Chapter Text
Dezembro de 1996
O som dos cânticos de Natal e dos carros passando pela neve derretida preenchia o ar. Pessoas corriam pela rua cheia de lojas, entrando rapidamente nos estabelecimentos ou seguindo para casa ao final da tarde. Luzes brilhantes e festões estavam pendurados em todas as vitrines, iluminando os caminhos que escureciam.
Hermione amava o Natal. Sempre tinha aquele sentimento mágico, mesmo no mundo trouxa. A alegria, os rituais pagãos adotados e as histórias do velho São Nicolau contribuíam para aquela sensação de outro mundo.
— Claramente um bruxo — pensou distraída, trocando as sacolas de compras de uma mão para outra enquanto esperava na calçada. — Embora eu não me lembre de já ter ouvido falar do Papai Noel por alguém que cresceu com magia.
Suas sobrancelhas se juntaram enquanto tentava recordar se Ron ou alguém já mencionara renas voadoras ou o que era claramente o abuso de um vira-tempo para conseguir entregar presentes a todos, no mundo inteiro, em uma única noite.
Um homem saiu de uma loja, evitando a multidão de pessoas enquanto se aproximava da mulher que esperava. Seu cabelo castanho-claro cortado bem curto tinha alguns fios grisalhos, e havia marcas de riso ao lado dos olhos castanhos e calorosos. A expressão de Hermione se suavizou e ela sorriu para ele à medida que se aproximava.
— Acho que já estou pronto! — disse animado quando chegou até ela. Os olhos castanhos dela sorriram de volta, encantados.
— Pronto para ir para casa, pai? — perguntou, ajeitando um gorro de lã que tentava escapar dos seus cachos cheios. Estava coberta por uma leve camada de neve, as bochechas coradas pelo frio. O homem assentiu com um largo sorriso.
Ele sempre deixava os presentes de Natal da mãe dela para a última hora e era uma tradição informal que os dois enfrentassem juntos a correria da véspera para comprar algo para ela. As multidões eram uma loucura, mas era raro que Hermione tivesse tempo a sós com o pai. Ele entrelaçou o braço no dela enquanto voltavam para o carro.
— Espero que sua mãe já tenha terminado os biscoitos de gengibre — comentou, enquanto passavam por um fluxo interminável de compradores.
Ela não conseguiu segurar a risada. Seus pais quase nunca mantinham doces assados em casa, tão acostumados à prática de evitar açúcar o máximo possível, mas os dois dentistas sempre abriam uma exceção no Natal. Sua mãe fazia placas de massa de gengibre suficientes para que os três construíssem uma casa em tamanho respeitável. Nunca parecia ser estruturalmente forte o bastante para durar a noite, “acidentalmente” desabando antes que a noite terminasse.
— Bom, acho que vamos ter que comer agora! — o pai exclamava com falsa surpresa. — Eu jurava que todo aquele glacê iria segurar.
A mãe lançava a ele um olhar de resignação antes de roubar algumas peças para si.
Era uma pausa celestial do estresse de seu sexto ano em Hogwarts. Hermione estava contente em apenas aproveitar o tempo tranquilo com os pais antes de voltar à escola no fim das férias. Voltar a Hogwarts significava voltar aos artigos do Profeta Diário sobre pessoas desaparecidas, à obsessão de Harry com Draco Malfoy e à ameaça geral de uma guerra iminente.
Ela não pensaria no fato de também ter que testemunhar Ron e Lavender trocando beijos intermináveis em vários lugares públicos. Seu peito doeu com o pensamento. Sério, será que aqueles dois não podiam arrumar um quarto?
Hermione decidiu aproveitar suas férias de Natal como se o mundo tivesse apertado o botão de pausa.
Depois de várias fatias de pão de gengibre, os três assistiram a alguns filmes de Natal antes de irem dormir. Hermione trocou-se para o pijama e deitou na cama, mexendo no edredom amarelo já desbotado.
Seu pai era fascinado pelo mundo mágico em geral e ouvia suas histórias da escola com atenção extasiada. Sua mãe gostava das histórias como qualquer mãe gosta de ouvir sobre a vida dos filhos, mas sempre com uma ponta de preocupação. Hermione sabia que a mãe se preocupava com o aspecto perigoso da magia, mas fazia o melhor para tranquilizá-la. Ultimamente, vinha modificando várias de suas histórias, diminuindo o potencial de desastre, tentando não preocupar os pais à medida que o mundo bruxo se tornava mais sombrio.
