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Friends

Summary:

Sehun tem cheiro de perfume barato e caos, beija como se quisesse machucar, e se afasta sempre que Chanyeol pede por algo real. Já Chanyeol escreve músicas sobre ele, bebe para esquecer o que sente e sempre acaba se rendendo à promessa do corpo quente e dos olhos preguiçosos do melhor amigo.

Mas quando a madrugada chega e eles estão nus, exaustos e vulneráveis demais para continuar fingindo, Chanyeol sussurra o que mais teme:

— Diz que a gente não é só amigo.

Work Text:

Todos os seus amigos estão aqui há muito tempo, eles devem estar esperando por você para seguir em frente. Garoto, eu não estou bem, já estou longe demais, eu não estou pronto, estou com os olhos pesados agora, seus sentimentos estão à mostra, como se nunca tivesse sido amada. Você corre em círculos, agora veja o que fez, te dou minha palavra enquanto você a pega e corre. Gostaria que você me deixasse ficar, eu estou pronto agora

Apenas me dê tempo e espaço para perceber que você estava ocupado mentindo, dormindo com outros caras, e o que diabos a gente era? Não me diga que éramos apenas amigos. Isso não faz muito sentido, não. Mas eu não estou magoado, estou tenso, porque eu vou ficar bem sem você, querido.

Friends, Chase Atlantic.

 

O bar se chamava The Black Noise, mas ninguém usava o nome completo. Era só o “Noise” — um buraco meio escondido entre duas lojas decadentes do centro de Seul, com uma fachada tão suja de fuligem e pichação que só os habitués sabiam que ali dentro pulsava um dos palcos mais intensos da cena underground da cidade. A entrada era por uma porta metálica que rangia sempre que abria, e um corredor estreito levava até o salão principal: uma mistura de cativeiro e confessionário, iluminado por luzes vermelhas queimadas, oscilando como se estivessem a um passo do curto-circuito. As paredes, pretas e cobertas de cartazes velhos de shows passados, guardavam histórias de vozes desafinadas, declarações bêbadas e mãos ousadas que se aventuraram em lugares errados no meio de uma música lenta. O palco era pequeno, mal cabia uma banda inteira, mas bastava estar ali em cima pra dominar o ambiente inteiro. E naquela noite, era a vez deles.

Chanyeol estava encostado na lateral do palco antes do show começar, ajustando os pedais da guitarra com os dedos nervosos e a testa franzida — o cigarro pendurado no canto da boca já esquecido há minutos, soltando uma linha fina de fumaça em direção ao teto coberto por vigas expostas e teias de aranha. Usava uma camiseta larga de banda e jeans rasgados, os cabelos pretos meio suados pela correria da montagem dos equipamentos. Jongin, no teclado, estava largado num banco alto, mastigando chiclete e trocando mensagens no celular enquanto o som de teste ecoava pelo bar. Kyungsoo já tinha feito a tradicional cara de tédio — o tipo de tédio que antecedia um ataque destruidor na bateria — e encarava o público como se estivesse entediado com o mundo. E Baekhyun, claro, estava iluminado demais pro próprio bem. Com o mullet vermelho ridículo que Sehun vivia chamando de "aberração estética", uma regata preta colada demais e uma corrente de prata pendurada no pescoço, ele era o tipo de presença que tomava tudo — o palco, o bar, o ar ao redor. Dividia o vocal com Chanyeol como quem dividia uma história mal resolvida, com farpas e faíscas demais. E naquela noite, o olhar que Baekhyun lançava a Chanyeol entre um gole de cerveja e uma afinação preguiçosa dizia tudo o que não tinham coragem de cantar diretamente um pro outro.

Lá no fundo, sentado num dos bancos altos do balcão, Sehun observava tudo com o olhar semicerrado de quem já tinha visto aquela cena dezenas de vezes — e nunca se cansava. O cigarro entre os dedos tremia levemente, mas era só por causa da bebida. Usava uma camisa aberta, revelando parte das tatuagens no peito e nos braços, algumas visíveis até o começo do pescoço. Tinha um copo de dose vazia à frente e outro sendo preenchido por uma garota de vestido colado demais, que ria alto demais, tentando chamar a atenção dele. Do outro lado, um garoto de olhos puxados e piercings demais se encostava na parede com um sorrisinho indecente, encarando Sehun como quem reconhece um espírito igualmente selvagem. E Sehun, como sempre, flertava com os dois. Com a vida. Com o desastre. Mas o olhar dele, em alguns momentos, se voltava pro palco. Pro cara de óculos com cara de bom moço que estava afinando a guitarra com os dedos longos e os ombros tensos demais. Pro mesmo cara que ele tatuou naquela noite em que estavam chapados demais pra pensar direito, e que ainda carregava o traço torto no pulso como uma cicatriz íntima.

O bar, naquela noite, parecia respirar junto com eles. O público era um amontoado de corpos colados, suados, vibrando com a expectativa do som que estava por vir. Cheirava a cigarro barato, bebida derramada e perfume doce demais — um caos sensorial que envolvia, que entorpecia. A luz vermelha deixava os rostos irreconhecíveis, transformava expressões em sombras, desejo em disfarce. As conversas se misturavam aos primeiros acordes que escapavam do teste de som. E quando Chanyeol finalmente se aproximou do microfone, baixando os olhos por um segundo antes de cantar a primeira nota, o bar inteiro pareceu prender a respiração.

Sehun sorriu de canto. Baekhyun lançou um olhar que poderia ser uma ameaça ou uma provocação. E Chanyeol, no centro disso tudo, parecia à beira de uma implosão silenciosa — com a voz rouca, a guitarra entre os braços e o caos de todas as suas histórias querendo explodir em cada verso.

