Chapter 1: O Despertar do Qilin
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Em toda profecia há um pouco de dor.
Prever o futuro significa mudar a ordem natural das coisas. A profecia é uma forma de desafiar o universo, de manipular os acontecimentos. E Cassandra Trelawney sabia melhor do que ninguém que o universo cobrava um preço alto a quem o desafiava.
— Não desista! — alguém incapaz de entender a sua dor exigiu. — Você precisa tentar mais uma vez!
Diante de Cassandra, sobre a mesa larga de mogno, iluminada pela luz de dezenas de velas, uma única pedra, negra como o ébano, descansava, aparentemente inofensiva. Bem ao lado dela, um recipiente em forma de meia-lua, repleto de água cristalina, parecia acenar com uma fugaz promessa de alívio.
Cassandra olhou para as palmas das mãos trêmulas e não foi capaz de conter um gemido angustiado ao vê-las tão vermelhas, descascadas e feridas. Era até irônico pensar que o futuro do mundo mágico dependia daquelas pobres mãos, tão destruídas!
— Por favor, Cassandra. Você precisa tentar! — a pessoa parada atrás de si insistia. — Só mais uma vez!
Choramingando, a pobre mulher esticou as mãos e, num ato de extrema coragem, agarrou a pedra, deixando escapar um gemido de pavor. No momento em que entrou em contato com a sua pele, o artefato mágico logo começou a esquentar mais e mais, até que sua cor deixasse de ser preta, e passasse a adquirir um vívido tom de brasa.
Até que todo o seu mundo se resumisse à dor.
— Na próxima lua cheia, o sagrado Qilin finalmente verá a luz! — Cassandra se ouviu falar quando seus olhos se desligaram do presente para, enfim, enxergar o tão almejado futuro.
— Isso nós já sabemos! — a voz por trás de si lhe falou com urgência. - Precisamos de alguma informação que nos leve até ele!
A dor já estava muito próxima do insuportável, mas, ainda assim, Cassandra se agarrou à pedra como se dela dependesse sua vida, em busca de alguma coisa, qualquer coisa…
Mas não havia nada. Absolutamente nada!
Os antigos diziam que a verdadeira revelação só vinha quando o vidente alcançava o limiar da inconsciência, no preciso momento em que a dor era tanta que o cérebro se desligava por completo e não havia nenhuma sombra capaz de nublar sua visão do futuro. Houve um tempo em que não havia nada que Cassandra temesse mais do que este momento fatídico de revelação.
Agora, aquilo era tudo o que ela mais desejava alcançar.
Queimando numa fogueira de dor, Resfolegando de puro desespero, uma palavra finalmente surgiu na mente de Cassandra, um segundo antes de tudo se escurecer por completo:
— Dumbledore! — gritou.
A pedra deslizou das suas mãos, fazendo um barulho seco ao bater no chão e a vidente só não despencou junto ela porque alguém a segurou por trás. Ato contínuo, suas duas mãos foram rapidamente mergulhadas no recipiente cheio d’água. A única lágrima de fênix diluída no líquido não era suficiente para curar suas feridas por completo, mas proporcionaram um alívio que não poderia ser descrito em palavras.
— Você foi uma boa ômega, Cassandra — uma voz suave lhe falou em meio ao negrume da semi-inconsciência. — Pode descansar agora.
— Eu te disse — Kendra Dumbledore se gabou, sem deixar de sorrir para a menininha adormecida em seu colo.
— Sim, você tinha toda a razão — seu marido, Percival, reconheceu. — A lua cheia fez mesmo o seu papel.
O parto havia transcorrido bem até demais e Kendra não precisou da ajuda de mais ninguém além de uma parteira e do próprio marido. Após o nascimento do bebê, tudo foi muito bem limpo com magia e a pequena Ariana mamou pela primeira vez para, logo em seguida, adormecer tranquila nos braços protetores da mãe.
Percival admirou o doce rostinho da criança por alguns segundos, embevecido.
— Ela é tão linda! — elogiou, fazendo o sorriso da esposa se abrir ainda mais.
— É verdade… — Kendra concordou, afastando um pouco a manta que envolvia o bebê para acariciar o seu rostinho.
— Será que finalmente teremos um ômega na nossa família? — Percival perguntou, cheio de expectativa.
— Querido, nós já temos um ômega na família! — Kendra respondeu num tom próprio de quem já havia debatido aquele mesmo assunto em mais de uma oportunidade.
Percival balançou a cabeça em sinal de pura descrença.
— Não sei por que ainda insiste — disse ele. — Se Albus fosse mesmo ômega como você diz, já teria maturado há uns dois anos pelo menos, no entanto…
— Ele é um ômega! — Kendra afirmou, categórica. — Você verá.
— Está certo, está certo... — Percival cedeu, mais para não contrariar a esposa do que por estar realmente convencido. — Longe de mim duvidar, mesmo porque, se dependesse de mim, eu seria o único alpha desta casa.
Ao ouvir aquilo, Kendra até tentou dar uma risada, mas só conseguiu esboçar um sorriso cansado.
— Você diz isso, mas ser ômega não é nada fácil - falou ela, muito séria. — Principalmente quando nosso destino está atrelado a um mau alpha.
— Naturalmente, desta parte eu cuidaria muito bem - Percival garantiu, estufando o peito com um típico alpha. — Jamais permitiria que um mau alpha encostasse as presas no pescoço de um ômega filho meu.
— Eu sei que não — Kendra concordou, com um sorriso. — Nem sequer tenho certeza se você permitiria que um bom alpha se aproximasse de um ômega filho seu. E já que estamos falando dos nossos filhos, que tal enviar uma coruja para Hogwarts avisando a eles das boas novas?
— Estava pensando em fazer isso agora mesmo! — Percival falou, levantando-se da cadeira aonde estava sentado com uma certa má vontade, afinal, se afastar da sua linda menininha não era uma tarefa fácil.
Ele então sentou-se junto à escrivaninha, ao lado da cama de casal e, tomando alguns centímetros de pergaminho e sua pena preferida, começou a redigir as primeiras linhas do que seria uma carta cheia de notícias felizes para os seus dois filhos.
Um parágrafo. Foi tudo o que Percival conseguiu escrever, pois, antes mesmo de iniciar o segundo, um terrível raio verde invadiu a janela aberta do quarto, atingindo em cheio o peito de Kendra. O bebê que ela estava segurando deslizou dos seus braços inertes, até parar sobre suas coxas. A queda, ainda que pequena, fez a recém-nascida acordar assustada e seu choro sentido ecoar por todo o quarto.
— Kendra? KENDRA?! — Percival gritou, enquanto levava a mão ao interior das vestes, sendo incapaz, porém, de alcançar sua varinha a tempo de impedir que um segundo raio de luz verde o atingisse pelas costas, fazendo-o desabar sobre a escrivaninha com tanta força que o tinteiro que vinha usando até então tombou.
A porta da casa se abriu para trás, dando passagem para uma bruxa de cabelos negros e olhos muito azuis. Ela atravessou o vestíbulo a passos largos, até encontrar uma segunda bruxa, um pouco mais velha, de cabelos e olhos castanhos. Sem fazer qualquer barulho, as duas checaram o quarto, ainda com as varinhas em punho, até se certificarem de que não havia nenhuma ameaça.
— Precisava matar os dois? — a bruxa de olhos claros, Vinda Rosier, perguntou.
— É mais fácil assim — a outra bruxa, Carrow respondeu, dando de ombros. — Não temos tempo para lidar com pais desesperados.
— O bebê se machucou? — Vinda perguntou, com uma ponta de ansiedade na voz, ao ver a criança chorar a plenos pulmões.
— Não, está tudo bem com ela — Carrow esclareceu enquanto pegava o bebê do colo da mãe e o ajeitava com cuidado em seus braços, para logo depois completar, apressada: - Vamos embora!
— Você não acha que deveríamos verificar se ela é mesmo quem estamos procurando? — Vinda perguntou, indecisa. — Me disseram que o Qilin tem uma marca de nascen…
— Por acaso você está vendo algum outro recém-nascido por aqui? — Carrow a interrompeu com impaciência.
— Não, mas…
— A profecia foi clara! O Qilin veria a luz sob a lua cheia. Só pode ser este bebê aqui! - Carrow cuspiu, rabugenta. — Vamos embora de uma vez!
Vinda hesitou por alguns curtos instantes e então assentiu, seguindo a companheira até o lado de fora da casa, onde aparataram para longe, levando o bebê com elas.
— Chegamos tarde. — foi a única frase que Theseus Scamander foi capaz de dizer ao se deparar com a cena desoladora que o esperava no quarto dos Dumbledore.
Newt Scamander entrou no quarto logo após Theseus, e sequer encontrou forças para falar. Por segundos que pareceram horas, os dois irmãos apenas olharam em volta, ainda com suas varinhas em punho.
— Levaram o Qilin — Newt finalmente quebrou o silêncio.
— Tudo indica que sim — Theseus concordou, com o ar sombrio.
O olhar de Newt pousou por alguns segundos sobre o cadáver da pobre mulher, largado na cama. Bem próximo ao dela, estava o do marido, caído sobre a escrivaninha. Uma mancha ainda úmida de tinta se espalhava pelo tampo de madeira da mesa, formando um filete que havia pingado sobre o chão, até secar.
— E agora? - Newt perguntou. — O que vamos fazer?
Theseus não respondeu de imediato, antes disso, ele apontou sua varinha e tratou de recitar meia dúzia de feitiços de rastreamento, sem qualquer resultado promissor.
— Por enquanto, não vejo outra escolha a não ser deixar tudo nas mãos do Ministério — Ele finalmente respondeu.
— Do Ministério? — Newt olhou para o irmão, assombrado. — Você está querendo dizer que não vamos fazer nada?
Os ombros de Theseus se contraíram discretamente diante da acusação disfarçada.
