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O Eleutério

Summary:

- Aaaaaah, por favor, por favor, me desculpem, por favor! - O homem implorava aos berros, sentindo os pés do agressor pisando sucessivamente em seu rosto. - Eu não quero morr - Os gritos de dor e súplicas pela vida cessaram com um estalo seco de osso quebrando.

- Precisava matar ele com os pés? Seboso! Coitado dos faxineiros - comentou uma voz de forma desdenhosa, aproximando-se do homem que, com os pés sujos de sangue, se levantava da cadeira.

- Vá se ferrar! - rosnou o agressor, irritado com o mais velho dentre a "dupla de uva-passas", enquanto se dirigia à porta, sendo seguido pelo mais novo. Logo atrás vinha o outro homem, que tentava a todo custo não sujar seus sapatos caros na poça de sangue viscoso.

- Fale para o Take que hoje tem limpeza especial no quarto subterrâneo 102 - ordenou Rindou ao segurança que estava plantado do lado de fora do cômodo. Liderando os três, com o segurança atrás, ele resmungou: - Isso é tão irritante. - Saíram do corredor e entraram na caixa metálica.

Notes:

Olá, graciosos leitores!

Esta história está escrita originalmente em Português do Brasil, e por isso, vocês encontrarão algumas gírias e expressões locais que podem soar um pouco estranhas ou perder o sentido em outras traduções automáticas.

Se, durante a leitura, algo não fizer sentido ou vocês ficarem curiosos sobre o que o personagem quis dizer, fiquem à vontade para perguntar nos comentários. Irei explicar o significado de cada palavra ou frase!

Espero que todos aproveitem a leitura e que se divirtam com a minha mais nova obra.

Chapter 1: Capítulo 1: Apenas um Pobre e CLT

Chapter Text

Olha, não é fácil. E se alguém te disser o contrário, tá mentindo.

Em pé, espremido em uma sardinha lotada de trabalhadores humilhados pela vida. Tentando não morrer nos movimentos bruscos do ônibus e nos braços suados com CC logo pelas seis e dez da manhã. Essa era a minha realidade. A realidade nua e crua de um pobre e CLT.

- Olha mãe!, aquele homem parece aquele monstro do desenho - uma criança catarrenta apontava para mim.

Que desaforo! Esse pirralho... Já não bastava estar em pé a viagem toda, ainda tinha um mini heter de plantão.

- Filho, para com isso. É desrespeitoso apontar para as pessoas - A mãe da criança puxava o braço dela, envergonhada - Desculpe, sabe como é. Crianças, né? - Ela riu sem graça, tentando tapar a boca do pequeno que ainda tentava falar algo.

- Crianças, né? Sempre tão agradáveis - sorri forçado, com um cinismo que daria para exportar.

Baixaria logo pela manhã. Tomare que esse pirralho caia de boca no chão e tenha um galo na testa.

Ser pobre é foda.

É um saco que meu trabalho seja suspeitamente longe de tudo, mas tem uma justificativa para isso. Eu trabalho ilegalmente como auxiliar de limpeza, e não vadias, não é faxineiro. Tenham profissionalismo! O trabalho em si não é tão grandioso, mas é cansativo. O salário é patético e eu ainda fico encabulado como uma organização criminosa tão temida no Japão inteiro pode ser tão 'mão de vaca'.

O salário não cobre nem o psicólogo, o que deveria cobrir, porque aquele circo de comédias só possui loucos. O que não dizem é como é desgastante trabalhar para pessoas tão dodóis da cabeça. Todos estão em completo alerta, temendo perderem suas próprias vidas.

Só de lembrar que tenho que estar lá dentro do ninho de maníacos por 13 horas por dia, por cinco dias da semana. Meu canal anal fecha de tanto medo. Parece até cômico quando falo mal dos meus chefes, mas as coisas são piores. Bem piores mesmo. Só quem trabalha pra eles sabe o que passa. Trabalhar para uma máfia é como andar entre a vida e a morte.

Saber que pode ir para o trabalho e não voltar para casa no fim do dia é o medo de todos.

Mas os boletos chegavam, e as necessidades básicas não paravam. Só pros corajosos, e só eles. Ou é só a pobreza mesmo.

Minhas funções no trabalho variam. Todos os funcionários têm que ser multifuncionais, uma exigência não dita. Pela manhã limpo, depois ajudo a pôr a mesa do café e depois mais limpeza. Nada muito grandioso. Mas precisa de cautela pra isso. Se fingir de sonso é uma ótima qualidade. O que você vê, o que você escuta, fica lá. E se não quiser conhecer o céu mais cedo, o aconselhável é ficar mudo.

Quando enfim chego no meu destino, desço do ônibus e faço uma caminhada infernal até a entrada principal. O motorista do ônibus já nem mais acha suspeito eu ser o último a sair do ônibus. Já não era tão suspeito a distância, uma vez que se tornou rotina.

A mansão em que trabalho em si não é nada pequena. Discreta por fora, mas um brinco de diamante por dentro. Para uma organização de lunáticos, tinham bom gosto, mas eram uns miseráveis para darem um aumento aos funcionários.

Não era exagero que tudo ali dentro daquela mansão valia vinte vezes meu salário. Por isso que levava meu humilde copo de silicone, morria de medo de quebrar algo e ficar sem meu salário pelo resto da vida. Isso se ainda continuasse vivo. Já vi companheiros de trabalho morrer por muito menos.

Quando chego no último degrau da escada, cumprimento o guarda que fica ali guardando a entrada da frente.

- Bom dia - curvo em respeito.

- Bom dia - sorriu largo.

Não era novidade que ele tava de olho em mim há umas semanas, ele não era discreto em como queria meu corpinho esculpido. Um otário mesmo.

Esse dia estava silencioso como os outros, naquele horário não havia muita movimentação. Sem muita enrolação, adentro mais a mansão. Meu destino inicial é o vestiário, exclusivo para os funcionários lascados. Tínhamos que andar padronizados com uniformes de tecidos mais miseráveis que poderiam nos proporcionar. Chegava a ser ridículo como não se propunham nem a dar um uniforme de qualidade aos seus funcionários. Enfim, ricos sebosos.

A calça era de um tecido fuleiro e a blusa kimono era de tons pretos e dourados. Nada muito chamativo, mas adequado para o trabalho. Pego meus companheiros de trabalho - diga-se, utensílios de limpeza - e sigo para a limpeza inicial.

O trauma de todos os auxiliares de limpeza: os corredores. Os fodidos corredores. Quanto mais limpo, mais parecem estar sujos. Compridos e torturantes. O dia já começava um cu. Choro e lamento minhas costas. Sofrerei mais ainda durante o dia.

Enquanto limpava com o aspirador, meus ouvidos apurados captaram sons de saltos. Som esse torturante. Não muito longe, caminhava elegantemente uma figura feminina. Vestida com um de seus vestidos de tecido fino e caros, como se estivesse em sua noite de núpcias. Era curto e de tom rosado, deixando um contraste bom com sua pele.

Ela era Hinata Tachibana. A amante exclusiva dos membros.

Parei de imediato o que fazia, curvando-me. Seu olhar arrogante passou por mim. É, sem dúvidas ela menospreza a todos abaixo dela. Senti minha costa voltarem ao lugar com um estalo. Estava envelhecendo antes do tempo, o ódio.

Dentro da organização há duas mulheres, as cadelas no cio, a Tachibana e a Emma Sano. Irmã do demônio chefe. Ambas satisfazem os executivos principais. E quando digo satisfazer, não se limite a coisas leves. Precisa de muito amor para se pôr na posição delas. Quer dizer, não amor próprio, isso não é uma exigência para tal trabalho.

Uma vez que terminei o infernal corredor, segui para a cozinha. A cozinha não ficava atrás na elegância e modernidade. Só os chefes mais refinados trabalhavam lá. Era do cotidiano que metade dos funcionários ajudasse a pôr a mesa do café.

A sala de jantar era grande, com uma mesa longa e comprida, quase como aquelas medievais. A mesa era revestida de mármore de Calacatta Gold. E as cadeiras eram de tons semelhantes à mesa. Tudo o que o outro mundo poderia oferecer.

Não poderíamos ficar relaxados. Botavam as variedades de comidas, doces e salgadas, italianas e francesas. Pratos e mais pratos decorados com elegância e sofisticação. Tudo muito exagerado. Uma quantidade de comida que poderia alimentar todos ali presentes na residência. O bom era que os funcionários poderiam comer o que sobrava, era muito desperdício.

Quando terminamos de arrumar os pratos de comidas e os talheres e taças diferentes para cada tipo de bebida. Etiqueta, era uma exigência direta do executivo Kokonoi. A entrada com duas portas foi aberta, nos posicionamos como deveríamos. Todos centralizados a 20 cm de costa para a parede. Postura ereta e nada de expressões desnecessárias. Tinha tudo isso por escrito no contrato que parecia mais uma bíblia.

