observar Mabuse torna tudo anulado. Os dedos dela se direcionam para os próprios cílios como se sentisse uma aterradora dor de cabeça.

Há aquela lacuna entre a consciência e o rompante que Yuri tem de embalá-la entre os braços dele e ressequir as lágrimas dela pelas ulteriores horas — que é cessada assim que ele entrava os seus passos, vetando-se de tateá-la.

Ela considera dubitável restringir o elã de esboroar-se em torrentes de lamentos que se restituem em oceano ao mirá-lo de revinda. A sensação de enxovia rogando para fechar-se em casa e ignorá-lo como sem-par talante. Porque não é problema dele. Porque é falta de educação esperar que as pessoas resolvam seus problemas de tristeza por você. Porque é ridículo o quão tentada ela se sente a correr para o aconchego dele quando não pode e não deveria.

Frost não consegue. Se encarcerar novamente. Não se apiedar ao vê-lo encarando-a. Não vivenciar pusilanimidade sendo sentimental do jeito que não precisaria.

Ela persiste. Confrangida para não discorrer acolá. Irredutível em erguer a cabeça e em enxergá-lo da melhor forma. E ele estende o sorvete de framboesa esperando que ela espie um pouco. Ela gosta de chiclete de framboesa. Yuri decorou isso há um tempo atrás.

Fiona hasteia o divisar, apetece se amorar para que ele não entenda que ela quer e pode soluçar suas heresias como uma mulher normal. Ela o finda com aquele descortinar de quem diz "o que você quer?" e Briar tem o reflexo de bater os pés no piso serenamente.

— Eu... Eu achei que não seria bom comer esses dois picolés sozinho. E... Minha família mora longe, sabe. Então eu pensei em Mabuse, porque eu estava vendo Dr. Mabuse, o que me levou ao fato de que Yor iria encontrar com você, o que me levou a perguntar se vocês se divertiram, o que me trouxe até você.— ele explica como um desvairado.

— Está frio.— ela devolve, desinteressada. Uma recusa leve. Um ditar óbvio sobre os presentes dele.

— Mas você está quase pelada.— ele rebate sem nem pensar. Uma piadinha de quinta categoria que ele parece ter perdido o medo de usar. E ela revira os olhos, obliterando algum tanto o pressentimento fúnebre no peito. Yuri acerca o andar, o mormaço da estatura dele emanando adjacente dela. Ela presta atenção na forma descontraída como os dedos dele abrem a embalagem e colocam o sorvete nas mãos dela. — Coma antes que derreta.— ele indica tanto quanto pudesse amover a franja dela, acolitar as testas deles, beijá-la com uma blandícia que drena toda a amofinação dela. Mas ele só é complacente. Inóxio. E não está nem aí para o que você sente, Fiona. Ela quase engole o próprio imo e quer engasgar, os sentimentos dela querendo se revoltar por uma demonstração de educação. Educação é uma merda.

Ela hesita, mas segura a embalagem e, por fim, morde um pedaço. Com um gosto real, cremosidade real, conforto real. Carinho que poderia ser real.

— Em dias frios... Eu assisto Os Nibelungos.— Briar admite, usando Fritz Lang de esteio, mas não fala de dias realmente frios. E ela não percebe até semanas mais tarde. Frost mastiga, saboreia até que a atribulação em seu estômago, o fulgor de sua face recém-seca, se dissolva no doce do palato de framboesa um pouco industrial, mas ainda tão genuíno quanto o gosto e o cheiro que ela gosta de sentir. Insere o questionamento que ele planeou:

— A Morte de Siegfried? Ou A Vingança de Kriemhilde? — ela remite, intrinsecamente enérgica porque ama a franquia, porém se quieta através de seus lembretes de que eles são meros passatempos um do outro. Daquele tipo que não abrange o colóquio como preceito peremptório para a construção de uma ligação afável e perfeita. Ela sabe. Quando Yuri assente. Sorri.

— Os dois.

— E você fica cinco horas em silêncio? Vendo imagens sem fala nenhuma? — ela demarca, julgadora e não mais funesta, trabucando em cima de um egresso que ele não atinge que ela utiliza. Que deixa o cerne dele amainado ao mesmo tempo que fervilha.

— Me relaxava... No exército. Eu gosto de repetir em noites específicas, depois de beber um fardo de cerveja inteiro, o que no meu caso são só três latas antes de começar a vomitar. Você deveria tentar.— Briar cochicha. Mabuse ultrapassa a linha, cumprimenta Yuri e esfrega a cabeça com orelhas pontudas na canela dele. Fiona fica em remanso e ele não hesita em se abaixar para acariciar o felino como um bom amigo guardador de confidências. Eles se enrolam em um jogo de mãos e patas, se avizinham a meio da sociabilidade que o gato lhe entrega e a amorosidade que se expande no abdômen dele, com mordidas não tão fracas, unhadas não tão rasas.

E com a mão livre, ele deixa o segundo, e postimeiro, picolé para ela. Tenho quase certeza que é o seu sabor favorito, ele devaneia em mencionar. Apesar disso, estipula que é melhor não.

— Uma reserva para mais tarde.— ele segreda, se levanta e fica perto dela.— Seria legal comer algo gelado se for assistir aos Nibelungos.—  ela quase franze o cenho, mas sustenta. Ele ala as bochechas para uma mesura derradeira. E ela maneia a cabeça em uma anuência silenciosa que abriga uma verbiagem só deles.

É como uma despedida mútua tão logo que ele instiga a se esgueirar sem nada mais pronunciar. E é arrevesado pescar que rompe seus princípios assim que ela larga o sorvete em cima da mesa como se não soubesse o que acontece se deixá-los fora da geladeira e atravessa o corredor até ele.

Fiona afunda os dedos nas costas dele e é de chofre que ele se torna para ela. Ele almeja que ela delate como se sente, tacitamente objetivando que ela desafogue com ele no centro do passadiço, quem sabe o beije como naquele lusco-fusco nimboso. Por um momento Frost tem a impressão que ele compareceu no apartamento dela porque escutou-a chorando, mas tem em mente que ele não a alentaria e prescinde de borboletear essas bobeiras sem-sentido quando sabe que ele veio aqui por causa de Yor. É só engraçado. Ele é tudo que eu quero agora. Tudo que eu precisava.

E é só por isso que ela, atraiçoada por seus particulares instintos, enrola os braços na cintura dele e submerge o rosto no peito dele, inspirando de modo que Yuri seja tudo o que ela suporta a essência. Lavanda. Macadâmia. Algo que tem a ver com ele. E ela se deleita e encontra aconchego aqui e quer pedir obrigada e dizer que reconhece a presença dele. À contramão, ela sabe que não deveria ser preocupação dele a solitude e a prostração a qual com ela coexiste. Ela deveria se afastar. Permiti-lo ir para não ser comodista.

Yuri não pensa assim, então a menção dela de pisgar-se se figura em afronésia. Um empuxe para trás e ele a firma com mais força. Com tanta força que Frost se sente acolhida. E, alfim, ao desbravar a planger um pouco mais, com queixumes e ombros tremendo, ele não se afeta em enlaçá-la até que as lágrimas sobrestejam contra o peito dele. E eles ajustam-se. Com ele esfregando as costas dela morosamente e sem brusquidão. Com o queixo dele apoiado na cabeça dela. Com uma porta aberta, sorvete derretendo, pés descalços e pernas à mostra, no meio do corredor. Com um silêncio incansável, uma quentura que o faz asfixiar e sem palavras em mãos. Com uma admissão de que ela odeia chorar, mas é difícil sentir fraqueza com ele aqui. Mais como um travesseiro do que como pessoa. Sem dizer nada, nem se mexer.

Os mil e duzentos segundos que ela passa agaturrada a ele são como oito horas dormidas. O sol se pôs nesse meio-tempo e a brisa de repente ficou quente. Os olhos pegam fogo. A cabeça dói. Os pés dormem. E ele é cúmplice.

