Chapter 1: Viagem para Longe em seus olhos
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Jane odiou cada segundo de sua vida durante dois meses. Foram surpreendentemente dois meses. Não sabia como tinha durado tanto tempo assim. Henry a tinha poupado, só não entendia o motivo. Ele estava até procurando uma nova esposa e ainda tinha ela como sua rainha? Jane não deveria ter se tornado uma criada à essa altura?
A dor de perder o bebê foi horrível. Ela não conseguiu suportar. Não havia ninguém para cuidar dela... Nem mesmo suas próprias criadas, nem mesmo Henry quis vê-la... Estava morando em um outro quarto, longe do dele. Vivia sozinha, completamente. Não recebia visitas, seus pais ficaram decepcionados. Mas fora dali, todos a viam normalmente. Ela era Jane Seymour, a Rainha da Inglaterra, por mais que tivesse perdido seus herdeiros no parto.
Henrique a odiava. Não queria vê-la. Nem mesmo que por duas horas quando estavam em seus tronos no salão.
Então, Jane Vivia em seu quarto. Era um pouco apertado, mas ainda aconchegante. Ela dormia em uma cama de casal de dossel, o que era relativamente estranho, comparado à dormir com Henry — era muito mais relaxante. Havia uma porta para uma casa privada (nesse caso, o banheiro). Tinha uma banheira, que ela só usava quando recebia água para isso. Um pequeno armário, onde ela deixava suas poucas coisas, um espelho de mão. Uma tapeçaria estava postada ao lado da porta, mas era feia e empoeirada. Entre a porta da casa privada e o armário, havia uma lareira, também pouco usada por causa da lenha e das poucas habilidades de Jane para mantê-la acesa. Mas no chão, embaixo da janela, bem ao lado da cama, jazia no chão a única coisa que destoava do resto do quarto.
Enquanto Henry procurava por uma nova esposa, ele coletava coleções de quadros de belas mulheres ao redor do Mundo Antigo: desde espanholas até asiáticas, holandesas e portuguesas. Jane sabia que todas elas eram perfeitamente belas e, com certeza, ricas. Jamais foram damas de companhia de outras rainhas, nem mesmo eram filhas de servos do Castelo Real. Nem nunca mataram uma pessoa. A cada 'Ana' que Jane via nos nomes, seu coração pulava — lembranças invadiam sua mente, repulsa em seu estômago.
Ana Bolena tinha sido sua antecessora, e por causa dela, tinha sido decapitada. Jane jamais deixaria de se culpar por causa disso.
Henry, surpreendentemente ainda mais, pediu que Jane o ajudasse a procurar uma nova esposa para ele. Ela não foi discutiu, claro.
Foram horas e mais horas olhando quadros e mais quadros. Jane sentiu os olhos pesando. E então, um no meio de todos eles chamou sua atenção. Era uma mulher elegante, com os cabelos cobertos e um rosto pequeno. Jane não diria que ela era bonita como as outras (mas também não era feia), mas havia algo... algo a mais que fez Jane olhar-la com muita calma.
"Vossa Majestade permitiria que eu tivesse esse quadro?" Jane disse em voz baixa para Henry, o quadro posicionado em seu colo. O rei o olhou por um segundo, fazendo uma pequena e sutil careta para a imagem.
"Quer ficar com algo tão feio?"
Jane sentiu seu corpo tremer. Ela olhou para a pintura por um segundo e então voltou os olhos para ele.
"Não fará falta à Vossa Majestade, fará?"
"De forma alguma..." Henry resmungou, começando a ficar irritado. "Fique com ele, nesse caso."
"Saiba que fico agradecida, meu senhor." Jane obrigado. "Peço licença, Majestade, estarei me retirando agora."
Então, naquele momento em que Jane estava sentada em sua cama de dossel, observando uma janela, o quadro de Ana de Cleves estava ali, olhando para ela o tempo todo, enquanto ela dormia ou passando o dia ali sem fazer absolutamente nada.
E enquanto esperava novas ordens do Rei, era a única companhia que ela tinha. Servia como seu porto seguro. Aos seus olhos, Ana de Cleves já tinha se tornado linda. Jane até mesmo se arrepiava uma vez ou outra em que encarava seus olhos.
Certa vez, inesperadamente, Jane recebeu a visita de uma criada que estava acompanhada por um guarda. A mulher parecia nervosa e o guarda, nem um pouco à vontade.
"Minha Senhora, o Rei Henry a chama para o salão real..." ela disse, a voz quase rouca.
“Vim para acompanhá-la, Senhora” o guarda acrescentou.
A criada virou-se e foi embora sem muita hesitação. O homem se colocou ao lado da porta em silêncio, apenas o barulho do metal de sua armadura parecia estar lá enquanto ele respirava. Jane se declarou da cama onde estava observando o quadro de Von Kleve e caminhou até a porta, passando pelo guarda, que logo a segue pelo corredor.
Jane não conseguia negar estar nervosa. Na verdade, não parecia ser nada bom, como sempre. Henry poderia ser surpreendente quando quis, e às vezes... até demais. Ela temia que pudesse ser decapitada como Ana Bolena. Não é como se fosse uma possibilidade irreal.
Ela balançou a cabeça em descida. Não seria nada bom, de qualquer forma.
O salão do trono estava relativamente cheio, com muitos nobres, cavaleiros, damas e até alguns criados. Jane os observou enquanto entrava. O guarda que a acompanhava ficou na porta do salão junto com seus colegas. Jane caminhou entre os nobres, os olhos baixos para o chão, tentando ao máximo não ser notada. O trono do Rei era a última coisa em todo o salão, e ficava alto para que todos pudessem vê-lo e ele pudesse ver todos. Quando ela se mudou com uma reverência desajeitada com seu vestido de lã fina desbotado, pode-se ouvir algumas risadas. Jane ficou de pé novamente, a cabeça abaixada em pura vergonha.
"Vossa Alteza..." ela murmurou.
"Lady Seymour" disse Thomas Heneage, o Conselheiro mais confiável de Henry.
O Rei, no entanto, apenas a olhou com uma expressão divertida e não chegou a cumprimentá-la.
Jane engoliu em seco, desviando o olhar dos dois homens. Thomas era nojento, sempre fazendo piadinhas desgostosas sobre mulheres com quem ele já dormiu. Quer dizer, como a maioria dos homens faz.
"Fui informada de que Vossa Majestade desejava minha presença..." ela disse.
"Ah, sim." Henry balançou as mãos. Ele olhou para Thomas, fazendo um sinal para que ele falasse algo.
O Conselheiro arranhou a garganta e fez uma pose empoderada, pondo-se acima de Jane.
"Vossa Majestade tem presentes para seu último relatório." Jane parece com sobrancelhas, um pouco surpresa. "O Senhor gostaria de avisar que Lady Jane Seymour é um deles."
O salão ficou em silêncio. Houveram alguns murmúrios por um segundo vindo das damas e das damas. Uma risada pode ser ouvida no fundo. Jane estava completamente paralisada.
"O Rei informa que a senhorita deve arrumar suas coisas para partir desta noite. Irá viajar para a Alemanha, a serviço de Anna von Kleve, princesa da cidade de Düsseldorf."
Chapter 2: Bagagem Extra
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Jane não poderia ter ficado tão mal quanto já estava. Ser expulsa do seu próprio país foi humilhação suficiente, mas foi mandado como "presente" para a última ex-esposa de Henry? Jane nem sequer percebeu que Henry se casou depois dela.
A noite caiu rápido depois que Jane voltou para o seu quarto. Ela arrumou suas vestes em um baú que tinha ganho de sua mãe muito antes de sua vida de luxo e uma sacola de couro com algumas coisas mais pessoais. Ela fez o possível para poder tomar ao menos um banho curto, que a mesma criada que a chamou para o salão se ofereceu para ajudar com a água. Não estava frio, portanto a água era relativamente morna em comparação com a temperatura ambiente. A criada foi embora assim que a água foi despejada na banheira. Jane ficou dentro dela por vários minutos, mesmo que pela janela ela pudesse ver que ficava cada vez mais escura.
Ela não conseguia se lavar por completo, mesmo que fosse uma enorme necessidade. Sempre que tocava as coxas, as lembranças invadiam sua mente. Toda vez era a mesma coisa. Como se estivesse dando à luz novamente. Seu corpo estava cansado, tremendo. Ela ainda se sentiu como a Parteira segura ou o bebê nos braços com um ar tenso.
Jane o viu e seu coração saltou de colapso. Mas então a verdade veio.
"Era um menino..." a Parteira havia dito em voz alta para que todas as mulheres no quarto pudessem ouvir. "Ele está... Morto."
E foi exatamente isso o que se sabia. A criança não chorou, não se debateu ou não se mexeu.
Do outro lado da porta, ao não ouvir mais nenhum som nem murmúrio, Henry entrou. Jane chorou silenciosamente. Algumas das damas cochicharam entre si. Henry as tirou, mandando que saíssem. Ele se mudou de Jane, abrindo espaço entre as mulheres. Segurou sua mão enquanto via as lágrimas caíram sobre as bochechas da esposa. E então a Parteira contou o que havia acontecido. Henry foi o próximo a sair do quarto.
Jane conseguiu ver o olhar de decepção em seu rosto, uma raiva, uma tristeza.
Então Jane apenas lavava a parte de cima do corpo. Ou chorava desesperadamente tentando.
Ela se vestiu com o mesmo vestido de lã fino e desbotado, com o decote quadrado que marcava seu bocado de seios e mangas soltas. Jane pegou uma sacola de couro e de alguma forma conseguiu erguer o pequeno baú.
Estava prestes a sair do quarto quando deu uma breve olhada para trás. Estava ainda mais vazio e solitário do que nunca. Além do quadro de Ana de Cleves.
Jane sentiu sua boca se inundar com uma sensação estranha. Ela colocou o baú em cima da cama e se mudou da janela, pegando a pintura com todo o cuidado. Não era grande, deveria ter quarenta centímetros de altura e vinte de largura — era menor do que o seu baú. Ela olhou para a cama por um segundo, se deixando levar pela sensação de calor que aquela pintura lhe proporcionou.
~\∆\~
Jane embarcou no barco havia duas horas, e os olhares já tinham começado. Homens com mãos bobas se ofereciam para ajudá-la com sua bagagem e por um momento Jane considerou aceitar. Então ela olhava para o seus sorrisos e desistia.
"Sou grata pela oferta, mas creio que consigo sozinha" ela dizia.
O último homem que havia chegado perto dela tinha ficado extremamente descontente.
Jane soube no mesmo momento que deveria começar a ter mais cuidado dentro daquele barco.
Ela passava a maior parte do tempo dentro da pequena sala onde dormia, mas não era nada privada. Ela não conseguia parar de vomitar nos primeiros três dias, o que tinha virado entretenimento para os marinheiros. Alguns deles (em parte, os rejeitados) gostavam de roubar parte da comida dela, beber do seu vinho ou, às vezes, beliscá-la. Riam, porque era divertido. Ninguém, nem mesmo os homens mais sensatos faziam nada para defendê-la. Se Jane já não se sentia tão sozinha, agora estava mais.
E isso durou por quase uma semana. Foi pouco tempo, mas Jane quase passou fome. Ficou muito mais magra do que já era, e vomitava com mais frequência. Chegando no final, quando eles já haviam avistado terra novamente, alguns dos homens "mais humanos" tentavam ajudá-la, de certa forma, com a comida e vinho. Não havia muito que pudessem fazer, mas foi o que tentaram.