Aos poucos os membros principais apareciam e sentavam-se onde queriam. Menos na única cadeira de centro e nas duas à sua frente, à esquerda e à direita. As três cadeiras eram reservadas exclusivamente ao rei e aos dois cães de guarda: Sanzu e Draken. Todos faziam-se presentes na mesa à espera do chefe. As refeições apenas eram feitas quando ele chegasse e sentasse em seu trono imaginário. Apenas vadias loucas por poder.

Então ele chegou, com sua coluna curvada. Seu corpo era pequeno para o padrão masculino japonês. Sua pele pálida. Era notável que aquela skin de graça estava em decomposição há tempos, só não estava no caixão porque ainda teria que atazanar muitas vidas pelo mundo.

Sua face estava cansada, suas olheiras faziam seu trabalho de deixá-lo mais desagradável aos olhos de terceiros. Seu semblante sério era terrível, juntamente com a skin como um todo. Sua aura era intensa, sombria. Todos ali temiam aquela figura pequena e miserável. Pela sua força e pela sua imprevisibilidade. Ele é uma bomba relógio.

Quando ele sentou-se em seu assento, o café se deu início. Todos faziam suas refeições calados, comiam o que queriam e se retiravam. O chefe não comia como deveria. Sua magreza estava mais nítida a cada vez que o via. E era porque eram poucas as vezes que o via.

- Preparem meu banho - sua voz cansada, soou pela sala.

As empregadas para ajudar nos afazeres básicos do chefe eram selecionadas. E ajundantes eram apenas com pedido por elas.

Qualquer aproximação por vontade própria do chefe era visto como suspeito. Estava no contrato, página 16, parágrafo 78.

- Licença, Sr., sou a Toka, a 12ª das selecionadas, com a sua licença - apresentou-se próxima a ele em uma reverência de 90 graus.

Ela saiu em passos silenciosos quando não escutou mais nada, uma permissão silenciosa.

- Hanagaki, pode me ajudar? - perguntou sussurrando próximo de mim.

Acenei e fomos em passos silenciosos para o segundo andar.

Os quartos não eram diferentes dos outros cômodos da casa. Todos carregavam luxo em suas decorações.

A Toka guiava-me. Quando chegamos à frente da porta e entramos, me dei conta do que seria o quarto do morto-vivo. A cama estava um caos, embalagens de barras de proteínas jogadas pelo chão, junto com camisinhas usadas e outras lacradas ainda para uso. Garrafas de bebidas alcoólicas e muito, mas muito bituca de cigarro. O que deixava o ar mais difícil de respirar, a porta da varanda estava fechada.

Era o Batman ou a toca de um mendigo?

Trabalhamos em equipe, arrumamos o quarto e preparamos a banheira. Quando escutamos a porta do quarto abrir, esperávamos as segundas ordens.

- Quero um doce - mandou, tirando seu calçado com a ajuda dos próprios pés.

- Qual doce, Sr.? - a Toka perguntou, de cabeça baixa.

- Qualquer um, porra! - de mau-humor respondeu, causando calafrios na empregada mais baixa.

Tirou um revólver da cintura, a qual estava escondido entre as roupas, nos causando um susto. Botou o revólver na mesa a poucos centímetros de distância da lateral da cama. Toka, assustada, pediu às pressas licença, saindo do quarto. Só o que faltava: eu e o diabo.

Sem outras palavras, ele se despia e caminhava, deixando suas roupas pelo caminho. Quando estava pronto para entrar no banheiro, parou o trajeto e me encarou de canto de olho.

- Vai ficar aí?

- O que deseja, Sr.? - deveria ter cuidado com ele, ele parecia pronto para fazer qualquer loucura.

Virou de completo pra mim, e encarou-me, me encarando mesmo. Como aqueles peixes depressivos dos aquários. Já estava desconfortável, provavelmente nunca banhou com água benta. Aquele olhar de peixe morto. Era bizarro como ele me olhava, ainda esquelético. Que saco, não era possível que aquilo poderia me matar em segundos.

Isso meu salário não cobria.

- Lave meu cabelo - mandou seguindo pro banheiro.

Suspirei e o segui. Ao entrar no banheiro, ele já estava dentro da banheira, viajando no mundo de Nárnia. Sem delongas, peguei um banco que achei perto do vaso sanitário.

Que comédia, essa miniatura de chefe subia no banquinho pra sentar no vaso.

Com os produtos em mãos, vi o que me aguardava. Era frustrante. Era um exagero mandar alguém lavar aquilo. Só havia um toco de cabelo. Ainda precisava que alguém lavasse aquele cabelo sintético de Barbie de feira.

- Não o conheço - sua voz saiu pesada, mas sua mente vagava.

O que não era novidade, já que a verdade é bem aparente que nem eles ali no poder o conheciam de fato. Todos tão ocupados em seus próprios vícios, nem se dão conta de quem os rodeia. Sua falta de interesse o custaria sua vida.

- Sou auxiliar de limpeza - o respondo, fazendo movimentos arredondados no casco de sua cabeça com a espuma do shampoo. - Não costumo fazer isso - falo distraído na água de espuma que saía da sua cabeleira. Passando logo após o condicionador nos fios curtos e pretos.

- Não costuma fazer?

- Sim, ou mais ou menos isso. Apenas limpo, arrumo e às vezes ajudo pessoas bêbadas. Apenas - respondo, ainda dando atenção ao cabelo.

Após a breve conversa, o silêncio permaneceu. Eu fiquei esperando alguns minutos para o produto agir, aproveitando a oportunidade e dando uma olhada nas minhas notificações. Mas apenas uma era relevante. Um aviso que depois do expediente, teriam uma reunião no salão.

Foi quando bateram na porta, pedindo para entrar. Após a permissão, a Toka entrou com uma bandeja com diversos doces.

- Sr., trouxe todos que estavam disponíveis, escolha da sua preferência. - botou a bandeja no suporte exclusivo para aquilo que tinha na banheira.

- Hum - respondeu desinteressado - Vaza.

E assim a Toka fez, saiu às pressas, bem mais aliviada pelo visto. Que maravilha, novamente a sós com o vivo-morto. Queria fazer o mesmo. Sair dali o mais rápido possível. Por isso voltei aos fios, enxaguando-os com atenção.

Mas pulei de susto quando escutei um som de estilhaços caídos no chão. De imediato tentei captar o que tinha quebrado. Vejo cacos de talvez uma travessa de bombons gourmet.

- Está tudo bem? Se machucou? - levantei indo catar os cacos quebrados.

- . . . -- Quando o silêncio foi minha resposta, o olhei, e o vi encarando as próprias mãos trêmulas.

- Sr., está tudo bem? - perguntei novamente, jogando os cacos no lixo e me agachando próximo à banheira.

- Não consigo pegar - se referiu aos doces agora no lixo.

Olhei atentamente. Ele estava drogado. A droga estava fazendo-o passar pelas consequências. Seus olhos estavam fundos, ele resmungava coisas desconexas.

Puta que pariu, ter que cuidar de noia era o que faltava! Juro que vou pedir demissão dessa merda. Aí como vou me arrepender disso, mas minha mãe nunca me ensinou a ser alguém ruim. Muito menos ignorar aqueles que precisam de ajuda.

- Você quer qual? Irei lhe dar - pacientemente esperei sua resposta. Essa que achei que não receberia. Ele tava chapado. Seria um milagre que ele entendesse o que eu dizia e mantivesse a calma.

Ele virou seu olhar novamente a mim, mas ele possuía algo diferente nos olhos, não era agradável. Era triste, era morto, não tinha esperança. Um olhar de quem precisa de ajuda, mas se limita a pedir.

Com a mão trêmula, seu dedo apontou para um dos vários doces. Peguei sem pressa e ofereci perto de sua boca. Primeiro ele apenas me encarava, sem piscar. Depois ele olhou o doce e abriu a boca. Seu mastigar era lento, quase que desistindo de comer. Esse processo se repetiu algumas vezes, tentei intercalar os doces. E ele continuava na mesma posição, me olhando. Como se tivesse vegetando.

O momento foi interrompido por uma batida forte na porta do quarto. O noia nem percebeu, estava chapado mesmo. Levantei e encarei a lesma, não tinha um sinal de reação. Com a certeza de que não teria uma ordem dele. Saí do banheiro ao encontro de quem batia.

- O que deseja? - era um dos homens da oitava divisão.

- Estão solicitando limpeza especial - relatou sério.

- Tá bom, poderia mandar alguém pra cá. O chefe tá... tentando descansar - tentei achar a melhor descrição para aquela situação sem que ele me desse um tiro na cabeça.