— Planos de contingência — pensou com seriedade enquanto adormecia. — Eu preciso de planos de contingência para eles.
Foi acordada na manhã de Natal pelo som da mãe preparando o café. Demorando-se na cama aquecida, cochilou de novo por alguns instantes. Pensou distraidamente se Harry e Ron já tinham aberto seus presentes. Para Harry, dera um conjunto de penas auto-tintantes e um bilhete mandando-o parar de roubar as suas. Para Ron, um enorme caixa de Feijõezinhos de Todos os Sabores Bertie Bott Edição Especial.
A versão especial vinha sem nenhum dos sabores bons, mas a caixa convenientemente não mencionava isso.
Animada com o pensamento e agora completamente desperta, jogou as cobertas para trás e saiu da cama. A casa estava aquecida e o cheiro de bacon subia pelas escadas. Caminhando suavemente até a cozinha, foi recebida pela visão da mãe no fogão, de roupão e chinelos, de costas para o cômodo enquanto se concentrava na comida.
Seu pai estava por perto, também de pijama, tentando roubar pedaços de bacon sem que a esposa percebesse. Depois da terceira espátula batendo em seus dedos e de um olhar de advertência, ele desistiu e piscou para Hermione. Teria que esperar.
Depois de um café da manhã farto, foram para a sala trocar presentes. Os pais sentaram-se juntos no sofá azul macio enquanto Hermione se acomodou na poltrona combinando, admirando a árvore delicadamente decorada que os pais haviam montado uma semana antes de sua chegada.
— Aqui está — disse o pai, pegando vários presentes debaixo da árvore e colocando-os diante dela. — Recebi nada menos que cinco corujas com presentes para você esta manhã!
Ele parecia encantado. Seu pai, um observador de aves apaixonado, adorava o correio por coruja.
Ela guardou aquele pensamento para outro momento. Hoje era sobre felicidade e família e ela se agarraria a isso pelo maior tempo possível.
Abriu vários presentes atenciosos dos amigos, incluindo um belo diário encadernado em couro de dragão de Harry e um novo suéter Weasley de Molly, vermelho com um “H” dourado na frente. Ginny lhe mandara um livro sobre feitiços de organização, enquanto Luna lhe enviara seu próprio par de Espectrospecs verde-limão.
— Isso são… óculos de sol? — arriscou a mãe, examinando os óculos alados bizarros com as sobrancelhas erguidas. Hermione riu.
— Não exatamente. Eles não ajudam de verdade a ver nada. — respondeu, entregando-os à mãe, que os colocou e fingiu modelar. Tanto Hermione quanto o pai caíram em gargalhadas.
Não havia presente de Ron, mas ela já esperava, já que não estavam se falando no momento.
Um pequeno embrulho no chão, a seus pés, chamou sua atenção. Estava cuidadosamente envolto em papel preto e amarrado com uma fita dourada. Hermione achou as cores muito estranhas para um presente de Natal. A caixa era um pouco maior que a palma da mão e mais pesada do que parecia.
Arrancando o embrulho, revelou uma elegante caixa de madeira escura. Hermione franziu a testa e girou a caixa nas mãos. Não havia marcação alguma e os embrulhos não tinham cartão ou bilhete. Ela não esperava que mais ninguém tivesse enviado presente. Talvez Ron realmente tivesse mandado algo?
— Pai, veio algum bilhete com este aqui? — perguntou, erguendo a caixa ainda fechada. Mostrou a ele o papel preto quando ele franziu a testa.
— Acho que não. Para ser sincero, nem tenho certeza de qual coruja trouxe esse. As cinco chegaram ao mesmo tempo! — sorriu, claramente fascinado com o bando de corujas que vira naquela manhã.
Intrigada, voltou os olhos para a caixa e a abriu. Um pedaço de pergaminho estava dentro com três palavras em perfeita e elegante caligrafia.
Para sua proteção.
Ela pegou o pergaminho e quase deixou a caixa cair. Debaixo, em uma cama de seda branca, repousava uma linda pulseira de prata. Havia várias pedras pretas incrustadas por toda a circunferência, a prata se entrelaçando entre cada pedra para dar uma aparência delicada, quase como uma videira. Era uma peça belíssima e de artesanato refinado.
Antes de pegá-la para examinar, recobrou o juízo e fechou abruptamente a tampa articulada.