Jane seguiu do porto de caroça até a cidade de Düsseldorf, o que durou mais três semanas. Era completamente desconfortável, mas às vezes ela conseguia dormir por um ou dois minutos antes que passassem por cima de um pedra na estrada. As pousadas estavam sempre vazias, Jane podia passar a noite lá praticamente de graça, contando que lavasse seus próprios pratos. Ela fazia isso de bom coração. Tinha sido um acordo: seu acompanhante, um dos servos de Henry, iria estar sempre junto dela até que fosse entregue à Ana e voltaria para a Inglaterra depois disso, mas durante o caminho, o Rei pagaria as despesas dele, e Jane teria que resolver seus próprios problemas. Não era tão terrível assim. Ela até gostava de trabalhar por um momento. Podia aprender e relembrar o que deveria fazer como criada de Ana.
Então, na quarta semana de viagem, eles finalmente chegaram à cidade. Era bonita, organizada. Jane não entendia uma palavra do que as pessoas falavam na rua, mas era uma cultura inteiramente diferente, e isso a fazia ficar mais e mais interessada.
Quando chegavam mais ao centro da cidade, o Castelo já começava a aparecer ao longe. Jane ficou totalmente sã novamente. Era enorme.
Parecia brilhar no centro de tudo. Era alto, com diversas torres na frente, murros mais baixos e abertos ao público. Haviam quatro pares de guardas na entrada, armados apenas com uma espada na bainha e uma lança na mão esquerda.
Eles passaram de carroça pela entrada e quando pararam, Jane se viu entregando suas coisas a um Porteiro bem vestido e viu os cavalos sendo levados pelos criados de estábulo. Certamente, a Alemanha parecia bem mais organizada do que a Inglaterra. Uma recepcionista já estava na porta, esperando por Jane. Obviamente, seu companheiro sofreria o carma da viagem agora.
"Lady Seymour" ela disse, uma ponta do sotaque alemão em sua voz. Jane acenou gentilmente para ela, começando a segui-la para dentro do Castelo. "Vossa Alteza informou que sua 'precença' era imediata em seus 'apocentos'", a Recepcionista contínua. Jane colocou a mão na frente da boca para cobrir um sorriso divertido. "Eu a levarei até Vossa Alteza."
"Obrigada", murmurou uma loira.
As duas mulheres passaram por grandes escadas, salões enormes, milhares de portas e então a Recepcionista se virou em frente a uma delas, mais decorada e adornada do que as outras. Ela deu duas batidas e um "zwischen" foi ouvido. Jane estava com a mente em branco sobre o que aquilo poderia significar. A mulher alemã tocou a maçaneta e fez um gesto para que Jane entrasse.
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Quando a Recepcionista fechou a porta atrás dela, Jane se viu em uma pequena mas estranhamente luxuosa antessala. Do teto descia um belo lustre com seis velas em cada ponta. Haviam diversas tapeçarias pelo chão e parede direita, onde também havia uma mesa com um espelho sobre esta. Jane se olhou por um momento e quase desejou poder chorar: seu rosto estava sujo como terra, as bochechas magras e maçãs do rosto marcadas, e seus cabelos pareciam palha de dar para vacas; seu vestido estava amarrotado e ainda mais desbotado do que já era. Jane se encolheu contra si mesma, completamente envergonhada. Desgastada era um ótima palavra para descrevê-la.
Jane suspirou, tentando avidamente se concentrar em parecer mais gentil e agradável do que sua aparência lhe proporcionava.
Seus pés se moveram para a outra porta, na qual ela deu uma leve batida. Ouvi-se outro "zwischen", agora um pouco mais irritado do que antes. Jane tocou a maçaneta e a girou, abrindo a porta com um terrível rangido. Ela fez uma caranga antes de entrar e fechá-la rapidamente.
O quarto deveria ter o quádruplo do tamanho da antessala (mesmo que Jane não soubesse fazer as contas), com uma cama de dossel perfeitamente entalhada em madeira grossa posicionada bem no centro. Em um canto estava a portinhola para a casa privada, também decorada delicadamente, dois armários em duas das paredes, uma escrivaninha embaixo da janela com uma cadeira com assento de lã grossa — Jane daria tudo para poder se sentar em uma dessas naquele momento. E então, aos pés da cama, com um vestido de seda volumosa, as mãos ao colo, sem o Capuz Inglês que as rainhas normalmente usavam, o que fez seu cabelo ruivo, preso em um coque, deixar algumas mexas caírem sobre o rosto, estava Ana de Cleves.
A primeira coisa que Jane notou era que ela era muito mais bonita pessoalmente. Seus lábios não eram tão finos quanto na pintura, nem seu nariz tão grande. A cor ruiva do seu cabelo mais se parecia com vermelho do que laranja, como foi pintado no quadro. Seu rosto era um pouco mais quadrado e sua testa não era tão grande. Jane se aproximou com cuidado, parando em frente a ela. Von Kleve a olhou de cima à baixo, um leve sorrindo brincando em seus lábios.
"Em sua carta, Henry tinha dito que você era rainha. Eu jamais vi uma rainha com tamanha elegância" ela caçoou, erguendo o queixo para Jane. "Lady Seymour, a exilada..."
Jane engoliu em seco. Queria muito bem ser engolida pelo Castelo. Ela se apoiou nos calcanhares por um segundo, antes de se inclinar para frente, fazendo a melhor reverência que podia. Para sua sorte, não tinha sido tão horrível quando a que fez para Henry na Inglaterra.
"Vossa Alteza..."
"Dispensamos apresentações." Ana ficou de pé, ajeitando o vestido com uma mão. "Jane Seymour, a ex-rainha da Inglaterra. Ana de Cleves, princesa de Düsseldorf."
Jane franziu a testa levemente. Ana ergueu uma sobrancelha.
"O que a incomoda, Lady Seymour?"
"Nada, Majestade. Eu apenas imaginei que fosses rainha desta bela cidade..."
"Rainha?" Ana sorriu.
Jane sentiu um arrepio subir por suas costas. Ela não havia notado antes, mas o sotaque alemão que a princesa tinha era mínimo, e isso provavelmente significava que ela era perfeitamente fluente em sua língua. Sua voz era graciosa, como mãos gentis acariciando seu pescoço arrepiado.
Ana deu passos lentos em sua direção, os olhos percorrendo o rosto bagunçado de Jane. Seu sorriso se ampliou levemente, mais divertido e quase malicioso.
"Por acaso, eu devo perguntar, tens conhecimento da nossa cultura?" Ana pronunciou, quase ironicamente.
Jane negou com a cabeça.
"Infelizmente, não, Majestade..."
"Portanto, não sabe o que deve fazer agora, sabe?"
Jane franziu as sobrancelhas.
"Não, Senhora..."
"Precisa se despir" Ana disse calmamente, como se não fosse nada sério. "Completamente."
"Completamente?" O rosto de Jane ficou duro.
"Como eu acabei de dizer, Lady Seymour."
Jane abriu a boca para protestar, mas a expressão de Ana não era de se discutir. Ela então ficou em silêncio, enquanto suas mãos subiam até seus ombros, puxando as mangas para baixo. Ana a observou atentamente enquanto o vestido caía no chão aos pés da ex-rainha. Jane segurou as mãos juntas em frente ao corpo, como se tivesse terminado. Ana arqueou uma sobrancelha, duvidosa. Jane olhou para ela com uma expressão triste. Suas mãos se moveram para as suas costas, tocando as cordas do corset.
"Se Vossa Majestade permite que eu pergunte, por qual motivo eu preciso estar despida agora?"
Ana a olhou em silêncio por mais um segundo antes de responder, sem tirar os olhos do seu busto enquanto Jane colocava o corset ao lado do vestido no chão.
"Preciso de uma avaliação física sua. Como seu corpo está nesse momento pode significar que você não é tão saudável quanto eu preciso que seja."
Jane puxou a bainha da sua chemise até os quadris, e então parou.
"Isso faz parte da cultura alemã, eu imagino" ela resmungou, puxando a peça sobre a cabeça.
Enquanto Jane estava ocupada colocando a roupa no chão, Ana sorriu um pouco mais.
"Está correta" ela disse, um pouco alheia em seus próprios pensamentos.
Jane ficou parada em frente a ela, as mãos tentando cobrir as partes mais íntimas, mas sem sucesso. Ana deu mais alguns passos em direção a ela, e começou a dar um volta lenta ao seu redor. Ela observou cada detalhe do seu corpo inteiramente nu. Sua pele pálida, destacando suas veias azuis. Sua cintura não tão fina. Seus cabelos ensebados. Seus lábios secos. Os olhos azuis. Seus quadris e coxas mais largos. Seus seios pequenos. A forma como suas costelas pareciam querer sair pela barriga. Suas costas esguias. Ana sorriu, a mão hesitando levemente em tocar seu ombro, mas os dedos o roçaram, o que fez Jane se encolher contra si mesma. A mão de Ana desceu pelo seu braço até chegar em sua cintura, apertando-a com todo cuidado. Ana viu como ela era frágil, e ela sabia que um movimento em falso poderia deixá-la desajeitada. Jane deixou um suspiro escapar por entre os lábios. Ela se lembrava perfeitamente de como Henry gostava de segurar sua cintura daquela forma e beijar e morder seu ombro sem piedade. Jane arfou pesadamente, um gemido baixo e uma falsa tentativa de se afastar fizeram Ana se aproximar mais de sua costas, a outra mão tocando seu cóccix enquanto seu rosto ficava mais perto da sua orelha.
"O que há de errado?" ela sussurrou.
Jane tentou balançar a cabeça, mas não o fez.
"Nada, minha Senhora..."
Ana suspirou, afastando-se.
"Vista-se. Você passou na avaliação." Ela voltou para os pés da cama. Jane pegou do chão sua chemise e a vestiu rapidamente, logo amarrando o corset sobre o busto. "No entanto, não faça com que eu me arrependa, Lady Seymour."
Notes:
Sei que Ana pareceu muito rude, mas ela tem um coraçãozinho mole ♥
Chapter 4: Primeiro dia
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Jane podia ter certeza de que não estava animada para começar a ser a criada "pessoal" de Ana. Não pelo fato de ser um trabalho humilhante para uma ex-rainha (o que, obviamente, era), mas sim pelos últimos acontecimentos e o pouco que Jane sabia sobre Ana.
Em parte, estar longe de casa em um país em que no máximo dez pessoas falavam a sua língua também era um detalhe bastante desconfortante. Mas não era necessário que Jane soubesse falar alemão para entender que as pessoas estavam caçoando dela.
Quando a Recepcionista a acompanhou até o seu quarto depois de sua conversa com Ana, as duas passaram pela ala dedicada aos criados, e não foi difícil que ela ouvisse os murmurinhos e sussurros enquanto passava por eles. Jane se sentia grata em ter um quartinho só para si, mas a intimidação que a recebia em troca era cansativa.
Foi no seu primeiro dia oficial como criada da Princesa Ana que seu coração desmoronou.
~\∆\~
Jane acordou cedo para se arrumar. Nada do que tinha era decente ou apropriado para o trabalho, mas ela tentou ao máximo usar a simplicidade de sua vida ainda antes de se tornar rainha para conseguir uma roupa adequada.
Assim que deixou o quarto, percebeu que todos estavam postos em pequenas filas pelo corredor.
Jane já tinha sido uma criada antes, mas foi em seu tempo na Inglaterra. Ela serviu duas rainhas antes, Catalina de Aragão e Ana Bolena, mas uma princesa alemã provavelmente teria outros requisitos.
Os criados ao seu redor pronunciavam palavras que ela jamais iria entender. Jane passou a mão pelo cabelo, ajeitando levemente o coque que o prendia. Ele ainda parecia um tipo de palha, agora muito mais dura. A Recepcionista havia explicado que os banhos são apenas necessários quando a Corte recebia eventos no Castelo. Ou, aqueles que tinham mais sorte tomavam banhos toda semana. Jane já tinha notado que esses eram poucos.
Antes que Jane pudesse ter certeza, o corredor ficou em silêncio, completo e totalmente. Ela achou ter ouvido seu sobrenome, mas dado ao fato de que as palavras alemãs eram tão distintas, logo duvidou disso.