- Ok, irei fazer - falou desconfiado.

- Obrigado - falei e ele se retirou.

Quando uma merda não fede o suficiente, mandam mais dois. Limpeza especial é uma verdadeira chatice. Sempre tem algo bizarro à minha espera. Malditos gêmeos.

Voltei ao banheiro e agachei-me novamente perto dele.

- Vou ter que ir agora, mas vai vir alguém para o cuidar e terminar o serviço, ok? - esperei alguma resposta, mas ela não veio. Havia apenas o vazio me encarando.

Saí do banheiro sem mais saber o que dizer. Já não era mais problema meu. Ajudei até onde pude.

Em passos rápidos, saio do quarto e sigo para a área de tortura. Alguns outros membros da oitava divisão elevam ali. Quando precisam desse tipo de limpeza, sempre me aguardam na entrada à frente do elevador. Eles me guiaram como de costume. Era um costume deles, como prevenção de que controlasse o que eu veria ou não.

Eles pararam em frente a um dos vários quartos ali. Sem demora, abriram a porta, sendo recebido por um cheiro horrendo de queimado. Que merda. Tinham tostado alguém. O quarto fedia a ferrugem e a carne queimada, era sufocante. No centro do cômodo, tinha uma pequena montanha de cinzas e pedaços do que seria um corpo.

- Esses putos, sebosos - murmurei, esperando não ser escutado pelos dois homens no quarto afora.

Com a pá e a vassoura, dei início à limpeza. Recolhi qualquer vestígio do que faria parte de algum corpo e os pus no saco preto de lixo. E com os produtos específicos que uso, comecei a esfregar o chão. E tudo o que estava encardido de sangue e resto de queimado. Meu alívio, era que não havia aqueles instrumentos estranhos de tortura. Menos trabalho.

E com uma felicidade incomparável, consegui limpar o cômodo. O que antes parecia um dos quartos do inferno, agora parecia um mini armazém limpo. Eu não era o único selecionado para as limpezas especiais à toa. Eu sei o que faço. Muitos anos de prática, mas pelo menos esse dom serviu para algo.

Procurei os outros utensílios de limpeza jogados pelos cantos. Peguei o saco e saí do quarto. Deixei o saco e os produtos com os dois homens ainda no meu aguardo. Saímos juntos pelo elevador. Mas seguimos direções opostas.

Enquanto eles iriam jogar aquele saco em algum lugar, eu fui ao salão. No caminho, encontrei alguns outros funcionários, menos mal, isso significava que não estava atrasado. Sentei-me em uma das cadeiras disponíveis. Já havia uma boa porcentagem dos funcionários ali dentro do salão.

Salão esse bem grande, com algumas colunas de mármore branco. O chão era claro e brilhante de tão limpo. Uma figura elegante surgiu à frente das várias cadeiras. Quase como um palestrante. Sua postura ereta e formosa dizia muito de si.

- Boa noite. Venho anunciar que amanhã teremos uma grande festa. Então irão acelerar a limpeza pela manhã, às dezesseis e quarenta, arrumem o salão e os quartos dos hóspedes. Tudo deverá estar pronto antes das dezoito horas. - explicava detalhadamente. Seu olhar de superioridade vagava pelos funcionários.

- E não esqueçam de seus smokings. Apenas isso, estão liberados. - disse por fim, saindo do salão com a mesma postura de sempre. Enfim, ricos!

O dia tinha sido trabalhoso, e muito cansativo. Mas tirar aquela roupa de trabalho e pôr a sua, a qual tinha vindo, era como um alerta que o expediente estava no fim. Saí da mansão acompanhado de vários outros funcionários que iriam de ônibus. Era uma tristeza, o ônibus que eu pegaria era diferente, ele me deixaria o mais próximo de casa do que os outros. Então teria que esperá-lo uns trinta minutos. Chegaria em casa antes da uma da madrugada.

Que saco.

Chapter 2: Capítulo 2: Máscaras de Arlequim e Pierrot

Notes:

Então, caros leitores, queria trazer uma observação: em alguns momentos, o nosso lindo Takemichi vai se comportar medrosamente, mas seus pensamentos e, muitas vezes, sua visão sobre determinadas coisas serão afiados e ousados. Quero que levem em consideração que esses comportamentos são fragmentos para uma análise futura e, assim, esses comportamentos e pensamentos distintos serão justificáveis.

Era apenas isso, Boa leitura.

Chapter Text

Acordar cedo não é uma tarefa fácil, quer dizer, pelo menos para mim não é. Principalmente se o despertador estivesse gritando como uma cadela sedenta por cacete.

Me levantar da minha cama macia que, por algum motivo, me puxava para ela como um poder sobrenatural, era só preguiça.

Nos dias de trabalho tenho que acordar mais cedo do que deveria, isso para que eu possa pegar o ônibus.

Um banho gelado era revigorante, sentia a minha alma voltando ao corpo. Despertador natural como aquele não há.

Sem pressa, caminhei até a cozinha. Não faria café naquele dia. Sempre comíamos algo gostoso depois que nossos chefes terminavam de comer.

Como de costume, para não desperdiçar comidas intocadas, comíamos ou levávamos para casa.

Mesmo já acordado, tentava prolongar o momento em que teria que começar meu dia de trabalhador. Ainda tinha que procurar o smoking para hoje à noite.

Que merda, fazia quase oito meses que não usava aquela porra. Não sabia se ainda me cabia.

Ainda estava em perfeito estado, apesar de ter ficado amassado no fundo do guarda-roupa. Vesti rapidamente para testar, não queria imprevistos pela noite.

A infeliz da calça. Era a causadora da minha raiva agora. Ela não estava tão justa como estava alguns meses atrás. Agora ela estava mais apertada.

Será que tinha engordado? Mas minha barriguinha de modelo ainda estava lá. Mas eu iria mesmo comprar uma calça para apenas seis horas de uso?

Sou pobre, não otário.

Sem mais delongas, troquei a roupa para algo mais confortável. Arrumei o smoking na mochila. E saí de casa, não antes, é claro, de dar um beijinho no Deriki.

Meu cachorrinho de estimação. Era uma gracinha.

E minha rotina começou: três ônibus lotados, pessoas com CC logo pela manhã. E quando cheguei no meu destino, ainda fui desafiado pelo divino a andar aquela entrada inteira.

Cumprimentei o segurança que jura que vou dar mole para ele. E me direcionei ao quartinho dos empregados. Por lá mesmo recebi a notificação que ficaria com a limpeza de alguns dos quartos e pelo infeliz corredor dos quartos. De novo.

Fui limpar, o primeiro quarto havia apenas uma poeira leve de guardado, nos três próximos quartos já havia a presença de bagunça. Mas no último quarto que limpei era que estava de fato me esperando com um presente.

E que presente, sebosos. Como que deixavam aquele cocô daquele tamanho boiando no vaso.Aquela bosta imensa já poderia tirar um CPF. Dei descarga, a qual não tiveram coragem de fazer. Deveriam estar com pena de mandar embora aquele novo membro, o cocô boiando.

Depois da limpeza pelos quartos, vi rapidamente pela tela do celular que faltavam poucos minutos para começarmos a pôr a mesa. Sem demora, corri para a cozinha.

Os satanchorros precisam se alimentar.

Organizamos a mesa e fomos aos nossos postos. Nada diferente do outro dia. Sentavam e esperavam pelo rei anão.

Ele chegou na sala de jantar silenciosamente, inexpressivo, nada diferente. Ao caminhar para sua cadeira de sempre, olhou-me brevemente de canto de olho. E sentou-se, botou uma quantidade pequena de comida no próprio prato, apenas para encará-los e mexê-los tediosamente.

- Como estão os preparativos? - perguntou Smiley.

- Vai bem, os empregados estão responsáveis - respondeu Kokonoi levando elegantemente uma garfada de alguma fruta à boca.

- Eu chamei uns strippers para dar uma esquentada na festa, a maioria dá.

- Sério, Baji? - comentou Draken, nada surpreso pela atitude do amigo.

- E prostitutos também, o negócio é diversificado - riu, sendo acompanhado com gargalhadas de Angry e Smiley.

- Sinceramente - suspirou fundo, Draken. Já cansado das idiotices dos amigos.

- O que tem? Não pode faltar as prostitutas, se tem bebidas e drogas só faltam as putas - disse Kazutora.

- É bom que o Mikey desencalha. Faz quanto tempo que ele não transa? - alfinetou Baji.

- Deveria ter modos ao se referir ao Chefe - repreendeu Kisaki, desgostoso de tais vulgaridades.

- Não enche, puxa saco - falou saliente e agressivo.