Fiona se aparta, não olha nos olhos dele. Abaixa-se, fisga um Mabuse perambulando pelo corredor, se atropela nos pés descalços ao quase escorregar no tapete — que para de modo torto longe da entrada — e fecha a porta com todas as forças guardadas nos punhos dela.

Yuri abre, fecha os lábios não em descrédito, mas em renegação de compreendê-la. Sem saber se é seguro deixá-la afundar na própria solidão. Sem intencionar pedir nada em troca.

Ele se contém, passa a mão na nuca, olha para o limiar uma última vez antes de buscar o andar de uma lesma.

Eles não conversam sobre isso.
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A aragem joga beijinhos nas bochechas dela ao vê-lo se quebrantar com a maçaneta para dar de cara com ela. Os cabelos volitam, os pelos da nuca se encrespam pela algidez e ela fecha os olhos naquele diminuto lapso que se alude em abrir o limiar por completo. As entranhas dela dão cambalhotas ao ser recebida com um eflúvio mélico que a implica planear enternecer; ajusta-se com uma gravura de casa, com os florilégios atributos da invernia, a vegetação rasteira que tem toque incessantemente úmido, os graus nulos que discernem o leste mais do que tudo. Parece até... O mingau de aveia que papai fazia quando mamãe estava em estado de mania. Ela abre as pálpebras, parte o pensamento, segue o aroma novamente para ter confidências de que não está cismando coisas.

A beleza dele diz que não. Com as mechas presas que deixam claro que estava cozinhando, o semblante sujo de creme de leite fresco que a deixa, inclusive, de pernas bambas. O pano de prato pendurado no ombro esquerdo. Os óculos que ela raramente vê no rosto dele e o... Sorriso receptivo que a faz querer passar um fim de semana inteiro agarrada a ele.

— Coração.— uma afirmação que a larga dando voltas no espaço. Ele alinha as mangas da camisa, coloca-as para cima o suficiente para deixar os braços expostos. Ela se arrepia de fio a pavio. Quer dar uma risada ao vê-lo se atrapalhar ao perceber o chantily grudado no próprio rosto, esfregando o pano contra as bochechas sem nem observar ou saber a exata direção. Ela se encosta no batente, cruza os braços. E ele desmonta por dentro porque ela fica assim, tão pertinho, e é fácil se desfazer em milhões de pedacinhos. Ele para de tentar se limpar quando ela passa o polegar direito sobre o lugar sujo no rosto dele.

— Cozinhando? — Yuri solta o ar que ele não sabia que estava prendendo, e a perda da quentura da mão dela contra ele faz seus neurônios entrarem em um pânico que desestabilizaria um país inteiro.— Talvez eu tenha vindo em um horário ruim, então...

— Não! — Briar interrompe, afobado, desengonçado. Fornece um espaço para ela invadir, sofre prejuízo na práxis de pretender se desatrelar dela e eles se localizam, como sempre, estremando um parcimonioso ambiente como se estivessem revoluteados um no outro. Agora ele distingue bem o vestido dela. Como o azul da última vez, mas branco e com uma renda na bainha que o faz querer falar sem pensar. É óbvio que eu estava cozinhando para você.— Tive vontade de comer a torta que meu pai fazia e... Sabia que você viria em um momento, eu só achei que seria mais tarde...— Eu sabia que você viria agora. Está de folga hoje.— Bom, se quiser podemos dividir. Em quarenta minutos.

— Certo.— ela pende a cabeça para o lado, permite que ele se aproxime um pouco mais para notá-lo impelindo-a de leve contra a parede. Um movimento franzino que a induz ablaquear um anelo mais do que premente. Ela empunha a gola do tecido dele, o traje alevantando-se e quase pressionando-o a migrar os olhos para baixo. Os dedos dela retiram os óculos enquanto se coloca na ponta dos pés e cicia: — Eu não me importaria se, no tempo de espera, você me beijasse nos...— ela olha para o próprio punho, um relógio imaginário — Trinta e nove minutos restantes.

— Flertando comigo, coração? — os lábios dele aglutinam na orelha dela, uma risada branda em meio à fala e as mãos inteiramente estáveis na cintura dela, da forma que aperta o suficiente para sentir os ossos quase dedilhando seus dedos. Ela traceja o fim das costas dele com a palma livre, cursa a coluna dele com o indicador destro em uma formulação de retornos incitantes. Fiona iça o queixo, e por pouco não deixa escapar que ela adora tê-lo segurando-a, diz como não quem quer nada:

— Você decide.— ele gostaria de perguntar se ela está bem, se precisa de alguma coisa ou se ainda está sentindo vontade de chorar e, se isso for um fato, ele adoraria acolhê-la. Com uma comida cálida, um compasso talvez romântico que traz conforto, um abraço em meio às cobertas. Oferecer não só o conforto simples como tudo a mais que ela quiser. Eles podem assistir filmes antigos e conversarem sobre quando acabar. Eles podem só se beijar no sofá e dormirem agarrados. Yuri pode ficar quatro horas inteiras escutando-a falar sobre o que a machuca tanto se isso a fizer melhorar. Ele está disposto. E ainda aqui. Se a relação deles fosse algo a mais de que vizinhos que trocam favores e não observam sentimentos. Se ela considerasse considerar ele e enxergá-lo como algo a mais do que só um objeto e a clara última opção para correr.

Mas a mente dele ainda é traíra demais para ratificar as próprias afirmações. Briar suspira baixinho antes de se afastar o bastante para voltar a mirá-la. Os olhos não brilhosos perdendo a visão de todos os dias. Estão opacos, com algo a menos, uma sensação constante de chateação abeirando-os. E ele sabe que não devia, sabe que é pessoal demais, mas quando um último beijo dele escorrega nos lábios dela, uma frase presa entre os dentes sai involuntariamente:

— Ainda está magoada? — o coração dela perde o ritmo, descompassa, para, retorna, perde ar. De repente o aperto dele parece forte demais. E ela quase cai naquela falsa esperança de que alguém se importa com ela, de que ele a vê como alguém que tem questões e conflitos e que ela não precisa engolir o pranto quando estiver amuada. Mas por que isso só não seria impressão minha? Por que minha mente não o transformaria como algo em potencial quando ele só... Faz o mínimo?

Não é cuidado. É só educação. Não é preocupação. É só educação.

— Eu...— e como tudo que Yuri sabe fazer é afastá-la, ela fica longe o bastante para quase voltar ao corredor na porta de casa. Aperta os óculos dele entre os dedos mais do que precisaria.— Me desculpa por...— ela começa a perder o ar e ele sabe que deveria se amaldiçoar por tê-la feito se envergonhar.— Eu sinto muito. Não vou mais te atrapalhar com os meus problemas. Hum. Eu não queria... Nada seu ou algo do tipo e também não foi nada com intenção de fazer você achar que tem a ver com algum sentimento, porque não tem e eu...— ela não sabia que podia esquecer as palavras e agir tão irracionalmente. Mas isso acontece agora. Acontece da forma mais vexatória possível. Ela parece ridícula. Exasperada como uma criança. Imbecil como uma adolescente burra.

É isso que você faz. Sempre estraga tudo. Sempre atrapalha tudo, Fiona. Sempre chorando pelos cantos. Sempre acabando com os dias bons. Não guarda os sentimentos para si mesma e acha que os outros têm que resolver.

Ah.

Ele também está incomodado.

Fiona fica quieta. Olhando-o. Contorcendo-se por dentro. Querendo pedir desculpas e se impedindo porque pode piorar a situação. Ela balbucia. As mãos começam a suar e ela sabe que talvez ele tenha percebido que ela não é a melhor pessoa para manter por perto. Então, antes de sair, ela espera aquele ultimato que ela costumava receber em casa. Eu não preciso de você aqui. Sai da minha frente.