"Seymour?" uma criada cochichou ao seu lado.
Jane olhou para ela e então ergueu a cabeça sobre a multidão. A Recepcionista estava parada ao lado do Lord Camareiro e do Lord Senestral, as mãos juntas em frente ao corpo enquanto os olhos se mexiam silenciosamente sobre o corredor.
A mesma empregada que havia dito seu nome a empurrou com o cotovelo. Ela soltou um risinho debochado e se virou para a outra colega. Jane suspirou e deixou os olhos caírem para o chão.
Seu sobrenome não era engraçado. Ou... Era? Jane o achava bonito, parecia até mesmo poético... Ela não entendeu o que havia de tão engraçado nele.
Os pés no chão começaram a se afastar do meio do corredor. Jane ergueu a cabeça para frente, e seu coração pareceu se afundar dentro do seu peito.
Henry estava parado à sua frente, dois guardas ao seu lado, um carregava um machado e o outro estava com uma mão na bainha da espada. Henry sorria. Sorria como sorriu no dia em que a garota Bolena foi morta.
Jane ainda conseguia ver a parte interna do seu pescoço, o sangue escorrendo pela lâmina da espada. Seu estômago se embrulhava ao lembrar de tudo aquilo, como se quisesse que Jane colocasse todas suas lembranças para fora pela garganta.
"'Senorita' Seymour?"
Uma mão calejada e magra tocou seu ombro, assustando-a.
Jane arfou com o ar pesado em seus pulmões, a visão embaçada.
"Sim?" Ela engoliu em seco, a boca dura de desgosto.
"Está passando bem?" A Recepcionista tocou seu rosto pálido e suado. Jane passou as mãos sobre os olhos cansados.
"Sim. Estou."
A Recepcionista suavizou a mão em seu ombro, como uma mãe preocupada que havia acabado de ter total certeza de que o filho estava bem.
"Problemas?" Jane murmurou, os olhos semiabertos.
"Não." A senhora Mien endireitou a postura. "Mas eles não precisam saber disso. Finja que estou lhe dando um sermão." Ela virou o rosto levemente para o lado. "E nenhum de vocês vai falar nada."
Jane notou que ela se referia aos Lords Camareiro e Senestral. Os dois homens assentiram por um segundo antes de voltar ao que estavam fazendo.
"Agora, 'senorita' Seymour," a Recepcionista disse em uma voz mais dura. Jane sentiu seu corpo enrijecer. "Sua Alteza a chama em seus 'apocentos'."
"Sim, senhora." Jane fez uma pequena reverência.
"Guarde tal elegância para ela, 'senorita'."
~\∆\~
Jane bateu na porta da antessala com extremo cuidado. Se Ana não respondesse — porquê talvez não estivesse acordada —, Jane teria que entrar da mesma forma, já que preparar o banho e vestimenta era um dos trabalhos que ela deveria fazer.
Aquela palavra, aquela maldita palavra, estava lá de novo.
"Zwischen."
Jane resmungou, girando a maçaneta redonda com o punho fechado. Ela entrou e fechou a porta atrás de si rapidamente. Caminhou até o espelho e, com um pouco de relutância e urgência, passou as mãos pelos cabelos e pela roupa. Ainda parecia um espantalho que afastava pássaros de fazendas.
Jane caminhou até a outra porta e entrou. A Princesa Ana estava sentada na ponta esquerda da cama, um livro em mãos, mas ela não parecia nenhum pouco concentrada.
"Alteza..." Jane fez uma reverência.
Ana a olhou por um segundo, e dessa vez mais atenta. Seus olhos percorreram o rosto de Jane até que ela sorrisse.
"Seymour." Ana se levantou, fechando o livro. Ela o deixou debaixo do braço, enquanto seus pés se moviam em direção a sua criada. "Atrasada."
"Eu peço desculpas, Vossa Alteza..."
Com a ponta do dedo indicador, Ana enrolou uma mecha do seu cabelo ruivo enquanto o acariciava com o polegar. Jane era obrigada a admitir que, mesmo após acordar pela manhã, Ana estava bela. Seu rosto não ficava inchado nem amassado, e seu cabelo era perfeitamente divido ao meio. Jane ficou surpresa ao perceber que Ana estava usando uma chemise como camisola. E mais surpresa ainda ao ver o livro em seu braço.
"Cuidado..." Ana murmurou, estendendo a mão que mexia em seu cabelo para tocar o queixo de Jane. "Está salivando..."
Jane gaguejou enquanto as costas de sua mão tocavam seu lábios, as bochechas vermelhas de vergonha.
"Me perdoe, senhora..." Ela fez um gesto exagerado, se curvando para baixo. "Eu devo perguntar, minha senhora... Devo preparar um banho?"
Ana ficou em silêncio por um segundo. Ela então se virou e caminhou até a cama, sentando-se na ponta esquerda e abrindo o livro novamente.
"Eu aceitaria. Mas seja rápida, senhorita Seymour, eu tenho pressa."
A próxima coisa que Jane fez foi carregar dois baldes de água pelo Castelo, enchendo-os novamente quando voltava. Foi pela terceira ou quarta vez que despejava a água que percebeu estar suficiente. Deixou os baldes em um canto da câmara privada e testou a temperatura da água. Não muito quente, mas não morna — estava perfeita. Jane se virou para chamar a Princesa Ana quando foi pega de surpresa por sua presença na porta.
"O banho está pronto, Vossa Alteza..."
"Bom..." Ana caminhou para dentro. Jane notou que ela havia prendido o cabelo em um coque desajeitado.
"A senhora gostaria de ajuda para se levar?"
Ana ergueu as sobrancelhas finas como se a resposta fosse óbvia.
"Esse não é o seu trabalho, senhorita Seymour?"
Jane abriu a boca por um momento, mas logo a fechou.
"Me perdoe, senhora."
"Achou que seu trabalho fosse menos humilhante, Jane?"
Ela sentiu um arrepio. Ana tinha um ótimo jogo de palavras, mas chamá-la pelo nome não era de seu vocabulário. Jane não teve muito tempo para processar antes que Ana estivesse puxando a chemise sobre os ombros e a entregasse para ela. Jane tentou desviar os olhos do seu corpo de pele rosada, mas era bastante chamativo em meio às cores monótonas da câmara privada. Jane dobrou cuidadosamente a chemise e a colocou sobre o balcão na parede. Ela se aproximou de Ana na banheira, os dedos trêmulos nas mãos, sem saber o que fazer.
"O que está esperando?" Ana perguntou com a voz firme, mas levemente embarganhada. Jane se perguntou se ela também estaria constrangida com a situação.
"Bom... Eu não posso tocá-la sem permissão, senhora..."
"Interessante. Então, eu peço que você lave as minhas costas, senhorita Seymour."
"Sim, senhora." Jane se levantou e se abaixou atrás dela, as mãos tocando a água quente enquanto começavam a esfregar suas costas.
Ana não pôde deixar de suspirar, o que Jane considerou ser uma reação neutra. Talvez ela tivesse odiado, ou talvez tenha sido bom.
"Onde aprendeu sobre isso?"
Jane ficou pensativa por um momento.
"Eu peço perdão, senhora. Não entendo ao que se refere."
"Onde aprendeu sobre tocar alguém com permissão?" Ana perguntou em um tom de voz mais calmo do que antes. Sua expressão parecia suavizada, e seus ombros não estavam tão tensos quando antes. Jane subiu os dedos até o final das suas costas, as pontas de alguns tocando sua nuca.
"Já fui uma criada antes, minha senhora. De duas rainhas. Não que eu fosse... Uma criada igual sou sua agora, longe disso. Eu não era tão importante. Tive a sorte de estar lá para elas."
"Para que ele olhasse para você?"
As mãos de Jane pairaram sobre as costas de Ana.
"Não finja que ninguém sabe. É tão óbvio. Em sua carta, Henry não escreveu porquê você viria como meu presente."
"O Rei Henry pode ter se cansado de mim assim como se cansou de Catalina de Aragão, minha senhora."
"Ele se cansou dela porque Aragão não pôde lhe dar um herdeiro. Mas você? É jovem e saudável. Não vejo motivos para lhe mandar embora."
Ana se recostou na borda da banheira, o que fez Jane parar de tocá-la. Ela cantarolou baixinho, chamando a atenção da loira.
"Você parece um desastre, querida..." Ana disse, pegando sua mão no ar. "Venha, junte-se a mim."
Jane arfou com o ar pesado de seus pulmões e, com os olhos cinzas em uma tempestade, levantou-se e puxou a mão para si.
"Não posso, minha senhora. Eu..."
"É ordem. Venha."
Jane engoliu o seco em sua garganta.
"Não é como se tivesse algo que eu não tenha visto ontem, não é?"
A ex-rainha queria dizer que sim, haviam muitas coisas que a princesinha não tinha visto ontem.
"Não vou machucá-la como ele o fez. Eu lhe prometo..." ela sussurrou com a voz rouca.
Aquela tinha sido a gota d'água.
"Você promete, de verdade?"
Ana sorriu docemente.
"Eu prometo, de verdade. Eu não farei nada que possa te magoar."
Jane suspirou e, derrotada, se despiu depressa e entrou na banheira, sentando-se abraçada aos joelhos na outra extremidade.
"Teu rosto está sujo."
"Desculpe..." Jane colocou as mãos sobre as bochechas, esfregando-as rudemente.
"Não tem que se desculpar. Aqui, deixe-me ajudá-la." Ana se aproximou vagarosamente, a mão estendida para acariciar seu rosto. "Um homem como ele não merece nem mesmo metade do que você é."
"Acho que fez bem não ficar casada com ele, minha senhora. Não desejo esse mal à ninguém."
"És gentil e muito educada... Além de ser bela."
"A senhora também é, Vossa Alteza."
"Não que muitos possam concordar."
Ana lhe deu um sorriso doce, apoiando as mãos em seus joelhos. Jane soltou um suspiro exasperado, se debatendo silenciosamente na água.
"O que há de errado?" a princesa ruiva indagou, a voz calma e rouca para ela.
"Desculpe, minha senhora. Eu não quis..."
"Jane, o que há de errado? Nada do que me disser vai sair desta sala."
"Eu apenas... Eu–" Jane olhou para ela, seus olhos castanhos profundos encontrando seus cinzas opacos. "Eu não gosto quando tocam minhas pernas."
"Oh..." Ana se afastou levemente, as mãos pairando contra o peito. "Eu sinto muito."
"Não, está tudo bem. Eu deveria me desculpar, ao invés da senhora, Alteza. Não deveria ter reagido de tal forma. Foi inadequado."
"É por causa do Henry?"
"Não, senhora. Não por causa dele. Eu... Perdi... Meu filho durante o parto. Quando algo toca minhas pernas, é como se eu pudesse vivenciar tudo daquela noite outra vez."
Ana ficou em silêncio. Totalmente. Ela se sentou sobre os calcanhares e observou Jane com os olhos compreensivos.
"Me desculpe, senhora." Jane se levantou da banheira, começando a procurar suas roupas. "Eu não deveria ter dito nada disso."
Ana ainda estava boquiaberta. As engrenagens começaram a mexer em sua cabeça. As coisas estavam começando a fazer sentido para ela.
Jane se pôs atrás de Ana outra vez.
"A senhora deseja que eu lave seu cabelo?"
Ana levou um ou dois segundos para voltar à Terra e responder.
"Não. Não quero. Nós terminamos aqui."
Chapter 5: Cuidado, não a toque
Notes:
Fiz o possível para que o alemão seja bem traduzido, então se tiver algo errado, me desculpe! Aproveite o capítulo
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Ana não notou quando começou a sentir falta da ex-rainha loira e gentil. Ela sabia que talvez chegasse atrasada. Não era raro. Talvez alguém tivesse dado outro trabalho para Jane cumprir. Mas Ana estava desapontada. Jane era a criada dela e não era como se alguém pudesse tê-la como sua. Ana era a princesa, afinal. Ninguém desafiaria suas ordens.