De imediato, Katie se ergueu no ar, graciosamente, braços estendidos, como se estivesse prestes a voar. No entanto, havia algo errado, algo perturbador... Seu cabelo chicoteava ao redor dela pelo vento feroz, mas seus olhos estavam fechados e seu rosto estava totalmente vazio de expressão. Harry, Ron, Hermione e Leanne pararam onde estavam, observando.
Então, a quase dois metros do chão, Katie soltou um grito terrível. Seus olhos se abriram, mas o que quer que estivesse vendo, ou sentindo, claramente lhe causava uma angústia atroz. Ela gritava e gritava; Leanne também começou a gritar e agarrou os tornozelos de Katie, tentando puxá-la de volta ao chão. Harry, Ron e Hermione correram para ajudar, mas mesmo quando agarraram as pernas dela, Katie caiu sobre eles; Harry e Ron conseguiram segurá-la, mas ela se debatia tanto que mal conseguiam segurá-la. Em vez disso, a deitaram no chão, onde ela se contorcia e gritava, aparentemente incapaz de reconhecer qualquer um deles.
— Hermione? Querida, você está bem?
O tom preocupado da mãe atravessou a lembrança. Hermione piscou e percebeu que ainda estava sentada na poltrona, mas suas mãos agarravam com força a caixa de madeira escura, a mandíbula contraída. Sentia o suor frio escorrer por todo o rosto e pescoço. O pedaço de pergaminho havia caído no chão durante seu flashback.
A mãe a observava com os olhos arregalados, os Espectrospecs em uma das mãos. Relaxando a mandíbula, Hermione forçou um sorriso tenso numa tentativa de tranquilizá-la, mas, a julgar pela expressão da mãe, não estava enganando ninguém.
— Eu só estou… com frio — mentiu. — Já volto, vou pegar um suéter.
O rosto da mãe deixava claro que não acreditava nela, mas não disse nada enquanto Hermione recolhia o pergaminho e disparava da sala para o andar de cima, a caixa firmemente agarrada em uma das mãos. Invadindo o quarto, localizou seu baú da escola e puxou a varinha, lançando um feitiço de tranca e um feitiço de “Não-Me-Note” sobre a caixa. Precisava impedir qualquer pessoa de tocar a pulseira até que pudesse entregá-la a McGonagall para inspeção.
Enfiou a caixa no fundo do baú e bateu a tampa com força, tentando puxar várias respirações profundas. Não fazia ideia se a joia estava amaldiçoada, poderia muito bem ter sido um presente de Natal de alguém que simplesmente esquecera de incluir um bilhete assinado, mas, depois do que aconteceu com Katie, não arriscaria. Lançou um olhar ao pequeno pedaço de pergaminho apertado em sua mão junto à varinha.
Para sua proteção. Se alguém realmente estivesse enviando algo para protegê-la, por que diabos não teria incluído o nome? E talvez uma indicação de como exatamente uma pulseira deveria protegê-la e de quê? Seria uma daquelas pulseiras energéticas que vira em farmácias trouxas, que afirmavam curar enjoo de viagem e uma série de outras enfermidades? Isso parecia exatamente o tipo de presente que Ron mandaria, especialmente com o exame de Aparatação chegando no próximo período, mas aquela definitivamente não era a caligrafia desleixada dele no bilhete. Também não era a de Harry, e ele já havia lhe dado um presente. Ela sabia reconhecer, afinal corrigia os deveres dos dois há anos.
Além disso, a pulseira parecia muito mais cara do que qualquer coisa vendida em farmácias. Parecia ser de prata verdadeira. Não tinha certeza de que pedras estavam incrustadas nela, mas a impressão geral era de um valor obsceno.
Se estivesse amaldiçoada, a alarmava a facilidade com que poderia ter caído nas mãos dos pais. E se tivesse sido endereçada a um deles? Poderiam facilmente tê-la aberto, supondo que fosse para eles, se ela não tivesse voltado para casa no Natal. Não havia etiqueta alguma no papel de presente indicando para quem era, seu pai apenas assumira que era para ela porque chegara por coruja.