— Só quis dizer que uma investigação oficial precisa ser instaurada — opinou, enquanto se abaixava rapidamente para olhar embaixo da cama. — Além disso, os Dumbledore tinham mais dois filhos. Eles precisam ser informados sobre o que aconteceu.
— Mais dois filhos? — Newt estranhou. — Onde estão?
— Hogwarts — Theseus respondeu antes de desviar de um par de fofas pantufas cor de laranja que quase o fez tropeçar. - Quinto e sétimo ano.
— Dois alphas então? — Newt deduziu.
— Indefinido.
A informação fez Newt franzir as sobrancelhas de imediato:
— Mesmo o que está no sétimo ano?
— É o que diz o arquivo do Ministério — Theseus respondeu, dando de ombros.
Newt balançou a cabeça.
— Deve haver algum engano — opinou, sinceramente intrigado.
— Pode ser que o mais velho seja um beta — Theseus opinou. — Não seria incomum. Betas quase sempre demoram um pouco mais para desenvolver feromônios.
Newt preferiu não insistir naquele ponto. Ao invés disso, passou a dar atenção a um porta-retrato sobre a mesinha, onde a família Dumbledore posava, aparentemente feliz. Pai alpha, mãe ômega grávida e seus dois meninos ruivos.
— Será uma notícia devastadora — Newt comentou, sem tirar os olhos da foto. — Saber que os pais estão mortos e que a irmã recém-nascida acaba de ser raptada.
— A notícia é ainda pior para o mundo bruxo — Theseus afirmou enquanto caminhava pelo quarto com extremo cuidado, fazendo força para guardar cada detalhe do que via. Certamente, o Ministério iria requisitar suas memórias para a investigação e o melhor seria que elas fossem o mais ricas e cheias de detalhes possível. - Como serão as coisas se sem o Qilin?
— É cedo ainda para perdermos as esperanças! — Newt respondeu, fazendo força para se parecer confiante.
— Acho que você tem razão. — Theseus concordou, apesar de o seu semblante não transparecer o menor sinal de otimismo. - Mas agora vamos, ainda temos muito o que fazer.
Albus mal conseguia pensar.
Uma sensação ruim lhe dizia que algo estava muito errado, mas ele não conseguia lembrar o que era. Olhou a sua volta, talvez pela centésima vez. Tudo naquele quarto lhe parecia hostil, assustador. Não havia nenhum quadro, nenhum objeto que pudesse ser quebrado, ou que pudesse ser transformado numa arma. O chão era todo acarpetado e as paredes lisas, cobertas por um horrível papel de parede aveludado. No centro do quarto, apenas uma cama de casal, onde ele havia sido largado, Albus nem sequer era capaz de definir há quanto tempo.
Horas? Dias? Semanas?
Aonde estava a sua varinha? Por que ele havia sido trancado naquele lugar assustador?
Por mais que tentasse, não conseguia se lembrar.
Durante as primeiras horas, não teve forças sequer para se mexer, empapado de suor, ele apenas choramingava e estendia a mão para o vazio, tentando agarrar algo — alguém — que ele nem sequer tinha certeza se realmente estava ali. Mais um bom tempo se passou até que conseguisse levantar a cabeça do volumoso travesseiro de plumas, apenas o suficiente para se dar conta de que estava completamente só. Foi com muito esforço que empurrou suas cobertas para longe e rolou na cama até despencar no chão.
E, naquele preciso instante, lá estava ele, se arrastando devagar pelo carpete de um quarto que ele não conhecia, tentando alcançar a porta de madeira, na tentativa de escapar dali, querendo fugir, querendo…
- Me tirem daqui! - implorou, já no limite das suas forças - Alguém… por favor…
Alguém forte, alguém que pudesse protegê-lo daquele lugar terrível, daquela sensação horrorosa…
Um alpha!
Um alpha forte o suficiente para libertá-lo! Para aliviar a dor que ele estava sentindo; um alpha para abraçá-lo, protegê-lo…
Marcá-lo!
Se ao menos ele estivesse com a sua varinha! Sem dúvida, aquela maldita porta estaria em pedaços sem que ele nem mesmo precisasse verbalizar um feitiço.
E ele poderia encontrar seu alpha!
Minutos se passavam como se fossem anos e as horas eram como décadas. Albus tentou gritar, tentou implorar, mas nada acontecia. A dor era praticamente insuportável!
Um alpha! Um alpha! Um alpha!
Acabou adormecendo no chão, completamente exausto.
Mais um dia inteiro se passou sem que conseguisse organizar os próprios pensamentos. Uma angústia crescente dominando o seu peito a ponto de ser difícil até respirar.
— Alguém… alguém… — ele implorava, sem forças sequer para gritar.
Era como se sua mente estivesse enevoada e Albus não conseguisse se lembrar de absolutamente nada; como se, de uma hora para outra, seu cérebro houvesse desligado e restasse apenas as exigências do seu corpo, se contorcendo em busca de algo que parecia inalcançável.
Muito tempo se passou até que a porta finalmente fosse destrancada pelo lado de fora e o barulho da chave virando na fechadura foi o suficiente para despertá-lo do seu sono agitado. Sem sequer conseguir se mexer, Albus sentiu a porta empurrar o seu corpo inteiro apenas o suficiente para que alguém passasse, alguém que ele não foi capaz de reconhecer de imediato.
— Sr. Dumbledore! Me ajudem aqui! — o homem que havia acabado de entrar falou, num certo tom de urgência e, já no segundo seguinte, Albus gemeu alto ao sentir seu corpo ser levantado no ar por alguém que ele não conhecia.
— Você não pode entrar! — uma voz feminina muito severa se fez ouvir.
— Por que? — outra voz, esta masculina, perguntou, e Albus pôde adivinhar que alguém estava sendo empurrado para fora — Você não pode fazer isso! Sou um auror, enviado à mando do Ministério!
— Claro que posso fazer isso! Antes de ser auror, você também é um alpha! — a mulher rebateu, não se deixando intimidar. — Não pode se aproximar de um ômega no cio! Saia, por favor! Nós cuidaremos disso!
Um ômega? Um ômega no cio? Do que aquelas pessoas estavam falando?
— Pensei que o cio já tivesse terminado — o homem falou, debilmente, em protesto.
— Ainda não é totalmente seguro — a mulher insistiu. — Faça o favor de esperar do lado de fora.
O alpha finalmente cedeu e a porta do quarto bateu com força ao mesmo tempo em que o corpo de Albus era depositado na cama com tanto cuidado, que ele até teria agradecido pela gentileza se tivesse forças para falar qualquer coisa. Logo em seguida, alguém não tão gentil levantou sua cabeça com uma das mãos e forçou uma taça de vidro por entre seus lábios.
Sem outra opção, Albus bebeu. Uma poção refrescante desceu pela sua garganta como um bálsamo, fazendo com que ele se sentisse revigorado.
— Sente-se bem? — a mesma mulher que havia expulsado o tal alpha do quarto perguntou, parecendo preocupada.
Albus não poderia dizer de forma alguma que estava se sentindo bem, mas, por puro medo de que o deixassem ali, trancado, por ainda mais tempo, assentiu com a cabeça.
— Beba tudo! — alguém ordenou e Albus pegou a taça, obediente, e bebeu o resto da poção.
— O que… tá acontecendo comigo? — Albus perguntou, após devolver a taça vazia. — Por que me prenderam neste lugar?
Uma mulher toda vestida de branco sentou-se na ponta da cama e, ao invés de responder, tomou seu pulso e o levou até o nariz.
— Madame… Aldridge? — Albus insistiu, ao finalmente reconhecer a medi-bruxa responsável pela ala hospitalar de Hogwarts.
— Pelo visto a poção está começando a fazer algum efeito… — ela respondeu, com um sorriso bondoso.
— Ele não parece nada bem — a mesma pessoa que o obrigara a beber falou, e, dessa vez, Albus foi capaz de reconhecer a voz do seu irmão mais novo.
— Abe? — ele perguntou, confuso. — Alguém pode me explicar o que está acontecendo?
— O que mais eu poderia estar acontecendo? — Aberforth respondeu com extrema rispidez. — Estamos checando se você finalmente voltou a funcionar.
Funcionar? Albus franziu as sobrancelhas, achando a escolha de palavras bastante exótica.
— Alguém me azarou por acaso? — perguntou ele, ainda tentando entender o que, em nome de Merlin, estava acontecendo — … ou talvez isso seja algum tipo de doença?
— O que você tem não é doença — uma segunda voz masculina, muito suave, mas totalmente desconhecida, tomou a palavra. Albus olhos na direção de onde vinha o som e viu um rapaz magro, de olhos claros e aparência bastante exótica, parado do outro lado da cama, olhando para ele com um misto de preocupação e… piedade?
— Se não é uma doença, então… o que eu tenho?
O rapaz desconhecido respirou fundo:
— Este foi o seu primeiro cio — ele explicou, suavemente. — Não se preocupe, nem sempre é ruim desse jeito. Na verdade, o primeiro costuma ser o pior de todos.
— Cio? — Albus perguntou, agora realmente confuso. — Do que você está falando? Eu não posso ter entrado no cio… já passei da idade…
A bruxa de branco segurou o seu pulso novamente, num pedido mudo pela palavra e Albus olhou para ela, aguardando uma confirmação do que ele próprio havia dito. Ômegas atingem a maturação muito mais cedo do que betas e alphas. Seu amigo, Elphias Doge, tinha sido prova disso quando, há quase dois anos, havia tido seu primeiro cio.
— É realmente bastante incomum — a medi-bruxa começou a falar, muito calma. — Mas, pelo visto, você levou um pouco mais de tempo para maturar… e agora, talvez pela lua cheia ou, quem sabe, devido ao impacto emocional das recentes notícias…
— Notícias? Que notícias? — Albus perguntou, sentindo um frio esquisito na barriga, ao ver o rosto de todos ali adquirem um aspecto muito sombrio. - O que está acontecendo? - Albus precisou insistir diante do enorme silêncio que se seguiu.