— Meu amor.— ela não consegue distinguir quando Yuri se aproximou o bastante para segurar o rosto dela. Nem quando ele resolveu tornar esse um momento para treinar um apelido novo para ser usado na frente da irmã dele. Ele sussurra, sussurra tanto que ela sente nos ossos: — Eu não preciso de desculpas. Não estava incomodado. Não quero que você vá. Só me diz se está tudo bem.

— Nós não funcionamos assim. Você sabe. Não é da sua conta.— Frost deixa resvalar. Recobra a consciência, a mente no lugar ao se recompor. E ele aceita mais facilmente do que deveria. É prestativo por ela. Assente. Abre um sorriso que deixa falsamente para trás as desavenças. Enceta um novo início do diálogo deles:

— Você comanda, coração.— poderia ser estranho como a atmosfera muda. Mas o desvio de obstáculos e a comunicação sem conflitos, porque ela, na maior parte dos casos, não se alastra, é uma coisa absolutamente deles. Se conectando às próprias regras não ditas e a troca de olhares que diz bem tudo o que eles gostam ou não. Aprovam ou não. Às vezes ela chega a pensar que ele poderia ser só dela. Para ela. Porque eles se entendem.— Mas, se algum dia você mudar de ideia, eu estou na porta ao lado.

Tem dias que ela acha que esse diálogo deles nem chegou perto de existir. Esta permissão para procurá-lo quando precisar. Este momento em que ele atribui a ela um pronome possessivo. Esta hora em que ela quase quer um rótulo.

Então as obviedades aparecem outra vez. Quando ela abre os braços para ele e é carregada até o sofá. Quando eles se emaranham em amassos e arranhões. Quando ele mapeia cada parte do corpo dela com a boca como se estudasse-a. Quando a língua dele mais uma vez a entrega aquele tipo de satisfação que a paralisa sonhando ásteres. Quando arrepelar os cabelos dele é um parâmetro para adoração. Quando ela desabotoa as calças dele pela centésima vez e tem certeza que o sabor dele não necessitaria ser tão magistral para ela. Quando ele rumoreja o nome dela, obsecra por ela no meio-tempo em que arpoa os cabelos dela por entre os dedos dele, no tempo em que quase arqueia as costas porque ela o faz tão bem, é com aquele permanecer doentio que ela se sente gloriosa. Quando eles caem na profundidade silenciosa um do outro e ela diz um obrigada mudo no momento em que eles são um só no mais pecaminoso significado. Eles se entendem no sofá um do outro. Eles se entendem quando seus estômagos estão se tocando. Eles se entendem quando um pede por mais e o outro obedece.

Óbvio, eles se entendem — não o bastante para serem algo mais do que fingimento, prazer, convizinhos.

Eles se entendem — na forma rasa do entender.

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Os músculos perduram exauridos ao colocar os pés nos chão, ensamblar as costas suadas em oposição ao acolchoado do divã, unir as coxas pegadiças e percorrer a mão no rosto ao tentar se congraçar do aturdimento. Ela não empunha o que há de errôneo naquele dia. O porquê estava tão bem abaixo dele há menos de cinco minutos atrás. O porquê foi tão bom deixá-lo guiá-la nos últimos momentos. E por quê ela está estremecendo com a doçura dele, e por quê eles estavam em uma provável sintonia quando passou cada fragmentozinho olhando-o nos olhos. Ele não deixou marcas, bebeu-a e beijou-a como se ela fosse de porcelana. E Fiona se sentiu tão bem que poderia agradecê-lo.

É uma estultícia que ela não se dá a munificência de ressumar ao esticar o tronco e rastrear peças de roupas esparsas pelo soalho. Ele foi terno até em arrancar as minhas vestes. Ela pregueia a face, abriga calafrios dos mais tétricos, entraja o vestido como se homiziada. Iça-se sem pensar em se limpar ou dar tchau para ele — como sempre. Frost arrasta as solas tacitamente sobre a madeira e o rumor do interruptor do banheiro desligando-se é o suficiente para fazê-la azafamar o passo mais do que carece. É difícil destrancar a porta e colocar os chinelos simultaneamente quando ambos exigem uma parca atenção.

— Você não vai ficar para a sobremesa? — o forno dá um pequeno estampido no momento em que as palavras saem da boca dele. Agora o ar parece infestado com cheiro de framboesa e o estômago dela embrulha em nostalgia. Ela se vira para encontrá-lo só com a calça do moletom. Um semblante chateado que quase diz que se ela for embora ele vai chorar. Aquele tipo de lampejo no vislumbrar que exora para estar por perto. O que ela se convence de ser só a dopamina revolvendo-se em carência depois de afastarem-se. E, ainda sabendo disso, ela não consegue se virar mais uma vez e simplesmente ir embora.

— Não quero atrapalhar o resto da sua tarde.— ela diz. Um pouco acossada, querendo escampar em razão de inteirar os contratempos que os esmeros dele suscitam nela. Os pés ficam buliçosos e ela junta as falanges atrás das costas. Poderia estar enfiando as unhas nas mangas blusa, se tivesse alguma. Yuri olha para ela, engole os lábios e passa o lado interior das mãos sobre as calças do jeito pra lá de atônito que ele possui toda vez que ela entra por aquela porta. Ele se emaranha, não sabe se pode e nem consegue elucidar uma asserção para passá-la às palmas. Mas ela espera, com o corpo em frente a ele, um esforço mínimo que pode ser aplicado em abrir a porta e desaparecer se ele disser que tem outro alguém, que eles não podem mais ser passatempo um do outro.

Ele pigarreia, dá um passo para trás. Ela fecha os olhos, espera aquele sussurro que vai fingir que não afeta ela porque ela tem que, ela precisa, ser assim.

— Hoje é sexta.— ele afirma. Fiona o esmiuça uma outra vez, sem esboçar qualquer tipo de reação — Você sempre... Está tomando café, ou com gosto de framboesa. E eu não tenho certeza de qual dos dois você gosta mais. E... Eu sabia que você apareceria naquele horário porque está de folga, então...— o rosto dele ameaça virar carmim assim como o degradê das íris que ela tanto gosta de se perder em cada infinitesimal pormenor.— Eu comprei café. E pedi para Yor mandar a receita que nosso pai sempre fazia e a que está no forno é, na verdade, minha segunda tentativa. Não precisa ficar se quiser, é que...

Ela acha que pode parecer complexada demais se meramente arrazoar a ele que nunca ninguém fez isso por ela. E coage a refrear o pasmo tão logo que seus globos oculares empeçam se arregalar porque, alfim, é só uma torta estúpida e a bebida preferida dela que ele comprou mesmo odiando o gosto. Ainda que o âmago dela queira transformar isso em uma situação irracional que toma forma em um pensamento irreal de que ele fez tudo isso porque quer cuidar dela.

A comida escalda os laços. Ela reforça a quididade. Conquista pessoas. Constrói primeiras impressões e formaliza relacionamentos. Representa o papel de dominância tanto quanto o papel de carinho. É um presente de quem ama para a pessoa amada. Mas eles não são nada disso. E o afago dela por ele não deve expandir só por causa de um cuidado apatetado que ele seguramente teria com qualquer um além dela — Briar é prestativo.

Frost tira as mãos das costas, caminha até ele em passadas minúsculas que fazem as pernas dela vacilarem imperceptivelmente. Eles se encaram e ele tem uma certeza — aquela absoluta que é mais do que só a simples certeza — de que ela o odeia tanto quanto antes. Mesmo agradecida por agora, mesmo doce e permitindo-se entregá-lo algo mais de si mesma naquele parco ínterim finalmente não tão antissentimentalista que passaram enrolados no estofado. E essa confirmação o faz se sentir em temor ao que ela entrecruza seus dedos e ele colhe tal corrente elétrica unilateral impostora que estatui uma irrisória brasa abrolhar no eixo dele.