Quando Chanyeol se posiciona no centro do palco, é como se um interruptor invisível fosse acionado. O cara que cinco segundos antes estava agachado mexendo em cabos, com o cigarro pendurado nos lábios e o cenho franzido de concentração, agora se transforma em outra coisa — algo maior que o próprio corpo, como se a guitarra nos braços fosse uma extensão do que ele sente, e o microfone, uma espécie de válvula de escape que ele não pode mais segurar. Ele segura o instrumento com firmeza, testa uma nota, depois outra, e então levanta os olhos, só por um instante, varrendo a plateia com um olhar que não foca em ninguém… até pousar, por meio segundo, no fundo do bar. E ali está ele. Sehun. Meio largado no banco alto, meio sorrindo, meio ignorando. Como sempre. Aquilo faz o estômago de Chanyeol contrair. Como sempre.

A primeira música começa com a guitarra seca e cortante. Um riff que ele compôs no meio de uma crise de ansiedade, duas da manhã, no chão da cozinha, com um cigarro apagado e os olhos ardendo. Kyungsoo entra com a bateria, preciso e forte. Jongin, suave no teclado, costura os acordes com sutileza de quem conhece os fantasmas de cada nota. E Baekhyun — claro, Baekhyun — assume o segundo microfone como se o palco fosse só dele. Eles dividem os vocais como dois ex-amantes dividindo um segredo em público. Há uma energia elétrica entre os dois que ninguém consegue ignorar. Baekhyun canta olhando direto pra Chanyeol, desafiador, jogando as palavras como socos com açúcar. Chanyeol responde com a voz rouca, intensa, devolvendo cada verso com raiva contida e emoção crua. Eles não encenam: eles revivem. E isso deixa tudo perigosamente real.

A segunda música é mais lenta. Um lamento embutido em acordes menores. Chanyeol canta com os olhos semicerrados, a testa suada, a boca colada demais no microfone. Parece que está rezando. Ou implorando. A cada frase, seu corpo se curva levemente, como se estivesse prestes a desabar. Baekhyun se afasta um pouco — talvez pra não se deixar levar, talvez porque sabe que esse momento é só de Chanyeol. O bar inteiro parece mergulhado em hipnose. Alguns casais se abraçam. Outros se encaram, em silêncio. E lá no fundo, entre uma dose e outra, Sehun deixa o copo de lado e apenas observa. O cigarro queimando no canto da boca. Os olhos fixos. Ele não pisca. Nem quando Chanyeol, entre um verso e outro, fecha os olhos e canta como se estivesse se rasgando por dentro. Sehun conhece aquele rosto. Conhece aquela dor. E sabe muito bem quem é o nome não dito que ecoa por trás daquela letra.

Na terceira música, o clima muda. O ritmo sobe, a banda se aquece. Jongin se solta nos teclados, Kyungsoo sorri pela primeira vez na noite enquanto destrói a bateria. Baekhyun se aproxima de Chanyeol de novo, e agora há um toque — breve, rápido, um roçar de ombro com ombro. Mas Chanyeol não se afasta. Ele está bêbado de som e memória, os olhos vidrados na plateia e os dedos deslizando pelas cordas da guitarra como se fosse a pele de alguém. Há suor escorrendo pelo pescoço dele, misturado ao brilho vermelho das luzes. Ele canta alto, a voz falha em alguns trechos, mas ninguém liga. Porque há verdade demais ali. Emoção demais. Tesão demais. Em um ponto da canção, ele vira o rosto e encara Baekhyun tão de perto que por um segundo o bar inteiro acha que eles vão se beijar. Mas não acontece. Nunca acontece. Eles voltam pros seus lugares no palco como se nada tivesse sido sentido — como se ninguém tivesse notado o que quase aconteceu.

E no meio de tudo isso, no meio da música que explode, dos gritos do público, dos refrões que carregam feridas mal cicatrizadas, Sehun continua ali. Imóvel. Observando. Ele vê Chanyeol brilhar. Vê a alma dele se esparramar pelo microfone. Vê o garoto que cresceu cantando no coral da igreja agora cantar sobre perder o controle, sobre desejar o proibido, sobre se afogar na própria vontade. E algo dentro de Sehun aperta. Ele trinca o maxilar. Apaga o cigarro no próprio braço com descuido e pede outra dose. Porque ver Chanyeol assim — tão entregue, tão bonito, tão fora do seu alcance — é pior do que qualquer ressaca.

Quando a última música termina, Chanyeol está ofegante, com a mão espalmada no peito e a guitarra pendendo do ombro. O bar vibra em aplausos, gritos, pedidos de mais. Baekhyun se curva num agradecimento dramático. Jongin sorri como se estivesse chapado. Kyungsoo desce da bateria como se não tivesse acabado de destruir a porra toda. E Chanyeol? Chanyeol olha de novo pro fundo do bar. Mas agora Sehun não está mais lá.

E é como se o ar escapasse do peito dele junto com as últimas notas do acorde final.

 

A rua estava quase vazia, exceto pela luz amarelada de um poste falhando e o burburinho abafado vindo de dentro do bar. A noite já se arrastava há horas quando Chanyeol começou a guardar os equipamentos na velha van branca de Jongin — um veículo que, apesar da lataria castigada e do cheiro permanente de cerveja derramada, ainda aguentava firmemente as viagens da banda entre um buraco e outro da cena alternativa. O porta-malas já estava abarrotado de cabos, amplificadores e caixas de som, e Chanyeol, como sempre, era quem organizava tudo com uma paciência quase metódica, uma cerveja esquecida no parachoque e um cigarro aceso no canto da boca, que balançava toda vez que ele sorria de lado. Aquela expressão mansa, meio focada, meio cansada, de quem já viveu aquilo tantas vezes que podia fazer de olhos fechados.

Baekhyun estava encostado na lateral da van como se tivesse nascido ali. Uma perna dobrada contra a lataria, os braços cruzados e aquele mullet vermelho e preto desgrenhado depois do show, grudando na nuca suada. Usava uma regata preta furada e o lápis de olho borrado o deixava com uma aparência deliciosamente desleixada — como se tivesse acabado de sair de uma briga ou de uma transa. Talvez dos dois. O sorriso nos lábios era descarado, daqueles que carregam malícia, ironia e uma pontinha de intenção. Ele não dizia muita coisa, só observava Chanyeol trabalhar e soltava um comentário ou outro, sempre com aquele tom arrastado, como se cada palavra fosse uma provocação. 