— Não me diga que você não se lembra de nada? — foi Aberforth quem perguntou, num tom quase impaciente. — Não consegue mesmo se lembrar do que aconteceu com os nossos pais e com a nossa irmã?
E, ao ouvir aquele questionamento, a lembrança de uma terrível verdade pareceu atingir Albus como um raio, causando um latejar desagradável que percorreu toda a sua espinha: seus pais não estavam mais neste mundo. Sua irmã recém-nascida havia sido raptada por bandidos e poderia estar em qualquer lugar, até mesmo morta!
Duas lágrimas desceram pelo seu rosto.
— Minha varinha! — pediu, secando as lágrimas que teimavam em deslizar com as costas da mão, sua voz embargada a ponto de arranhar sua garganta. — Preciso da minha varinha!
— Meu rapaz… — a medi-bruxa começou a falar, ligeiramente constrangida. — Lamento muito, mas… você não pode ter uma varinha… pelo menos não por enquanto.
— Do que está falando? — Albus perguntou. — Preciso da minha varinha para encontrar as pessoas que assassinaram os meus pais e levaram a minha irmã!
— Lamento, mas isso não será possível! — Madame Aldridge insistiu, agora verdadeiramente penalizada por toda aquela situação. — Não sem a autorização de um alpha responsável.
— Eu não tenho um alpha responsável! Meus pais estão mortos! — Albus reagiu, sentindo seu corpo inteiro tremer. — Vocês não podem me deixar sem magia num momento como esse!
O rapaz desconhecido balançou a cabeça e então, explicou:
— Em casos como o seu, a varinha fica em posse do Ministério até que você se case ou que algum alpha se apresente como seu responsável. E então, olhando rapidamente na direção de Aberforth. — Como o seu irmão, por exemplo…
— Acontece que meu irmão ainda não maturou — Albus explicou, sem perder a calma. — E eu não tenho mais nenhum parente que possa me dar essa autorização.
— Sinto muito, eu sei melhor do que ninguém o quanto isso é injusto, mas… — o rapaz desconhecido falou, parecendo sinceramente pesaroso. — Mas… por mais injusta que seja… esta é a lei.
Albus conhecia a lei desde o dia em que a varinha do seu bom amigo Doge também havia sido temporariamente retirada logo após o seu primeiro cio. A varinha e…
— Eu vou ter que deixar Hogwarts, não é verdade? — Albus perguntou, sombrio.
— É o procedimento padrão… — Madame Aldridge respondeu, hesitante. — Para sua própria segurança, logo após o primeiro cio, os ômegas devem voltar para suas famílias, e estas passam a ser responsáveis por completar sua educação…
— Mas que idiotice! — Aberforth interferiu. — Nós não temos mais uma família!
Albus olhou para Aberforth, a verdade daquelas palavras invadindo o seu coração. Logo ele teria que partir dali e arrumar uma forma de sobreviver sem sua magia e sem sua família.
— E a minha irmã? - perguntou. — O que será dela?
— Posso lhe garantir que o Ministério está empenhado nas buscas — o rapaz desconhecido falou em resposta, apesar do seu tom de voz não passar tanta confiança.
— Me desculpe… — Albus perguntou. — Quem é você? Por acaso você trabalha no Ministério?
— Ah, lamento não ter me apresentado antes… — o rapaz logo se desculpou. — Meu nome é Scamander. Você… você pode me chamar de Newt. E… não, eu não trabalho para o Ministério há algum tempo, graças ao bom Merlin; mas o meu irmão mais velho, Theseus, ele está esperando do lado de fora, este sim trabalha lá. Eu estou… só auxiliando ele… temporariamente.
— E por que vocês dois estão aqui? Descobriram alguma coisa? — Albus perguntou.
— Ainda estamos… investigando — Newt falou, para logo depois hesitar —, talvez não seja o melhor momento para conversarmos sobre isso, você ainda não está totalmente recuperado e…
— Eu já estou bem! — Albus garantiu. — Por favor, me conte! Eu… preciso saber…
— Conta de uma vez! — Aberforth tratou de intervir, não se incomodando nenhum pouco em ser delicado.
Mas, antes que Newt pudesse abrir a boca, Madame Aldridge tratou te se adiantar:
— Nada disso! Você precisa descansar! — falou ela, com energia. — Seja lá o que for, esta conversa terá que esperar até amanhã.
— Espera! Eu preciso saber se… — Albus começou a protestar.
— Amanhã! Você ainda está muito debilitado — a mulher insistiu, num tom que não deixava margem à questionamentos, tão decidida que nem mesmo Aberforth se atreveu a insistir, e então, com um suspiro cansado, ela passou as mãos pelas costas de Albus. — Minha nossa! Suas roupas estão encharcadas!
Com um breve aceno de varinha, uma muda de roupas surgiu nas mãos da Medi-bruxa que, logo em seguida, tratou de fazer com que Albus inclinasse o corpo para frente para, assim, poder despi-lo.
— Vocês dois, me ajudem aqui! — ela pediu ao sentir que aquele simples movimento havia sido suficiente para fazer o corpo do ômega amolecer nos seus braços. Tanto Aberforth quanto Newt trataram de auxiliá-la na tarefa de sustentar o corpo de Albus, enquanto Madame Aldridge puxava sua roupa úmida pela cabeça.
— Espera! — Newt falou, com urgência, no segundo em que seus olhos pousaram nas costas nuas de Albus. — Preciso que me ajudem a inclinar o corpo dele um pouco mais para frente… só por um instante.
— Para quê isso? — Aberforth perguntou, desconfiado.
— Tenho que… tenho que verificar uma coisa — Newt respondeu, rapidamente. — Prometo que será muito rápido.
Mal terminou a frase e Newt já estava empurrando as costas de Albus o máximo que podia, enquanto seus dedos percorriam toda a extensão das suas costas
— Ele sempre teve essas manchas? — ele perguntou a Aberforth, que inclinou o pescoço para ver melhor.
— Sei lá… — titubeou ele. — Acho que não. Pelo menos eu nunca reparei nessa coisa antes.
Albus deixou escapar um choramingo muito baixo, desconfortável com a posição incômoda.
— Desculpe por isso — Newt falou puxando os ombros de Albus de volta, suavemente. — Mas eu preciso…
— Você precisa me ajudar a colocar estas roupas nele! — Madame Aldridge interrompeu, mal humorada. — Seja lá o que for, este não é o momento. Ele precisa descansar!
Newt não foi capaz de conter um olhar cheio de preocupação, mas acabou deixando escapar um suspiro resignado antes de ajudar Albus a vestir suas novas roupas.
— Um sono tranquilo — Madame Aldridge logo falou. — É tudo que ele precisa agora. — E então, se voltando para Aberforth —, e você precisa retornar ao salão comunal. Já passou e muito da hora de se recolher.
— Quê?! — Aberforth reagiu com irritação. — Mas eu…
— Nada de discussão! Você poderá ver seu irmão novamente amanhã pela manhã. Até lá, os últimos efeitos do cio terão passado e ele, com certeza, acordará mais bem disposto — e olhando na direção de Albus por alguns segundos, adicionou: — Pobre rapaz… vamos, vamos… vocês dois já podem ir.
Newt hesitou um pouco mais ao ver que estava sendo expulso, mas Madame Aldridge parecia irredutível. Resignado, ele seguiu Aberforth até o lado de fora do quarto.
— Vocês ainda vão nos contar tudo o que sabem amanhã, não vão? — Aberforth perguntou no instante em que a porta do quarto se fechou, encarando Theseus e Newt tão duramente que era quase como se ele fizesse uma ameaça.
— Não se preocupe com isso — Theseus respondeu, não tão impressionado com as bravatas de Aberforth como ele imaginara. Ainda assim, o jovem rapaz se deu por satisfeito e partiu na direção da sala comunal sem sequer se despedir.
— Preciso falar com você! — Newt falou, puxando o irmão pelo cotovelo no momento em que Aberforth deixou suas vistas.
— Opa, calma aí! — Theseus protestou ao ser puxado para um canto mais isolado do corredor. — Por que você está tão nervoso? Aconteceu alguma coisa?
— Sim, aconteceu! — Newt respondeu, apressado. — O bebê que foi sequestrado… acabo de descobrir que ele não é o Qilin.
— Como assim não é o Qilin? — Theseus perguntou, enquanto olhava para todos os lados. — Você tem certeza disso?
— Tenho, tenho… — Newt respondeu, muito tenso. - Você sabe o quanto eu já pesquisei sobre os Qilins, não sabe?
— Sei, mas e daí?
— E daí que sabemos algumas coisas sobre eles… — Newt continuou, suavemente. — Qilins nascem a cada duzentos anos, Qilins são sempre ômegas…
— Eu já sei de tudo isso! — Theseus protestou. - Aonde você quer chegar?
— E… e também sabemos que eles têm uma mancha bem característica nas costas… — Newt continuou como se não tivesse sido interrompido.
Theseus abriu a boca, estupefato.
— O quê?! Por que você nunca me falou sobre isso antes?
— Eu não… olha, não importa! O que realmente importa é que… os sequestradores… eles pegaram o Dumbledore errado!
E os olhos de Theseus brilharam ao compreender o seu irmão estava tentando lhe dizer
— Não me diga que…
— Sim, é isso mesmo! — Newt confirmou, parecendo mais sério do que nunca. — O bebê sequestrado não é o Qilin! O verdadeiro Qilin é Albus Dumbledore!
Chapter 2: O Verdadeiro Qilin
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— O bebê sequestrado não é o verdadeiro Qilin; o verdadeiro Qilin é Albus Dumbledore! — Newt repetiu após olhar rapidamente para todos os lados e se certificar de que não havia ninguém por perto.
Theseus encarou o irmão por alguns curtos segundos, esperando que ele lhe dissesse que aquilo era algum tipo de brincadeira.