Guardou o pedaço de pergaminho em um de seus cadernos da escola antes de descer novamente, o suéter completamente esquecido, enquanto repassava teorias na cabeça. A percepção de quão vulneráveis seus pais realmente estavam a corroía. Precisava descobrir como protegê-los — e rápido. Talvez McGonagall tivesse alguma ideia quando voltasse à escola — poderiam usar o feitiço Fidelius na casa dos pais? Funcionaria para esconder trouxas? Possibilidades atravessavam sua mente enquanto mentalmente compilava uma lista de opções a investigar.
Adeus, pausa.
Os pais já haviam terminado de abrir os presentes enquanto ela estava no andar de cima. O pai estava encantado com os Stringmints Dentifloss que ela lhe dera, esquecendo-se dos outros presentes, e imediatamente começou a chupar um.
— Unnh! — exclamou, surpreso, quando começaram a passar entre seus dentes. — Issa meio… agresssivo!
A mãe o observava tentar deter a bala puxando uma das pontas, divertida, mas, ao notar Hermione, seu sorriso desapareceu.
— Tem certeza de que está bem, querida? — os olhos dela sondaram o rosto da filha, preocupados.
Dessa vez, Hermione conseguiu sorrir de verdade, um pouco do pânico aliviado pelo espetáculo que o pai apresentava. Ele havia desistido de tentar deter a bala e a deixava continuar escovando seus dentes. Seus olhos pareciam incomodados, mas era difícil perceber com a boca e os lábios sendo puxados em direções diferentes.
— Estou bem. Um garoto de quem eu gosto está namorando outra pessoa e achei que um dos presentes pudesse ser dele, mas não era. Eu só… fiquei decepcionada. — era próximo o bastante da verdade; Ron realmente não lhe dera nada no Natal.
— Ah, sinto muito, querida. Isso é sobre o Ron? — a mãe a envolveu num abraço quando Hermione assentiu. Ela a abraçou de volta, aproveitando o conforto, e observou os stringmints amolecerem enquanto terminavam de limpar os dentes do pai.
— Finalmente! — bufou ele, puxando-os da boca e olhando o fio com desconfiança. Estava completamente mole, o feitiço havia se esgotado. Ele sorriu, passando a língua pelos dentes.
— Eles são bem minuciosos. Pena que não posso usá-los em alguns dos meus pacientes!
Hermione riu enquanto a mãe revirava os olhos.
Janeiro de 1997
No segundo em que voltou à torre da Grifinória e guardou seus pertences, Hermione puxou a caixa de madeira escura e o bilhete de seu baú, removeu os feitiços e correu para o escritório de McGonagall. Bateu rápido à porta, nervosa até em manter a pulseira fora do baú.
McGonagall abriu a porta e franziu o cenho. — Posso ajudá-la, srta. Granger?
— Desculpe incomodar, professora, mas recebi um presente de Natal estranho e esperava que pudesse me ajudar.
— Um presente de Natal — repetiu McGonagall, descrente.
— É uma joia e veio sem nenhuma indicação de remetente — respondeu Hermione de forma seca, irritada que McGonagall presumisse que a incomodaria com algo sem importância.
A bruxa mais velha arfou, erguendo as sobrancelhas, e em seguida conduziu Hermione para dentro do escritório. Claramente tivera o mesmo pensamento dela — aquilo podia ser uma repetição do que acontecera com Katie Bell. Hermione retirou a caixa da bolsa escolar, colocando-a e o bilhete sobre a mesa da professora. Deu alguns passos para trás e permitiu que McGonagall se encarregasse.
— Veio por coruja. Eu não vi a coruja, porém, já que foi meu pai quem recebeu o pacote. Não havia bilhete indicando quem o enviou, apenas isto. — gesticulou para o pedaço de pergaminho. McGonagall lançou um olhar ao bilhete, franziu o cenho, e então puxou a varinha.
Com um movimento, a caixa se abriu, revelando a pulseira repousando perfeitamente sobre a seda branca, a prata brilhando intensamente no escritório bem iluminado. McGonagall examinou a peça por um instante antes de dar outro movimento de varinha, fazendo a caixa se fechar.
— Posso enviar a pulseira para ser testada pelo departamento de aurores no Ministério — disse McGonagall, voltando-se para Hermione, o sotaque escocês se acentuando com a preocupação. — Mas, se encontrarem qualquer magia das trevas, irão confiscá-la e você não a terá de volta.
— Não a quero de volta se tiver magia das trevas — replicou Hermione com firmeza. A professora assentiu, já suspeitando disso.
— Muito bem. Avisarei assim que receber notícias deles. Enquanto isso, eu evitaria abrir qualquer outro pacote sem remetente que receber e, em vez disso, me avisaria imediatamente.