— Você fica uma gracinha suado assim, sabia? -  ele murmurou em algum momento, batendo a sola do coturno na lataria da van. Chanyeol soltou uma risada abafada e revirou os olhos, mas nem se deu o trabalho de responder. Estava sem paciência. Baekhyun sabia exatamente quais botões apertar, e fazia questão de apertar todos.

Foi aí que Sehun surgiu. Silencioso como sempre, mas com presença demais pra passar despercebido. Veio por trás de Chanyeol e roubou o cigarro de sua boca com a mesma naturalidade de quem pega um gole de uma cerveja que não é sua. Nem olhou direito, só puxou o cigarro e deu uma tragada, antes de soltar a fumaça pelo nariz, os olhos fixos em Baekhyun, que imediatamente fechou a cara. E então, como quem não quer nada, Sehun apoiou as mãos nos ombros de Chanyeol e começou a massageá-los com os polegares — firme, íntimo, lento demais pra ser só amizade. O corpo de Chanyeol enrijeceu por um segundo, mas logo relaxou sob o toque. Aquilo acontecia às vezes. Depois de show. Depois de bebida. Depois de qualquer coisa que os deixasse à beira. Mas não daquele jeito. Não com Sehun falando, de propósito, com aquele tom grave de provocação arrastada:

 — Tá todo tenso, Yeol… precisa relaxar um pouco. Quer que eu ajude com isso também?

Baekhyun bufou. Rolou os olhos com exagero, mas não se moveu. Ficou ali, mordendo o canto do lábio inferior, claramente irritado, mas fingindo que não. Fingindo que não ligava. Fingindo que não queria ser ele ali, com as mãos no ombro de Chanyeol. O clima entre os três ficou espesso, quente, como se o próprio ar tivesse tomado partido daquela rivalidade silenciosa. Sehun sorriu de canto, o cigarro ainda entre os dedos, e se abaixou um pouco, falando baixo no ouvido de Chanyeol, alto o suficiente só pra Baekhyun ouvir.

— Ele ainda tá com aquele lápis de olho barato? Ou é impressão minha que tá escorrendo mais que dignidade pós-show?

O tapa na porta da van veio com força demais, e Baekhyun se afastou com um sorriso de quem perdeu a paciência, mas não a pose. 

— Se for pra assistir porno amador, me avisa que eu saio de cena.

Jogou o cabelo pro lado com um gesto teatral, já acendendo outro cigarro com a ponta do anterior. Chanyeol suspirou. Longo. Exausto. Como se carregasse o peso de duas tempestades emocionais diferentes nas costas. E talvez carregasse mesmo. Terminou de organizar os cabos como se nada tivesse acontecido, mas os ombros ainda pareciam formigar sob o toque de Sehun. E Baekhyun, do outro lado, parecia prestes a explodir.

O silêncio que seguiu foi denso, incômodo. Quente demais pra uma madrugada tão fria.

Eles cresceram juntos. Chanyeol e Sehun. Desde sempre. Da época em que os dois ainda usavam calças largas demais e colecionavam cicatrizes de quedas de bicicleta nas ruas poeirentas do bairro. A mãe de Sehun trabalhava demais, o pai de Chanyeol era ausente demais, e os dois, de algum jeito, se tornaram abrigo um no outro antes mesmo de saberem o que era precisar de abrigo. Sehun conhecia cada versão de Chanyeol: o menino que cantava desafinado nas apresentações da igreja, o adolescente que se trancava no quarto pra tocar guitarra até os dedos sangrarem, o garoto de óculos que sempre sorria mesmo quando o mundo desmoronava — e que se quebrava em silêncio quando ninguém via. Ninguém, exceto ele. Sehun estava lá em todos os aniversários, todas as tardes sem graça, todas as manhãs depois de brigas com a avó ou com o mundo. Era presença, era lealdade crua. Era aquele tipo de amizade que não precisa ser dita. Só é .

Foi Sehun quem estava sentado no chão da garagem, fumando escondido, quando Chanyeol apareceu dizendo que queria montar uma banda. Foi ele quem ouviu os primeiros riffs, as primeiras letras, os primeiros planos mal formulados sobre tocar nos bares da cidade. Sehun odiava o som. Achava que parecia dor adolescente embalada com efeito delay. Mas mesmo assim, estava lá. Sempre. Quando Chanyeol conheceu Jongin em um curso rápido de produção musical, e Kyungsoo numa festa onde quase rolou briga, Sehun foi o primeiro a dizer que aquele grupo ia dar certo — mesmo sem dizer nada. Ele só apareceu no primeiro ensaio com cerveja quente e um "não façam merda". E ali ficou. Observando de longe, o tipo de amigo que não queria palco, mas que sustentava o bastidor com os próprios ombros.

E então veio Baekhyun. Com aquele cabelo oxigenado, a risada afiada demais e uma presença tão absurda que parecia um incêndio entrando no cômodo. Começou como vocal de apoio, depois virou vocal principal junto com Chanyeol, depois virou presença constante demais no sofá de ensaio, nos bastidores, na cama. Não foi de uma vez. Começou com beijos pós-show nos banheiros imundos dos bares, beijos desesperados e suados, como quem precisava se esquecer de tudo por cinco minutos. Depois, passou a acontecer nos ensaios, quando os outros já tinham ido embora, com Sehun chegando de surpresa e revirando os olhos. Depois, foi no próprio sofá da sala que Sehun e Chanyeol dividiam. O mesmo sofá onde Sehun dormia. Onde comia. Onde viu os dois se enrolando como se aquilo fosse normal. Como se Chanyeol não fosse... dele.

Baekhyun era instável. Um caos emocional em forma de gente. Precisava de atenção como quem precisa de ar, e se não recebia, explodia. Gritava, quebrava coisas, dizia merdas que machucavam. Tratava Chanyeol como se ele tivesse obrigação de curá-lo — e depois o empurrava quando ele tentava. Havia noites em que Chanyeol voltava pra casa com os olhos vermelhos e os ombros curvados. Sehun nunca perguntava. Só estendia o cigarro, oferecia o silêncio, sentava ao lado. Mas ele via. Ele sempre via. Até que um dia, Baekhyun passou do limite. Uma briga estúpida, um empurrão forte demais, uma palavra feia demais. Chanyeol não disse nada. Baekhyun saiu batendo porta. E Sehun, que até então nunca tinha encostado um dedo em ninguém por Chanyeol, saiu atrás dele, encostou Baekhyun no beco atrás do bar e quebrou o nariz dele com um soco só.