Enquanto estava sentada à espera em sua cama, Ana ficou pensando.
Jane era a mulher mais bonita que ela já tinha visto — entre todas as criadas, damas, rainhas e princesas que já tivesse conhecido. Seus olhos cinza-azulados a faziam tremer. Eram límpidos e profundos, guardavam uma vida inteira dentro deles. Sua pele pálida e quente sob as mãos dela... Ana não conseguia parar de pensar nos lábios dela: como eram grossos, carnudos e pareciam cintilar pelas luzes das tochas. Ana queria tocá-la até ter certeza de que conhecia cada canto e pedaço do seu corpo, cada curva e cada reta, as dobras que sua pele fazia e cada fio de pelo que ela tinha. Jane era perfeita, como se Deus tivesse esculpido seu corpo e sua alma sendo sua maior prioridade e depois tivesse entregado-a em suas mãos como o presente lindo que ela era.
Mas Ana não tinha certeza do que sentia. Nem mesmo se Jane poderia pensar algo perto disso sobre ela, não quando Ana era rude e amimada como a princesa de Düsseldorf. Ana gostaria de poder abrir seu coração para ela e contar como se sentia toda vez que Jane estava perto, e porque sempre dava um jeito de fazê-la ficar nua. Era errado e ela sabia. Mas tinha se tornado uma obsessão e Ana não conseguia tirar a imagem do seu corpo embebido pela água da banheira de sua mente.
Por um lado, Ana não sabia como Henry poderia ter mandada embora uma mulher tão linda e esbelta como Jane. Mas por outro, ela era eternamente grata a ele por isso. Tê-la mais perto dela era como ficar infinitamente bêbada pela sua imagem alcoólica.
Ana não diria em voz alta, mas estava sentido saudade em estar com ela, mesmo que fosse ver Jane carregando dois baldes cheios de água pelo Castelo para que Ana tomasse um bom banho.
A princesa fechou o livro, o qual não prestava mais atenção desde antes de começar a lê-lo, vestiu seu calçado e saiu do quarto. Se Jane estivesse fazendo algo que não fosse estar com ela, deveria ser muito importante.
Ana passou apressadamente pela Senhora Mien no corredor, que parecia bastante preocupada em ver a princesa sem um pingo de elegância caminhando pelo Castelo.
"Prinzessin, wohin gehst du?" [Princesa, aonde vai?] Mien perguntou com uma voz alta, tentando chamar a atenção dela. "Prinzessin?" [Princesa?]
"Finden Sie jemanden, der wichtig ist!" [Encontrar alguém que importa!] Ana disse enquanto se afastava batendo os pés.
Aparentemente, Senhora Mien não havia reparado na falta de Jane até em então.
"wo ist dein Mädchen?" [Onde está sua garota?]
"ich bin nicht sicher..." [Não tenho certeza...]
"Wie nicht?" [Como não?]
"Ich werde sie finden" [Eu vou encontrá-la] Ana afirmou, voltando a caminhar em direção a ala dos criados.
Ana nunca mais ficaria longe de Jane de novo.
~\∆\~
Quando seus pés tocaram o último degrau da escada, Ana correu. Ela correu até o quarto de Jane procurar por ela. Mas a ex-rainha loira não estava lá. Não estava em lugar nenhum. Ana até se esforçou para falar com os criados para perguntar onde ela poderia ter ido.
Foi então que um garotinho, filho da uma das empregadas do Coronel, se aproximou envergonhado e a chamou. A mãe dele o olhou desesperada, pronta para puxá-lo de volta para si.
Ana se abaixou para falar com ele.
"Suchen Sie Miss Seymour?" [Você está procurando a Senhorita Seymour?] o garotinho perguntou.
Ana assentiu freneticamente. Os criados ao redor pararam para ouvir a conversa.
"Wissen Sie, wo sie ist?" [Você sabe onde ela está?]
"Ich sah sie in einem Zimmer mit dem edlen Xaver..." [Eu a vi em uma sala com o nobre Xaver...] ele murmurou.
"Welches Zimmer?" [Qual sala?] Ana perguntou desesperada.
O garotinho apontou para uma porta no fim do corredor. A princesa tocou seu ombro, agradecida. Os olhinhos escuros dele pareceram brilhar em satisfação. Ana olhou para a porta por um segundo, e então seus pés apressados seguiram pelo corredor como pássaros voando no céu — velozes e delicados.
Ana conhecia Xaver muito bem para ter uma ideia do que ele poderia estar fazendo — ou, ela esperava, apenas tentando fazer. Ele era um daqueles tipos de homem que achava que todas mulheres pelas quais ele teve o mínimo de contato em um-café-da-manhã- -pedindo-que-lhe-passasse-o-vinho estava apaixonada por ele e seu sorriso egocêntrico.
Ana queria chutar aquela porta no momento em que parou na frente dela. Estava entreaberta, o que deixava aparecer a luz das tochas na paredes. Ana ouviu um gemido, um ganido e um choramingo, como um animal assustado. E depois uma voz firme, mas sussurrada, que dizia "bleib still" [fique parada]. Ana cerrou o maxilar, seus dedos tocaram a madeira da porta e a empurraram para dentro. Ela com certeza poderia ter vomitado com o que viu.
Jane estava encurralada contra a parede, seu pulso direito preso com a mão de Xaver. E falando no Diabo, Ana notou que ele a mantinha presa no chão com as pernas ao redor das dela, deixando-a imobilizada. Jane tinha o olhar mais assustado que Ana já tinha visto nela, mesmo que tocar seus joelhos tenha sido um erro terrível. As lágrimas deixavam rastros sobre suas bochechas. Seu cabelo loiro era uma bagunça completa. Pior do que isso, Ana notou que Xaver tinha o rosto enterrado em seu pescoço.
A fúria surgiu pela face de Ana. Sua boca ficou seca como o ar gelado do inverno. Ela deu um passo para dentro, o que fez Jane voltar os olhos para ela. Ana sorriu levemente ao ver que a ex-rainha tinha notado sua presença. Mas ela ainda tinha Xaver para lidar com.
"Hey, ekelhaft!" [Ei, nojento!] Ana gritou para ele com todo ar de seus pulmões. "Lasst sie los. Ist ein Befehl." [Deixa-a ir. É um comando.]
Xaver virou o rosto levemente para o lado, um sorriso tosco brilhando em seus lábios.
"Es ist nur eine Frau" [É só uma mulher] ele disse com desdém. "Eine Magd." [Uma criada.]
"Vejamos..." Ana murmurou, apoiando as mãos no quadris. "Jane, venha cá, querida."
Jane se inclinou para frente, mas Xaver a empurrou de volta contra a parede.
"Lasst uns beenden, was wir begonnen haben." [Vamos terminar o que começamos.]
"Ich glaube nicht, dass sie will." [Não acho que ela queira.] "Jane, você quer continuar com isso?"
Jane balançou a cabeça negativamente com veemência.
"Lasst sie los, Xaver. Sie wissen, wer hier der Sträfling ist." [Deixe-a ir, Xaver. Você sabe quem é o condenado aqui.]
"Was habe ich davon?" [O que eu ganho com isso?]
"Mal sehen." [Vamos ver.]
Xaver se virou, uma mão nas costas de Jane que a empurrou para longe, para cima de Ana. A princesa alemã a pegou no ar, apoiando as mãos em seus ombros para mantê-la em pé. Jane ainda tinha uma expressão assustada. Ela logo endireitou a postura e se afastou de Ana.
"Desculpe, Vossa Alteza..." Jane murmurou em uma voz rouca e baixa.
Ana cerrou o maxilar ainda mais forte.
"Warum so viel Liebe für ein Dienstmädchen?" [Por que tanto amor por uma criada?] Xaver disse desdenhoso.
"Weil sie mir gehört." [Porque ela me pertence.]
Xaver ergueu as sobrancelhas, impressionado.
"Ist es deins?" [É sua?] Ele riu. "Ihre, natürlich." [Sua, é claro.]
~\∆\~
Ana sentou Jane em sua cama com todo cuidado que ela poderia ter. A mulher inglesa ainda tremia. Enquanto elas caminhavam até o quarto de ruiva, Jane não deixou que ela a tocasse. Foram fracas tentativas de chamar sua atenção sem ao menos cogitar colocar os dedos sobre o seu braço. Jane estava assustada, apavorada, desconfiada, e a cada segundo que se via com os olhos de Ana sobre ela, um pedido de desculpas de seus lábios.
"Jane, eu preciso que você seja sincera comigo, está bem?"
A loira resmungou de olhos fechados.
"Me desculpa..."
"Não. Não foi tua culpa. Jane, eu sei que você não quer se lembrar do que aconteceu, mas eu preciso que me diga o que ele fez. Onde Xaver tocou você?"
"Ele segurou o meu pulso, desse jeito." Ela mostrou, os dedos ao redor das marcas já roxas pela força dele. "E..." Jane parou. Sua expressão tremeu e depois ficou rígida. "Ele... Apertou minha cintura com a outra mão."
Ana assentiu para mostrar que compreendia.
"O seu pescoço? Eu o vi com o rosto em seu pescoço."
"Ah. Isso..." A testa de Jane ficou franzida. Ela molhou os lábios por um segundo e ficou pensando. "Foi estranho. Era como... Eu senti seus dentes," Jane disse, tocando a lateral do pescoço com as pontas dos dedos. "E... Sua língua. Era tão nojento..."
Ana franziu a testa, sem entender dessa vez.
"Sentiu os... O quê? Jane, eu preciso que você me explique com mais clareza."
A loira engoliu em seco.
"Sinto muito. Eu achei—"
"Não, tudo bem. Você está fazendo bem. Mas eu sei que pode fazer melhor..."
"Certo..." Jane assentiu. Ana sentiu um pequeno sorriso se formar em seus lábios. "Bom..." A ex-rainha soltou uma risadinha forçada, um pouco envergonhada. "Eu não... Sei explicar como isso aconteceu. Talvez eu possa... Mostrar?"
Ana piscou por um momento. Ela gaguejou enquanto dava de ombros levemente. Não fazia ideia de como Jane iria "mostrar" o que Xaver fez em seu pescoço.
"Bom, eu imagino que você possa, Seymour."
Jane se certificou que fosse rápida em sua "mostra". Ela não notou muito quando Ana permitiu, então foi mais fácil do que poderia ter sido. Jane aproximou o rosto do corpo de Ana, seus olhos caindo sobre seu ombro em um segundo — e no outro, seus lábios estavam lá.
Ana não soube quando percebeu que tinha sentido aquele toque em todo seu corpo. Seus olhos se arregalaram de surpresa e excitação, algo em seu estômago se mexeu, reviveu. Jane se afastou um pouco. Seus olhos brilhavam em um azul tristonho quando encontraram os castanhos melados de Ana.
Elas ficaram em silêncio por um longo momento. A princesa se levantou da cama em um pulo, ficando de pé na frente de Jane.
"Eu... Preciso... Resolver algumas coisas. Voltarei depois" ela disse, o rosto profundamente vermelho. E então Ana saiu correndo pela porta do quarto, deixando Jane completamente sozinha sentada na cama.
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Ana voltou algumas horas depois, apenas para encontrar Jane sentada na posição mais desconfortável e tensa que ela poderia imaginar. Seu corpo parecia rígido como uma pedra e Jane estava tão para fora da cama que poderia muito bem estar flutuando. Suas mãos seguravam o tecido do vestido sobre os joelhos, não tocando-os de verdade. Sua boca parecia estar tendo espasmos musculares, os cantos de seus lábios tremiam. Seus olhos estavam fixos no chão, como se nele estivesse algo de muito interessante.