- Já chega - foi necessário apenas isso para que os envolvidos, juntamente com aqueles que riam da situação, se calassem e ficassem em alerta.

Ele parecia mais abatido. As drogas e a falta de alimentação o estavam deixando assim, feioso.

Sua expressão de merda permaneceu durante o resto do café, que foi no mais puro silêncio.

Só ele sabia como ninguém acabar com o clima.

 

{. . .}

A mansão estava mais deslumbrante que o habitual. Não sabia que era possível deixá-la mais luxuosa do que antes.

O salão agora estava adequado para uma festa de verdade. O balcão que separa o cliente e o barman estava impecável. A estante larga com as mais variadas bebidas de elite deixava tudo mais notável que aquele mundo não era o seu.

Percebi que a segurança do local todo estava o dobro do habitual. Sempre atentos a qualquer atividade suspeita.

Aos poucos, os convidados chegavam. Podia ver de tudo nos convidados. Desde grandes nomes da política federal do Japão até da área de entretenimento. E alguns desconhecidos exibidos também faziam presença.

O som tocava alto, na clara intenção de parecer o mais possível com uma boate. As luzes fluorescentes dançavam pelo salão de forma aleatória, iluminando todos ali.

Não demorou muito e o salão estava cheio de pessoas. Algumas dançavam na área disponível para os dançantes, outros apenas sentados acompanhados ou não nas mesas redondas disponíveis para eles, mais próximos da parede do salão.

Aquelas mesas tinham dado um trabalho desgraçado para serem postas ali no salão. Éramos limitados, apenas eu e outra funcionária para quase vinte mesas. Que inferno!

Havia muita gente bêbada com apenas duas horas de festa. Também havia os que cheiravam algo, nem disfarçavam.

Gente seminua dançando e alguns fazendo striptease. Pessoas beijando como nunca e poucas aventureiras que transavam nas partes mais escuras do salão, onde as luzes não chegavam.

Conseguia visualizar poucas que pareciam civilizadas, que conversavam sentadas ocupando algumas mesas.

E no meio de toda aquela aglomeração do caralho, estava eu. Apenas entregando bebidas e anotando pedidos.

Os executivos estavam em uma mesa mais afastada, a maior de todas ali no salão. Exclusiva apenas para eles.

Seguia fazendo meu trabalho, como deveria ser.

 

Check your footing, don't get caught up in the rip, no

I've been drowning for a minute, your body keeps pulling me in, boy

World is on my shoulders, keep your body open, swim

 

- Essa festa está top - Animado, com um copo na mão esquerda e com uma moça sentada em sua perna direita, Baji dizia.

- Só por causa da bebida. Esses strippers são muito desequilibrados - criticou o Haitani mais novo, Rindou. Brincando suavemente com o líquido em sua taça.

- Mas eles dançam bem - argumentou Chifuyu, também com uma bebida em mãos.

- O que um otako fedido entenderia - murmurou suspirando, sem esconder seu desgosto pela falta de inteligência - Deixa para lá.

- Cadê esses merdinhas da limpeza, hein? Precisa de uma limpeza especial no quarto subterrâneo. Quando mais se precisa desses merdinhas, eles somem - agressivamente Sanzu sentou-se com os outros executivos. Limpando suas mãos sujas de vermelho no tecido branco que carregava sempre consigo.

- Todos estão ocupados aqui no salão - comentou Kokonoi. Desinteressado pelo assunto, degustando seu licor caro.

- Chama só o Michy - solucionou o problema, o Haitani mais velho, Ran. Todos o encararam perplexos. Quer dizer, nem todos.

- Ele está servindo - novamente respondeu Kokonoi.

- Quem é Michy? - perguntou Draken, ainda descrente de tanta familiaridade na voz irritante do Haitani mais velho.

- Faxineiro - respondeu breve o mais novo dos Haitanis.

- Ele é o único que faz as limpezas especiais. - contou Ran, pegando a bebida do irmão e a consumindo em apenas um gole, sem permissão, escutando um resmungo do irmão.

- Que merda - murmurou Rindou pela atitude irritante do irmão.

- Vocês não sabiam? - questionou Ran, abismado por não conhecerem o faxineiro.

- O antigo faxineiro que fazia essa limpeza deu a língua nos dentes e vazou umas fotos para a polícia, então cortamos a língua e retiramos os olhos dele. - Continuou a tagarelar, Ran, contando com ânimo a feição do que tinha feito com o antigo faxineiro, ignorando o irmão mais novo irritado.

- Ele é confiável e quieto - comentou Sanzu.

Não era exagero que todos o encararam surpresos. Sanzu participando de uma conversa banal era difícil, era sempre tão agressivo e louco que ninguém o entendia. Sempre tão fechado e louco pelo rei dele.

Então, vê-lo elogiando alguém que não fosse seu rei, era no mínimo esquisito para os padrões de seu comportamento. O chefe até aquele momento, desatento, encarava Sanzu.

Inexpressivamente por fora, mas ainda surpreso por dentro.

- E o nome dele é Michy? - quebrou o gelo, Chifuyu.

- Não, o nome dele é Takemichi. - respondeu Ran.

- Ele não tem sobrenome? - Questionou Draken, ainda desconfiado dos últimos acontecimentos.

- Nos registros não tem - respondeu Kokonoi. Também ainda incrédulo por tais palavras esquisitas proferidas pelo rosado louco.

- Isso está me cheirando a cagada - desconfiado da situação, Smiley disse, sem abandonar o seu típico sorriso e voz animada.

Tudo para si era uma diversão.

- Também achávamos, o investigamos por dois meses ao começar aqui. - confirmou Kazutora.

- Nunca o vi por aqui, ele é novo? - perguntou Chifuyu sendo respondido pelo amigo Kazutora.

- Não, ele está aqui há três anos.

- Que merda, cara! Três anos e nunca demos conta que havia apenas um faxineiro fazendo todas as limpezas especiais - ainda estava incrédulo e não conseguia conter a frustração por tal falta de atenção, Draken.

- Impossível, vocês com certeza já o viram, só não sabiam o nome dele - comentava Sanzu, relaxando as costas no estofado da cadeira.

Impossível, e novamente estavam surpresos. Sanzu com certeza tinha batido a cota de falas com eles. Era uma surpresa para eles que o rosado soubesse conversar pacificamente como uma pessoa e não um selvagem.

- Ele é um moreno de pele branca. Com uma estatura baixa - Ran tentava simular o tamanho com a mão.

- Nem tão magro e nem tão gordo - completou o irmão.

- E como tu sabes que ele não é magro e nem gordo? - Sanzu questionou, olhando desconfiado de tal informação.

- Espionamos el - Ran, com falsa ingenuidade, iria dizer se não fosse pelo irmão mais novo o interrompendo.

- Não interessa, palhaço. - com sua cara de poucos amigos e alheio a tudo, respondeu Rindou.

Durante todo o diálogo entre os presentes na mesa, tinha uma figura mais atenta que o normal. Não sabia ao certo em que momento deu tanta atenção a conversas paralelas de seus subordinados.

Tomava pequenos goles de sua bebida forte. Era o que bebia para dormir. Ou o que tentava fazê-lo dormir.

Manjiro Sano, o rei, o invencível. Não conseguia nem o básico que era dormir. Nem com cinco horas seguidas de sexo e drogas o deixavam vulnerável.

A falação da mesa dos executivos, juntamente com a música que tocava tão intensamente, parou com uma aglomeração de pessoas.

A gritaria superou qualquer ruído do salão.

- Mete porrada nesse escroto - alguém gritou no monte de pessoas.

- Assediador, nojento! - gritou uma voz feminina.

As vozes se misturavam umas às outras. Causando ainda mais desordem.

- Que caralhos é isso? - levantou-se Kisaki, que estava apenas absorvendo discretamente informações que poderiam ser relevantes no futuro.

Saiu da mesa, deixando os outros executivos para trás.

- Quebra o pau dele - uma voz grossa e familiar soou no meio da zona. O homem possuía um topete listrado e vestia um terno luxuoso.

- Que porra é essa, Hanma?

- Oi, Kisakinho, eu também não sei, só estou ajudando a começarem uma briga - sorriu bobo com sua costumeira malícia.

Ignorou as criancices do lacaio, entrando com dificuldade no aglomerado até a causa daquilo tudo.

Quando chegou ao centro da confusão, observou rapidamente os dois causadores. Um homem gordo expelindo dinheiro pela aparência. E um outro homem que, pelas vestimentas, era um funcionário.

- O que está acontecendo aqui? - perguntou Kisaki, ajustando seus óculos em um tic de estresse.

- Esse garçom não estava fazendo seu trabalho corretamente. - explicou o homem fingindo-se de sonso.

- Eu já lhe disse, sou um garçom, não um prostituto - o garçom dizia indignado, sua veia quase estourando na testa.