Hermione concordou e McGonagall a dispensou, mas ela hesitou.
— Havia mais alguma coisa, srta. Granger?
— O feitiço Fidelius pode ser usado para proteger uma residência trouxa? — perguntou diretamente.
A expressão de McGonagall suavizou e ela suspirou. — Não creio que sim. Imagino que seja sobre seus pais? — Hermione assentiu.
— Você poderia tentar feitiços de proteção na casa, mas talvez fosse melhor que eles deixassem o país por um tempo — disse McGonagall com delicadeza. — Feitiços de proteção não serão suficientes se a história se repetir.
Hermione agradeceu pelo conselho e saiu, a mente correndo por potenciais soluções. Precisaria visitar a biblioteca.
Depois de visitar Hagrid e “Asa de Rapina” logo após o encontro com McGonagall, Hermione voltou à sala comunal da Grifinória e encontrou Harry, Ron e Gina trancados do lado de fora por conta da troca de senha. Depois de deixá-los entrar, Harry a puxou de lado para relatar a conversa que ouvira entre Snape e Malfoy antes do Natal.
Ela já estava cansada da insistência de Harry de que Malfoy era um Comensal da Morte, mas parecia incapaz de convencê-lo do contrário. Todas as provas dele eram circunstanciais e exigiam certa imaginação para fazer sentido. Ela preferia fatos concretos e conclusões lógicas, mas Harry não aceitava. Teriam de concordar em discordar, por ora.
Alguns dias depois, após a discussão sobre o que afinal poderia ser uma Horcrux, Hermione previsivelmente se encontrava na biblioteca após o jantar. Precisava pesquisar tanto sobre Horcruxes quanto métodos de proteger trouxas sem violar o Estatuto de Sigilo. Gostaria de poder consultar algo sobre a pulseira, mas não tinha nada além da caligrafia daquelas três palavras. Nem sabia ao certo quais pedras a pulseira possuía. Opala negra? Diamantes negros existiam? Empurrou o assunto para o fundo da mente.
Encontrando alguns títulos promissores na seção de Defesa Contra as Artes das Trevas, pegou uma mesa vazia nos fundos da biblioteca, onde era mais silencioso. Desfez a bolsa escolar, espalhando pergaminho e pena para fazer anotações, e pegou um dos tomos.
Duas horas depois, Hermione já havia descartado rapidamente dois dos três livros que selecionara como completamente inúteis. Prendera os cabelos cacheados em um coque bagunçado, tinha manchas de tinta escura pelas mãos e começava a se cansar. Estava absorta em uma cópia de Escudos, Salvaguardas e Abrigos e acabara de decidir que precisaria levá-lo emprestado para terminar a leitura quando uma gargalhada alta à sua esquerda quebrou sua concentração. Ela lançou um olhar de censura na direção do barulho e ouviu Pince expulsando furiosamente um grupo de alunos por atrapalharem o silêncio.
Desistindo da pesquisa naquela noite, começou a guardar seus materiais quando sentiu a incômoda sensação de estar sendo observada. Tentou lançar olhares discretos ao redor enquanto enfiava os últimos frascos de tinta e pergaminhos na bolsa, mas não viu ninguém. A sensação permaneceu enquanto devolvia os dois livros inúteis às prateleiras e também durante o empréstimo de Escudos, Salvaguardas e Abrigos.
Quando Pince lhe devolveu o livro e a dispensou, Hermione ouviu a bibliotecária perguntar: — E o que deseja, sr. Malfoy?
Hermione se virou e encontrou Malfoy esperando casualmente atrás dela. Ele tinha um pequeno tomo nas mãos cujo título ela não conseguiu ver. Embora Pince tivesse se dirigido a ele, os olhos estavam fixos em Hermione, percorrendo-a dos pés à cabeça de maneira insolente. Hermione franziu o cenho. Notou que ele parecia não estar dormindo — havia olheiras sob os olhos e sua postura não estava tão rígida quanto de costume. Parecia sob bastante estresse.
Pince pigarreou alto, interrompendo o duelo de olhares. Hermione se virou sem dizer uma palavra e deixou a biblioteca, esquecendo o incidente quase de imediato, já que seus pensamentos voltavam a como proteger melhor os pais.