Briar consegue quarentena minutos a mais com ela. Uns quarenta minutos a mais para observá-la como não pôde observar das outras vezes. Uns quarentena minutos que não mudam nada para ela, mas que fazem o estômago dele se esgazear em bambúrrio. Quarenta minutos que vão o deixar acordado a noite inteira, relembrando e redecorando o momento em que ela não é só um encontro casual três vezes por semana.
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O xampu dela é ainda mais inerente nesta sexta-feira. Uma mixórdia de almíscares e abalos que se inculca na pele dele, o deixa entorpecido. Um fio de vida que altera em eletricidade e calcorreia os quatro costados da silhueta dele. E ali ele permanece. Refazendo-a com o visar. Captando aqueles microscópicos detalhes — um fio de cabelo específico que é um pouco menor que os outros e nunca está no lugar, a boca desenhada e vermelha que mapeou o corpo dele da mesma forma que ele fez com ela, os cílios abundantes que têm a cor exata dos cabelos dela, o nariz que ele teria a condição de tocar só pela revalidação de veracidade e a visão que ele estima tanto, as pupilas que reacenderam há alguns minutos atrás, o páramo poente que ele aprecia em perder-se em todo caso que arrisca, e como ele vivenciou esquadrinhá-los a cada momento naquele sofá na calmaria que eles encontraram hoje — que ele não cansa de ementar e realinhar. O cheiro dela fica impregnado nele e, de repente, ele pensa que se apaixonar por ela poderia ser tão fácil quanto respirar.

Briar se atropela, imerge em uma repreensão que deixa radioso que ela não está nem aí para ele. Que não precisa de uma nova pessoa na vida dela. Que eles são só vizinhos. Ainda que ele não possa calar o desespero por uma aprovação dela ao escrutiná-la se preparar para provar o que ele cozinhou. Yuri fica todo esperançoso e tropeça na vergonha ao perguntar antes da hora:

— É bom? — Fiona alquimia um convicção, mastiga mais um pouco, caminha na parte dela da ilha enquanto ele apoia as mãos contra a pedra gelada e espera ansiosamente. Ela aperta os lábios em um bico, bate o garfo levemente no mármore.

— Um pouco salgado, mas eu acho que...

— O quê?! — ele se interpela, mal acreditando que errou os ingredientes uma segunda vez, por pouco não implorando para ser engolido pela terra, quase escorregando ao ir atrás dela. Olhos esbugalhados ao tirar o talher da mão dela para ter certeza de que não irá intoxicá-la. Ele pega um pedaço da torta no prato, enfia na boca sem pensar duas vezes.

E quando a vê outra vez, o sorriso mais lindo do mundo preenche os lábios dela como um quadro pintado meticulosamente. Ela não está rindo integralmente, mas absorve a miscelânea e o exaspero dele como se fosse oxigênio. Porque o que ele cozinhou para ela está muito longe de ser salgado. É nostálgico. Tem gosto de casa. Tem apreço e prudência e tudo o que ela, às escondidas, gosta e um sabor tão deífico que a faz querer derreter no chão. É fresco e o eficiente para complementar uma tarde como esta e fazê-la ser a melhor dos últimos anos de vida dela. Tem a estampa de um sentimento estrangeiro que ela vem a perceber dias mais tarde. E algo que a deixa, intrisecamente, recheada de exaltação.

— Você mentiu.— ele confere. Enganosamente aborrecido. Como uma criança que não ganha o que almeja, um murmurinho aplacado que, depressa, se remói em ânimo. Um pouco de boca cheia e ela toma o garfo uma outra vez. Mais um pedaço de torta na boca dela e um sorriso travesso se esgueirando sobre as bochechas ao desviar o olhar para ele, toda presunçosa e, por um segundo, não tão pacata.

— Claro que eu menti. Meu orgulho não deixa dizer o que eu realmente achei.— ele nunca chegou até aqui com ela. Nas piadas e nos sorrisos e no tempo de qualidade. E é o que o estagna e o deixa sem palavras. Por um momento os dentes dele se enfileram e ela se entrevê mergulhando em um colchão d'água. Vira o rosto para ele, como um flerte paspalho para desfiar que ela não deseja contatá-lo, mas Briar ainda não quer abandonar as conclusões.

Ele enleia o braço esquerdo na cintura dela e a tira do chão em um movimento inesperado. Ela se esparrama em sobressalto quando ele a gira e de repente eles são todos risadinhas mornas e dedos nas laterais da cintura dela que a fazem sentir cócegas.

— Ei! — Frost reclama, balançando as pernas, mas sem verdadeiramente afastá-lo porque ama quando ele está com as mãos nela. Yuri gargalha, deixa-a respirar por um momento, sem soltá-la. Ela apoia a cabeça no ombro dele para vê-lo. Vermelho que pulsa como vida. Fiona suspira, recompondo o ar. E ele a deixa apoiar os pés no chão uma outra vez.

— Ainda sem notas? — é um sussurro estratégico, provocador. Frost se vira, apoia as mãos na gola da camiseta dele. O puxa para frente com uma parcela de brusquidão. Perto o suficiente para conseguir beijar, sentir a respiração, sentir o cheiro dele.

— Não fica mesquinho depois do que eu vou te dizer.— é uma pré-repreensão que o faz querer grudar os lábios nos dela. A voz dela dando voltas nos sentidos dele ao resolver se aproximar um pouco mais do que deveria. Porque só dividir um espacinho com ela é como ir ao céu.— Você sabe...— ela revira os olhos, ele deixa a palma direita brincar com o zíper do vestido dela, apoiar a quentura no centro das costas dela. Fiona estremece nas mãos dele. Quase perdendo as palavras e qualquer tipo de pensamento sólido que poderia ter ao passo que ele afunda os dedos na cintura dela, a firma no lugar como se ela pudesse fugir.

— O que eu sei, coração? — Yuri sussurra, inteiramente pronto para receber uma bajulação, um cachorrinho adorador de gabação. Frost carrega o silêncio naqueles poucos momentos sem ruídos, presunçosa entre dizer ou não o que ela precisa. Ela balança a cabeça, um balançar ameno que o facilita visualizá-la melhor com a franja relativamente fora de vista. A a respiração dela causando arrepios na nuca dele ao ficar na ponta dos pés para segredar:

— Você é uma nota máxima, Yuri Briar.— ele se afasta, inteiramente satisfeito e bem mesquinho para o gosto dela.

— Eu sou uma nota máxima, meu amor? — os dentes dele se perfilam, todos bonitinhos e branquinhos, a locução onusta daquele tal sarcasmo que ele adora evergar. Ela aperta as bochechas dele forte o bastante para fazer doer, as unhas arranhando-o levemente.

— Não me chama assim.— ela resmunga e tentar se grudar nela é quase inútil com as mãos dela o parando. Yuri abre um sorriso que está longe de ser um, se desvencilha das mãos dela e gruda os lábios nas bochechas dela sem pensar duas vezes. O modelo de beijo petulante que põe toda a personalidade dela exposta, que a faz empurrar as mãos abertas no rosto dele para tirá-lo do caminho ainda que eles estejam agarrados um no outro.

— Se fizer isso outra vez...— ela ameaça tarde demais quando o selar se materializa na boca dela. Ela ainda tem gosto de framboesa e quartas-feiras frias que começam lentas e insistem para ele ficar um pouco mais enrolado em cobertas.

— Estou morrendo de medo, meu amor.— ele sopra, ainda contra os lábios dela. As palmas dela escorregando pelo peitoral dele esquentando-o como magma.

— Cala essa boca.— ela rosna, falsamente atrás de sangue, tão perdida por ele quanto um maldito inseto em busca da luz. Ela queria entender porque duas mãos nunca parecem o suficiente para encostar nele do jeito que ela realmente quer. Ele acaba com o fôlego dela ao se aproximar mais do que deveria quando ela afasta o rosto, e aquele minúsculo momento de gato e rato nem faz mais sentido quando ele se apropria do espaço dela para dizer:

— Então me beija.— e ela obedecer tão rápido como se estivesse apaixonada de corpo e alma por ele. Com aquela pressa que poderia rachar a terra ou derrubar as pessoas nas ruas cheias de Berlint. Com a vontade que ela finge não ser motivada por ele. O agradecimento que ela não diz em voz alta. E o resto de diversão antes de lembrar que ela não deveria ser tão boa ou estar tão próxima dele quanto está hoje. Com as unhas, o resquício de doçura que ela deveria guardar para si. Fiona afunda os lábios nos dele como se ele fosse o seu mais valioso passatempo.