Não se falaram por semanas depois disso. Nem ele e Baekhyun, nem ele e Chanyeol. Mas o recado ficou. Sehun podia ser um caos, podia ser um lixo emocional, podia se arrastar por qualquer cama que aceitasse seu corpo cheio de demônios — mas Chanyeol era intocável. Chanyeol era o único lugar sagrado que ele conhecia. Não precisava dizer que o amava. Porque estava ali. Sempre esteve. Sempre estaria. Do jeito dele. Torto, selvagem, calado. Mas presente.

E Chanyeol sabia disso. Sabia que, no fim de tudo, depois dos shows, depois das brigas, depois de Baekhyun e seus surtos, era Sehun quem limpava o sangue, quem apagava as luzes, quem o fazia dormir. Era sempre ele.

Mesmo quando fingiam que não.

Sehun acendeu o cigarro com o isqueiro emprestado do Kyungsoo, já com metade da galera indo embora e os instrumentos guardados na traseira da vã. Os dedos tatuados seguravam o filtro como se aquilo fosse parte dele, como se sempre tivesse sido. Ele largou o peso no banco do passageiro do Corsa 2003, aquele carro fedido de tão vivido, que eles usavam pra tudo: show, mudança, rolê, fuga. Chanyeol já estava de cara feia antes mesmo da pergunta sair da boca do Sehun, como se soubesse. Como se já esperasse.

— Então… — Sehun tragou fundo e soltou a fumaça pela janela aberta, já com a bunda jogada no banco do passageiro. — Você e o mullet escroto voltaram a foder?

Chanyeol bufou alto, girando os olhos e jogando as chaves no painel do carro com força suficiente pra fazer barulho, mas não pra quebrar nada. Só pra marcar território. Só pra parecer ofendido.

— Vai se foder, Sehun. — entrou no carro e ligou o motor, batendo a porta atrás de si. — Jura que essa é a porra da primeira coisa que você me pergunta?

Sehun riu, aquela risada anasalada e debochada de quem sabia que estava cutucando do jeito certo. De quem sempre soube exatamente onde cutucar. Abriu uma lata de cerveja quente, dividiu com o amigo, e Chanyeol roubou o cigarro da mão dele no meio da troca.

— Qual é, Yeol. Vocês praticamente estavam se comendo com os olhos no palco. Parecia cena de pornô indie. Tava bonito de ver. Química pura. — ele deu um gole, ofereceu de volta, mas Chanyeol recusou com um aceno de cabeça, os olhos presos na rua molhada à frente, os dedos batucando no volante. 

— Achei que você tava focado demais na bartender, sei lá, nos outros cinquenta caras se jogando em cima de você para perceber qualquer coisa que tivesse acontecendo em cima do palco. — Chanyeol respondeu seco, sem entregar nada, só tragando o cigarro entre os dedos.

— Ela foi legal. Bonita. Conversa boa. 

— Diferente de certos ex-vocalistas dramáticos.

— Touche. — Sehun mordeu o sorriso. — Mas não fode, Chanyeol. Tu gosta quando ele te provoca. Sempre gostou. Não me vem com essa de bom moço agora.

Chanyeol virou o rosto devagar, os olhos baixos por trás dos óculos, encarando o melhor amigo como quem avalia uma ferida antiga que nunca cicatrizou direito. O carro seguia devagar pelas ruas vazias, a cidade meio morta, meio bêbada, exatamente como eles. A cerveja passava de mão em mão, o cigarro também, como se fosse parte de um ritual secreto que só os dois entendiam, as bocas encostando nos exatos mesmos lugares que o outro encostava. Quase de propósito. Quase.

— E você gosta quando me faz perder a paciência. — ele murmurou. — Faz isso desde que a gente tem o quê? Quinze?

— Quatorze. — Sehun corrigiu. — E funcionava desde então. Você é bonitinho quando tá puto. Fica com aquela cara de pastor revoltado com a tentação da carne.

— Vai se foder.

— Já tô indo contigo.

O silêncio caiu, denso, carregado. Mas não desconfortável. Porque entre eles, até o silêncio era íntimo. Até o silêncio dizia mais do que devia. O rádio tocava baixo, alguma música aleatória que Jongin esqueceu de tirar do pendrive, e o cheiro de cigarro misturado com o couro velho dos bancos deixava tudo com cara de lar. Um lar fodido, rachado, mas lar.

Chanyeol deu um sorriso de canto quando Sehun devolveu a cerveja pela terceira vez, quase imperceptível, os olhos fixos na estrada.

— A gente devia parar de dividir tudo, Sehun.

— Inclusive cama?

— Principalmente cama.

— Pena. Eu tava começando a gostar da vista. — Sehun respondeu, olhando descarado para entre as pernas do amigo.

Chanyeol girou o volante com força, pegando a curva com a pressa de quem queria fugir da própria reação, da própria pele. Mas Sehun ainda tava ali. Sempre esteve. Sempre estaria. E essa era a merda toda.

— Filho da puta. — Chanyeol disse, baixo, sem conseguir esconder o sorriso.

Sehun apenas riu. E tragou mais uma vez.

Sehun era o tipo de homem que parecia ter sido desenhado com uma navalha, em vez de um lápis. Cada traço do rosto carregava um quê de insolência quieta, um desdém elegante por qualquer regra imposta — como se ele tivesse nascido não só fora do eixo, mas com orgulho disso. O maxilar era marcado, coberto por uma sombra constante de barba mal feita, e os olhos, mesmo semicerrados por causa da fumaça constante do cigarro, tinham um brilho cínico, quase zombeteiro. Ele tinha um piercing labret vertical que cintilava contra a luz fraca dos postes noturnos, como um lembrete incômodo de que ele nunca, em hipótese alguma, passaria despercebido. A pele era uma tapeçaria viva de tinta: braços cobertos por desenhos pretos e vermelhos, as veias saltando sob os músculos magros, como raízes de uma árvore seca que ainda assim insiste em florescer.