Março de 1997
Na manhã seguinte à liberação dos dois garotos da ala hospitalar — Ron por causa do envenenamento com o hidromel de Slughorn e Harry por causa do crânio rachado —, os três estavam sentados no café da manhã no Salão Principal. Ron e Harry estavam de frente para Hermione. Ela notou que a cabeça de Harry estava enterrada naquele maldito livro de poções.
Luna parou para oferecer a Dean Thomas alguns conselhos sobre sua aparente infestação de espíritos infestadores de orelhas. Estava gesticulando ao redor da cabeça dele e dando instruções muito detalhadas — e questionáveis — sobre como se livrar deles. Isso incluía banhar-se em óleo de abacate à meia-noite todas as noites durante uma semana e enfiar cebolas nas meias. Dean não sabia se devia sentir-se ofendido ou envergonhado, mas não conseguiu pensar em uma resposta antes que Luna deslizasse até a mesa da Corvinal, prometendo verificar seu progresso na semana seguinte.
— Maluca — murmurou Dean, balançando a cabeça enquanto voltava ao café da manhã.
— Eu aprendi a gostar dela — disse Ron, dando de ombros e referindo-se ao comentário anterior dele durante o episódio da raiz de gurdy. — Ela é doida, mas não faz mal a ninguém.
Hermione mastigou a torrada pensativa. Luna era excêntrica, claro, mas Ron tinha razão. Não era maliciosa, apenas… estranha. Parecia estar conectada a um lado da magia que mais ninguém estava, isto é, se suas especulações fossem verdadeiras e não apenas fruto da imaginação.
— Não há más intenções ali — concordou. Ron cutucou-a com o garfo.
— Exatamente — tentou articular através de uma boca cheia de ovos. Engoliu e continuou, o garfo agora apontando para o jornal ao lado do prato de Hermione. — Agora, isso vale muito.
Hermione assentiu. As notícias estavam ficando cada vez piores. Mais ataques, mais relatos de pessoas sob a maldição da Imperius e, agora, Mundungus tinha sido preso. Seu raciocínio foi abruptamente interrompido ao perceber que Lavender estava gritando com Ron em algo que parecia ser um rompimento público.
A conversa parecia ser totalmente unilateral, com Ron meio virado no assento e Lavender em pé ao lado dele, chorando e parecendo ao mesmo tempo triste e furiosa. Ron parecia atônito e nada disse, a boca aberta.
Quando ela se afastou pisando forte, com o relacionamento claramente acabado, Ron a encarou por alguns momentos antes de lentamente se virar novamente no assento. Estava chocado e um pouco aliviado. Harry havia mencionado que Ron não queria continuar namorando Lavender, mas também fora incapaz de terminar com ela.
Harry deu-lhe um tapinha nas costas em solidariedade e os dois tiveram uma conversa sussurrada que Hermione escolheu ignorar. Nos últimos dias ela percebera que, embora tivesse gostado dele anteriormente, na verdade não queria namorar Ron. Lavender não era exatamente sua amiga todos aqueles anos, mas Hermione também não aprovava a maneira como Ron a tratara. Ver os sentimentos desesperados de sua colega de dormitório tratados com tanta indiferença matara de vez os últimos vestígios de sua paixonite.
— Garotos — pensou, bufando. Seus olhos vagaram para as outras mesas, curiosa se Luna havia encurralado mais alguém. Antes que pudesse localizar o cabelo loiro-branco de Luna, outro loiro chamou sua atenção. Encontrou os olhos de Malfoy do outro lado do salão.
Ele estava encarando de novo. Desde a noite na biblioteca, ela notara que ele a observava mais vezes, ou pelo menos, mais vezes do que percebera antes. Nas aulas que tinham em comum, em especial, pelo menos uma vez em cada aula sentia os olhos dele sobre si, o que a fazia olhá-lo mais. Talvez ele estivesse olhando mais para ela porque ela também estava olhando para ele?
Harry precisava superar essa teoria de Comensal da Morte, pensou com firmeza. Era a única razão pela qual continuava observando-o. Toda vez que Malfoy espirrava, Harry interpretava como uma confissão prática. Talvez Malfoy soubesse que Harry estava contra ele. Hermione pensaria que ele estivesse observando Harry, e não ela, exceto que ela e Harry nem sempre se sentavam juntos nas aulas e frequentemente acabava cruzando o olhar com Malfoy quando o flagrava encarando. E ele não desviava quando era pego, como alguém tentando ser discreto faria.