- Está trabalhando aqui e quer que eu acredite nisso? - o homem baixo sorria malicioso.

- Velho nojento - murmurou o garçom enojado.

- Saiam - Disse Manjiro, entrando no centro da confusão. Os outros executivos estavam logo atrás.

Sem escolhas, as pessoas saíram, medrosas da presença sombria do chefe da tão conhecida Bonten. A música voltou e a festa também, mas ainda havia olhos curiosos para verem o desfecho.

- Venham comigo - disse aos dois homens que discutiam há poucos minutos.

Ambos os homens seguiram a figura sinistra do homem baixo. Logo atrás, alguns executivos faziam presença. Deixando o pobre garçom em alerta.

O homem com correntes de ouro caminhava confiantemente atrás do anfitrião da festa.

Entraram em uma sala. De porta avermelhada. Era a sala do chefe.

Entrando mais a fundo na sala, o número um se apoiava na mesa, observando ambos os homens à sua frente. Um meio trêmulo e outro muito confiante.

- Justifiquem-se - ordenou, rouco.

O homem confiante sorriu malicioso. - Esse garçom não estava fazendo seu dever corretamente. Estava se jogando em mim e logo depois fez um escândalo. Como uma puta escandalosa - riu sozinho da própria comparação.

O homem modelo que tremia, o olhava com desgosto. Ouvindo as asneiras do homem gordo.

- Isso é verdade? - questionou ao jovem moreno, que era o garçom.

Encarava aqueles olhos azuis e embaraçosos.

- Não, Sr. Ele está mentindo. Nunca me insinuei a ele.

- Seu maldito, está me chamando de mentiroso!

- Cale-se, sua vez de falar já passou - o olhou feio ao homem gordo que aos poucos perdia a postura.

Não era qualquer um que conseguia manter a postura na frente do olhar assassino do invencível.

- Retome a sua fala - disse Manjiro, voltando sua atenção no moreno jovem e saudável.

- Eu estava servindo as bebidas quando...

 

- Licença, Sr, o que gostaria de beber? Temos também aperitivos - perguntei ao homem sentado à mesa. Que assistia sorridente as mulheres balançarem os seios.

O homem de primeira não respondeu, quando virei-me para ir atender outro cliente, sua voz saiu.

- Calma lá, jovem, eu acho que já sei o que quero.

Quando virei-me, já com o bloco e uma caneta, esperei pelo pedido, mas ele não veio, o olhei ainda desconfiado.

- Observando bem, acho que o que quero não está no cardápio - deu uma piscadela passando a língua pelos lábios com uma expressão estranha.

Não queria acreditar no que estava presenciando.

- Então, Sr, não servimos nada que não tenha no cardápio - tentei ser gentil.

Até porque estava trabalhando. Mas nada me preparou quando senti a mão grande e gorda, calejada do homem à sua frente.

- Não tem problema, acho que você pode dar conta do recado - disse o homem sorrindo maliciosamente, apalpando sem filtros a carne avantajada de seu traseiro.

- Desculpe, Sr, mas sou apenas um garçom, não faço esse tipo de serviço. - o dispenso, ainda insistindo em ser educado e afastando a mão grande de si. Mas não deu nada certo.

- Com a sua licença, irei me retirar - saí de perto do homem e de seu aperto nojento.

Mas antes mesmo que pudesse tomar uma distância segura, essa mesma mão o puxou pelo braço, fazendo-o voltar em segundos para onde estava.

- Até parece, com essa bunda quase estourando a calça, está pedindo para ser comida, né, cadela. - sussurrou em seu ouvido.

Seu hálito fedia, era quente e nojento ao seu ver.

- Me solta, seu escroto - forçava meu braço a se soltar de seu aperto nada delicado. Mas ele insistia em não deixá-lo ir.

- No começo todos são assim, se fazem de difícil, até perguntarem seu preço. Então, me diga, gatinho, qual é o seu valor? - sua face era carregada de uma maldade não escrita, seu sorriso era macabro.

- Seu tarado do caralho, me solta. Eu não quero teu dinheiro sujo, seu bosta. - tentava agora com mais força me libertar de seu aperto.

- Não abusa da sorte, vadia! - disse irritado pela saliência do garçom.

 

- Foi então que algumas pessoas perto notaram e aquela confusão aconteceu.- Meu corpo ficou tenso, era o medo. Medo de não ser entendido.

A risada do homem voltou com força, estrondosa e exagerada.

- Olha esse pequeno vagabundo. Se fazendo de vítima.

Os executivos apenas assistiam a situação, todos em silêncio. Ou até um se pronunciar.

- Ele não está mentindo - riu seco Ran, referindo ao garçom.

Ran era o detector de mentiras da organização. Era um dom dele muito bem aperfeiçoado com o tempo.

Ele não tirou os olhos do moreno baixo comparado a si. Desde que ele começou a contar sua parte da história.

- Foi como eu disse. Putas são apenas putas - riu falsamente. - Acha que se ele não quisesse desesperadamente um pau no rabo dele não usaria essa calça? - Pôs a mão no ombro de Manjiro, com uma intimidade nunca dada a ele.

O som fino e estrondoso de uma bala soou de repente no cômodo. Surpreendentemente, assustando apenas o homem gordo.

Um tiro certeiro em seu pulso.

- Aaaaaa maldição! Minha mão. - berrava o homem caindo de joelhos segurando a mão que residia um buraco grande.

Sangue saía em abundância da mão do homem.

- Um verme não pode tocar em um rei! - a voz sombria do cão de caça do rei estava em ação. Sua aura assassina sendo o normal dele para todos ali.

Aquele era o Sanzu que todos conheciam. Maníaco louco que não permitia ninguém tocasse em seu rei.

- Mate ele - ordenou o Sano.

Sem demora, os dois irmãos Haitani, juntamente com Kazutora e Kisaki, sacaram suas armas apontando para o homem de joelhos.

Balas não foram poupadas, e nenhuma delas foi errada. Todas certeiras no homem.

- Vamos - guiou-me juntamente com os dois cães de caça.

Antes que pudesse ver, a última coisa que pude ver antes da porta se fechar era o sangue escorrendo abaixo do corpo deitado pelo impacto das balas.

- Pode voltar ao trabalho - Disse Draken, me encarando passivamente.

- Não - O menor deles, e até menor que eu, disse, sem demonstrar nada aparentemente.

- Vai atormentar mais o garoto? - questionou Draken ao amigo de infância.

- Não interessa, vamos ao meu quarto - ordenou olhando-me seriamente.

- Sim, Sr. - não podia recusar, mesmo que estivesse ainda com medo do que poderia acontecer comigo.

Ele deu seus primeiros passos à frente, e o segui até ele parar e eu e os caras paramos também.

- Apenas eu e ele - disse sem nos olhar, e voltou a caminhar em passos lentos, mas longos.

Os caras ficaram perplexos encarando-me confusos. Sanzu, em particular, parecia chocado, mas acatou o comando de seu 'Rei'. Aparentemente eu estava igual a eles, sem entender muita coisa. Em uma reverência respeitosa a eles, pedi licença e segui o chefe deles que estava um pouco distante.

Seguiram ao quarto em silêncio, os passos ecoavam pelo corredor. Quando chegamos ao quarto que eu já conhecia. Entramos.

Diferente de antes, o quarto não estava uma zona e parecia mais adequado para uma pessoa viver.

Observei ele adentrando mais o quarto, fiquei parado à frente da porta.

Não poderia abusar da sorte, mesmo com mil e uma reclamações do meu trabalho, não posso me dar ao luxo de morrer por um esqueleto da Galinha Pintadinha.

Ele, em passos lentos e tortuosos, foi até a adega na parede. Pegou dois copos e serviu um whisky marrom.

- Disse a alguém o que aconteceu aqui? - Mikey perguntou, a voz grave.

- Não, senhor.

- E não vai. - A afirmação cortou o ar.

O silêncio estalou. Ele se aproximou, oferecendo-me um copo.

- Desculpe, mas não bebo.

Mikey apenas assentiu, os olhos fixos em mim. Sentou-se no sofá à minha frente, bebendo relaxadamente, sem quebrar o contato visual. Era um scanner, seus olhos me despindo, e minha testa suava sem controle. Medo ou adrenalina? Talvez ambos.

- Durma aqui. Já está tarde - ordenou, esvaziando o primeiro copo e pegando o segundo, ainda cheio. - Escolha qualquer um dos quartos e passe a noite.

Seus olhos opacos continuavam me perfurando enquanto ele terminava a segunda dose e deixava o copo na mesa. Voltou a uma postura relaxada, com as costas corcundas no sofá.

- É daqui?

- Não, Sr. Moro - A interrupção veio seca.