Quando Ana fechou a porta, Jane olhou para cima, esperançosa.
"Se... Servir de consolo", disse a princesa alemã, ansiosamente pelo quarto, mesmo que um pouco relutante. "Xaver está sendo torturado agora mesmo."
Jane manifestou as sobrancelhas e Ana notou como seus pés se mexeram no chão.
"A senhora que mandou, Alteza?"
Ana corou. Ela virou o rosto para o lado oposto, observando suas próprias roupas de carvalho.
"Sim."
"A senhora é incrível, Alteza" Jane elogiou, uma pontada de diversão em sua voz.
"Eu sei." Ana enviou para ela. "Bom... Eu entendo que você tenha ficado muito sensível com tudo isso. Mas nós temos um dia inteiro pela frente ainda."
"Sim, senhora."
"Poderia me ajudar a me vestir, se não se importar?"
"Claro que não, senhora." Jane ficou de pé facilmente. Ela fez uma reverência delicada e caminhou cambaleante até as guarda-roupas da princesa.
Jane já estava arrumando o cabelo de Ana quando elas saíram para conversar.
"Posso perguntar, minha senhora, que tipo de tortura o senhor Xaver está sofrendo?"
"Você verá no dia da execução."
"Execução? O senhor será executado?"
"Sim. Mas não pense que foi tudo só por você. Ele desrespeitou um monarca, me desrespeitou. É imprescindível que tomemos previdências contra ele."
Jane prendeu a última mecha ao coque de cabelos ruivos. Ela se agachou em frente a Ana para dar uma breve olhada para ela. Seus olhos fizeram o coração de Jane pular uma batida.
"Está perfeita, minha senhora."
"Apenas Deus é perfeito." Ana personalidade uma sobrancelha. Jane se colocou em um silêncio envergonhado. "Mas acredito que você está chegando perto, não?" Ela sorriu.
"Com certeza, Alteza."
Jane se virou para organizar uma pequena bancada com os pertences de Ana. A princesa a emocionada com veemente interesse.
"Sabe o que faremos hoje, Lady Seymour?"
"Não, senhora."
"Você organizará suas coisas aqui."
A loira se virou para ela, confusão escrita nas linhas em sua testa.
"O que quer dizer, senhora?"
"Não é óbvio? Eu vou ficar no meu quarto, Seymour."
~\∆\~
Jane ainda não tinha entendido completamente.
"Então, só para que eu possa entender..."
"Sim, Seymour. Eu falei com a Senhora Mien e organizei sua estadia integral no meu quarto... Durante todo o tempo em que estivermos na Alemanha, é claro" Ana reexplicou pela terceira vez. "Isso significa que você é livre para circular no Castelo, mas apenas nos momentos em que não estiver trabalhando — o que é, bom, nunca." Ela lhe deu um breve sorriso, bebericando sua taça de vinho fresco. Jane pegou o copo quando Ana o estendeu e o colocou em cima da mesa.
"Mas... Senhora, isto significa que eu terei de dormir no seu quarto..."
"Na minha cama, sim" Ana apontou rapidamente.
Jane levou mais um segundo para pensar.
"Em... Sua cama, senhora?"
"Por quê? Há algum problema, Seymour?"
"N-não, senhora."
Ana ergueu as sobrancelhas por um breve momento e sorriu, voltando os olhos para a mesa onde seu vinho estava. Jane não precisou pensar muito, apenas pegou a taça e a estendeu para a princesa. A ruiva sussurrou um "obrigada" tão baixo que a ex-rainha hesitou por não ouvi-la. Ana levou uma mão para pegar a taça, mas seus dedos tocaram os de Jane — tão mais duros, sujos e calejados de quando ela chegou ali uma ou duas semanas atrás. Seus olhos se encontraram com a luz amarelada do sol pela janela. Os de Jane pareciam tão mais verdes do que azuis como sempre. Havia alguma coisa neles que fez Ana querer olhá-los por mais tempo: era vergonha? A princesa alemã não sabia, mas toda sua atenção era atraída para aquela parte perfeita do seu rosto. Era sensual, Ana tinha que admitir. Jane soltou a taça, seus dedos roçando sob os de Ana.
"Mas, senhora..." Ela se virou novamente para a mesa, um pano em sua mão limpando as migalhas de pão sobre a madeira. "Caso um cavalheiro desejar cortejá-la, eu não estaria atrapalhando?"
Ana se engasgou com o vinho.
"Senhora?" Os olhos de Jane ficaram arregalados. Ela se ajoelhou a sua frente com o pano em mãos e limpou o vinho em seu queixo com ele. "Está bem?"
Ana assentiu, colocando a taça apressadamente sobre a mesa.
"O que te faz pensar que eu traria um homem para o meu quarto, Lady Seymour?"
"Oh. Eu imaginei que estivesse procurando um novo marido depois que Henry..." Jane parou por um momento. "Depois que o Rei Henry pediu o divórcio..." ela corrigiu.
Ana soltou uma pequena risadinha debochada.
"Jay..."
Jane arregalou os olhos. Suas bochechas ficaram vermelhas como as rosas da Corte Tudor. Seus ombros ficaram rígidos. Aquele apelido... Aquele maldito apelido...
"As pessoas acham que nós ainda estamos casados. É uma mentirinha para que as coisas não fiquem estranhas entre Düsseldorf e Londres, entende? Todos acham que você é um presentinho adiantado, como se Henry quisesse mostrar que você não é mais nada para ele. Homens, você sabe como são." Ela revirou os olhos com um sorriso.
"Ah..." Jane assentiu com a cabeça brevemente. "Então, a senhora não está procurando ninguém no momento..."
"Está tão interessada na minha vida amorosa assim, Lady Seymour?"
"Não deveria, senhora?"
~\∆\~
Jane pegou seu baú na antessala durante o jantar de Ana. Ela nunca precisava estar junto dela nessas horas, já que os outros criados traziam as comidas e serviam o vinho e outras bebidas. Ela era a criada "pessoal", afinal. Só precisava ficar perto de Ana... O resto do tempo inteiro.
Jane colocou seu baú em um canto, sua sacola de couro sobre ele, seu par de roupas velhas e usadas de criada ao lado. E isso era tudo que ela tinha, apenas adição de uma nova roupa ao seu todo de cinco peças compridas, duas chemises, um par de sapatos (os que ela usava), um pente velho que Jane pouco usava e alguns outros utensílios de cabelo. Apesar de que... Ela ainda tinha o quadro de Ana dentro do baú.
~\∆\~
Ana estava sentada em sua cadeira à mesa, completamente em silêncio, nem mesmo seus talheres faziam um único barulho — pelo contrário, estavam parados ao lado do prato, imóveis e intocados, limpos.
"Prinzessin, willst du nicht essen?" [Princesa, não irá comer?] Senhora Mien perguntou, o corpo velho inclinado para frente ao lado de Ana.
Mas sua voz era abafada em seus ouvidos, como um som morto, um zumbido.
A pouca comida que tinham trazido cheirava mal em seu nariz, enjoativa, não muito apetitosa. A saliva em sua boca mais se parecia seca e nojenta. Ana queria vomitar.
Ela queria sair dali, com certeza.
"Entschuldige dich beim Koch" [Peça desculpas ao cozinheiro] Ana disse enquanto se levantava da cadeira. "Ich bin hier fertig." [Terminei aqui.]
A princesa voltou ao seu quarto em um pulo. Sua mente borbulhava xingamentos alemães para si mesma. Incrível como Ana poderia ser tão astuta e difamadora ao redor de sua própria imagem ao mesmo tempo.
A porta bateu atrás dela com força. Jane estava ajoelhada contra os pés da cama, segurando algo em suas mãos. Ela rapidamente se levantou e se ajeitou sobre os calcanhares.
"Alteza..."
"Onde estão suas coisas?" Ana franziu levemente a testa, os olhos percorrendo o quarto com um pouco de surpresa.
"Ali..." Jane apontou para o canto onde seu pequeno baú estava. Ana levou um segundo para se virar e olhar. A caixa de madeira estava aberta, roupas amassadas caindo para fora. O rosto de Jane ficou vermelho. "Eu sinto muito... Eu-eu vou organizar minhas coisas, eu sinto muito, senhora..." A loira deixou o quadro em cima da cama e correu até onde seu baú estava. Ana a observou com os olhos tristes, uma pontinha de pena se abrindo em seu coração de pedra.
A ruiva se aproximou da cama e pegou o quadro nas mãos. Seus olhos se arregalaram de pura surpresa. Era o quadro que Hans Holbein havia pintado para Henry. O que diabos a ex-rainha fazia com ele?
Jane fechou o baú com um baque surdo e se levantou do chão.
"Senhora... Gostaria que eu preparasse um banho?"
"Não, Seymour. Eu preferia que você pudesse me explicar o que faz com o meu quadro."
Jane abriu a boca por um segundo, prestes a responder, quando Ana continuou a falar, com uma voz mais melancólica e baixa:
"Não é muito realista, não é..?" Ela sorriu para Jane antes de colocar o quadro de volta na cama.
Bom, parecia que Jane o havia trazido por ser mais bonito. Ana sentiu uma estranha amargura subir por sua garganta e se instalar em sua língua. Talvez a loira tenha imaginado que Ana fosse exatamente como na imagem, mais bonita, e agora tenha percebido que não era e estava arrependida por ter vindo para a Alemanha servi-la. Ana não ficaria surpresa se essa fosse a explicação que Jane daria.
"É, eu concordo, senhora. Não é muito realista. A senhora é muito mais linda pessoalmente."
Ana franziu a testa ligeiramente.
"Vá pegar a água, Seymour."
~\∆\~
Jane já estava ficando um pouco constrangida em tomar banho com Ana. Quer dizer, ela não reclamava — era bom ficar limpa. Mas juntas? Era vergonhoso. Ana tinha os seios firmes de uma mulher que nunca viu um parto acontecendo, e Jane tinha o corpo de... Uma traumatizada. Suas costas ainda estavam roxas com as marcas daquele maldito pedaço de madeira. E se Ana perguntasse? O que ela diria?
Jane entrou na água com um pouco de relutância. Seus pés ficaram molhados, então suas canelas, seus joelhos, suas coxas, seu quadril e então sua cintura.
Mas elas ficaram em silêncio daquela vez.
Seus olhos eram grandes tempestades, cada uma vivendo em um lugar diferente o seu terror amaldiçoado que crescia como um bebê. Um que Jane amaria ter.
As linhas em ambos seus lábios ficavam brancas quando secas. Ana murmurava em alemão coisas que Jane não entenderia.
Seus corpos molhados estavam ali na banheira, os joelhos para fora da água como duas ou quatro montanhas no horizonte.
Jane não queria ser rude. Ela gostava de ver Ana, olhá-la, poder estar perto dela, tocar seu rosto por acidente quando precisava, lavar suas costas com as próprias mãos. Mas... Ela era extrema demais às vezes. E isso fazia Jane querer ficar ainda mais perto dela, e era tão errado. Jane já havia imaginado como seria se, naquele dia em que tinha chegado no Castelo, Ana não tivesse hesitado em tocar seu ombro daquela forma.
"Eu posso perguntar, senhora..."
"Vá em frente." Ana cruzou as mãos sobre o peito. Jane sentiu seus pés tocarem seus quadris debaixo da água. Ana rapidamente ajeitou sua postura e puxou as pernas de volta para si. "Desculpe..." ela murmurou.
"Você já foi beijada, senhora?"
Ana gaguejou por um momento. Ela gesticulou nervosamente com uma mão.
"Bom, sim, claro. Mas nunca foi nada... Apaixonado demais. Só... Uns beijos sob a luz da Lua."