O corpo dele era longilíneo, mas não frágil — havia algo de felino na forma como Sehun se movia, como quem está sempre à beira de um salto, mesmo quando apenas se espreguiçava no sofá sujo do apartamento ou encostava na parede de uma casa de show. Não era forte de academia, mas de vida vivida na porrada: nos corres, nas correrias, nas brigas de bar e nas noites em que dormia no banco do carro, com cheiro de álcool e gasolina na pele. Os ombros largos sustentavam camisetas sempre pretas, rasgadas ou manchadas, com o tecido colando no corpo por causa do suor ou da chuva — tanto faz, ele nunca ligava. O jeans era velho, gasto nos joelhos e nas coxas, e as botas pesadas deixavam marcas no chão, como se ele tivesse pressa de ir embora antes mesmo de chegar.

Sehun fumava o pior cigarro da distribuidora porque dizia que era o único que queimava de verdade. A ponta amarelada entre os dedos tatuados parecia uma extensão natural de quem ele era — cinza, denso, tóxico, e ao mesmo tempo hipnótico. O cheiro de nicotina impregnava nas cortinas, nos bancos do carro, nos travesseiros do quarto, e até nos beijos. Ele não tentava disfarçar. Nunca tentou. Bebe mais do que um corsa rodado, como ele mesmo dizia, com a boca suja de sarcasmo e os olhos sempre procurando algo para destruir ou amar — às vezes as duas coisas ao mesmo tempo. Quando não estava desenhando na pele dos outros, marcava a própria com olhares, gestos, frases malditas que ficavam como cicatriz em quem ousasse se aproximar demais.

Apesar de toda a dureza, havia em Sehun uma espécie de beleza bruta, daquela que não se encontra em revistas ou vitrines, mas nos becos e nas calçadas onde a luz do poste falha. Um charme indomável que vinha da contradição entre o perigo e o desejo. Ele era o cara que todos os pais proibiam, e que todos os filhos queriam ser. Era o que tocava guitarra sem saber a cifra certa, e mesmo assim arrancava acordes de fazer arrepiar. O tipo de homem que beijava com raiva, que ria com desprezo, que transava como se estivesse brigando. E, ainda assim, havia doçura escondida sob as camadas de ferrugem: uma sensibilidade oculta nas linhas finas dos desenhos que fazia, nos silêncios entre um trago e outro, no cuidado quase imperceptível com que dobrava as roupas do Chanyeol quando o outro esquecia em cima da pia.

Desde sempre, Sehun andava com os caras errados. Moleques que cheiravam cola, colavam brigas, roubavam isqueiro e vendiam CD pirata na feira. Era com esses que ele aprendeu a cuspir no chão, a andar com o corpo em alerta, a rir das tragédias antes que elas rissem dele. Nunca teve o luxo de ser ingênuo. Desde muito novo, entendeu que o mundo não perdoava os que hesitavam — e então virou faca. Virou provocação. Virou sobrevivência. Mas dentro dele, muito fundo, havia uma alma livre e selvagem que ainda corria pelos campos vazios da infância, que ainda sonhava em sumir sem deixar rastro, sem ninguém pra dizer que o ama, que sente falta, que espera. Porque Sehun sempre foi melhor partindo do que ficando.

Ele não era o tipo de pessoa que se explicava. O silêncio dele falava mais alto do que qualquer pedido de desculpas, e o olhar bastava para encerrar uma conversa ou acendê-la como gasolina. Sehun existia na tensão: entre a palavra e o tapa, entre o desejo e o desdém, entre a ameaça e o carinho. Ele nunca prometeu nada a ninguém, e mesmo assim todos esperavam algo dele — um gesto, um afeto, um toque. Ele só entregava quando queria. E, quando fazia, era como se o mundo parasse por um segundo para escutar o som da verdade saindo de sua boca suja e linda. Era nessa hora que todos percebiam: Sehun não era só mais um cara fodido de tatuagem e cerveja. Ele era uma tempestade prestes a acontecer.

Sehun tem o tipo de presença que gruda na pele como o cheiro de cigarro velho no sofá da sala. Chanyeol não consegue lembrar de um dia em que ele não estivesse ali, desde moleques — um vulto alto, bonito e perigoso demais para o próprio bem, com o corpo todo rabiscado por tatuagens que ele mesmo fez ou ganhou de amigos tão desajustados quanto ele. O piercing labret brilhando sob a luz amarelada da cozinha enquanto ele bebe algo gelado direto da garrafa, o cabelo desgrenhado, os olhos de bicho selvagem que nunca foram domesticados. Sehun tem o tipo de beleza que machuca, que desafia qualquer tentativa de ignorância — e Chanyeol, por mais que tente, nunca conseguiu fingir que não sente o cheiro, o gosto, o magnetismo dele. Ele sempre soube que desejava Sehun. Desde muito cedo. Desde antes de saber o que era desejo.

O problema é que Sehun também sabe. Sabe, e provoca. Divide um cigarro com ele no sofá, a camiseta levantada até o meio da barriga, os dedos longos coçando o vinil de uma música antiga enquanto joga a cabeça pro lado e fala com a voz arrastada de quem sabe que está vencendo. Eles têm essa coisa esquisita entre eles — esse jogo onde ninguém recua o olhar, mas é sempre Chanyeol quem vira o rosto quando os beijos passam da linha da provocação. Quando Sehun beija como quem sente de verdade, como quem quer devorar o que nunca teve. Nessas horas, Chanyeol corre. Finge que esqueceu a toalha no banheiro, que tem uma música nova pra compor, que precisa de espaço. Porque a verdade é que ele tem medo. Medo do que Sehun significa, do que poderia ser, do que quebraria se ele finalmente se rendesse.