- É do Japão?

- Ah, sim, não, Sr. Vim da América do Sul

- Hum. - Seu olhar desconfiado me avaliava. Não eram sutis. Mas eu não tinha nada a esconder. A coluna já gritava, mas a postura rígida era regra na presença deles. Uma bosta, mas sou pobre e tenho contas a pagar.

- O que fazia antes? - a pergunta veio, sem desviar o olhar.

Fiquei em silêncio por alguns segundos. O que me deixava mais encucado era porque ele só não puxava minha ficha com Kisaki. Eles já tinham me vigiado antes, qual a diferença de usar o que tinham de informações?

Não iria mentir, mas no seu íntimo achava graça. Não era burro, fingia ser. Simplesmente porque era conveniente.

O meu currículo não tinha nada de diferente dos outros. Até porque, se analisasse bem, havia um padrão nos funcionários. Um padrão bem útil, diga-se de passagem.

Todos são de periferia, beirando a pobreza extrema. Os que não conseguem sustentar seus próprios vícios, os abandonados. Os miseráveis sem esperança de que possam ir para o outro lado do mundo.

O lado da fartura, onde dinheiro é apenas papel. O lado da abundância, onde se faz acontecer. Não era surpresa que seus superiores fossem desse lado.

- Eu fazia bicos.

- Há quanto tempo está no Japão? - Seus olhos me escaneavam, um teste.

- Há uns quatro anos.

- Hum. - Ele resmungou, buscando algo. - Tem parentes?

- Não.

- Órfão? - Uma sobrancelha se ergueu.

É, talvez estivesse pesado na mentira. Mas nada que ele conseguiria saber. Afinal, eram apenas idiotas.

- Sim - ele já sabe que apresento esse perfil, mas insiste em ter certeza.

Então ele não perguntou mais nada. Permaneci calado, esperando outra ordem ou pergunta idiota que ele faria. Mas nada veio.

Eu estava sentado com as pernas juntas, pousando minhas mãos nas minhas coxas.

- Mais alguma coisa, Chefe? - tinha que dar fim àquele diálogo. Já tinha conseguido passar pelo mais difícil que era pelos olhos escarlates do Haitani mais velho.

O diferencial de lidar com ele era que ele não seguia um padrão de comportamento. Era imprevisível. Será que ele me mataria após essa conversa afiada?

Mas ele faz algo que não seja matar?

- Não. Liberado. - seus olhos cansados agora vagavam pelo quarto. Cansados.

Levantei-me com pressa, não iria disfarçar. Estava de saco cheio de tudo ali.

- Com a sua licença - curvei-me e saí em passos silenciosos rápidos.

Deixando para trás aquele esquelético. É, se em algum momento pudesse, iria mostrá-lo o mundo do tratamento. E obviamente uma metodologia chamada terapia.

Chapter 3: Capítulo 3: Olhos nas Sombras

Chapter Text

Depois daquele dia, a semana seguiu seu fluxo normal.

Chegando no trabalho, fazia o que tinha que fazer.

— Take, mandaram te avisar para limpar o quarto 33 do segundo andar — disse uma das minhas colegas de trabalho.

Assenti sem dizer nada. Ainda vestia o uniforme e só depois disso que busquei alguns utensílios que me ajudariam na limpeza.

Subi sem pressa as escadas e, quando me posicionei à frente da porta, a abri.

Fui recebido com uma imagem infernal, capaz de cegar qualquer um.

O Haitani mais velho fodia sem delicadeza alguma a coitada da Tachibana. Ali dentro do quarto, na cama.

— Me desculpe — as palavras ameaçavam deixar minha mente. A vergonha de presenciar aquilo era como um soco no estômago. Eu queria desaparecer dali o mais rápido possível.

— Tudo bem, Take. Eu mesmo pedi que te chamasse — disse Ran, com uma naturalidade que me deixava em choque. Como se aquela situação não fosse o auge do constrangimento, o mais absoluto desconforto. — Este quarto está uma bagunça — um sorriso cínico rasgou seu rosto. — Pode começar.

Que porra era aquela?, era o que se passava na minha cabeça.

A Tachibana gemia sem escrúpulos. Como ela sentia prazer naquilo tudo?

Minha posição era péssima. Eu escutava tudo, via tudo, cada detalhe. Eu não conseguia absorver as informações.

Fiquei paralisado, hesitante na porta. Eu não conseguiria limpar e ouvir aquela orquestra de horrores.

— Vai demorar? — A pergunta veio, carregada de expectativa e cinismo. Ele não parava com seus quadris de encontro com o traseiro da Tachibana.

Aquele lunático estava adorando tudo aquilo. Seus olhos roxos brilhando em excitação em minha direção não negavam.

Que raiva! Não bastava ter que andar na corda bamba, ainda tinha que aturar pornô ao vivo de seus superiores. Não poderia piorar.

— Na-não, Sr. — murmurei, pegando os produtos que em algum momento deixei descansarem na entrada do quarto.

Fui ao gaveteiro próximo a mim e por ele dei início à limpeza. Eu tentava ser discreto, mas aqueles olhos roxos queimavam em minhas costas.

Recolhia com agilidade as quantidades absurdas de camisinhas usadas. E algumas ainda lacradas. Passando perto da cama.

Sequências de gemidos manhosos, sons molhados que ecoavam pelo quarto, deixando-me apenas mais nervoso e envergonhado.

Era muita falta do que fazer mesmo. Não satisfeitos em darem uma mixaria de salário, ainda judiavam dos funcionários.

— Ahn... Mais, ahn... Porra — A mulher, tomada pelo prazer, gemia desnorteada. No corpo, uma camada de suor, provavelmente pelo esforço que fazia na cama.

— Sim, cadela. Geme — Ran desferiu um tapa na coxa avermelhada da Hinata. Em seu rosto, um sorriso. Seu corpo bem trabalhado suava e seus cabelos já não estavam mais centralizados com gel.

Roupas estavam espalhadas pelo quarto. Malditas fossem aquelas duas pestes em forma de humanos em cima daquela cama. Com pressa, fui ao banheiro dentro do quarto e peguei o cesto de roupas.

Recolhi todas as que achava pela frente, e tudo estaria bem se não tivesse uma única peça íntima próxima ao joelho do Haitani.

Não pude escapar de seus olhos zombeteiros, ansiosos pelo meu próximo movimento. Ele estava se divertindo com as minhas reações?

Esse puto... o que não faria para pisar naquele rosto estupidamente bem cuidado.

Aproximei-me em passos leves e pequenos. Estendi a mão, sem dar-lhe o gostinho de ter que encarar aquele lunático que não parava de dar seu show de horrores.

Quando minha mão estava próximo da peça, não pude evitar ver de perto seu membro grosso entrando pelo canal vaginal. Quando senti a peça entre os dedos, a puxei rapidamente, saindo em passos longos de perto do casal.

Eu vou surtar! Que cara de pau! Um sacana sem limites!

— Ahn... Goza dentro, amor — sua voz pediu arrastada a Ran. Por fim, soltando um gemido alto demais, avisando que tinha chegado ao ápice.

Ela parece uma porca no abate — uma risada fria invadiu minha cabeça.

Quando pus a cesta novamente no banheiro, agora com as peças sujas, imediatamente perdi o chão sob meus pés.

Merda!

 

"(...)"

Paralisado, seus membros e olhos petrificados diante do cesto, os gemidos manhosos ainda soavam abafados em seus ouvidos.

Um arrepio percorreu sua espinha vertebral. Suas mãos começaram a suar em uma proporção maior que antes.

Era o medo consumindo-o.

Queria negar o que tinha escutado, mas a voz soou muito perto de seus ouvidos. E parecia ser apenas para ele.

Aquela voz, ele a conhecia.

Foram meros segundos mergulhado na descrença. Sem aviso, seu corpo voltou aos seus comandos e, consequentemente, de seu sistema nervoso. Antes mesmo de sua mente enviar algum comando ao seu corpo, suas pernas tremiam levemente, e sua audição não estava nada boa.

Os gemidos tão pouco pararam.

Em passos apressados, agitado, seu corpo finalmente o levou sem pensar direito para fora daquele cômodo.

Em passos apressados, quase correndo, ele pegou os utensílios e o saco de lixo.

Pediu licença, curvando-se, saindo pela porta e a fechando logo após, sem dizer mais nada.

Corria pelo corredor, até as escadas abaixo. Algo o deixava inquieto. Algo de que ele há anos fugia.

Já estava na hora, hein — a voz soava risonha, quase como se estivesse acabado de acordar.

— Merda! Tenho que tomar os remédios. Ainda deve ter algum. Por favor, que tenha! — Ele corria, quebrando um dos protocolos do contrato de não correr pela mansão.