"Hm..." Jane resmungou, alguns espasmos na boca outra vez. "Mas você gostou? Eu quero dizer, você gostava dele..?"
Ana engoliu um sorriso. Era fácil para as pessoas assumirem que sempre era um homem.
"Sim. Eu gostava dele... Por que você quer saber disso?"
"Hm. Nada." Jane balançou a cabeça involuntariamente.
"Você nunca foi beijada por alguém que gostasse, não é?"
"É... O Henry era muito... Intenso. Minha boca sempre... saía dolorida." A loira tocou os lábios com as pontas dos dedos. Ana cantarolou brevemente com um sorrisinho. "Eu imaginei... Eu não entendo. Talvez eu só não saiba beijar. Deve ser esse o problema."
"Não pense assim... Eu tenho certeza de que o problema era Henry. Ele não sabia beijar você."
"E nesse caso, eu nunca mais vou beijar ninguém, não é?"
"Ei, não diga isso." Ana não conseguiu achar uma boa resposta que não fosse apenas isso.
"E por que não?"
"Porque você pode me beijar, se quiser."
~\∆\~
Jane não entendeu como chegaram àquilo. A água da banheira já tinha se tornado fria, mas ela sabia que nem Ana ligava naquele momento. Jane tinha certeza de que a princesa espalharia para o resto do mundo, mas ela não se importava, não naquele momento. Era confortável, e Jane gostou.
Ana agarrava desesperadamente as laterias da banheira com as duas mãos, uma de cada lado. Ela tentava ao máximo esconder seu rosto vermelho. E ela não sabia o que seria pior: Jane sentada entre suas pernas ou tocá-la.
"Isso... Não é... Pecado?" Jane murmurou, seu rosto muito perto do pescoço de Ana.
"Bom, nós não precisamos fazer isso. A escolha é sua."
"E se eu fizer algo errado?"
"Não vai. Você vai ser ótima. Eu confio em você... E se não quiser, pode me dizer. Não há nada de errado em querer parar."
Ana sentiu os joelhos de Jane pressionarem contra suas costelas.
"Eu não quero parar."
"Isso–"
Jane se aproximou, e seus lábios tocaram os dela. Por um segundo. E então ela se afastou, o rubor subindo por suas bochechas.
"...É bom..." Ana terminou. Ela engoliu em seco. "É assim que quer ser beijada?"
Jane negou rapidamente.
"Deveria ser um pouco mais forte..."
"Você gostou?"
"Sim..." Ela cobriu a boca com um mão.
"É um começo."
"Quer dizer que vamos fazer isso mais vezes?"
Ana arregalou os olhos.
"Ah... Não, me desculpa..." Jane murmurou timidamente. "Eu sinto muito, eu achei..."
"Bom, só se você quiser..."
Jane mordeu os lábios internamente.
"Posso tentar mais uma vez?"
"Claro." Ana nem sequer levou um segundo para pensar. "Claro. Tudo bem."
Jane molhou a boca rapidamente, arfando com o pouco ar em seus pulmões. Ela deu um sorriso tímido, mas genuíno, para Ana. A princesa inclinou a cabeça para o lado como um gesto de permissão. Suas mãos, antes duras e tensas, agora soltaram as bordas da banheira e relaxaram sob a água, e Ana fez o máximo que pôde para não tocar Jane, pelo menos não ainda.
"A senhora se importa se eu..."
Ana franziu as sobrancelhas ligeiramente. Jane se apoiou nas laterais da banheira e ergueu os quadris. Ana não pensou em desviar os olhos — ela realmente não o fez. Jane se sentou, os joelhos tocando as coxas de Ana, quase nem mesmo apertando-as, e agora ela estava um pouco mais alta sentada sobre o colo de Ana. A princesa alemã não cogitou perguntar. Suas mãos se moveram instintivamente para segurar sua cintura.
"Posso?" ela perguntou, a voz quase um sussurro inaudível.
Jane assentiu com a cabeça, o rubor começando a ficar mais intenso em suas bochechas.
"Quer que eu comece? Só perguntando. Tudo no seu tempo."
"Não, tudo bem. Você pode."
"Bom..."
"Só... Onde eu deixo as mãos?"
"Ah... Eu acho que você pode... Tocar onde quiser."
"Oh. Certo. Desculpe..."
"Ei, tudo bem. Eu quero que você relaxe, tá bom?"
Jane assentiu mais uma vez enquanto suas mãos emergiam da água. Ela hesitou — e muito — antes de colocar os dedos sobre os ombros de Ana. A pele era quente e macia, exatamente como ela tinha imaginado. Seus olhos, que antes abrigavam tempestades, agora brilhavam com o mais puro e novo desejo que surgia dentro dela, se voltaram para Ana. Ana não estava tão diferente, ela só se sentiu mais "excitante" do que "hesitante". Seus dedos se enroscavam ao redor da cintura de Jane como heras em pedras. Ela era leve, como um travesseiro de penas de ganso. Mas Ana conseguiu senti-la tremer. Ela sabia que Jane estava envergonhada e provavelmente com um pouco de pressa, e Ana queria tanto sentir seu corpo ainda mais, com mais desejo e vontade. Mas Jane queria beijar, então era isso que elas fariam.
Então, para sua surpresa, foi Jane quem se inclinou para frente tocou os lábios com os dela. E Ana esperou. A loira não se afastou tão rapidamente, mas não demorou tanto quando ela queria que demorasse. Jane fez um pequeno biquinho com os lábios e se afastou.
"Me desculpe... Eu sou horrível com isso."
"Deixe-me te ajudar... Você confia mim?"
"Confio. M-mas você promete não me morder? O Henry era muito agressivo às vezes e eu..."
"Claro. Tudo bem, eu entendo. Eu não vou morder."
Ana olhou para baixo para um momento e segurou sua cintura com mais cuidado. Ela ergueu os olhos para Jane novamente, e esta sentiu um arrepio subir por toda suas costas.
"O seu biquinho foi muito delicado, mas algumas vezes... Ele não vai ser tão bem usado assim, entende? Beijos mais rudes existem e você não pode controlá-los."
Jane assentiu com as bochechas levemente coradas.
"Mas também é importante que a pessoa que você esteja beijando saíba dos seus medos. Não fique com vergonha de contar como se sente. E você é livre para parar, o que as pessoas podem dizer ser um problema, mas você não deve se importar com isso. E eu acho, mesmo que você não queira falar, nós devemos conversar sobre... Como alguns beijos evoluem para coisas mais íntimas."
"Como... Dormir junto?"
"Sim. Sim, essas coisas. Você sabe que não pode deixar ninguém tocar intimamente em você sem consentimento. Ponha isso em prática. Beije alguém, abrace alguém, mas se não quiser aprofundar isso, seja honesta e direta."
"Ser honesta é difícil..."
Ana sorriu. Ela achava tão incrível como Jane poderia ser tão inocente em um momento intenso.
"Claro que é. Por isso você não pode sair beijando qualquer pessoa por onde passar, entende?"
Jane assentiu.
"Eu posso beijar você?"
"Não a hora que quiser..."
"Mas você vai me beijar agora?"
"Vou."
E foi exatamente isso que Ana fez. Ela a beijou. Foi um pouco mais forte do que as duas tentativas de Jane, mais intensa e, consequentemente, mais prazerosa. Ana não sabia como poderia ficar com mais desejo dela, mas descobriu um jeito. Suas línguas se tocaram. Não foi intencional, pelo menos por parte de Ana, mas foi a melhor coisa que ela já tinha feito. E ouvir (e sentir) o suspiro de Jane contra sua boca foi a melhor parte. Mas a ex-rainha ainda estava insegura.
"Meu Deus, eu sinto muito, senhora... Não foi por querer."
"Não, está tudo bem. Isso é natural. Não se preocupe."
Jane murmurou algo que deveria ser uma concordância. Suas mãos tocaram o pescoço de Ana, os dedos envoltos em sua nuca, molhando sua pele sensível com a água fria. As mãos de Ana se moveram em suas costas traçando pequenos e grandes círculos por ela. Então a beijou mais um vez. Um começo cuidadoso, gentil, e então um pouco mais intenso. Jane se permitiu deixar Ana entrar em sua boca, mesmo que por um segundo. Suas línguas se tocaram outra vez, e Jane soltou outro suspiro, agora mais calmo e relaxado. Ana apertou sua pele entre os dedos, hesitando em puxá-la para mais perto de si.
Depois de um momento em que Ana relutou contra essa vontade, Jane pareceu querer pegá-la de surpresa. A loira envolveu os braços ao redor do pescoço de Ana, enquanto seus joelhos se apertavam mais em seus quadris. Ela cruzou os pulsos às costas da princesa, afastando os lábios dos seus. Elas se puseram em silêncio por um momento no qual, mesmo extremamente envergonhada, Jane olhou no fundo de seus olhos, e vice-versa. A ex-rainha olhou para a água e depois para si mesma.
"Desculpe..." ela murmurou, procurando apoio nas bordas da banheira para conseguir se afastar.
Ana não é um impedimento. A princesa alemã não queria forçar Jane a nada, muito menos ficar sobre seu colo e abraçá-la aquela forma tão íntima. Ana sabia que era um ótimo gatilho para Jane.
"Não se desculpe, tudo bem?"
"Mesmo?" Jane flexionou os joelhos de volta para dentro da água, sentando-se sobre os calcanhares em frente a Ana.
Ana manifesta as sobrancelhas, surpresa. Ela se recostou na lateral da banheira com uma mão sobre o queixo, tentando avidamente esconder o sorriso alegre que se formava em seus lábios.
"Mesmo. Não se apegue a desculpas. Quero dizer, apenas quando for extremamente necessário. Mas nesse momento, não é."
"Hm..." Jane fez um beicinho por um segundo, pensativa. O coração de Ana palpitou alto em seu peito. "Me desculpe... Não, quer dizer... Eu... Ahm..."
"Não, não se preocupe."
Notes:
Se você for um fã de Six, vai ter notado referências sutis nesse capítulo hihihi. Fique à vontade para comentar o que você acha que é e, obviamente, deixar sua opinião! ♥♥
Chapter 7: Apagar as luzes?
Chapter Text
Ana se sentou sobre a cama, os lençóis cobrindo suas pernas até a cintura. Seu cabelo caía em cascatas onduladas avermelhadas sobre os ombros. Seus olhos castanhos se moviam atrás de Jane onde quer que a mulher fosse pelo quarto.
Jane estava, naquele exato momento, inclinada acima seu baú de madeira dobrando suas vestes de criada, o cabelo ainda preso em um coque sujo e bagunçado — ainda mais depois de Ana implorado para vê-la se vestir, o que Jane fez com muita pressa — enquanto mechas caíam e grudavam em sua testa. Ela colocou o quadro de Ana cuidadosamente sobre suas roupas, se levantando e segurando as mãos em frente ao corpo. A pobre moça estava orgulhosa de sua bela organização no canto do grande quarto da princesa.
A ex-rainha se virou para a cama, e toda a felicidade e orgulho fugiu de seu rosto, tornando-o vermelho. Ana mantinha os olhos sobre ela com certa curiosidade e um sorrisinho divertido. Jane olhou para suas poucas coisas no canto, vergonha e embaraço tomando conta de seu coração. Ela se sentiu boba por ficar orgulhosa de si mesma com nada.
A loira suspirou pesadamente. Ela se voltou outra vez para Ana com a pose mais formal de que poderia se lembrar de fazer e sorriu.
"Venha." A princesa apontou o espaço ao seu lado na cama com a cabeça. "Deite-se aqui."
Jane obedeceu simplesmente e se sentou na cama, sentindo a maciez dos lençóis entre os dedos. Suas costas ficaram rígidas de repente. Tinha se lembrado de que, mesmo que fosse dormir, ainda estava sob a presença e autoridade de Ana, o que significava que a ruiva alemã poderia muito bem testá-la durante a noite para garantir que ela era boa. E isso não a permitia ficar confortável demais, muito menos relaxada.