Dividir o apartamento com Sehun é como viver em um campo minado. É saber que a qualquer momento ele vai aparecer só de cueca, ou de toalha, ou de moletom sem nada por baixo, pedindo café e reclamando do ensaio da noite anterior. É conviver com a bagunça, com a fumaça de cigarro, com os desenhos inacabados nos cadernos de rascunho que ele deixa pela casa. É ouvir música alta às três da manhã e acordar com ele deitado no seu colchão, sem camisa, dizendo que teve pesadelos. É querer dizer que não, mas abrir espaço mesmo assim. É sentir o peso daquele corpo tão familiar e tão estrangeiro ao mesmo tempo, e se perguntar o que mais precisa acontecer pra que eles parem de fugir.

Chanyeol queria dizer que está cansado. Cansado de fugir, de fingir, de resistir a Sehun. Mas toda vez que pensa em dizer isso em voz alta, olha pra ele do outro lado do balcão da cozinha, dançando sem motivo com uma cerveja quente na mão, e engole as palavras junto com a vontade de puxá-lo pela gola da camiseta e dizer: “fica.” No fundo, ele sabe — Sehun já ficou. Sempre ficou. Só que nunca foi embora porque nunca foi de ninguém. Nem dele.

Sehun é a melodia que nunca se resolve, a batida que gruda na cabeça e nunca termina. E Chanyeol, por mais que tente, continua compondo músicas onde ele aparece em todas as entrelinhas.

Foi numa noite qualquer, como tantas outras, só que com o tipo de silêncio que não cabia mais entre eles. A casa estava uma zona, cheirando a cigarro barato e a macarrão instantâneo que Sehun tinha deixado queimar porque ficou hipnotizado demais assistindo Chanyeol tirar a camiseta no corredor. Eles vinham flertando há anos — entre um trago e outro, entre uma música e outra, entre um soco no ombro e um “tá me olhando por quê?”. Mas naquela noite, Sehun simplesmente o empurrou contra a parede da cozinha, os olhos brilhando como se dissesse “já deu”, e Chanyeol não pensou duas vezes antes de agarrar sua cintura. A tensão explodiu em beijo, em dente batendo, em mão apressada que procurava por pele debaixo de moletom velho. Não teve romance — só o gosto do outro, quente e urgente, como se aquilo já estivesse entalado nos dois fazia tempo demais.

Fizeram no sofá velho, entre as latas de cerveja vazias, as guitarras encostadas e os papéis de composição espalhados. Chanyeol se lembrava do modo como Sehun montou em seu colo com as mãos trêmulas e os olhos desafiadores, como se dissesse "vai fugir agora?" — e ele não fugiu. O cheiro dele, a respiração descompassada, os gemidos abafados no ombro de Chanyeol pareciam uma trilha sonora caótica para tudo o que sentiam e nunca disseram. Era perigoso. Era descontrolado. Mas era inevitável. E Chanyeol, com os dedos fincados na cintura de Sehun, sentia como se tivesse caído em um abismo que ele mesmo cavou com cada olhar roubado e cada toque "sem querer" nas madrugadas que dividiam.

Depois, ficaram nus no sofá, suados, em silêncio, com a tevê ligada em algum clipe dos anos 2000, piscando luzes azuis no teto. Chanyeol fingiu que dormia para não ter que encarar. O medo vinha como uma onda — medo de ter cruzado uma linha, de perder o único amigo que sempre esteve ali, de transformar aquela convivência doida em algo ainda mais instável. Ele queria Sehun, isso era óbvio. Mas também queria o Sehun de sempre, o do riso debochado, o dos ombros magros que dormiam sobre os seus aos domingos. Ele não sabia se dava pra ter os dois. E isso o assustava mais do que qualquer sentimento.

Sehun, por outro lado, acendeu outro cigarro e ficou olhando pro teto. A mente dele estava fervendo de coisa ruim. Não era só o sexo — era o fato de ter transado com o garoto da igreja. Não o da missa, não literalmente, mas o Chanyeol que ainda tinha fé nas pessoas, que ainda tocava música como se isso fosse salvar alguém, que ainda acreditava que amizades eram indestrutíveis. Sehun era caos puro — e sabia disso. Cresceu afundado em culpa, em instinto, em coisas que não se curavam com abraço. E agora, olhando o corpo nu de Chanyeol sobre aquele sofá velho, tudo o que sentia era a vontade quase desesperada de fazer de novo. E, ao mesmo tempo, o impulso de fugir — antes que manchasse tudo com o que carregava dentro de si.

Mas aquele barco já tinha partido. E os dois sabiam. Sabiam desde o primeiro toque demorado, desde o primeiro olhar atravessado no meio de um ensaio. Transar foi só a confirmação do que já ardia nos cantos do quarto, nos espaços compartilhados, nas madrugadas divididas em silêncio. E o pior — ou o melhor — é que nenhum dos dois queria parar. Mesmo que fosse torto. Mesmo que doesse. Mesmo que, no fundo, soubessem que nada seria igual depois.

Todo mundo sabia. Era impossível não saber. Chanyeol e Sehun se desejavam com a força de um incêndio que nunca tinha sido apagado — só contido, abafado, escondido embaixo da fumaça de piadas e provocações. Eles eram amigos, claro. Dividiam o aluguel, os restos de comida na geladeira, a playlist do carro e as contas atrasadas. Mas também dividiam olhares que duravam mais do que deviam, silêncios que falavam mais do que qualquer música, e noites em que um aparecia no quarto do outro só pra "deitar um pouco". Todo mundo ao redor já sabia — Jongin sabia, Baekhyun fazia piada, até o dono da padaria do bairro já devia imaginar. Mas eles mantinham a farsa, sustentando aquela amizade que era promíscua demais pra ser só platônica, e intensa demais pra ser só sexual.

Chanyeol era o mais bagunçado com aquilo. Cada vez que Sehun o tocava como quem tem direito, como quem conhece aquele corpo de cor, ele se perguntava o que, de fato, eram. E a resposta nunca vinha. Era sempre um toque, uma piscadela, um convite sem palavras — e depois nada. Sehun fazia questão de lembrar que era livre. Livre pra dar em cima de qualquer um na fila do bar, pra dançar colado com desconhecidos, pra desaparecer por uma noite inteira e voltar com o perfume de outro no pescoço. E mesmo assim, no fim da noite, era o colo de Chanyeol que ele procurava. E era isso que enlouquecia Chanyeol: esse senso de posse que Sehun demonstrava sobre ele, mas que negava em qualquer outro lugar.