— Na minha bolsa deve ter, que tenha — implorava, correndo pelo primeiro andar, indo ao quarto dos funcionários.

Quando chegou no quarto, deixou sem ligar para nada o saco e os utensílios na frente da porta, entrou à procura do seu armário.

Quando o encontrou, às pressas, buscou pela própria mochila.

Suas mãos procuravam pelo pequeno pote de remédio. Quando o achou, sentiu falta do peso. Mas aliviou-se quando viu que ainda havia algo dentro.

Dois comprimidos, preto e azul. Ele os engoliu a seco, querendo dar fim a tudo aquilo. Aquele desespero que corria involuntariamente pelas suas veias.

Mas o efeito não foi imediato. A voz invasora na sua mente ria maldosamente, achando graça das decisões tão patéticas.

Isso não vai durar muito — Dizia misteriosamente, tanto sobre os remédios quanto sobre sua realidade atual. — Logo, logo o império vai desmoronar de dentro para fora — referia-se a quem trabalhava, sombriamente.

Não era anormal que aquela voz possuísse uma tendência nada boa de destruir coisas perigosas.

Takemichi sabia disso. Ele temia isso. Por isso, a força de seu silêncio.

Ele temia o que poderia acontecer, mas ainda não conseguia conter.

 

"(...)"

 

— Que merda foi essa? — perguntou Hinata, indignada.

— O quê? — Ran questionou, vestindo seu roupão.

— Chamou ele para nos ver transando? — Hinata questionava de pé, de frente para o homem mais alto que si.

— Não exatamente. Eu o chamei para limpar o quarto — ele arrumava distraidamente o roupão na própria cintura.

— Que caralhos! Não podia ter chamado ele depois que a gente transasse? — Havia raiva em sua voz, e uma veia destacava-se em sua testa de porcelana.

Olhos desinteressados alcançaram os seus rosados. E uma expressão de nojo se fez presente em suas feições.

— Achei que fosse seu trabalho — Ran a encarava com uma falsa dúvida. — Afinal, você é a nossa putinha. — Sua voz carregava desdém e arrogância.

Ran não demonstrou nada, nem mesmo depois de ver a expressão de descrença no rosto da Tachibana.

E com total desinteresse, caminhou para o banheiro, fechando a porta atrás de si.

Hinata já não se surpreendia com a forma de tratamento de alguns de seus amantes. Sempre hostis e arrogantes.

Não se lembrava ao certo como aquele tratamento tornou-se normal em suas interações.

Antes mesmo de se tornar a amante particular deles, ela tinha um sonho de se tornar alguém importante, memorável.

Que todos amassem e invejassem ao mesmo tempo.

Por causa de tal sonho, fugiu da casa dos pais com o juramento de que seria algo maior, que seria alguém com quem nenhum de sua família poderia ter contato.

Mas ela não possuía um plano. Movida pela influência de relatos fantasiosos, começou a trabalhar em uma boate. Acreditou profundamente que, sendo stripper naquela boate, seria seu ponto de partida.

Mas seus olhos brilharam em uma perspectiva perigosa quando soube que aquela boate era de um dos executivos da máfia mais perigosa do Japão.

Suas companheiras de trabalho estavam loucas para se tornarem amantes de pelo menos alguns dos executivos. A hostilidade delas se tornou pior quando, por vontade própria, ela se introduziu naquela competição.

Seus olhos gananciosos brilhavam na possibilidade de sair dali e se tornar uma amante de luxo. O que queria, o que ela merecia. Uma vida de luxo.

Luxo, dinheiro. Era o que queria.

Não foi difícil entrar no círculo social dos executivos e até mesmo do chefe deles. Uma vez que fingia apenas querer desestressá-los depois de um dia cansativo, uma visita à boate para espairecer.

Ela tinha tudo ao seu favor. Aos poucos, estava cada vez mais envolvida com eles. Até o momento em que um contrato foi posto à sua frente e nele uma possibilidade de uma nova vida. Teria tudo em troca, seria a parceira sexual particular dos membros principais da máfia.

Parecia um sonho para ela. Como aqueles filmes ultrapassados de romance de máfia.

Ela assinou sem nem ler. Exatamente como eles imaginavam. Ela se jogou de cabeça.

Ela adorava toda aquela atenção para si. Todos aqueles presentes luxuosos. Aquelas noites quentes. Adorava como era "comida" pelos mais desejáveis.

Adorava ser bajulada.

Mas nada a preparava para quando eles cansariam dela.

Mas não se passava na sua cabeça que aquele contrato dizia muito sobre a índole de seus amantes.

Mas no seu íntimo sabia que não abriria mão daquela vida. Não abriria mão de nada da sua vida atual.

— Babaca escroto — pensou ela, furiosa por tais falas do Haitani mais velho.

"(...)"

Quando o remédio deu sinais de efeito, não consegui segurar um suspiro pesado e profundo.

Odiava certas situações justamente por atiçarem algo em mim que não queria lidar.

Mas minha mente não estava mais barulhenta. Estava calma. Como deveria ser.

Então, voltei ao trabalho. Segui para a cozinha. Precisava me ocupar com algo.

— E aí, pessoal — cumprimentei todos de uma vez na cozinha, recebendo alguns acenos de cabeça e alguns "e aí" ou "De boa".

— Tem algo para mim? — perguntei a algumas das funcionárias.

— Solicitaram primeiros socorros no quarto do chefe Matsuno.

— Ok, vou lá — sem problemas, peguei o kit de primeiros socorros que sempre ficava em cima da geladeira.

Segui escadas acima, em direção oposta à que fui quando me deparei com aquela cena diabólica.

Dei leves toques na porta e esperei calmamente que abrissem.

Não demorou mais que trinta segundos e a porta se abriu. Apenas uma brecha, o suficiente para alguém olhar quem estava do lado de fora.

— Bom dia, Chefe. Sou o Takemichi, vim aplicar os primeiros socorros — sorri levemente, fazendo uma reverência.

Ao me endireitar, e minha coluna quase não voltar para o lugar, o homem de olhos esverdeados ainda me encarava pela brecha.

Demorou um pouco para a análise dele. Eu queria muito perguntar se ele tinha perdido algum parente parecido comigo.

Sua voz soou tímida e fraca. Quase não escutei quando ele liberou a passagem e pude entrar no quarto. — Pode entrar.

— Com licença — pedi, entrando no cômodo.

E meu Deus! O quarto por fora parecia ser padronizado igual aos outros. Mas por dentro, carregava uma decoração de tirar o fôlego.

Pelo visto, o dono do quarto tinha ficado parado no tempo. Havia pôsteres de bandas e animes pelas paredes. Duas prateleiras gritando socorro de tanto mangá que tinham.

Mas, paralelamente a isso, a cama e o quarto estavam limpos e arrumados. Também havia uma mesa com um PC com LEDs brilhando por dentro. Doía minha cabeça só de ver.

Ele estava sentado na ponta da cama. Sem demora, deixei o kit ao seu lado.

Analisei-o, aproximando-me mais do seu rosto. Assisti um avermelhado surgir em suas bochechas.

Havia ferimentos leves no rosto e seu olho estava dando sinais de inchaço. Retornei ao kit, abrindo-o e tirando alguns produtos.

Fiz uma limpeza meticulosa e passei alguns remédios líquidos que serviam no cicatrizamento delas. No olho, passei uma pomada específica.

Eu fazia tudo sem pressa e com calma. Seus olhos verde-água seguiam meus movimentos com atenção.

— Terminei, Sr. — disse, dando passos para trás. — Precisa de mais alguma coisa?

Seus olhos atentos, por segundos, vacilaram. O avermelhado ficou mais forte.

Talvez estivesse com febre. Deixaria um remédio consigo.

— Na ver-verdade, ainda tem um lugar machucado. — Seus olhos eram envergonhados.

— Mostre-me, por favor.

Ele levantou hesitante da cama, mostrando-me que éramos poucos centímetros de diferença na altura.

Ele virou de costas para mim e tirou a blusa que usava.

Pelo amor do divino, não tinham batido nele. Tinham o feito de mola de cama.

Suas costas possuíam manchas arroxeadas e azuis. Estava todo arrebentado.

— Com licença, eu irei passar a pomada nos machucados — passei com delicadeza nos ferimentos a pomada.

Ele tentava não demonstrar, mas eu conseguia sentir os arrepios em suas costas quando pressionava nos machucados.

Ele tentava não proferir dor. Que ridículo.

— Pronto — disse, terminando, pondo a pomada novamente dentro do kit e tirando uma carteira de comprimidos.

O homem já tinha vestido a blusa novamente e me encarava atentamente.

— Aqui, tome-os a cada 6 horas. Vai melhorar as dores. — disse, fechando o kit, já me preparando para sair.