Uma mão suave e gentil tocou suas costas. Jane estremeceu.
"Algum problema, Seymour?" A voz fraca de Ana sussurrou.
"Não, senhora."
Jane se enfiou debaixo dos lençóis rapidamente, cruzando os joelhos. Suas mãos estavam trêmulas apoiadas nas coxas, o que era bastante chamativo para Ana.
A princesa fingiu não notar e balançou a cabeça, como se para afastar aqueles pensamentos. Jane tinha voltado a agir estranho como no primeiro dia em que chegou ali. Bom, claro, não havia feito nem mesmo uma quinzena ainda, mas mesmo assim. Ana imaginou que teria feito algum progresso, principalmente em relação à como Jane se sentia sobre ela. Se já não fosse óbvio que Ana não tinha feito isso, ainda havia o constrangedor fato dos beijos.
Ana abaixou os ombros levemente, tentando se concentrar em apenas relaxar aquela noite. Ela se inclinou sobre seu criado-mudo, onde uma pequena vela estava posicionada, lançando labaredas de sombra por todas as paredes do quarto. Ana segurou a ponta do castiçal com o dedo indicador e polegar e o puxou para mais perto, pronta para apagá-lo.
Jane estava em um temível transe de desespero, mas ao ouvir o som agudo do cobre raspando contra a madeira do criado-mudo, seu corpo se agitou. Ela olhou subitamente para Ana e, enquanto sua boca se abria para gritar um "não" estridente, Jane se lançou sobre Ana, agarrando seu pulso para pará-la de puxar o castiçal.
O grito foi alto, rouco, apavorado. Era impossível que Ana não tivesse parado.
"Ei, o que houve?"
Jane se acomodou a sua frente, o peito subindo e descendo descontroladamente. Ela ainda segurava levemente o pulso de uma surpresa e aterrorizada Ana.
"O que houve?" a princesa repetiu.
A ex-rainha puxou a mão de volta para si.
"Me perdoe, Alteza..."
Ana franziu o cenho, ajeitando a postura para ficar mais perto de Jane. Ela pegou suas mãos em um gesto de encorajamento, acariando-as com cuidado.
"Eu aceito seu pedido de desculpas. Agora, me explique: o que aconteceu?"
Jane não afastou o toque, ela apenas ficou parada tentando respirar mais calmamente.
"Não quero ficar no escuro."
A expressão de Ana suavizou levemente.
"Não vamos ficar no escuro, Jay... A luz da Lua ainda vai entrar pela janela..."
Jane abriu a boca por um segundo e então parou. Ela se virou para a janela acima da escrivaninha de Ana e seus olhos pareciam bastante vidrados, como se ela pudesse desaparecer do quarto.
"Por que não quer ficar no escuro?" a princesa perguntou suavemente. "Algo haver com Henry?"
Jane estremeceu com a menção ao nome. Seu rosto se voltou para a ruiva outra vez. Ela parecia querer dizer algo, mas não conseguia.
Ana levou uma mão até o rosto de Jane, afastando alguns fios de cabelo loiro da testa da mulher mais velha. Ela parecia estar a beira de outro penhasco no qual não se podia ver o chão.
"Me desculpe, senhora..." a loira gaguejou. "Eu não deveria ter segurado a senhora dessa forma. Foi completamente inadequado. Eu vou entender se quiser que eu vá embora."
Ana parou feito uma estátua.
"O... O quê? Por que pensa que eu vou mandá-la embora?"
"Porque..." Jane pareceu pensar por um longo segundo. "É certo?"
Ana semicerrou os olhos.
"Tem medo do escuro?"
Jane engoliu em seco. Seus olhos percorreram o quarto em buscar de uma âncora.
"Não, senhora."
"Então por que não quer ficar no escuro?"
"Não... Não faz diferença, agora. Eu sei que você nunca faria isso..."
"O que ele fazia, então?"
Jane ergueu os olhos para ela. Ana se inclinou instintivamente para frente.
"Ele... Às vezes, ele ficava muito... Agitado... E... Há– um-um quarto pequeno no Castelo. Sem janelas. É escuro..." A voz de Jane tremeu.
Ana assentiu. Ela não precisava de mais explicações para entender o que havia acontecido.
"Vamos deixar a vela acesa, então. Tudo bem, Jay?"
Jane ficou parada em silêncio por um segundo, depois assentiu.
"Sim..." Ela hesitou, e então, outra vez, se precipitou em chamar a atenção de Ana. "E as cortinas também?"
Ana sorriu.
"As cortinas também."
Chapter 8: Passarinhos e Árvores
Notes:
Realmente queria que esse capítulo fosse maior, mas enfim, aproveite!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Jane não sabia com o que mais poderia ter ficado surpresa.
Acordar nos braços de Ana.
Ou ter que sair do Castelo.
~\∆\~
A primeira coisa que Ana fez ao acordar foi perceber o pequeno amontoado de cabelos loiros debaixo do seu nariz. E depois ela não conseguia mexer o braço esquerdo. Ana afastou o rosto da figura a sua frente, apenas para encontrar Jane encolhida em seu peito, quase arrulhando como um gatinho loiro. Ela parecia tão sossegada que Ana não teve coragem de se mexer mais. Ao invés disso, a princesa alemã apenas se enrolou mais perto da ex-rainha e se segurou profundamente para não começar a acariciar os cabelos de Jane.
Enquanto se continha com o calor já adquirido dos braços de Jane ao seu redor, Ana ficou pensando. Para se distrair do que queria fazer, Ana pensou no trabalho.
Como seus pais estavam fora da cidade já havia algum tempo, ela soube que deveria pelo menos aproveitar um pouco dessa liberdade recebida. Ela anotou mentalmente que precisava falar com a Senhora Mien sobre isso. Talvez Ana até pudesse levar Jane para conhecer a cidade!
Seu coraçãozinho enamorado deu um pulo agitado de ansiedade. Todo o cronograma já tinha sido elaborado em sua mente: primeiro, logo cedo pela manhã, as duas iriam à Feira do Mercado, então Ana levaria Jane até a taberna local mais próxima e lhe ofereceria o melhor Stein que eles tiverem, depois, se Jane quisesse, poderiam ir ao Parque de Árvores — e como Ana amava aquele lugar.
Um grande sorriso se formou em seu rosto. A Senhora Mien tinha feito Ana decorar o nome de cada espécie de árvore que havia naquele local, e a princesa deu um apelido para as suas preferidas. Ela ficaria tão animada em contar sobre todas elas para Jane!
Ana se remexeu sobre o travesseiro, tentando gentilmente não mover o ombro. A sensação de formigamento era grande, mas os burburinhos de Jane valiam a pena. Não era exatamente um ronco, então não era desagradável. Na verdade, era tão lindinho que fazia o corpo de Ana ficar ainda mais aquecido.
Jane resmungou baixinho, as mãos se movendo para limpar as remelas dos olhos.
"Bom dia..." Ela bocejou.
"Bom dia" Ana respondeu sorridente.
Jane ainda estava sonolenta, lhe dando um sorriso calmo e pequeno. Seus olhos lhe mostravam uma gentileza e inocência que surpreendia Ana.
"Conseguiu dormir bem mesmo com a vela acesa?" Jane acariciou seu rosto com o polegar.
"Claro que sim..." Ana envolveu o braço direito sobre sua cintura. "A luz nunca me incomodaria..."
Jane deu um sorriso mais amplo. Ela se virou para ficar de frente para o teto da cama, os dedos roçando o braço de Ana. A ex-rainha suspirou e se ergueu na cama, passando a outra mão pelo cabelo.
"Devo preparar sua roupa?"
"Roupas para sair."
"Sair?" Jane franziu o cenho. "Aonde vai?"
"À cidade. E você vai junto. Nada muito extravagante, certo? Vamos caminhar muito por lá..."
~\∆\~
Jane só ficou sabendo o que realmente estava acontecendo quando elas pisaram no Mercado.
Estava... Cheio. Muito, muito cheio. As pessoas se esbarravam umas contra as outras, deixando cair coisas no chão de pedra batida. Os murmúrios altos ressoavam por todo o Mercado, enchendo os ouvidos de Jane com tudo o que ela menos queria ouvir. Haviam barracas posicionadas pelas laterias até onde seus olhos poderiam enxergar — todas ocupadas por comerciantes baratos com talento para artesanato, cultivo de alimentos ou qualquer coisa que pudesse lhe render algum lucro.
Ana estava vestida da forma mais simples que poderia. Além de vestir a chemise (ou não vestir nada), Jane nunca a tinha visto usando uma vestimenta tão básica. Era leve e simples, mais curta do que os vestidos da Corte. O tecido era em algum tom entre marrom e vermelho. Jane não podia mentir: Ana estava maravilhosamente linda.
A Senhora Mien não havia ficado nada feliz com a decisão da princesa de sair para a cidade naquele dia, mas a mulher ruiva apenas mandou avisá-la, não pediu permissão.
Jane passou as mãos pela saia do vestido, ajeitando-o outra vez. Ela queria poder segurar a mão de Ana, ter algo que pudesse acalmá-la. Mas isso significava que ela mostraria uma péssima imagem para Ana, ainda mais em meio a uma grande multidão como àquela. A última coisa que a ex-rainha queria era causar uma péssima impressão. Ou envergonhar Ana.
Ela suspirou baixinho, não baixo o suficiente para que Ana não ouvisse.
A alemã virou o rosto ligeiramente para a loira.
"Venha. Dê o braço para mim. És minha guia agora."
Jane engoliu em seco.
"Não conheço a cidade, minha senhora."
"Apenas finja que sim. Quero você ao meu lado em cada segundo. Não fala a nossa língua, afinal. As pessoas não vão perceber."
Ana estendeu o braço como a alça de uma caneca, Jane o encaixou com o dela em um segundo, antes que as duas entrassem no Mercado de vez.
Jane não esperou que fosse realmente interessante. As bancas de alimentos eram perfumadas ou extremamente fedorentas. Ana havia comprado algumas cerejas — frutinhas redondas e vermelhas com um sabor doce — para elas. Jane ficou com os dedos pintados de rosa depois, mas apreciou cada detalhe. Ana sorriu docemente enquanto a observava comendo os pequenos frutos.
As duas mulheres seguiram pelo Mercado até que entrassem na parte onde estavam os produtos de artesanato. Jane não poderia ter ficado mais fascinada. Haviam diversas canecas esculpidas em madeira, pintadas com lendas alemãs.
Ana lhe explicou algumas das cenas folclóricas desenhadas. A favorita de Jane eram os duendes nos barcos, roubando alimento dos marinheiros a noite e desenhando em seus rostos com tinta de pergaminho.
A princesa estava maravilhada com o jeito como Jane observava cada peça como se fosse muito. Eram apenas lendas, nada mais. Algo que, em alguns séculos adiante, não faria a menor diferença para ninguém.
As duas seguiram pela rua do Mercado por mais alguns minutos, até que o burburinho das pessoas começou a ficar mais baixo. Jane olhou para trás, percebendo o quão longe já estavam do setor de alimentos e artesanato. Seu coração ficou muito mais calmo e desacelerado ali. Ana não podia negar que havia notado. Ela cutucou levemente o braço de Jane.
"Acho que você vai gostar disso..." a ruiva sussurrou, seguindo para longe da saída do Mercado. Jane franziu a testa ao perceber um grupo de quinze pessoas parado em frente a uma barraca maior, a maioria crianças com as mães, e alguns homens mais velhos. Uma pequena caranga se formou em sua face.
"Não há necessidade de ficar nervosa, Jay..." Ana murmurou em seu ouvido.
Jane resmungou baixinho, apertando os lábios em uma linha fina.