— Não, ele não é — Theseus então respondeu, num tom aborrecido, quando Newt não fez menção de se retratar. — A profecia…
— Nós entendemos a profecia errado! — Newt interrompeu o irmão. — E, pelo visto, não fomos os únicos.
A essa altura, Theseus já estava até cogitando a possibilidade de o seu irmão ter ficado maluco. Então ele segurou firme seus dois braços, disposto até a sacudi-lo para que parasse de delirar e voltasse à realidade.
— Do que está falando? — perguntou, exasperado. — A profecia dizia que o Qilin nasceria durante a Lua Cheia! Como poderia ser Albus Dumbledore se ele é maior de idade e até já maturou? — e foi aí que Theseus finalmente foi atingido por um lampejo de compreensão. — Espere um pouco! Você não está querendo me dizer que…
— … que o Qilin só nasce quando o ômega nasce, sim, é isso mesmo que eu estou querendo dizer! — Newt confirmou, falando rápido e muito baixo. — E, esse garoto, Albus Dumbledore, teve o seu primeiro cio justamente…
— Há dois dias! Durante a Lua Cheia! — Theseus completou, incrédulo, para logo depois adicionar em tom de alívio e comemoração. — Isso quer dizer que o Qilin está a salvo!
— Pelo menos por enquanto — Newt observou, preocupado. — A esta altura, já devem ter percebido que aquele pobre bebê não é o verdadeiro Qilin.
Theseus levou as mãos à cabeça.
— Precisamos avisar o Ministério o mais rápido possível! — afirmou e as feições de Newt se fecharam imediatamente ao escutar isso.
— Theseus… você tem certeza de que essa é a coisa certa a se fazer? — perguntou, inseguro. — Se o Ministério souber…
— Por favor, não comece de novo com isso! — Theseus rebateu, mal humorado. — Você sabe muito bem que o meu dever como auror é informar!
— Mesmo que isso coloque o Qilin em risco? — Newt o desafiou, com impaciência.
— O Qilin precisa de proteção! — Theseus insistiu. — O que você sugere que a gente faça com ele? Pretende escondê-lo numa maleta, por acaso?
— Talvez fosse melhor fazer isso mesmo… — Newt respondeu, amuado.
— Escuta aqui — Theseus falou, fazendo muita força para manter a calma. — Eu sei que você não confia no Ministério, mas todos os alphas da face da Terra fariam qualquer coisa para cravar as presas no pescoço deste ômega! Também, pudera, aquele que conseguir, será o Alpha supremo e reinará sobre todo o mundo mágico até o dia em que morrer!
— Eu sei disso, mas…
— Você entendeu que o alpha que conseguir submeter este ômega será simplesmente a criatura mais poderosa do mundo? — Theseus perguntou para, logo após, concluir: — Ele. Precisa. Ser. Protegido!
— Todo mundo pensa que o Qilin tem dois dias de vida — Newt explicou no momento em que Theseus terminou seu monólogo. — Talvez seja melhor simplesmente… deixar que continuem acreditando nisso.
Theseus olhou para o irmão por alguns segundos, a princípio indeciso, mas logo pareceu tomar uma decisão.
— Pelo menos ao meu superior eu preciso informar — e como Newt olhou para ele, exasperado, insistiu. — Eu não posso deixar de reportar; minha carreira…
— Está certo, está certo… — Newt capitulou, desanimado, para, logo depois, adicionar: — Você parece um hipogrifo empacado mesmo!
— Olha quem fala — Theseus rebateu com mau humor. — É a coisa mais certa a se fazer.
Newt não soube dizer se seu irmão queria convencer a ele ou a si mesmo disso.
Madame Aldridge tinha toda razão, na manhã seguinte, Albus já estava muito melhor, como se aqueles dias infernais simplesmente não tivessem acontecido.
Mas, agora que ele havia se recuperado, outro inferno, ainda pior, o esperava.
Sob escolta de uma professora, Albus foi autorizado a voltar para os dormitórios, mas apenas para arrumar suas coisas antes de partir. E isso logo pela manhã, depois do café, quando todos os alunos já estavam em aula. Tudo pensado para que ele não tivesse contato com ninguém, nem mesmo para se despedir.
Após arrumar todas as suas coisas, o ômega dirigiu um olhar sentido para as suas vestes de Hogwarts cuidadosamente dobradas sobre a cama. Por um instante, pensou em deixá-las ali mesmo, já que não havia mais sentido em mantê-las consigo, mas, no fim das contas, acabou jogando tudo no malão, junto com seus livros e roupas. Talvez ainda pudesse vender as vestes para algum lugar que trabalhasse com roupa de segunda mão, pensou, com amargura.
O tal alpha que, na véspera, havia sido obrigado a esperar do lado de fora, lhe foi apresentado formalmente pelo irmão mais novo, Newt Scamander, assim que ele deixou o salão comunal da Grifinória e Albus ficou com a ligeira impressão de que Theseus parecia um pouco… tenso ao cumprimentá-lo.
Talvez por timidez?
Enquanto caminhavam na direção da saída, Albus olhava para todos lados, se despedindo em silêncio de cada pequeno detalhe do castelo.
— Sinto muito pelo o que você está passando — Theseus falou ao perceber a expressão nitidamente infeliz de Albus. — Meu irmão também precisou deixar Hogwarts quando se tornou um ômega.
— Obrigado — Albus respondeu, gentil, e não querendo prosseguir naquele tópico, decidiu desviar um pouco o assunto. —Você trabalha no Ministério, não é? Sabe me dizer quando vão liberar os corpos dos meus pais para que eu possa realizar o funeral?
— Acredito que só daqui a um ou dois dias — Theseus respondeu após considerar a questão por alguns segundos. — Ah! E eu também tive acesso ao testamento do seu pai. Ele deixou algum dinheiro e uma casa em Godric's Hollow; acho que é o suficiente para que você viva bem até conseguir encontrar um… um bom alpha.
Theseus retirou um pedaço de pergaminho do bolso e o estendeu na direção de a Albus.
— Não tenho interesse em encontrar um alpha — Albus rebateu enquanto guardava o testamento do pai no bolso sem lhe dar muita importância. — Quero mesmo é a minha varinha de volta! Preciso dela para achar a minha irmã.
Era possível ver o desconforto na expressão de Theseus ao se ver obrigado a dar as más notícias.
— Eu falei com os meus superiores sobre o seu problema ontem mesmo — disse. —Expliquei o seu caso e até pedi a eles uma permissão especial para o uso de varinha.
— E o que disseram? — Albus perguntou com os olhos brilhando de antecipação.
— Nada, não consegui nada! — Theseus lamentou. — Disseram que se abrirem uma exceção, então teriam que abrir outra e mais outra…
— Não consigo entender qual seria o problema disso — Albus comentou, aborrecido. — O meu gênero não me torna incapaz de exercer a magia!
Neste momento, Newt se aproximou, trazendo Aberforth consigo, retirado da aula por concessão da escola para que os dois irmãos pudessem se despedir.
— A desculpa do Ministério — Newt interviu ao ouvir aquela parte da conversa e, ao reparar na expressão de desagrado do irmão, reforçou: — sim, Theseus, a desculpa que eles dão é que manter um ômega com uma varinha durante o cio pode ser arriscado demais, a menos, claro, que haja algum alpha para se responsabilizar por ele.
— Neste caso, Albus só precisaria arranjar um alpha disposto a se responsabilizar, não é isso? — Aberforth tratou de intervir. — Como, sei lá… — e ele se interrompeu para apontar na direção de Theseus. — Você, por exemplo…
E Theseus ficou tão tenso com aquela simples sugestão que chegou a errar uma passada.
— Não é assim tão simples — foi Newt quem respondeu, ao perceber o nítido constrangimento do irmão. — O responsável pelo ômega precisa ser um parente próximo ou… um cônjuge.
— Deve haver alguma exceção! — Aberforth exclamou, já nitidamente irritado com toda aquela história sem sentido de leis, alphas e ômegas. — Algum jeito para que Albus possa voltar a usar magia e ir atrás dos desgraçados que mataram os nossos pais!
A mão direita de Albus envolveu o pulso do irmão, num pedido mudo para que ele se acalmasse e diminuísse um pouco o tom.
— Lamento, mas, como já expliquei para o seu irmão, a resposta do Ministério foi negativa — Theseus rebateu. — Eles estão irredutíveis.
E então foi a vez de Newt completar:
— Isso não é nenhuma surpresa para nós dois porque passamos por uma situação parecida. Quando nossos pais morreram, eu também fiquei alguns meses sem varinha, até Theseus finalmente maturar num alpha e passar a se responsabilizar por mim.
— Só que nós não temos tempo para esperar! — Aberforth comentou, aborrecido. — Tá bom, tá bom! E se alguém simplesmente emprestasse uma varinha para ele? Assim, como quem não quer nada? — ele então sugeriu e até Albus, que já estava mais do que acostumado com os maus modos do irmão, se surpreendeu com tamanho descaramento.
— Então este alguém teria graves problemas — Theseus respondeu, carrancudo. — Logo no primeiro cio, os ômegas recebem um rastreador muito parecido com o que os bruxos menores de idade carregam. Um único feitiço sem autorização e o Ministério ficará sabendo.
— E o que o Ministério poderia fazer, afinal? — Aberforth insistiu, ainda mais petulante. — Expulsar Albus da escola de novo?
— Certamente que não — Theseus retorquiu, cada vez mais ranzinza. — Mas pode prender quem se atrever a emprestar uma varinha e ainda manter o ômega sob a tutela do Ministério indefinidamente. E posso garantir que ficar sem varinha seria o menor dos problemas que Albus teria que enfrentar se uma coisa dessas acontecesse.
— Mas que droga! — Aberforth rosnou de raiva. — Pelo visto, eu mesmo vou ter resolver o problema!