Naquela noite, depois do show, subiram em silêncio as escadas do prédio, os corpos ainda suados da correria e dos olhares trocados entre os amplificadores e a bateria desmontada. Chanyeol trancou a porta e largou a mochila no chão com força. O apartamento estava escuro, iluminado só pela luz do poste da rua atravessando a cortina fina da sala. Ele virou, encarou Sehun e, antes que o outro pudesse falar qualquer coisa, soltou:

— Por que você faz isso?

Sehun ergueu uma sobrancelha, confuso.

— Isso o quê?

— Age como se eu fosse seu. — A voz de Chanyeol estava tensa. — Como se eu te pertencesse. Mas aí você se joga pra cima de qualquer um. Qualquer um, Sehun.

O outro não respondeu de imediato. Só ficou parado ali, ainda com a jaqueta de couro aberta, o cabelo bagunçado pelo vento, os olhos semicerrados. A tensão pairava no ar, densa, como fumaça de cigarro no teto baixo do apartamento. E Sehun se aproximou devagar, como quem pisa num terreno já marcado.

— Porque você é meu. — disse, quase num sussurro, como se estivesse confessando algo proibido. — E você sabe disso.

E, porra, Chanyeol sabia. Sabia desde a primeira vez que Sehun entrou na vida dele como um furacão: bonito demais, rebelde demais, livre demais pra ser contido. Mas mesmo assim ele ficava. Mesmo depois de flertar com o mundo, era no sofá deles que Sehun terminava a noite. Era no lençol de Chanyeol que ele dormia. E era aquele desejo, aquela maldita necessidade constante de ter um ao outro, que queimava por baixo da pele — mesmo com todas as incertezas, mesmo com todas as outras bocas entre eles. Porque no fim, por mais que tentassem fingir, Chanyeol e Sehun eram um do outro. E isso, todo mundo também sabia.

Chanyeol ainda estava puto. Aquela raiva quente e latejante que se instalava no peito e ia crescendo com cada risada displicente de Sehun, com cada olhar de canto de olho como se tudo aquilo fosse só mais um capítulo de uma novela que ele adorava protagonizar. Chanyeol cruzou a cozinha com passos pesados, o som da porta da geladeira sendo aberta ressoando alto demais naquele apartamento silencioso. Ele pegou outra cerveja, estalando a tampa com os dentes num gesto automático, e virou o rosto quando sentiu o bafo de álcool e cigarro de Sehun se aproximando. Não queria aquele toque, não ainda. Não depois de vê-lo flertando descaradamente com duas pessoas diferentes no backstage. Mas Sehun não sabia recuar. Encostou-se nele com a familiaridade de quem sabe que vai ser perdoado.

— O que você quer de mim, Chanyeol? — Sehun perguntou, um sorriso torto brincando nos lábios. — Uma declaração? Uma aliança de compromisso?

Chanyeol bufou alto, girando a garrafa na mão, a luz da geladeira iluminando seu rosto tenso. Não olhou pra Sehun.

— Quero que você pare de agir como um babaca quando está bêbado.

— Você adora isso em mim. — rebateu Sehun, com aquela maldita voz baixa, carregada de charme e desafio. — É uma das suas coisas favoritas sobre mim, não é?

Chanyeol cerrou os dentes. A cerveja já não descia mais como refresco, mas como gasolina. Ele virou de costas, tentando escapar do corpo de Sehun que agora colava no seu, braços se enroscando em sua cintura como se tivessem direito. E foi aí que ele sentiu — o cheiro. Doce, enjoativo, como um borrifo demais de perfume barato.

— Você tá com cheiro de mulher. — cuspiu as palavras como se elas fossem amargas demais. — Perfume vagabundo.

Sehun deu uma risada curta, sem se afastar. Os dedos apertaram mais forte a cintura de Chanyeol, e a boca roçou seu pescoço com descuido proposital.

— Eu não aguento mais ouvir suas músicas sobre mim. — murmurou, as palavras úmidas contra a pele sensível. — Toda vez que você toca aquela merda nova no violão eu sei que é sobre mim. Até os acordes são sarcásticos.

Chanyeol virou o rosto, finalmente encarando-o, os olhos faiscando numa mistura de desejo e raiva que só Sehun sabia despertar. Ele queria socá-lo e beijá-lo ao mesmo tempo. Queria empurrá-lo contra a parede e sumir no próprio quarto. Mas o problema era esse: Sehun sempre sabia onde apertar. Sabia o quanto aquelas músicas eram confissões camufladas, o quanto doía escrever sobre ele, amá-lo em silêncio, desejar alguém que nunca pertencia de fato. E mesmo assim ele ficava. Porra, Sehun sempre ficava. Cheio de perfume alheio, de bocas alheias, mas ainda assim ali. Tocando seu pescoço como se fosse casa. Como se ele fosse casa. E era isso que Chanyeol odiava. Mais do que o cheiro, mais do que a bebedeira: a porra do conforto.

O beijo veio como uma explosão, sem aviso, sem freio — só necessidade crua. Sehun o empurrou contra a parede da cozinha com uma força que fez os armários tremerem, e Chanyeol deixou que fosse assim, que fosse brutal, porque já estava cansado de dançar ao redor daquela tensão. A boca de Sehun era quente e cheia de gosto de nicotina, de álcool barato e alguma coisa doce, talvez batom transferido de outra pessoa, mas naquele momento nada importava além do modo como ele o beijava — como se estivesse morrendo de sede. Chanyeol agarrou seu rosto com as duas mãos, dedos afundando nos cabelos loiros, e puxou-o ainda mais, como se quisesse colá-lo ao próprio corpo, como se isso fosse suficiente pra apagar a raiva que ainda ardia embaixo da pele.