A princesa e a criada chegaram mais perto da barraca, ouvindo alguns suspiros de surpresa. Um jovem magrelo estava sentado atrás da mesa com os ombros curvados para dentro. Ele usava um par de óculos estranhamente feios e sujos, e sorria sonhadoramente para o objeto parado sobre a mesa.
Bom, ele não estava exatamente parado.
Um menininho ao lado de Jane arregalou os olhos e a boca, completamente maravilhado com a obra. Ana também sorria. A ex-rainha se forçou a olhar para a mesa e então foi a próxima a ficar surpresa.
Era um pássaro, parecido com um pombo de rua, mas o corpo era menor, inteiramente feito de metal. O jovem estava com uma mão na parte de trás do animal, girando-a em um círculo pequeno. Então Jane notou: as pequenas asas do pássaro subiam e desciam ao lado do seu corpo vagarosamente. O barulho das peças de metal dentro dele eram estranhas, mas nada que realmente estragasse a obra. Jane se curvou para frente, observando o passarinho mais de perto. O jovem ergueu os olhos do seu trabalho. A loira lhe deu um pequeno sorriso. Ele sorriu de volta, um pouco envergonhado. Girou a manivela que movia o animal por mais um segundo e então percebeu quem estava com Jane.
Seus olhos ficaram arregalados e ele deixou de mexer a mão. O jovem gaguejou por um instante enquanto ficavam de pé, os dedos das mãos batendo na mesa com um som oco. Ele fez uma pequena reverência e, com um pouco de relutância, murmurou:
"Eu-eure Hoheit..." [Vo-vossa Alteza.]
Ana sorriu.
Jane ainda estava focada no pássaro. Ela se virou para a princesa com os olhos brilhando de excitação, sem notar que ela estava cumprimentando o jovem.
"É lindo..."
Ana apertou um pouco mais forte o braço de ex-rainha contra suas costelas. Jane deu um passo para longe dela, puxando o membro de volta para si.
"Desculpe..." a loira murmurou, voltando os olhos para o chão, envergonhada.
Ana balançou a cabeça.
"Ihre Arbeit ist sehr interessant, Sir." [Seu trabalho é muito interessante, senhor.] A princesa sorriu. "hat einiges Ihrer Zeit in Anspruch genommen, nicht wahr?" [Tomou algum tempo do senhor, não?]
"Ich schätze die Kunst wirklich, Eure Hoheit," [Eu realmente aprecio a arte, Alteza.] o rapaz respondeu um pouco trêmulo. "Also ist es mir wohl egal, wie lange es gedauert hat, so etwas zusammenzustellen." [Então acho que não me importa quanto tempo levou para montar algo assim.]
A ruiva sorriu com um aceno de cabeça.
"Gute Arbeit, junger Mann." [Bom trabalho, jovem.]
Ana assentiu mais uma vez e pegou o antebraço de Jane, puxando-a levemente para fora do Mercado.
Ela deu mais um passo e então parou na frente da entrada do Parque de Árvores. A princesa se virou para encará-la. Jane parecia assustada. Seus olhos ainda estavam para baixo, então Ana percebeu que seria melhor tomar cuidado com as palavras.
"Não apertei seu braço para machucá-la, Seymour."
Jane ergueu os olhos do chão.
"Tudo bem." Ela balançou a cabeça, talvez outro espasmo. "Tudo bem," a loira repetiu.
Ana franziu levemente o cenho.
"Certeza?"
Jane resmungou algo entre um "sim" e "uhum" com um pequeno sorriso gentil. Ana sentiu um peso cair de cima de suas costas. Ela sorriu com um pouco mais de veemência.
"Bom, eu quero levá-la ao meu lugar favorito em toda cidade." Seu sorriso ficou ainda maior. "Espero que goste tanto quanto eu."
Jane ergueu as sobrancelhas, curiosa.
"Eu ficaria honrada, senhora."
Ana pegou sua mão, e Jane foi puxada para dentro do Parque sem saber para onde estava indo. Seus dedos ficaram entrelaçados como nós das cordas de barcos. Jane percebeu como era quente. Aconchegante, ela diria. Fazia com que seu coração quisesse ficar mais perto dela. Como acordaram abraçadas aquela manhã. O rosto de Jane ficava vermelho toda vez que lembrava de como estava enterrada entre os braços de Ana, mas ainda havia uma pequena sensação de culpa em seu estômago: ela notou como Ana levou alguns longos segundos para mexer o braço esquerdo de novo.
Seguindo sua lógica, Ana ter apertado seu braço antes era algum tipo de vingança por deixar o seu dormente.
Jane tomou um enorme susto quando a voz da princesa entrou em sua mente. Ana estava tocando o tronco de uma árvore, abaixada sobre os calcanhares na grama recém aparada. Sua boca se mexia em palavras que Jane não conseguia decifrar. Ela estava falando alemão?
"Jay?"
"Sim, senhora?"
Ana hesitou por um segundo (talvez mais de um), um pouco envergonhada. Ela mordia os lábios com força. Jane semicerrou os olhos.
"O que você acha?"
A mente de Jane ficou em branco.
"Sobre o que, senhora?"
Ana engoliu em seco. Sua boca se abriu para dizer alguma coisa, mas nenhum som saiu dela. Seu coração se afundou no peito. Jane não havia... Escutado? Quer dizer, se Ana já não tivesse percebido que a ex-rainha não dava a mínima para árvores, talvez não ficaria tão magoada. A princesa sabia que Jane estava passando por uma fase difícil, mas ela pensou que... Poderia ser vulnerável só por um segundo também. Mostrar que ela não era cruel o tempo todo.
Uma lágrima rolou em sua bochecha. Ana teve a realização de que Jane não precisava dela — ou sequer a queria — a não ser que fosse para curá-la.
"Nada, Jay. Vamos voltar para o Castelo? Estou um pouco cansada..."
"Como quiser, senhora..."
~\∆\~
Jane sabia que não era apropriado reparar, mas notar uma coisa daquele tipo. No entanto, se não deveria ver, também não comentaria com ninguém.
Quando ajudou Ana a se despir do seu vestido de saída, Jane ousou tocar "acidentalmente" em certas partes do corpo da princesa. Para sua surpresa, o vestido era bastante apertado, o que a levou a ter que segurá-la de uma forma que a fazia se sentir estranha.
No momento em que Jane desamarrou seu corset, no entanto, o vestido caiu deliberadamente no chão. A loira levou um segundo para se recompor antes de se abaixar para pegá-lo do piso. Houve uma pequena agitação em Ana que a fez olhar para cima.
"Se sente bem, senhora?"
As bochechas da princesa estavam tão rosa quanto as cerejas que elas haviam comido. Ela estava com as mãos apoiadas em sua escrivaninha, a respiração estranhamente artificial.
Mas havia algo que Jane notou que não se encaixava ali. O busto de Ana estava muito mais magro do que ela diria que já tinha sido. Ela achou melhor não comentar.
A princesa alemã picarreou, molhando os lábios com a língua. A loira sentiu sua espinha estremecer. Ainda estava parada aos seus pés, o rosto próximo aos seus joelhos. Jane tentou pegar o vestido, mas Ana estava no centro dele sem parecer ter a intenção de sair dali.
Ana não conseguia mais negar nada daquilo. Ela estava sendo devorada pela vontade de fazer coisas que não deveria sequer imaginar. Talvez devesse fazer uma ação arriscada, mas o máximo que Jane poderia responder seria um "não", o que não era ruim. Era um tanto ético.
"Me sinto cansada, como tinha dito antes" Ana respondeu.
"Há algo que eu possa fazer para ajudá-la, Alteza?"
Ana sorriu internamente.
"Talvez, se me permitir ter essa oportunidade, Seymour. Primero, me diga o que achou do Mercado."
Jane se levantou devagar com seu pouco equilíbrio e ficou parada em frente a princesa.
"Eu gostei, senhora. Cerejas são ótimas, aliás."
"Que bom, querida."
O rosto de Jane ficou completamente vermelho. A princesa a tinha chamado de "querida"?
Ana engoliu em seco e envolveu os braços ao redor de sua cintura, trazendo-a para perto dela.
"Posso perguntar uma coisa, Seymour?"
"Claro, senhora. Sempre que quiser."
Ana franziu o cenho levemente, os olhos semicerrados.
"Acha que termos nos beijado na banheira foi uma péssima ideia?"
O sangue de Jane congelou.
"O que quer dizer, senhora?"
Ela não poderia dizer diretamente. E se Ana a matasse por isso? Ou se Ana a odiasse? E se ela dissesse que sim e Ana ficasse magoada?
A princesa levou um segundo para entender a pergunta de Jane.
"Acha que o beijo não valeu a pena?"
"O que espera que eu responda, senhora? Somos... Ambas mulheres"
"Quer dizer... Que... Não gostou de me beijar?"
"Não! Não foi isso que eu quis dizer... Foi uma péssima ideia e se alguém descobrir..."
"Ninguém vai descobrir..."
"No entanto, Alteza, não pode se repetir. Sou uma criada, não um homem para o seu prazer..."
"Uma pena... Iria pedir para me beijar agora..."
"E se eu não quiser?"
"Então não me beije. Simples."
Jane ficou em silêncio por um longo momento, os olhos fixos no chão, pensando. Ana sabia que já tinha estragado tudo, de qualquer forma. A loira ergueu os olhos do piso para olhar para a princesa. Ana encontrou suas órbitas de diamante e sentiu seus lábios se formarem em um sorriso involuntário.
"E se..." Jane começou, um tom baixo, mas audível suficiente para Ana. "E se eu não quiser só beijar você?"
Ana arqueou uma sobrancelha, tentando entender o que acabará de ouvir. Aquelas palavras não se encaixavam no argumento que Ana usaria para se desculpar pelos beijos na banheira. Então, como uma luzinha se acendendo em sua mente, Ana entendeu o que elas significavam.
Os olhos de Jane continham algum medo, ela viu, mas era tão pouco comparado à sua astúcia que parecia o pecado em pessoa. Ana se afastou da escrivaninha, virando-se e fazendo Jane ficar contra ela.
"O que exatamente é mais do que apenas me beijar?"
Jane não levou nenhum segundo para responder. Ana estava ali. Elas estavam juntas. Se fosse para morrer, morreria depois de fazer algo que tenha gostado.
"Eu quero tentar... Os beijos mais íntimos de que você falou aquela vez."
Ana sorriu. Ela deu um passo a frente, suas mãos passando ao lado da cintura da ex-rainha e tocando a madeira da escrivaninha.
"Quer mesmo? Tem certeza?"
Jane assentiu. Ela levou as duas mãos até o pescoço de Ana e acariciou a pele com os dedos trêmulos. A princesa sorriu com um pouco de hesitação. Ela deu mais um passo e enrolou as mãos ao redor da cintura da ex-rainha, encostando a testa quente contra a lisa e fria de Jane.
"Me diga o que quer..."
Jane molhou os lábios, ofegante. Seus dedos tocaram a nuca de Ana e começaram a subir em seu cabelo.
"Eu quero que você me faça sua."
Ana sorriu ainda mais.
"Como quiser..."
Notes:
Okay, Jane deixou de ser inocente nesse final, o queeee??? Sinto muito, não sei escrever cenas de flerte ou seja lá o que diabos foi isso ;--;
Chapter Text
Então, hm.. eu não sei se vou postar o capítulo 9 de verdade (Não Planejado, mais que Desejado) porque é só elas explorando o corpo uma da outra e eu não costumo escrever isso. Não há nada demais no capítulo além do fato de que as duas concordam em não falar mais o nome do Henry (e que Jane reage bem com Ana tocando intimamente nela).
Pretendo postar os próximos capítulos logo, de qualquer forma ✮⋆˙
ABBYMUELLERISMYWIFE (Guest) on Chapter 1 Fri 03 Oct 2025 12:03AM UTC
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