O que, de fato, não acontece. Eles são só vizinhos.
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Eles reiniciam. Deambulando e tropeçando e não manifestando. Escorregando no tapete da sala de estar, apressurados em demasia ao arrepelarem blusas ou desatarem zíperes, lotados de precipitação e ardência e requerer. Reivindicando outra vez os selares do lado avesso da prosa, o guinchar dos dentes e o transigir de saliva um do outro a querer expor o que de fato passa pela cabeça deles, o que, de fato, ela raciocina quando ele está dentro dela. Eles se embrulham pelo sabe-se lá qual turno de contagem e, agora, ela fica sob ele pela segunda vez seguida. Agarrando-se a ele não do jeito que apetece, mas da forma que ela é capaz. Eles são uma algazarra com as pernas e as coxas até que os dedos dele estejam separando a perna esquerda dela para que imergir nela seja ordenado.

Fiona se contorce, mas não se desvela para ele porque isso iria fazê-la retrincar, estrondear, só sibilar com que intensidade ela quer ele. E, merda, ela quer mais do que pode imaginar. Algo que ela não considera duas vezes antes de reprimir assim que arqueia as costas e a boca dele se integra ao pescoço dela tão perfeitamente que ela quer choramingar. Ela entreabre os lábios, procura segurar a mão direita dele, caça enfiar os dentes nas omoplatas dele, amordaçar um clamor grotesco quando ele soçobra nela no melhor ângulo que eles recuperaram, mal que ele fomenta, mal que eles afiguram estar de volta à primeira noite, uma recém-descoberta do quão bem eles se enquadram. A boca dele é quase feita para estar em volta dos seios dela. E ela fica ludibriada o bastante para precisar esconjurar que da próxima vez eles podem fazer isso sem proteção e que ela não almeja de mais ninguém enquanto ele for o vizinho dela. Que talvez ela queira ficar. Que talvez ela deva ficar.

Às vezes, ela o encara no meio daquele monte de bagunça. Consente o hálito dele de amerissar reclinado nos lábios separados dela enquanto eles amparam as testas e destroem-se, embargam-se e concedem-se, no tocante à congruência que as peles deles têm. Eles se decifram e memoram e se beijam para calarem a voz, para deixarem as declarações inoportunas para trás. Outras vezes, ele a pega e denota aqueles selares no maxilar dela que repercutem como asas de beija-flores enquanto ela se permite liquefazer contra ele, em meio ao suor e aos puxões de cabelo que ele recebe de animosidade. Os lábios dele caem nos ombros dela e os dedos cingem os músculos dele, só para retornar o vislumbrar para o semblante dela quando os espasmos se esvaem e ela fica ofegante, os joelhos dele dobrando-se logo acima de suas panturrilhas. E tem, sempre, aqueles pequenos segundos em que ele quer abrir a boca para segredar o quanto ele gosta dela, o quão bom é estar nela e com ela que ele só se lembra o quão mal isso poderia soar quando a névoa de dopamina passa e ela fecha os olhos com mais força do que deveria, perdendo o contato visual para fazê-lo voltar à realidade.

A testa dele é o que ela sente antecedente de apreender que ele está inteiramente em cima dela, com os baixos ruídos. Aquela forma antiquada que eles têm de concordar, de contar silentas histórias, de simplesmente terminar. Briar esfrega a cabeça contra o pescoço dela, a transpiração não sendo uma grande coisa ao arredar as digitais das coxas dela. Rememora o cheiro da pele dela, ainda que tenha conservado todas as notas, porque daqui a alguns minutos ela vai se lembrar de que não deveria ficar depois de pegar o que queria. A sensação pegajosa como uma corporatura viva e os seios ainda rijos como comprovação. As mãos se desenlaçam, ele prende a respiração, ela fecha os olhos. O suor no toque só deixa tudo mais gelado quando ele se vira.

Frost capita os estampidos no entorno. As pegadas vagarosas, o interruptor do banheiro, o abrir e fechar do lixo, o desenlace da pia, o som característico da água e os gestos para pegar uma toalha de rosto. As buzinas opressivas do lado de fora, o mínimo estalar dos móveis, o fôlego pertinente e impactado. Ela, até lá, não adivinha o que há de inexato neste dia. É como uma extensão do flagrante em que ela deveria ter metido os pés fora daqui há uma hora atrás. Mas agora ela não se levanta, ou se veste.

É coerente regressar e se estirar, de novo, contíguo a ela. Lado a lado, fitando o teto dele à maneira que ele esmiuça ela. Ainda é um espavento não vê-la redirecionar o caminho e esbofetear o batente para retornar sem inteirar em um dia ou em uma semana. Leva um transcurso para que a efígie dela deitada no carpete como se a friagem não permeasse os órgãos dela se concretize. Mas Yuri se esforça para conglomerar os pormenores, com o cômodo mal-iluminado e uma singular claridade infiltrando-se pelas fenestras abertas, resultante de um sítio que ele mal domina o prenome, circundando a silhueta dela com um fulgor policromado.

— Você nunca fica.— é só um boquejar, nada muito impremeditado para não germinar inconveniência. Os dedos dela riscam arquétipos desconexos no tapete e ele repara outrossim, avizinhando os ombros para poder ficar mais colado a ela. Ela não chega perto de enfrentá-lo, nem aparenta deter propósito de repontar, o atestar da consonância dela alquebrando no sobrestar de arranhões na tapeçaria. A Fiona vivaz de uma hora atrás não está. Porque ele sabe que ela nunca volta atrás depois de cinco minutos de diversão, cinco minutos que ela pode dar um minúsculo sorriso para ele ou usar o seu tom de voz ácido para fazê-lo soltar risadas que duram um pouco menos, mas permanecem igualmente.

— Eu fiquei naquele dia.— ela responde, metódica, indiferente. Relembra da manhã que Yor chegou aqui e ele a enrolou na mentira que a fez ir às compras com a irmã dele e se tornar sua cunhada.

— Mas não como hoje.— Yuri cicia, a vigia com afagabilidade. Meio que especula por um redarguir que não se expõe assim que ela não pensa em retirar o visar do teto dele, o que o faz desviar a aparência para possuir a prática do que tem de tão probo ao alto. Nada que incite um afresco barroco ou minudências em ouro que catedrais com arquitetura gótica têm, só uma nuança de barita insossa e modelo dos imóveis antigos. O frio no corpo dele decorre mais proeminente quando o sossego introduz-se entre eles como uma entidade astuciosa. Ele manifesta um resfolegar das entranhas, mas não conta coisa alguma. Planeia, mas não formula nada com intenção de prosseguir.

— E? — é ela quem resgata o palavrório, insinua que a sentença dele perdeu algo na atmosfera. A deferência dela ainda é para a tonalidade do telhado e ela não move um músculo em prol de incorporar qualquer reação que seja em uma tola vogal com teor interrogativo. Então ele progride, um terço incerto:

— Nada. Não tem nada de errado. É só que...— Briar se interrompe, recolhe as supernas acepções na mente, sem querer franquear penúria ou pateticidade. Sem querer passar-lhe aos dedos que esta era a aspiração intrínseca dele há algumas semanas. Que ele gosta de poder estar com ela. Mas chegar com ela até aqui não era um planejamento e isso...— É estranho.

Frost revolve o olhar para ele. Ele alfim pode permitir-se exalar o resplendor das íris dela.

— Apenas trocas justas. Você me usa como noiva de mentira e eu te uso como escape da realidade.— não tem flerte ou brincadeira. É só um fato. Não dos melhores ou mais mentalmente saudáveis, mas é um fato. Como alívio cômico, Frost adiciona: — O que você acha?