E foi a vez de Albus intervir:
— Você está tão de mãos atadas quanto eu — falou, com um suspiro. — Não pode usar magia fora de Hogwarts enquanto for menor de idade. Isso sim poderia render uma expulsão.
— Eu não poderia me importar menos! — Aberforth cuspiu, irritado. — Por mim eu iria embora daqui agora mesmo!
— Nada disso! Você precisa completar sua educação. — Albus rebateu, calmamente.
— E quem é que vai me obrigar a ficar? — Aberforth rebateu.
— Esperava que você mesmo refletisse um pouco e compreendesse que…
— Não quero compreender coisa nenhuma! — Aberforth interrompeu com rispidez. — E você é só um ômega, não pode me dizer o que fazer!
Albus pressionou os lábios, sentindo um certo tom de acusação daquelas palavras, mas escolhendo ignorá-las.
— Eu também sou o seu irmão mais velho — disse, calmamente. — E, enquanto você não maturar, ainda sou responsável por você.
Aberforth olhou na direção de Theseus, buscando algum sinal de que aquilo não era verdade, mas ele apenas concordou com um aceno de cabeça.
— O que vamos fazer então? — perguntou Aberforth finalmente, dessa vez olhando muito feio para Albus. — Nossa irmã…
— Até agora o Ministério tem feito o seu melhor para… — Theseus começou a falar, mas foi logo interrompido.
— O melhor do Ministério costuma ser pior do que bosta de cabra! — Aberforth acusou, sem se deixar seduzir pela resposta vaga.
— Por favor, Abe — Albus novamente interviu. — Você precisa tentar se acalmar.
— E você? Fica com essa calma toda aí — a paciência de Aberforth finalmente deu seu último suspiro. — Não se importa nem com a nossa irmã, nem com a morte dos nossos pais!
— Abe... — Albus rebateu com um ar cansado. — Como pode ser tão injusto?
— Não estou sendo nada injusto! — Aberforth cuspiu, irritado. — E acho que é melhor você dar o fora daqui mesmo! E se não for pedir demais, me manda uma coruja para me dizer a data para o enterro.
E, após dizer isso, Aberforth girou nos calcanhares e voltou pelo caminho que havia feito até chegar ali, sem se preocupar com despedidas. Um silêncio desagradável se seguiu enquanto Albus via o irmão se afastar até virar no fim de um corredor e desaparecer. Só então ele tomou o caminho oposto, em direção à saída, e os três bruxos voltaram a caminhar na direção do portão principal do castelo.
— Você quer uma carona? — Newt perguntou ao perceber em Albus uma expressão meio perdida.
— Não, não… obrigado — Albus respondeu. — O trem vai me levar até Londres e de lá, poderei voltar para casa sem maiores dificuldades.
— Você tem certeza? — foi Theseus quem perguntou, sem conter uma ponta de preocupação. — Talvez fosse melhor se nós…
— Sim, eu tenho certeza, não se preocupe — Albus o interrompeu.
— Sendo assim, acho que vou enviar os seus pertences para a estação — Theseus se prontificou.
— Agradeço muito — Albus falou, com um sorriso suave. — E se puder me fazer a gentileza de mandar uma coruja caso tenha qualquer novidade…
Sem outra opção além de deixar Albus se afastar, os dois irmãos apenas se despediram e o observaram partir.
— Você não acha que deveríamos… — Newt começou a falar no segundo que considerou que Albus estava longe o suficiente, mas o bater energético das asas de uma coruja o impediu de continuar.
— É do Ministério — Theseus comentou ao ver que a carta que havia acabado de chegar estava endereçada à ele.
— Será que eles têm alguma novidade? — Newt perguntou, curioso.
— Só tem um jeito de saber — Theseus falou enquanto rompia o lacre mágico da carta e lia o seu conteúdo.
— Que cara é essa? — Newt perguntou ao reparar que a expressão do irmão se fechou no instante em que bateu os olhos no pergaminho. — Más notícias?
— As piores — Theseus respondeu, sombrio. — Parece que todos os assuntos envolvendo o Qilin agora são da jurisdição da Confederação Internacional de Bruxos.
— Quer dizer que você foi afastado do caso? — Newt perguntou e, mesmo não sendo um especialista em legilimência, Theseus foi capaz de ler o que estava escrito na sua mente.
— Todos nós temos o mesmo interesse: manter o Qilin a salvo! — Theseus defendeu o Ministério antes que Newt dissesse qualquer coisa. — Eu vou até lá; com certeza eles têm uma boa explicação para me dar. Por favor, não faça nada até eu voltar.
— Parece que eu não tenho muita escolha — Newt deu de ombros, olhando com preocupação na direção do Lago Negro, para onde Albus ainda caminhava.
A casa em Godric’s Hollow parecia cheia de fantasmas.
Não literalmente, claro, embora uma parte muito egoísta de Albus desejasse poder reencontrar seus pais mais uma vez, pelo menos por tempo o suficiente para que eles lhe dessem alguma pista, qualquer pista, sobre o paradeiro de sua irmã. Mas ele sabia que seus pais não iriam voltar para ajudá-lo e tudo que Albus podia fazer era investigar por conta própria, afinal, ele não precisava de magia para fazer perguntas.
Os vizinhos, contudo, pareciam tão assustados com toda a tragédia que havia ocorrido num vilarejo sempre tão pacato que se demonstraram muito pouco dispostos a cooperar. A única pessoa que concordou em falar com ele foi sua vizinha de porta, Bathilda Bagshot.
— Já liberaram os corpos dos seus pobres pais para o funeral? — ela lhe perguntou baixinho enquanto terminava de esquentar a água para o chá.
— Recebi uma coruja hoje, no começo da tarde — Albus assentiu, cabisbaixo. — Então marquei o funeral para amanhã, à primeira hora.
— Oh, sim. Entendo — a velha senhora comentou, com o cenho franzido.
A chaleira sobre o fogão apitou ruidosamente.
— Seria bom se a senhora pudesse comparecer — Albus continuou assim que Bathilda balançou a varinha para retirar a chaleira do fogo.
— Eu não deixaria de ir — ela garantiu, sentando-se, com algum esforço, na cadeira ao lado de Albus.
O aroma agradável do chá recém-preparado perfumou o ambiente segundos depois de a água entrar em contato com as ervas.
— Ao que parece, a senhora é a bruxa mais corajosa deste vilarejo inteiro — Albus não pôde conter a acidez enquanto aceitava a caneca que Bathilda lhe estendia.
— Sou velha demais até para ter medo — ela gracejou. — Mas isso não quer dizer que eu saiba muita coisa.
— Qualquer coisa ajuda, Madame Bathilda — Albus garantiu, enquanto experimentava o seu chá.
Alguns segundos de silêncio se seguiram.
— Eu estava sentada bem aqui, sabe? — Bathilda finalmente falou sem conter um suspiro. — Já estava escuro, então a luz verde atravessou o vidro e iluminou a sala toda. Não demorou nem três segundos e... aconteceu de novo! Foi quando me levantei e fui espiar pela janela, com todo o cuidado, é claro…
— É claro — Albus repetiu, gentilmente.
— Mas infelizmente não pude ver muita coisa, estava mesmo muito escuro. Tudo o que vi foi uma sombra… mas posso afirmar que havia uma mulher.
— Uma mulher? — Albus perguntou, assombrado. — Madame Bathilda, a senhora forneceu essa memória para o Ministério?
— Sim, mas quem me procurou não era do Ministério — Bathilda observou depois de molhar a garganta com um longo gole de chá morno. — Mas da Confederação.
— Da Confederação Internacional de Bruxos? — Albus perguntou, admirado.
— Curioso, não acha? Eu escrevi dois livros sobre a História da Confederação Internacional de Bruxos e posso afirmar que não é nada comum ver oficiais da Confederação batendo em portas atrás de memórias relativas à crimes comuns…
— O que eles podem estar querendo? — Albus se perguntou, pensativo, enquanto juntava as pontas dos dedos.
— Só posso dizer uma coisa, meu filho: seja o que for, tem a ver com todo o mundo bruxo.
Albus permaneceu em silêncio diante daquela fala, tentando organizar os próprios pensamentos como peças de um quebra-cabeça.
— Eu encontrei uma carta sobre a escrivaninha do meu pai — comentou, distante. — Ele estava escrevendo para nos avisar que nossa irmã havia nascido com saúde… a última frase que escreveu antes de morrer foi que o nome que tinham escolhido era Ariana.
— É um bonito nome — a senhora falou, tristemente, pousando os dedos sobre o antebraço de Albus.
— Preciso da minha varinha de volta, D. Bathilda — Albus desabafou, olhando fixo para a caneca em suas mãos. — Para conseguir encontrar a minha irmã!
— Meu pobre rapaz… — Bathilda murmurou. — Sendo obrigado a carregar um fardo tão pesado, mesmo tão jovem e ainda por cima um ômega! Não seria melhor deixar tudo nas mãos das autoridades?
Era quase humilhante pensar que, justo ele, que todos diziam ter um futuro tão promissor pela frente, que havia recebido tantas medalhas e conquistado posições que muitos sequer sonhariam, que chegou a ser considerado por muitos dos seus professores como um dos bruxos talentosos da sua idade, agora não passava de um simples ômega, uma casta meramente voltada para a reprodução.
— Isso não é justo! — Albus se queixou, infeliz. — Se estivesse com a minha varinha, eu poderia fazer tantas coisas! Mesmo sendo um ômega, eu sei que poderia… fazer a diferença!
Bathilda assentiu com a cabeça, nem por um segundo em dúvida de que aquilo era verdade.
— Então tudo o que você precisa fazer é conseguir sua varinha de volta, meu filho! — ela comentou.
— Mas… como? — Albus perguntou, apoiando a cabeça com as mãos.
— Ah, meu rapaz… eu sei que você é inteligente o bastante para saber a resposta — Bathilda respondeu, com um ar tranquilo.