— Obrigado — disse ele.

— De nada, apenas fiz meu trabalho.

— Com licença — ia me retirar quando:

— Você é o Takemichi, né? — Sua voz soava tímida. Apesar de seus olhos atentos a mim, seus dedos brincavam entre si em ansiedade.

— Sim, senhor — "Só podia estar com um pau no ouvido. Será que ele não tinha escutado quando cheguei?", pensei.

Seus métodos de conversar eram ultrapassados, ou ele não possuía nenhum. Ficamos em um prolongado silêncio. Apenas nos encarando.

— Ah... Desculpa, nunca tínhamos conversado antes — ainda falava timidamente.

Que porra ele era? Uma menininha no colegial?, pensei.

Sem saber o que responder àquilo, apenas confirmei com um "hum".

Que dia de merda aquele estava tendo.

— Eu sou o Chifuyu.

— Eu sei, senhor — respondi passivamente. Seu rosto bronzeou mais, talvez pela timidez ou vergonha pela tentativa falha de puxar assunto.

Passei meus olhos rapidamente pelos pôsteres e voltei a ele.

— Gostei desse pôster — apontei aleatoriamente. Seu rosto buscou rapidamente qual dele meu dedo apontava.

Não faria mal algum dar um pouco de atenção a um otaku virjão depressivo.

— Você curte jogos? — Seus olhos brilhavam em expectativa, sua voz não parecia tão hesitante como antes.

Ele estava animado, coitado. Nunca deve ter tido um amigo.

— É por aí. Eu não sei muito bem, mas eu gosto.

— Quer que eu te ensine? — Ele sorriu animado, igual a uma criança.

— Sinto muito, mas ainda estou no meu horário de tra... — senti meu pulso ser puxado em direção a uma TV enorme.

— Vem, vamos jogar um X1! — Entorpecido pela ideia, nem se deu ao trabalho de me escutar.

Então, apenas cedi. Não faria mal jogar um pouco.

 

"(...)"

— Nãoooo, como pode?! — lamentava, ainda olhando o placar. — Como assim, não sabe muito?

O loiro lamentava-se. Havia uma grande diferença no placar. Das seis rodadas, cinco vitórias foram minhas.

— Tem melhores — disse, ainda desinteressado.

Meus olhos passaram brevemente pelo relógio, assustando-me com o horário.

— Com licença, Chefe, mas faltam 3 minutos para o almoço. Preciso me retirar — levantei do chão, sendo seguido pelo loiro.

— Vamos juntos.

Ambos caminhavam pelo corredor lado a lado. A sala de jantar era no primeiro andar. Não demorou para chegarem.

Ao entrarmos na sala, acreditei que ainda haveria pessoas para chegar. Mas todos estavam ali, postos à mesa. Incluindo o rei, o que significava que o almoço já tinha se iniciado.

Olhos atentos me miravam, curiosos. Mas apenas pedi licença e segui suando frio ao meu posto.

Maldito seja eu mesmo por não saber contar os minutos corretamente no relógio.

Alguns olhos apenas voltaram a suas refeições, outros ainda me perseguiam, como o do Haitani mais velho.

Não pude deixar de perceber que, mesmo já no meu posto, com minha postura reta, olhos negros como abismos analisavam-me pelos cantos dos olhos.

Mas não fui o único a perceber. Quando Chifuyu também percebeu os olhares discretos do Chefe em mim, tentou mudar a direção de sua atenção.

— Soube que Kankucho retornará — comentou, pondo algumas coisas em seu prato.

— E com certeza aquele arrogantinho de merda também — resmungou Baji, referindo-se ao Izana.

— Mais respeito com o irmão do chefe — Sanzu mandou, sério.

— Se não, o quê? — Baji suspendeu a sobrancelha. — Vai me exautar*?

— É executar — corrigiu Ran, risonho, agora tendo sua atenção voltada à mesa.

— Foda-se — disse Baji, rendendo risadas de alguns membros também comendo.

— Eu queria dizer algo — pronunciou-se Hinata, ficando de pé.

Alguns apenas reviraram os olhos com desdém, como Ran e Kokonoi. Outros apenas ignoraram sua fala, como Baji e os gêmeos Kawata.

— E desde quando fala algo relevante? — perguntou Rindou, desinteressado. — Na verdade, não deveria estar comendo junto com os empregados? — implicante, com sua típica cara inexpressiva.

Isso causou risos nos irmãos Kawata e leves sorrisos contidos na mesa. Mas isso não abalou a Tachibana.

— Eu estava pensando, e cheguei à conclusão que deveríamos sair, todos juntos — ela falava, confiante.

— Só o que faltava — Rindou revirou os olhos em desdém, arrancando uma risada do irmão mais velho sentado ao seu lado.

Não era de hoje que Rindou sentia uma antipatia pela Tachibana. O motivo aparentemente eu não sei, mas ele sempre que podia tentava humilhá-la.

— Será que a tonta Tachibana sabe que fazemos parte de uma máfia? — Seus olhos eram caídos, mas sua voz carregava um veneno sem igual.

Aos poucos, o clima ficava pesado, com uma tensão que a maioria ignorava simplesmente por não ligar para tudo aquilo.

— Nossa, nem eu compito* com tanta burrice.

— Compete — Ran novamente corrigiu Baji, recebendo um murmúrio "Foda-se".

— Hinata, na posição em que estamos, não podemos sair em lugares públicos de forma despreocupada — pacientemente explicava Draken.

— Então, pra que tanto segurança se nem sair podemos? — frustrada, estava Emma. Seu plano de saírem todos juntos não estava indo para frente.

— Obviamente para garantir a segurança das duas princesas — pela primeira vez desde o início do almoço, Kazutora disse algo. Sorrindo com deboche.

— Queríamos que pudéssemos ir ao cinema. Temos mais memórias juntos — Emma insistia, ainda sentada.

— Achei uma boa ideia — sorriu Ran, com a mente em outra pessoa.

— Péssima ideia — murmurou o irmão.

— Mikey, nos diga o que acha — Hinata sentou-se novamente, esperançosa de que o chefe gostaria da ideia. Não só ela, mas Emma também esperava ansiosamente.

Os outros membros nem se davam ao trabalho de assistirem à reação do líder. Já sabendo o que as aguardava.

Era triste como ambas não eram nem consideradas de igual para igual.

O chefe, sentado na ponta da mesa, não proferiu nada. Nem sequer uma palavra. Na verdade, ele brincava tediosamente com a comida. Ele nunca esteve prestando atenção naquela ladainha.

— Acho que o Mikey não quer ir não, hein? — Debochou Baji, rindo.

— Jura? — perguntou Kazutora para Baji. Ambos caíram em gargalhadas juntamente com os irmãos Kawata.

Eles adoravam diminuir a presença delas. Era nítido.

— Vamos ter mais modos na mesa, o que acham? — disse Kokonoi, indiferente a tudo.

— Relaxa, cara pálida — ria Smiley.

— Se querem tanto sair, saiam. Só parem de encher meu saco — sua voz soou pelo cômodo, cansado. Não tirava os olhos do próprio prato.

— Mas...

— O rei já avisou, nem tenta — a voz rouca de Sanzu causou arrepios nas duas mulheres na mesa.

— Relaxa, Sanzu, elas já entenderam — tentava apaziguar Draken.

De todos, apenas havia um em que ambas as mulheres em nenhum momento puderam se aproximar tão intimamente. Esse era o cão de guarda Sanzu.

Parecia que ele não fazia nada de sua vida que não fosse servir ao chefe. Sua forma de servidão estava fora dos dicionários tradicionais.

Poucos entendiam seus comportamentos. Ele só não era mais imprevisível que o chefe cara-de-morto, porque consumia drogas.

O resto do almoço foi em silêncio. Os olhos vagavam atentos a tudo. Olhos dourados e afiados.

Kisaki era o membro mais calado. Era notável que gostava mais de escutar do que falar.

Aos poucos, foram saindo da mesa e do cômodo. As duas mulheres ainda carregavam uma carranca em suas faces.

Elas estavam furiosas com tudo aquilo.

Quando todos saíram, voltamos a limpar a mesa e recolher o que estava sujo. Ajudei sem pressa. E depois fui designado a fazer uma limpeza no jardim de trás da mansão, onde roseiras descansavam na sombra daquela tarde.

Elas eram bonitas, apesar de eu não sentir tanta atração por flores.

Adentrei as roseiras, sem me dar conta que havia uma figura alta, sentada em um banco de madeira.

— Me desculpe, não o vi aí. Peço licença — curvei-me.

— Sem problemas. Pode fazer o que veio fazer. — Sua voz era calma, mas seu semblante era de poucos amigos.

De fato, ele carregava uma aura como nenhuma outra vista por mim.