— É válido, coração. Superválido.

Ela assente, saciada por ele ter alcançado a compleição dela de ruminar. Num desencaixe feito em meio ao silêncio dele, seus dedos se estendem para esquerda em maneira de alforriar a camiseta que estava no torso dele há um intervalo embaixo do sofá. Não demora nada para que ela esteja passando os braços pelo tecido amarrotado escuro com uma estampa insípida. Logo em seguida, ela encosta as costas próximas aos assentos do estofado, estica as pernas até que estejam a centímetros de encostarem em Yuri. Ele nem liga para a forma como Fiona se apossa das coisas dele, coloca em evidência que hoje é uma exceção que nunca mais acontecerá nos dias decorrentes do... Acordo deles. Ela fica angelical com nada além da camiseta dele no corpo, adornando-a como uma peça rara em um desfile de moda.

Eles compartilham e bebem da companhia que se desacostumaram a ter — pelo menos ele, uma vez que Frost esteve bem com a sua presença desde o começo da vida. Sem nunca ter a sensação de casa cheia ou cômodos quentes por estar próxima de quem ela via como abrigo. Ela não prescreve, nem nunca soube, o que lograria ser tagarelar no ensejo da noite com algum irmão ou até mesmo chasquear na mesa de jantar com algum motejo de seus pais. Será que ele sente falta de estar na companhia da Yor? A casa vazia e silenta no fim da tarde não o incomoda?

— Briar? — ela chama. Concentrada nos próprios dedos dos pés se mexendo de lá para cá e alheia demais nas palavras que tomam forma em sua cabeça. Ainda arrimada no sofá, Fiona não distingue a ocasião em que ele levanta as sobrancelhas em intenção de dar beneplácito e recinto para receber quaisquer que sejam as queixas dela. Ela atrasa um emeio perfilando acanhamento, mas quase olvidando-se do tema, empenhando-se em ementar os rumores de casa. Tinham aqueles pássaros que arrulhavam todo nascer do sol em frente à janela do quarto dela. Tinha aquele silêncio estridente de quando papai e mamãe saiam e voltavam dias depois. Tinha a forma como a colher batia ruidosamente contra a panela de aço quando papai fazia mingau de frutas vermelhas e ela comia com gosto sua única refeição do dia. Tinham os cacos de vidro esparramando no chão quando mamãe se irritava e jogava pratos nela. Mas não tinha nenhuma risada, nenhum farfalhar de roupas por causa de abraços ou, quem sabe, um boa-noite murmurado com carinho.— Como... Como é ter família?

Os segundos passam, ele olha como os cabelos dela estão grudados na testa pelo suor, e há algumas gotículas escorrendo no pescoço dela. Mas ela não volta atrás. Não diz: "Pessoal demais. Não é da minha conta." Nem se levanta nem vai embora, como se só repetisse, repetisse, repetisse até fazer sentido. Olhando para o próprio reflexo na tela desligada da televisão como se isso fosse mais importante do que respirar.

— O quê? — Yuri não tem fidúcia do que averigua. As sílabas e períodos se perdendo na recém-chegada total escuridão noturna. O sol da tarde desassoma-se de fio a pavio com os vocábulos dela. E ele as desempossa por igual. Como é amar? Como é ser amado? Fiona não replica. Balança a cabeça em impugnação ao retirar a blusa dele para começar a se vestir. Tropica na própria descontração e hebetismo. Dá uma premissa maltrapilha:

— Nada. Talvez eu tenha me levantado rápido demais.— ela se esquiva rápido o suficiente para que ele não tenha tempo de acompanhar. A quentura dele não se passa de uma lembrança vaga agora. Ela se senta com os braços apoiados no joelho. Confusão eminente ao esmerilar por suas roupas. Ela efetua uma entrepausa súbita, passa as mãos nos cabelos inopinadamente. Parece tumultuada, então dá uma voltinha como se para criar algum tipo de consciência.

Frost não se interessa em perpassar contrassenso. Deixa-o para trás como se não passasse de um artefato. Ela nunca se esquece de fazer isso. Nem sequer o contempla nos olhos ao fechar o próprio vestido e atravessar a sala de estar para evaporar-se. Seus pés tomam pressa em calçarem os sapatos.

Por fim, com um desespero incomum, uma conversa inacabada e comiseração, Fiona vira as costas e sai correndo como normalmente faz: sem despedir-se.

Eles voltam à estaca zero.
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Sempre foi inclemente e acessível, para ele ao menos, se comunicar. Seus pais jamais sofreram contendas em atrito de desacerto de conversação; e foi assim que eles mantiveram um amor solene até os poucos anos que viveram juntos. Com dizeres baixos e esclarecendo o que os melindrava, era assim que seu pai e sua mãe se solucionavam. Ele adquiriu conhecimento disso quando pequeno, descobrindo que a sua avó não tinha as melhores formas de demonstrar a raiva e escutando seus pais falarem que iriam refazer isso da melhor forma com eles. Obviamente, foi um trabalho árduo não dar puxões de cabelos em Yor quando ela saía o arrastando pelos pés pela responsabilidade de perpetuar selvagerias como irmã mais velha. Foi árduo descobrir que quanto mais tempo brigassem, mais tempo seriam obrigados a olharem um para cara do outro enquanto não pedissem desculpas. Eles resolveram isso meses antes de mamãe morrer e é por isso que quando revisita as boas memórias que construiu com Yor, acha que, de onde ela estiver, está feliz por aprenderem sobre como a comunicação pode inverter os caminhos, de uma forma boa ou ruim.

Uma ideia que Yuri carregava com ele meses atrás. Porque agora ele sente que sua maior julgadora é sua mãe. Briar não é o tipo de pessoa que deixa as coisas passarem, que engole o sentimento goela abaixo para não estragar tudo. Ele só faz isso duas vezes: quando mente para Yor que ingressar no exército seria bom e quando Fiona aparece na vida dele. Com Yor, uma questão de necessidade. Com Fiona, porque ela é vertiginosa. Ela vai e vem mais do que ele esperava.

Não diz nada. Não formaliza nada ou — não se importa. Ela deixa isso claro desde a primeira vez que ele se entregou a ela, tão inconstante quanto a temperatura de maio. Entrando no apartamento, tropeçando nos corredores junto dele. Não informando nada além da forma como ele deveria satisfazê-la. E indo embora sem conversar com ele sobre o que acabou de acontecer. E ele não pede por algum esclarecimento porque não se sente no direito de ter um.

Então, quando ela não dá notícias, aparece uma outra vez, em meio ao limbo de questionamentos perdurando nele, é exigente e calada como normalmente faria e Briar quer murmurar um: por que você sempre me trata como um brinquedo? Por que está tão quieta? Está tudo bem?, ele simplesmente não cumpre. Quando as pequenas férias que eles tiraram para viajarem juntos e ela não mostra a cara por três dias inteiros, ele não diz nada. Quando Yor liga e diz que a noiva dele é a coisa mais doce, que ela é inteligente e esforçada, ele responde positivamente — apesar de não saber se é cem porcento verdade. Quando ela resolve falar com ele e diz que não está feliz em deixar Mabuse sozinho e que a culpa é toda dele, Yuri se sente agradecido por receber aquelas pequenas migalhas que foi ensinado a não considerar. Porque ele, inegavelmente, gosta de tê-la por perto, ainda que às vezes. Porque ele, inegavelmente, não quer que ela vá.
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A colher vergasta a xícara de café tenuemente antecedente de ela se envergar em intrepidez para encarar acima. Ela revesa a cinesia entre o matiz da bebida e equipara com o tom da própria bota. Imiscui os pés no soalho, esgaravatando uma coragem para conseguir pronunciar as sílabas mais fortuitas resvalando da boca dela. Os papéis estão emparelhados à madeira ao passo que o par de íris frente a si escrutinam a declaração digitada na folha. Desistir de uma aprovação a faz jornadear o pensar para as salamandras que se complementam com o róseo da parede. Elas têm uma serenidade pueril que ela mesma estimaria albergar.