Albus finalmente levantou o olhar de um azul muito intenso da xícara.
— A senhora não pode estar sugerindo que eu…
— Se case? — Bathilda completou. — Sim, sim, é isso mesmo que eu estou sugerindo, meu filho. E, por favor, não me olhe com essa cara, você sabe melhor do que eu que esta é a melhor solução. Você se casa, seu marido devolve a sua varinha e você estará livre para exercer a magia e ir atrás da sua irmã. Ou, pelo menos, tão livre quanto um ômega consegue ser.
— Esta parte final é que me preocupa um pouco. E se, ao invés de me deixar livre, o alpha que eu escolher resolver me prender para sempre?
— Bom… nada neste mundo é isento de riscos — Bathilda ponderou. — Mas até os riscos podem se calculados, não é mesmo?
As pontas dos dedos de Albus se uniram enquanto ele considerava aquela saída, mas, antes que ele pudesse começar a pensar na possibilidade, uma coruja cinzenta muito impressionante bateu na vidraça da sala e Bathilda lançou um olhar para o jovem amigo num pedido mudo de desculpas antes de se levantar da cadeira para pegar a carta que o animal trazia.
— Boa notícia? — Albus perguntou ao ver o semblante da amiga se abrir num sorriso durante a leitura da carta.
— É de um sobrinho-neto meu — ela respondeu, nitidamente animada. — Diz que está vindo de Berlim para me visitar.
— Curioso… — Albus se limitou a comentar.
— Verdade — Bathilda riu enquanto guardava a carta do sobrinho rapidamente numa gaveta. — Mas seja lá o que ele estiver precisando, eu, com certeza, farei o possível para ajudar. Oh, minha nossa, como está tarde! — Bathilda emendou, olhando com espanto para o relógio da parede. — E eu nem comecei a preparar o jantar…
Albus compreendeu que estava sendo discretamente dispensado. Deixando de lado sua caneca, ele se despediu da amiga e retornou para sua casa repleta de fantasmas.
Quando o sepultamento finalmente terminou, Albus acariciou a pedra que cobria o jazigo. Ao seu lado, Aberforth soluçava alto, limpando repetidamente o nariz com a manga do casaco.
Poucas pessoas haviam comparecido. Sua vizinha Bathilda, seu antigo amigo da escola, Elphias Doge, um ou outro vizinho mais corajoso e só. Pelo visto, as pessoas ainda estavam bastante assustadas, preferindo manter prudente distância.
Se soubesse que o enterro seria tão vazio, talvez Albus tivesse insistido um pouco mais na ideia de mandar uma coruja para os irmãos Scamander, mas Aberforth fora terminantemente contra à presença de qualquer pessoa ligada ao Ministério no funeral, e Albus acabou cedendo.
Uma pena. Albus realmente gostaria de perguntar a Theseus se ele sabia o motivo de a investigação sobre o assassinato dos seus pais ter passado para as mãos do Confederação Internacional de Bruxos.
Mas esta era só uma das tantas perguntas que ele gostaria de ver respondidas.
Diante do túmulo dos seus pais, Albus fez uma promessa: a de que encontraria sua irmã Ariana. Sendo ômega ou alpha, com magia ou sem magia, enquanto houvesse esperanças de resgatá-la com vida, ele não descansaria nem por um instante. Por ela, Albus sacrificaria o que fosse preciso.
Só então ele se permitiria seguir em frente.
Secando uma lágrima que teimava em deslizar pelo rosto, Albus levou à mão até o interior do seu casaco em busca da sua varinha, na intenção de usá-la para conjurar algumas flores e enfeitar o jazigo dos pais, mas só depois de tatear os bolsos e não encontrar nada é que ele se lembrou que não tinha mais uma.
— Dona Bathilda, se importa de conjurar algumas flores para mim? — Albus perguntou, sentindo-se humilhado por não poder sequer enfeitar o túmulo dos próprios pais.
— Claro que não, meu filho… — Bathilda falou, consternada, se atrapalhando um pouco para abrir a bolsa e sacar de lá sua varinha.
— Pemita-me — uma voz gentil soou por detrás do grupo e, no segundo seguinte, uma enorme coroa de flores surgiu para enfeitar o túmulo, tão impressionante que Albus ficou assombrado ao se virar e não reconhecer o bruxo que havia feito semelhante gentileza.
Mas o cheiro de alpha que dele emanava era inconfundível.
— Sinto muito pela sua perda — o homem falou suavemente, e Albus logo reparou no seu forte sotaque germânico.
— Obrigado — Albus respondeu e, ainda tentando lembrar de onde o conhecia, estendeu a mão para que o alpha a apertasse.
Um aperto diferente, acolhedor, caloroso, quase protetor.
— Quem é você mesmo? — Aberforth perguntou, desconfiado, ao ver que o alpha manteve a mão de Albus entre as suas por mais tempo que o normal. — Algum conhecido dos nossos pais?
— Não, nada disso — o homem respondeu, estendendo a mão para Aberforth que, após um breve momento de hesitação, concordou em apertá-la muito rapidamente. — Me perdoem, eu deveria ter me apresentado antes, mas é que acabei chegando um pouco atrasado. O meu nome é Anton Vogel.
— Anton Vogel, o líder da Confederação Internacional? — Aberforth perguntou, e quando Albus olhou na direção dele, explicou o motivo de saber aquilo, parecendo orgulhoso de si mesmo. — Eu tive que escrever uma redação de trinta centímetros sobre isso na semana passada.
— Então o senhor é Anton Vogel, o líder da Confederação Internacional em pessoa… — Albus falou, parecendo intrigado.
Aberforth também não disfarçou uma expressão de espanto.
— O que o líder da Confederação Internacional tá fazendo neste fim do mundo? — ele perguntou e Vogel deixou escapar um sorriso condescendente.
— Se me permitirem, nós iríamos a algum lugar mais reservado, onde poderei explicar com um pouco mais de calma a razão de eu estar aqui — propôs, e os irmãos Dumbledore trocaram olhares.
— Naturalmente — Albus respondeu pelos dois. — Podemos conversar lá em casa, se o senhor não se importar.
— De forma alguma - Vogel sorriu. — Na verdade, eu adoraria.
Chapter 3: A Sedução do Qilin
Chapter Text
Anton Vogel tinha presença, era impossível negar.
Nem mesmo Aberforth, que jogaria cocô de cabra até no Ministro da Magia se estivesse num dia ruim, parecia inteiramente imune. Vogel era um homem alto, elegante e claramente muito bem educado. Apesar de ser alemão, seu inglês era irretocável, apenas traindo um leve sotaque em uma ou outra palavra mais desafiadora. Sem dúvida nenhuma, mesmo sendo mais velho, tratava-se de um homem charmoso e bastante carismático. Não era difícil entender os motivos de ele ter sido eleito para o cargo de supremo líder da Confederação Internacional ainda no início daquele mesmo ano.
— Vocês devem estar se perguntando o motivo de eu ter vindo pessoalmente até aqui — Anton perguntou, segundos depois de Albus lhe entregar um cálice com a melhor bebida que conseguiu encontrar em casa.
— De fato, é um pouco inesperado — Albus admitiu enquanto se sentava no sofá, ao lado do irmão. — Mas tenho motivos para suspeitar que tenha algo a ver com o assassinato dos meus pais e, claro, também com o sequestro da minha irmã.
As sobrancelhas de Vogel se levantaram discretamente, enquanto ele tomava um tempo para bebericar seu vinho.
— Se dissesse que esta relação não existe, eu estaria mentindo — reconheceu. — Embora não seja o principal motivo de eu ter vindo até aqui.
Aberforth se remexeu no seu assento.
— Não dá para cortar todo esse suspense e pular de uma vez para a parte em que você explica o que o poderoso chefão está fazendo neste buraco?
— Este é o ponto — Vogel respondeu, sem se deixar abalar pela irritação de Aberforth. — Eu não sou o poderoso chefão.
— Como não? — Aberforth perguntou. —Todo mundo sabe quem você é!
— Sim, eu sou o líder da Confederação Internacional de Bruxos — Vogel confirmou, paciente. — Acontece que a minha posição é, por natureza, temporária. A verdade é que eu não passo de um substituto; só fico no poder enquanto o verdadeiro… — e Vogel fez um sinal de aspas com os dedos para parafrasear as palavras de Aberforth — “poderoso chefão” não for revelado.
— Não tô entendendo nada… — Aberforth confessou, baixinho.
— Ele está falando do alpha supremo — Albus explicou ao irmão, arrancando um sorriso de aprovação de Vogel. — O alpha predestinado a reinar sobre toda a bruxidade.
— Isso não era só uma lenda idiota? — Aberforth perguntou, como sempre sincero.
— Não é uma lenda e muito menos idiota — Vogel logo esclareceu, franzindo as sobrancelhas para o comentário pouco polido. — O supremo alpha existe, assim como o ômega sagrado.
— Ômega sagrado? — Aberforth estranhou. — Eu já tinha ouvido essa história de alpha supremo, mas ômega sagrado é novidade!
E, mais uma vez, Albus se dispôs a explicar:
— Você já ouviu sim, Aberforth, só que por outro nome: Qilin.
E Aberforth soltou um “aah!”, confirmando que aquele termo sim era conhecido.
— Pelo visto, você entende bem do que eu estou falando — Vogel elogiou, para, logo em seguida, continuar a falar, como se recitasse um trecho decorado de algum livro. — E o sagrado ômega se curvará diante do seu alpha; e o alpha deixará uma marca em seu ômega; e, juntos, os supremos reinarão e trarão prosperidade ao mundo…
— Tá, tá, e o que toda essa baboseira tem a ver com a gente mesmo? — Aberforth interrompeu e, mesmo já estando acostumado com o irmão, Albus ainda assim olhou para ele, abismado com a grosseria, ficando ainda mais surpreso quando Aberforth lhe dirigiu um olhar típico de quem não conseguia sequer entender o motivo de estar sendo silenciosamente repreendido.