Provavelmente só estava tentando intimidá-la.
Depois de dar a Harry uma palestra longa sobre o uso indevido dos elfos domésticos e encerrar de vez suas tendências de perseguir Malfoy, Harry respondeu que não era um Comensal da Morte e recebeu outra bronca furiosa de Hermione, que finalmente o calou, mas a deixou irritadíssima.
Ron passou todo o tempo enfiado na caixa de Feijõezinhos de Todos os Sabores Bertie Bott que Hermione lhe dera no Natal. A conversa dela com Harry fora pontuada pelos sons dele cuspindo os feijõezinhos em desgosto.
— Como você pôde esquecer de dizer a eles para dormir? Francamente!
— Pah! Grama!
— Pelo amor de Merlin, Harry, pedi para eles seguirem ele, não registrarem cada movimento!
— ECA! Acho que esse era de vômito.
— Isso foi uma invasão selvagem da privacidade de Malfoy! Como você se sentiria se descobrisse que tinha um elfo doméstico te espionando no banheiro?!
— Cera de ouvido? Não, talvez só cera de vela. Argh.
Depois de várias mordidas infelizes e rodadas de discussão, Hermione declarou que ia para a cama. Harry permaneceu em silêncio, bufando de raiva.
— Boa noite! — chamou Ron, alheio à fúria dela enquanto sacudia a caixa para embaralhar os feijões. Espiou a expressão carregada de Harry.
— Quer um? — ofereceu, estendendo a caixa. Harry, que vinha o ignorando durante toda a discussão com Hermione, enfiou a mão na caixa sem olhar, os olhos fixos na figura dela se afastando.
— Cuidado, parceiro, esse aí é— — começou Ron, mas Harry já tinha colocado o feijão na boca e o cuspiu de volta, o rosto em desgosto.
— — pergaminho — terminou Ron, fazendo careta. Olhou para a caixa com desconfiança por um momento antes de deixá-la de lado.
— Então — perguntou a Harry. — Qual é o plano?
Abril de 1997
O sexto ano parecia ser O Ano em que a Biblioteca de Hogwarts Decepcionou Hermione.
Não apenas não encontrara nenhuma menção a Horcruxes, como também não encontrava nada de significativo sobre a proteção de trouxas além de manter a magia em total segredo deles. O que não era realmente uma opção, já que seus pais tinham conhecimento extenso e confirmado da magia desde que ela completara 11 anos e recebera a carta de Hogwarts. Também haviam testemunhado surtos de magia acidental alguns anos antes disso.
Ela sabia que apagar completamente suas memórias e forçá-los a se mudar era uma opção viável, sabia disso, mas não suportava a ideia de abrir mão de toda a sua história, sua relação com os pais, sua casa, toda a família estendida — essencialmente toda a sua vida fora de Hogwarts — se pudesse encontrar outra solução. Estava desesperada para encontrar qualquer outra solução.
Se chegasse ao ponto de apagá-la da vida deles, não tinha certeza de que seria capaz. Forçar os pais a esquecê-la? Não era cruel o suficiente para isso e era egoísta o suficiente para admitir que queria manter sua família.
Tinha que haver algo.
Maio de 1997
Agora que tinham uma compreensão melhor do que eram os Horcruxes e do que Voldemort poderia ter transformado em Horcrux graças à memória de Slughorn, a dimensão da tarefa se agigantava na mente de Hermione.
Havia muito a fazer. Dumbledore indicara que eram seis Horcruxes. Com dois destruídos, ainda restavam quatro a encontrar e destruir, dois dos quais nem sequer sabiam o que eram. Parecia impossível.
Ainda bem que temos Dumbledore, pensou Hermione fervorosamente. Não tinha certeza de como conseguiriam algo tão monumental sem ele.
Ela pensara que sua palestra “deixe Malfoy em paz” havia convencido Harry, mas todo o episódio do Sectumsempradeixou muito claro que não. Nunca estivera tão furiosa com Harry e tão preocupada com um Malfoy em sua vida.
Ele podia ser um idiota, mas não merecia ser retalhado como um peru de Natal.
Quando Harry ousou reclamar da detenção, ela novamente lhe deu uma bronca fulminante. A vida de alguém tinha muito mais peso do que suas malditas partidas de quadribol e ela não ouviria nada em contrário. Também desabafara sobre aquele maldito livro de poções. O fato de Gina, recém-terminada com Dean, ter ousado ficar do lado de Harry nesse assunto fez Hermione revirar os olhos.