As línguas se encontraram num choque de vontades, se enroscando com ferocidade, sem ritmo, sem delicadeza. Era saliva e desejo, era o som molhado do atrito, era Sehun mordendo seu lábio inferior até Chanyeol gemer, era a devolução violenta com um puxão no quadril, como se dissessem, sem palavras, "é isso o que você quer?". E era. Sempre foi. As mãos de Sehun desceram rápido, desesperadas, tateando por baixo da camiseta de Chanyeol, arranhando a pele do abdômen como se precisasse deixá-lo marcado, como se só assim o ódio todo passasse. Os corpos estavam moles de bebida e desejo, mas rígidos no meio das pernas, se esfregando com um desespero quase dolorido.

Chanyeol gemeu contra a boca de Sehun, um som baixo, abafado, carregado de frustração e fome. As mãos dele também exploravam, puxavam, apertavam, como se quisesse encontrar dentro do corpo de Sehun todas as respostas que ele nunca dava com palavras. Os quadris se chocavam com impaciência, em movimentos curtos e duros, e havia raiva ali — muita. Mas era uma raiva lasciva, úmida, que se expressava no modo como Sehun cravava os dentes em seu maxilar, ou como Chanyeol o prendia pela nuca como se dissesse "não ouse ir embora de novo". A parede atrás de si era fria, mas o calor entre eles era incandescente, sufocante, como se o mundo inteiro pudesse acabar naquela cozinha que cheirava a cerveja, suor e sexo mal resolvido.

A cada esfregada de quadril, a cada rosnado surdo entre dentes, Chanyeol se sentia mais fora de si. As mãos agora agarravam as coxas de Sehun, puxando-o para mais perto, e o barulho das respirações aceleradas preenchia o silêncio do apartamento. Era selvagem, desorganizado, impuro — tudo que nunca podiam ser com os outros. Sehun o apertava pela cintura como se nunca mais fosse soltar, e Chanyeol o beijava com gosto de vingança, com gosto de dor antiga, de promessas não feitas. E, por um momento, ali, encostados numa parede qualquer da cozinha, eles eram só instinto, só raiva e tesão, só uma história fodida que continuava se escrevendo toda vez que as bocas se encontravam desse jeito.

O sofá virou um campo de batalha. As roupas foram arrancadas em silêncio, com pressa e brutalidade, jogadas no chão como se significassem alguma coisa que precisava morrer ali mesmo, como se tirá-las fosse a única forma de libertar o que vinha se acumulando há anos. Chanyeol montou em Sehun como quem queria tomar o controle da situação pela primeira vez, mas o outro sempre voltava a desafiar, mordendo, puxando, rindo entre dentes, como se adorasse testar seus limites. Os gemidos se misturavam aos sussurros roucos, aos grunhidos entrecortados, aos estalos úmidos da pele contra a pele, à textura do couro do sofá rangendo sob o peso de seus corpos inquietos. As pernas se entrelaçavam, as mãos percorriam rotas conhecidas com uma familiaridade promíscua, e a raiva que os movia parecia maior que eles. Era sexo de verdade, nu, sem ensaio, sem metáforas — era o caos que sempre existiu entre os dois finalmente explodindo.

Sehun estava em cima dele depois de um tempo, os quadris se movendo com aquela precisão exata de quem sabia exatamente o que Chanyeol gostava. As costas suadas, o cabelo grudado na testa, os olhos meio fechados de prazer. E Chanyeol estava perdido, completamente entregue, arfando contra a boca de Sehun, dizendo seu nome como se fosse uma súplica, uma oração torta no meio do inferno. Eles se beijavam entre as estocadas, não por afeto — ou talvez sim, mas nunca iriam admitir —, e havia um desespero tão cru no modo como os corpos se procuravam que era quase triste. A noite avançou assim, com ambos caindo, exaustos, um no colo do outro, depois voltando, sempre voltando, porque nenhum dos dois sabia parar. Não com aquele gosto, não com aquela vontade, não com aquela história entrelaçada nos ossos. O sofá ficou pequeno demais depois de um tempo, e foi Sehun quem puxou Chanyeol pela mão, arrastando-o para o quarto como se estivessem prontos para terminar de se destruir na cama.

No quarto, a luz fraca deixou o corpo de Chanyeol ainda mais irreal. Sehun se deitou ao lado dele, apoiado no cotovelo, e o olhou com uma intensidade amarga. As mãos percorreram o peito suado, a barriga trêmula, as coxas largas ainda marcadas pelas unhas dele mesmo, e por um instante, Sehun se odiou. Porque como alguém como Chanyeol podia ser dele, nem que fosse por uma noite? Como ele podia tocar aquilo, usar aquilo, sujar aquilo com o próprio vazio? Ele passou a língua pelos próprios lábios, ainda inchados, e observou o peito subir e descer rápido, marcado por beijos, mordidas e desejo. Chanyeol ainda parecia lindo demais, mesmo ofegante, mesmo suado, mesmo entregue. Era quase insuportável. Era cruel. Sehun queria bater nele, queria beijar ele até o mundo sumir. E, no fim, não fez nada. Apenas se aproximou devagar e repousou a cabeça ali, no peito, ouvindo aquele coração que batia rápido demais.

A melancolia veio depois, como sempre. A cerveja já não tinha gosto e o corpo doía em pontos que lembravam do quanto eles tinham se perdido um no outro. O mundo estava quieto agora, só o som da respiração de Chanyeol preenchia o espaço, e Sehun se sentia como um intruso — como sempre se sentia. Mas Chanyeol não empurrou sua cabeça, nem se afastou. Pelo contrário. Os dedos dele se entrelaçaram devagar no cabelo loiro de Sehun, fazendo carinho como quem precisava desesperadamente de um abrigo. E então, com a voz arranhada, carregada de tudo que não sabia como dizer, ele murmurou:

— Diz que a gente não é só amigo.

Sehun ficou em silêncio. Engoliu seco. Olhou para o teto por um tempo antes de fechar os olhos, pressionando o rosto mais forte contra o peito dele. Porque não era só amigo. Nunca foi. Mas admitir isso seria como colocar fogo na última ponte. E Sehun... Sehun ainda não sabia se queria queimar.