Se Vogel ficou aborrecido com a interrupção ríspida, não demonstrou.
— Recentemente, recebemos uma revelação de que o Qilin nasceria na última Lua Cheia — Vogel explicou, paciente.
— Revelação? — Aberforth perguntou. — Tipo uma profecia?
— Exato — Vogel confirmou e ao ver uma expressão descrente surgir no rosto de Albus, perguntou: — Você não acredita em profecias?
— Não é bem isso - Albus respondeu suavemente. — Eu… só penso que elas costumam ser superestimadas.
Vogel deu uma risada.
— Você não deixa de ter uma certa razão. Merlin bem sabe da quantidade de profecias que temos arquivadas e que jamais chegaram a se concretizar — reconheceu. — Mas existe um bom motivo para nós guardarmos e analisarmos com atenção cada uma delas.
— Senhor Vogel…
— Me chame de Anton, por favor.
— … Anton, - Albus emendou. — Se incomoda de ser um pouco mais claro? O quê, exatamente, está tentando nos dizer?
Vogel bebeu todo o conteúdo da sua taça e só então respondeu:
— Quero dizer que esta profecia em especial se mostrou muito verdadeira.
Um curto silêncio se seguiu, não mais do que alguns segundos; foi tudo o que Albus precisou para juntar as pontas soltas e chegar a uma conclusão:
— Ariana? — perguntou, lívido.
— Foi o que pensamos a princípio — Vogel disse para, logo em seguida, completar: — Mas acabamos aprendendo que não era exatamente este o tipo de nascimento a que a profecia se referia.
Albus então levantou-se do sofá como se tivesse levado um choque.
— Vocês enlouqueceram? — perguntou, sentindo-se tremer dos pés a cabeça.
— Eu sei que pode ser difícil de aceitar, mas…
— Isso… isso é um absurdo! — Albus exclamou, antes mesmo que Vogel conseguisse completar a frase.
— Alguém pode me explicar o que tá acontecendo? — Aberforth perguntou, perplexo.
— Vocês estão errados! — Albus insistiu, ignorando a pergunta do irmão. — Terrivelmente errados! Ariana não é o Qilin e muito menos…
— Ariana não é o Qilin — Vogel concordou, sem se alterar. — Você é.
— Como é que é a história? — Aberforth perguntou, também se levantando do sofá de puro espanto. — Você tá dizendo que o tal do Qilin… é o meu irmão?
— Eu não sou — Albus respondeu no lugar de Vogel. — Eles estão enganados.
Vogel apenas sorriu para a negação.
— Eu tive acesso ao seu histórico escolar, Albus — revelou. — Sem dúvidas, você é um aluno brilhante! Seus professores escreveram os mais rasgados elogios sobre você. Até mesmo o diretor admira a sua magia…
— Isso é muito lisonjeiro, mas não tem nenhuma relação com o que estamos tratando aqui — Albus insistiu, muito calmo.
— Inteligente como poucos, perspicaz… prodigioso — Vogel, ainda assim, continuou.
— Isso não quer dizer absolutamente nada!
— A profetiza foi bastante específica ao citar o nome da sua família…
Esta informação pareceu desconcertar Albus um pouco, mas ele logo insistiu.
— Ela está enganada.
— Você se tornou ômega na Lua Cheia…
— Coincidência.
Vogel respirou fundo.
— Você tem a marca do Qilin nas suas costas.
— Não tenho não! — Albus respondeu e, ao ouvir aquilo, a tensão sumiu por alguns segundos do seu rosto.
E, neste ponto, Aberforth tomou a palavra.
— Tem sim — afirmou. — Eu vi.
Albus olhou para o irmão, estupefato, e então, como se quisesse provar seu ponto, caminhou na direção do espelho mais próximo, arrancando rapidamente a camisa branca que estava vestindo pela cabeça.
— O… o quê? — gaguejou, sem conseguir acreditar no que seus próprios olhos lhe diziam. — Isso não… isso nunca…
Vogel levantou-se da cadeira e caminhou até onde Albus estava sem nenhuma pressa.
— Como disse, eu posso imaginar o quão difícil deve ser aceitar esta nova realidade — falou, suavemente, enquanto Albus ainda virava o pescoço para olhar melhor o padrão de manchas que havia se formado nas suas costas, sem que ele sequer tivesse se dado conta.
— Não pode ser… deve haver outra explicação para isso — Albus falou para si mesmo, como que instando seu próprio cérebro a arranjar alguma outra teoria.
— Você é o Qilin, Albus! — Vogel insistiu. — O mais sagrado dentre todos os ômegas! O mais poderoso! Por favor, acredite em mim!
Os olhos de Albus deixaram o espelho para se fixar em Vogel.
— Isso quer dizer que eu posso ter a minha varinha de volta?
— É isso aí! — Aberforth se manifestou, cruzando os braços. — Se meu irmão é mesmo tão sagrado e poderoso como você tá dizendo, então devolve a varinha dele, oras!
— Eu adoraria — Vogel respondeu, gentilmente —, mas esta questão é de competência do Ministério da Magia do seu país e eles decidiram que é perigoso demais permitir que um ômega tão poderoso tenha uma varinha sem um alpha por perto para controlá-lo.
Aberforth coçou o queixo.
— Então quer dizer que, mesmo com toda essa história de Qilin, meu irmão só vai poder reaver a varinha dele depois que eu me tornar um alpha e me responsabilizar por ele?
— Oh, não! — Vogel balançou a cabeça. — Seu irmão só poderá ter magia depois de se casar.
— Casar?! — Albus perguntou, atônito.
Vogel olhou na direção de Albus.
— Mas é claro! Um ômega tão poderoso como você não pode entrar no cio sem… supervisão apropriada.
Foi o que bastou para Aberforth se irritar de verdade.
— Bobagem! Albus acabou de entrar no cio e nada de ruim aconteceu!
— Nada aconteceu porque a varinha foi retirada no preciso momento em que demonstrou os primeiros sintomas — explicou. — Foi mesmo uma sorte Albus ter tido o primeiro cio num lugar previamente preparado, com pessoas que sabem lidar com este tipo de acontecimento.
Nem por isso Aberforth se deu por vencido.
— Então é só alguém tirar a varinha dele toda a vez que meu irmão entrar no cio e vai ficar tudo bem! — Aberforth, mais uma vez, argumentou.
— E quem seria capaz de retirar a varinha das mãos do ômega sagrado? — Vogel perguntou.
— O quê? Você vai ver se eu não consigo! — Aberforth bravateou e, apesar de claramente se imaginar como um leão ao dizer isso, para os dois bruxos mais velhos, ele mais parecia um gatinho arisco.
— Eu sinto muito — Vogel finalmente pôs um fim à discussão. — É o caminho mais seguro para todos.
Albus encarou os olhos cinzentos do líder da Confederação de Bruxos.
— Minha irmã está desaparecida! Eu preciso encontrá-la! — suplicou. — Por favor…
Vogel deixou escapar uma expressão extremamente compadecida. Sem conseguir se conter, ele pousou a mão direita no ombro do ômega.
— Estou fazendo tudo o que posso! — garantiu. — Acredite em mim!
Mas Albus não era capaz de ficar de braços cruzados. Ainda mais agora que ele sabia que a causa de tudo aquilo…
— Eu prometi diante do túmulo dos meus pais que não iria descansar antes de encontrar a minha irmã!
— E eu fiz um juramento no instante da minha posse de que manteria o próximo Qilin em segurança até ele escolher seu alpha — Vogel rebateu com seriedade.
— Eu não preciso que ninguém me mantenha em segurança! — Albus rebateu, zangado. — Sou perfeitamente capaz de me proteger sozinho!
— Não durante o cio — Vogel o contrariou.
— Se o senhor insiste em pensar assim, talvez não haja mais motivos para prolongar esta conversa — Albus sugeriu o mais educadamente que pôde, mas a frieza, ainda assim, ficou evidente na sua voz.
— Eu realmente sinto muito — Vogel respondeu, parecendo incrivelmente sincero. — Mas espero que compreenda que a minha preocupação não se limita à sua segurança, mas também envolve o futuro de todo o mundo bruxo.
Sem se dignar a responder, Albus apenas apontou a porta, sob o olhar atento do irmão. Entendendo que não era mais bem vindo ali, o líder supremo apenas encolheu os ombros e caminhou até a saída.
— Albus… — Aberforth começou a falar assim que seu irmão passou o ferrolho na porta.
— Amanhã — Albus o interrompeu, suavemente. — Hoje foi um dia bem difícil. Eu preciso… descansar.
Aberforth não disse nada, apenas ficou parado ali, no mesmo lugar, observando o irmão subir as escadas lentamente.
O sol nasceu no dia seguinte, surpreendendo Albus ainda acordado em sua cama, pensando em círculos em todos os últimos acontecimentos. O assassinato dos seus pais, o sequestro da sua irmã, o seu primeiro cio…
A perda da sua magia.
Albus olhou para a sua mão direita, a mesma que costumava usar para segurar sua varinha, sentindo como se tivessem arrancado uma parte essencial dele próprio.
Mas aquele não era o momento para sentir pena de si mesmo. Ele precisava agir! Talvez houvesse alguma lei ou qualquer outra coisa capaz de reverter toda aquela situação! Tudo que ele precisava agora era meter o nariz nos livros e registros mais antigos e procurar! E ninguém melhor para ajudá-lo nisso do que sua amiga e vizinha, Bathilda Bagshot. Talvez houvesse alguma informação importante escondida na biblioteca da sua amiga historiadora.
O pensamento fez Albus pular da cama imediatamente e ele tirou o pijama, pronto para tomar um banho bem frio e espantar qualquer resquício de sono.