O que aconteceu com “amigas antes de garotos”?
Não importava se Malfoy era um Comensal da Morte, ele não merecia morrer. No entender de Hermione, Gina só estava defendendo Harry porque queria ficar com ele, por mais nojento que isso lhe parecesse. Os dois estavam como bezerros lunáticos apaixonados, com o jeito que se olhavam na última semana. Ela e Ron estavam igualmente revoltados.
Sabia que Harry jamais pediria desculpas a Malfoy. Como única do grupo que sentia pena dele, Hermione tomou para si a responsabilidade de ir até a ala hospitalar com os deveres das aulas em comum alguns dias depois do ataque de Harry. Notara que Malfoy já não parecia falar muito com os colegas da própria casa e não tinha certeza de que alguém se daria ao trabalho de levar-lhe anotações de aula.
Ficou em frente à porta pesada da ala hospitalar e conferiu se tinha cópias de todas as notas que pretendia dar a ele, alisando nervosamente o uniforme escolar enquanto fazia isso. Ela e Malfoy nunca haviam tido interações positivas, mas pelo menos naquele ano ele não a importunara. O que quer que estivesse acontecendo para deixá-lo mais magro e ainda mais anguloso que o normal claramente tirara de sua mente a ideia de provocá-la.
A porta abriu-se sem som e ela entrou de fininho. Ainda era horário de visitas, embora ele parecesse ser o único paciente no momento, a cama dele perto tanto da porta quanto do escritório de Madame Pomfrey.
Estava reclinado em vários travesseiros, sem camisa, os cobertores até a cintura. Faixas brancas cobriam a maior parte da pele pálida exposta, deixando à mostra apenas um ombro e o antebraço direito, nu e sem sinal de tatuagem. Tentava lembrar em qual braço ia a Marca Negra, pronta para esfregar na cara de Harry que ele não era, de fato, um maldito Comensal da Morte, quando percebeu que os olhos prateados dele a encaravam enquanto se aproximava.
A expressão dele estava fechada, mas ela sentiu que podia ser de raiva. Estava ainda mais pálido que o normal e visivelmente magro. Os ossos dos ombros se projetavam mais do que parecia saudável e o rosto estava mais fino que no ano anterior. As mãos estavam ao lado do corpo e a mais próxima dela estava cerrada em punho.
— Veio terminar o trabalho, Granger? — ele zombou.
Ela parou a um pé da cama dele, as anotações apertadas nas mãos, franzindo o cenho. Dias atrás parecia corroído por algo, mas havia mudado. Não tinha mais aquele ar desesperado à espreita. Agora todo o corpo estava tenso, os olhos quase irados. Parecia perigoso para alguém deitado numa ala hospitalar, coberto de bandagens. Achando que podia ser uma tática de intimidação, ignorou e estendeu as anotações com firmeza.
— Anotações das aulas que você perdeu — disse secamente. A expressão dele não se alterou, os olhos duros e penetrantes. Ele não fez menção de aceitá-las.
— Não preciso da sua ajuda — cuspiu. Ela quase pôde ouvir o “sangue-ruim” implícito no tom. Merlin, seria esse o mesmo Malfoy que Harry jurava ter visto chorando no banheiro dois dias antes?
Ela abaixou as notas ao lado, incerta. Talvez já tivesse recebido dos amigos da Sonserina? Sentia-se uma completa idiota por ter se disposto a ajudá-lo, sua aparência anterior e episódios de olhares a fazendo pensar—
—o que exatamente estava pensando? Malfoy não queria nem precisava da ajuda dela. Era uma tola, uma idiota simpática com alguém que nunca havia mostrado qualquer gentileza.
— Deixa pra lá — murmurou, virando-se para sair. Aquilo fora um erro gigantesco. Já estava quase na porta quando ele a chamou.
— Granger — o tom era baixo. Ela se virou, uma mão na porta da ala hospitalar, e esperou.
— Quando tudo desmoronar, você deve correr. Longe — a voz dele era firme e baixa, um aviso claro.
Ela lhe lançou um olhar incrédulo. — Não vou a lugar nenhum. Essa luta é tanto minha quanto do Harry. — disse com ferocidade.
A expressão dele se transformou em algo tempestuoso, mas ela se virou e escorregou pela porta sem esperar resposta.