— Eu sei que se não fossem obrigatórias as folgas, você abriria mão de todas elas. É por isso que a sempre pontual Fiona Frost não me pediria um recesso de cinco dias três semanas antes das próprias férias.— Sylvia comprime os lábios em prognóstico ao encastoar a caneta, alinhada em estratégia, adjunta do registro e esmiuçá-la como faria em um inquérito. Carece da parte da amizade nem tão amistosa das duas questionar as coisas com este meio-tom. Dia a dia partindo de Sherwood, é claro. Frost desvia o assunto:

— Eu preciso que você olhe o Mabuse. Dê comida a ele três vezes ao dia. Veja se ele está dormindo mais do que o normal. Ou miando mais do que o normal. Se está bebendo água o suficiente. E limpe a caixa de areia dele para ele não ficar estressado, parar de fazer as próprias necessidades e ficar doente. Ah, deixa ele passear pelo corredor do prédio quando vê-lo pela noite. E entra em contato a qualquer...

— Está fugindo para onde? — Sylvia encosta na cadeira confortavelmente ao findar o argumento dela. Descruza as pernas e Fiona decora o átimo em que os saltos dela atritam o chão. Ela abriga a consciência nos quatro costados, apreende que se não der qualquer resposta incomum e satisfatória não vai ser deixada em paz. Espalha as mãos na mesa, um tanto e outro desaconchegada, antes de volver a vergastar a colher em fraco pela cerâmica, ainda que não tenha nenhum resquício de açúcar ali dentro.

— Família.— é a única palavra que sai da boca dela, impensada. Ela não observa Sherwood ao formular, concentra-se nas salamandras e no teatro de como elas dançam num entressonho. Não é a primeira vez que ela se mete aqui dentro, mas hoje Fiona percebe como os pacientes dela devem se sentir acolhidos nesta sala.

— E o anel de noivado quem te deu foi um primo ou o quê? — ela arrasta as mãos para debaixo da mesa de supetão. Arranca a aliança o mais rápido possível antes de jogar no bolso do jaleco dela. Como se fosse adiantar alguma coisa. Ela gostaria de fazer-se desentendida, mas pega um vislumbre do sorriso de Sylvia e se odeia por um minuto.— Está apaixonada e nem ao menos me...

— Não é paixão. Eu não estou apaixonada.— ela admite, remite e insiste. Esfrega as mãos limpas no rosto. Tenta não mudar a expressão facial ao se ver encurralada pela própria chefe. Se mantém íntegra ao prosseguir: — Aconteceu uma coisa. E é um erro. Mas não tem nada a ver com paixão. E eu nem quero que tenha a ver com paixão. Não chega nem próximo disso também.— ela para, esperando que Sylvia aceite as desculpas dela, mas não agiliza lhufas. É aquele espiar não-sei-que-diga que ela explicita quando quer que as pessoas não lorotem para ela. O espiar que ela emprega com os filhos e os clientes dela e Frost não pode deferir agora que, aos vinte e sete anos de idade, está caindo neste truquezinho chinfrim.— Eu me mudei há alguns meses. E reen... Encontrei alguém. Meu vizinho de porta. Nossas encomendas chegavam todas trocadas e nós, normalmente, trocamos elas e toda essa baboseira que você sabe. E teve aquele dia em que um paciente tentou me esfaquear e eu fiquei sem reação, óbvio, estava chovendo e eu pensei tantas coisas ruins e ele parecia tão... Incrível quando eu saí do elevador e eu fiquei lembrando dele e aí... Beijei ele.

— E isso fez vocês ficarem noivos? — Fiona não dá palco para a interferência. Suspira e dá passos:

— Foi um impulso. E depois tudo começou a se emaranhar quando a gente se reencontrou no corredor. Eu estava saindo de casa e ele perguntou se eu estava prestes a fazer alguma coisa e, em vez de comprar comida para Mabuse, eu fiquei no apartamento dele e foi bom porque... Porque...— ela arranha as pernas quando volta, sem querer, para a sensação de como os cabelos dele cheiravam bem naquela tarde.— Eu não ia voltar. Mas eu vi ele em um bar e ele parecia tão desolado. E tinha aquele banheiro sujo e os lábios dele. E depois, toda vez que alguma coisa me irritava, eu batia à porta dele. Nós nem nos falamos. Isso é bom e prático para mim. Eu nem gosto dele. Só que ele me deixou confortável demais um dia. Eu dormi no sofá dele sem querer. E a irmã dele me viu. Ele mentiu que nós vamos nos casar e eu comprei a mentira porque ela estava empolgada de uma forma que eu nunca vi. Agora... Eu estou convidada para o casamento dela. Daqui a uma semana.

— Você teve piedade de alguém que mal conhecia? E está tentando me dizer que não é paixão? — Sylvia encontra uma casquinada sonora. Fiona regressa às salamandras, empenhando-se em interpretar que as indagações dela não surgem a inquietá-la, enfiando na própria psique que estar perto de Sherwood é uma constante assim e que querer ter razão não é o mesmo que possui-la.— Aceitar o toque dele mais de uma vez nem sempre pode significar que é uma fuga das coisas que te fazem mal; se te faz bem mais que o normal e até impulsiona fatos para fora da sua boca, talvez seja inconsciente, nós sabemos. O toque físico como sensação primitiva e precursor da encarnação do vínculo amoro...

— Eu não te perguntei nada, Sylvia. Para de ser intrometida antes que eu coloque fogo nessa sua sala e te tranque aqui dentro.— elas se encaram por um momento. Sylvia infere que conquistou a impetuosidade dela como um prêmio secreto. Sorri um sorriso bonachão ao agarrar a caneta e assinar o atestado. E permanece com ele antes de prender a folha entre os dedos com uma espera de resposta alegre por parte dela. A expressão blasé perdura no rosto dela como um mecanismo de defesa. É o jeito dela de pedir obrigada. Ela empurra a cadeira com os pés antes de levitar raivosamente até a porta.

— A sessão gratuita está sempre à espera, Frost. Diga a Mabuse que estou morrendo de saudades!
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Eles alternam o volante e não leva meia-hora para dirimir que ela conduz melhor do que ele — e isso acaba nem difundindo-se em vitupério em razão de que ele repudia dirigir, sobretudo só. Parar, atentar-se aos semáforos, se arreliar com o congestionamento, matutar profusamente a ponto de brandir recordações indecorosas experimentadas por ele. Não mesmo.

Aderir à cadência dela — em intento de emalhetar os bocados do quebra-cabeça que irão cometê-lo a elucidar a parte plácida e brincalhona dela por mais do que só alguns instantes — é identificar que Frost preza pela quietude até nos mais prementes incidentes. Ele pressupõe que adora atinar que permanece acolá, apesar de não consentir bate-papos triviais e piadinhas bobas que permitiriam-nos rir durante todo o trajeto demorado. Então o único quefazer dele ao entrar no carro é ficar calado, ligar o rádio ou perguntar se ela poderia trocar de lugar com ele.

E é por isso que Fiona semelha não se atormentar pela cizânia e não se azucrinar por encontrarem-se intrêmulos na autovia por mais de vinte minutos, uma música baixa que ele reconhece bem e abnega de entonar para além de remedar o tinido com os pés e as mãos imperceptivelmente porque sabe como ela irá julgá-lo mediante do encarar. Ela aufere que não é ele o responsável por entabular um diálogo hoje, e apanha iniciativa após se aplicar a formular uma boa frase depois de cinco tentativas:

— Por que nós estamos escutando Letters To Cleo há mais de vinte minutos? — ela apreende, decerto apreende. Assim que I Want You To Want Me prolifera o carro com a ária popular e o refrão que Briar sabe de trás para frente, ele não logra engendrar nada afora de mascarar o rosto entre as mãos. Não era uma coisa que pretendia admitir tão cedo.

— Só... Me ajuda a dirigir.— Yuri crê que demover o disco do rádio perante a ela seria mais atroz do que a habitual delação ao passar das músicas. A discrição carreia-se pelas costas dele por pequenos átimos. E aí Fiona parece soltar uma risada silenciosa pelo nariz.

— E você vai para o trabalho, tipo... Didn't I, didn't I, didn't I see you cryin'? — ela não arruína o dictério, produz um rumor aflautado, mexe os ombros e batuca o volante como sabe que ele por acaso faria. O fita com aquelas íris hematita tirânicas demais para terem algo de obsequiosas.— E quando você prende alguém que cometeu um delito... Você canta cruel to be kind, its a very, very, good...

— O quê.— Yuri intercepta. É mais um estuporação do que arguição.— Que merda você está fazendo? — ela está impulsionando a cabeça para trás quando vilipendia dele maquiavelicamente. É o ânimo que só as garotas que praticam intimidação no ensino médio teriam. É, ademais do que ele inventa, eutrapelia. É hilaridade. É ela. Mas ainda não é a espécie de ato que exprime algo sobre ela.

— Isso me faz pensar. Você é como uma adolescente de dezessete anos, mas com o cargo de tenente nas horas vagas. Igualzinha aquela menina de Dez Coisas Que Eu Odeio Em Você, sem a parte ativista. Eu acho.— a exegese dela fica inundada em humor, ainda concentrada na risada. Briar esfrega as bochechas à altura em que delibera que necessitava ter a ciência do que ela faria com ele antes de esquecer de tirar o CD do tocador. Ele se afunda no banco enquanto ela zomba dele, sem tempo para prestar atenção em como ela é impecável. E isso o faz perceber que ele não a conhece o suficiente para ter algo para jogar contra ela.

— O nome do seu gato é a coisa mais piegas possível.— ele rebate. Uma grandiosidade que não se encaixa quando Frost revolve o olhar para ele com as sobrancelhas arqueadas.

— Isso não vai mudar o fato de que você, Yuri Briar, usa o álbum da trilha sonora de uma comédia romântica como forma de animar as suas manhãs.— ela bate os dedos no volante ao passo que a faixa muda e Dangerous Type tem o seu escasso azo de protagonismo.

Os faróis finalmente se abrem quando ela não espera por uma resposta dele. E quando ele a olha, disposto a ignorar que ela agora saiba que ele decorou um álbum inteiro quando as próximas músicas passam, os carros para mais uma vez.

Fiona se espreme um pouco para tirar a blusa de frio, e há um rastro da lingerie azul-escura dela que, quase, o faz ciciar o próprio âmago. E ela joga a blusa no banco de trás, estica as costas e pensa um tiquinho antes de apoiar as mãos no banco dele ao se aproximar para segredar algo no pé do ouvido dele, ainda que sejam só eles e mais ninguém:

— Eu prefiro Dangerous Type a I Want You To Want Me, se você quer saber.
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Ela bebe água com gás — não que ele seja capaz de aderir que alguma alma acautelada, com efeito, desfrute disso — e, entre contemplações e desistências e pés inquietos, o vê preparado para inquirir, com aquele pigarrear em meio-tom que deserta um pouco de infâmia, os olhos ensimesmados na avenida como se ela fosse apavorante sobremaneira e ele não já tivesse percorrido cada linha e pedacinho da pele dela:

— Você assistiu Dez Coisas Que Eu Odeio Em Você? — ela se recompõe. Desordena a vista pelo início da conversão, discreta:

— Eu odeio esse filme ruim.— e Yuri cruza os braços, tem um pouco mais de livre-arbítrio ao voltear o torso para fitá-la de idôneo aspecto ao espalhar as mãos nos cabelos outra vez. É com um entressonho que a língua dele desamarra:

— E como você explica... Escutar Letters To Cleo?

— E se eu gostar paralelamente? — ele estima como ela pode sintetizar esse tipo de remoque burlesco nas hipóteses mais encontradiças. Virando um pouco para vê-lo só para avigorar a definição inicial que ele tem insuspeição que não tem um pingo de axioma que seja.

— Improvável. Impossível.— ele se corrige. Talvez ela seja demasiada original e carregue sua autenticidade com perfeição, mas não quando isso depende de uma comédia romântica que faziam adolescentes como Yor assistirem seis vezes na semana e encantarem-se como se fosse a primeira vez.

— Eu... Vi duas, ou três, vezes. Em dias frios. Nada de especial, quem sabe.— E quando eu sinto falta de casa, mas ela omite isso. Desiste de ter uma conversa cara a cara com ele porque estragar momentos com os seus pensamentos destrutivos é o que mais gosta de fazer.

— Em dias frios. Isso quer dizer que essa comédia romântica equivale ao seu Os Nibe...

— Por que não me contou que sua irmã está grávida? — Fiona contorna o tema, traz à tona o exordial elemento que memorou sobre a família dele, mais ou menos na defensiva. Ela entrelaça os braços e, mesmo sem ter o ar-condicionado ligado, a pele urge de algo que possa esquentá-la. O informe contumaz de que ele não deve considerar os sentimentos dela e quem ela é porque eles não são nada mais do que vizinhos começa a ecoar na mente dele.

— Me esqueci completamente disso.— ele não pesca em retrucar, pretextando que não a viu chorar enquanto abraçava ela. E todo aquele protocolo de que já está cansado de relembrar.

— Justo.— Fiona devolve, obrigando o ar pesado ir embora. Então ele continua:

— Me esqueci da garota chihuahua também.— ela franze o cenho, enchega a cabeça no banco para olhá-lo melhor. Pede por soluções com os olhos: — Anya. Ela tem sete anos. Loid e Yor adotaram ela há dois anos. E, bem, ela é minha sobrinha de qualquer jeito.— ela aprova, revem a esquadrinhar os carros que não se balançam nem um pouquinho. Ele retorna a fala depois de um momento de taciturnidade: — Não vai dizer algo do tipo 'poderia ser comigo' ou 'ele sempre disse que...'

— Fica quieto.— ela afrouxa os lábios como se enojada. Faz o automóvel andar, ainda que sem pressa porque, ao que parece, Berlint inteira resolveu viajar numa sexta-feira de manhã.— Se vir Chloe casada não vai dizer algo do tipo; 'ela sempre disse que não queria se...'

— Você é uma pessoa horrível.— Briar não a deixa nem formular.  Mas desta vez não tem mais risadas e nem rebate em relação à frase dele.

— Sua opinião.— Frost colabora alfim. O assunto parece esquecido depois de alguns minutos, o farol abrindo e eles podendo se mover como tartarugas no asfalto.

— Você ia falar algo do tipo, não ia?

Ela se apoia no volante, dá uma risada não sonora e trocista.

— Não ia.— e com a intenção de acabar com o assunto, adiciona algo a mais: — E você?

— Não.— ele nega com a cabeça.—  Provavelmente não.

Notes:

escrevi o enredo desse capítulo há alguns muitos meses atrás. e originalmente a música que tocava no carro era "always be my baby" mas — sinceramente — todo mundo gosta da mariah carey. então eu comecei a pensar em algumas alternativas e — veja bem, essa mudança levou SEIS meses — foi o tempo de fazer uma nova amizade e depois de muitas e muitas e muitas conversas sobre anime, psicanálise e racismo, a gente chegou no assunto filmes de romance (eu odeio, e geralmente nunca falo sobre com ninguém ou assisto) e foi assim como a gente entrou em um consenso de que dez coisas que eu odeio em você é o tipo de filme que faz a gente (e depois eu entrei em contato com outros amigos e eles confirmaram) passar raiva, mas sempre parar para assistir quando passa na tevê, ou de repente a gente reassiste só por assistir. enquanto brasileira, soa como as novelas da manuela dias para mim. é ruim, mas todo mundo gosta e isso é senso comum. eu posso incluir os yuriona na conversa também.

da Lit,
até quase dezembro.