Foi quando seus olhos pararam no espelho de corpo inteiro no canto do quarto. Engolindo em seco, Albus se aproximou dele devagar e virou-se de costas para ver mais uma vez o reflexo das manchas que haviam surgido nas suas costas. Tentou alcançar as marcas com a ponta dos dedos, achando-as muito parecidas com as escamas de um dragão.
Era irônico pensar que, além de lobo, como todos eram, ele também era um Qilin. E então uma pergunta surgiu na sua mente: Será que lobos comiam Qilins? Será que ele era alguma mistura bizarra de predador e presa?
Quem sabe ele fosse apenas presa?
Com um suspiro, Albus tentou afastar aqueles pensamentos da cabeça e se preparar para mais um dia difícil. Tomou um banho e deu preferência às vestes de bruxo, mais confortáveis para um dia inteiro de pesquisa.
Ao descer as escadas, Albus se surpreendeu ao ver seu irmão já sentado à mesa, com o olhar perdido no nada e uma caneca cheia de café.
— Também não conseguiu dormir?
Aberforth olhou para ele como se tivesse acabado de acordar de um transe.
— Passei a noite com umas ideias martelando sem parar na minha cabeça — respondeu, acabrunhado.
No instante em que se sentou diante do irmão, um cheiro peculiar chamou a atenção de Albus.
— Você colocou alguma coisa nesse seu café?
— Achei uma garrafa de rum escondida na parte debaixo do armário do papai — Aberforth respondeu, indiferente.
Dois segundos de silêncio se seguiram.
— Você só tem quatorze anos, Aberforth — Albus falou, suavemente.
— Os únicos que se importavam estão debaixo da terra agora — Aberforth respondeu, amargo, puxando a caneca para si e tomando um longo gole.
Albus respirou fundo e retirou a caneca das mãos do irmão com muita delicadeza.
— Eu me importo.
Aberforth encolheu os ombros.
— Infelizmente para você, eu sou tudo o que te restou, não é mesmo?
A fragilidade da pergunta não deixou de surpreender Albus. No fim das contas, Aberforth era apenas um garoto.
— Você… — Albus parou a frase no meio, lançando uma olhada desconfiada na direção da bebida que Aberforth havia preparado — e Ariana.
— Ariana está morta — Aberforth falou com secura.
Um arrepio percorreu todo o corpo de Albus.
— Por favor, não diga isso — ele repreendeu o irmão.
— É só a verdade — Aberforth insistiu. — O que acha que aconteceu quando descobriram que ela não era o Qilin? — e, depois de uma curta pausa — Quando descobriram que ela não era você?
A intenção de ferir foi tão evidente que Albus sentiu a garganta se comprimir.
— Eu não tenho culpa de nada disso — Albus falou tão baixinho que era como se quisesse convencer a si mesmo.
O silêncio de Aberforth doeu mais do que um soco. Sentindo o peito apertado, Albus finalmente arriscou um gole da bebida preparada pelo irmão.
Horrível.
— Devo voltar para Hogwarts ainda hoje — Aberforth anunciou depois de alguns segundos.
— Fico feliz por ouvir isso. Terminar sua educação é muito importante.
Albus imaginou que ouviria algum protesto ou comentário ácido sobre o quanto Aberforth não tinha o menor interesse em completar sua educação, mas, ao invés disso, seu irmão preferiu partir um pedaço de queijo de cabra e, só então, perguntar.
— O que você vai fazer?
— Ainda não sei ao certo — Albus respondeu. — Tudo depende de eu descobrir um jeito de reaver a minha varinha.
— Você sabe que só tem um jeito de conseguir isso — Aberforth não teve medo de verbalizar a realidade que ele próprio vinha se recusando a aceitar.
Albus suspirou; ele não queria se casar com ninguém, ele nem sequer queria ser um ômega! Mas todos a sua volta pareciam insistir naquela ideia, como se não existisse outra opção!
— Acredito que você já tenha entendido a enorme responsabilidade que eu agora eu carrego — Albus tentou se justificar. — O mundo mágico…
— O mundo mágico que se dane, Albus! — Aberforth o interrompeu bruscamente. — Você se casa com o primeiro alpha que aparecer, pega a sua varinha e então dá o fora!
Nas palavras de Aberforth, tudo parecia tão simples!
— Eu vou encontrar um jeito de resolver tudo isso — Albus prometeu. — Concentre-se apenas nos seus estudos e deixe o resto comigo.
Aberforth levantou-se da mesa e um curto silêncio se seguiu antes que ele se armasse de coragem para fazer uma última pergunta.
— Você vai escrever?
Albus sorriu.
— Todos os dias.
Bathilda foi muito gentil e lhe emprestou sua biblioteca para que ele explorasse o quanto quisesse. Albus gastou as primeiras horas procurando alguma lei, ou qualquer outra informação que lhe fosse útil para recuperar a sua varinha, mas, após horas revirando livros e registros, não encontrou absolutamente nada. O mundo era implacável com ômegas e seu caso não seria exceção.
Já sobre o Qilin, Albus encontrou um sem número de livros e documentos antigos, o que incluía até mesmo um desenho bem detalhista da sua forma animal. Com o estômago revirado, Albus reconheceu no desenho o mesmo padrão de escamas marcado em suas costas.
Mas ainda existiam pontos nebulosos em toda aquela história.
Bathilda interrompeu sua pesquisa com um bule de chá e alguns biscoitos recém-saídos do forno, tudo tão perfumado e apetitoso que Albus não pôde deixar de se lembrar que não tinha colocado nada na boca além do café batizado preparado por seu irmão.
Mais do que seu estômago, o chá preparado por Bathilda pareceu aquecer sua alma.
— Tão bom! — Albus elogiou enquanto mastigava um biscoitinho. — Exatamente o que eu estava precisando!
Bathilda sorriu brevemente para o elogio.
— Conseguiu alguma coisa?
— Apenas… ficar ainda mais confuso — Albus comentou, deixando sua xícara sobre o pires antes de unir a ponta dos dedos. — Estes documentos dizem coisas sobre o Qilin que eu… não consigo sequer conceber.
— O que quer dizer, meu filho? — Bathilda perguntou, segurando sua xícara com um pouco mais firmeza para permitir que o bule encantado a enchesse com chá.
Albus revirou alguns pergaminhos soltos por alguns segundos até encontrar um em especial que foi desenrolado sobre a mesa, diante deles.
— Aqui, por exemplo — explicou enquanto apontava um parágrafo escrito com caligrafia rebuscada. — Diz que o Qilin é capaz de ver o coração das pessoas —Albus riu de si mesmo. — Eu juro que gostaria, sinceramente gostaria, de ter esse poder…
Bathilda mexeu seu chá por alguns segundos, pensativa.
— Cada Qilin é um Qilin, Albus — ela finalmente comentou, muito séria. — Uma vez renascido, o Qilin desenvolve as habilidades necessárias para sobreviver e encontrar o seu alpha. E, embora haja alguns pontos em comum, você não pode contar com todas as habilidades que encontrar nestes documentos.
— Uma pena… eu realmente esperava poder contar com uma fênix, como está escrito neste livro aqui — Albus comentou, com um sorriso, enquanto balançava um livrinho de capa dourada pousado em seu colo. — Seria incrível poder viajar para qualquer canto do mundo num piscar de olhos.
— Ninguém sabe do futuro… — Bathilda respondeu, batendo de leve no ombro do rapaz.
Albus adicionou mais um cubinho de açúcar ao seu chá.
— E seu sobrinho? — perguntou, desejoso por uma mudança de assunto. — Quando chega?
— Ainda hoje, eu presumo — Bathilda respondeu. — Você sabe? Assim como você, ele volta e meia me manda cartas recheadas de dúvidas sobre a História da Magia. Um menino brilhante, quase tanto quanto você. E faz pouco tempo que maturou num alpha — comentou. — Talvez você devesse conhecê-lo um pouco melhor…
A sugestão escondida por trás daquelas palavras simples não passaram despercebidas por Albus.
— Eu sei o que a senhora pensa sobre toda a minha situação, mas… não acho que este seja o melhor momento para conhecer ninguém — confessou. — A senhora sabe que estou atravessando uma fase bem difícil e… talvez eu não seja a melhor das companhias.
— Bobagem! — Bathilda comentou. — Posso garantir que meu sobrinho ficaria encantado por te conhecer, quem sabe até ele pudesse te ajudar, afinal de contas, vocês dois têm a mesma idade.
Albus não pôde deixar de pensar no quanto seria bom se alguém realmente pudesse lhe ajudar, mas na situação em que estava, ele não poderia se dar ao luxo de se iludir a esse respeito.
— O chá estava ótimo, Madame Bathilda, Albus falou com um sorriso. — Mas acho que preciso continuar lendo isso…
Bathilda depositou a xícara sobre o pires, conformada.
— Se precisar de mim é só chamar — falou.
O sol já havia sumido no horizonte quando Albus finalmente decidiu que era hora de voltar para casa. Bathilda insistiu muito para que ele jantasse com ela, sem conseguir disfarçar a ansiedade pela breve chegada do sobrinho, mas ele recusou educadamente o convite.
Não queria conhecer ninguém. Não queria se ligar a nenhum alpha.
Ao chegar em casa, Albus não pôde deixar de pensar que o lugar que, um dia, havia sido o doce lar de uma família feliz, agora era quase uma prisão onde ele viveria sozinho e desperdiçado, longe de tudo, até mesmo da sua magia.
Abriu a porta de casa, exausto e desanimado, já cogitando a hipótese de subir as escadas e se atirar com roupa e tudo na cama.
— Tem comida no fogão — uma voz solícita o alcançou em meio à semi-escuridão. — Seu irmão deixou para você. Espero que esteja com fome, porque a aparência não é das melhores.
Sem conseguir disfarçar o espanto, Albus caminhou alguns passos na direção do dono da voz. Anton Vogel estava sentado no sofá da sala de pernas cruzadas, com um cálice vazio pousado na mesinha ao seu lado.
— As aparências muitas vezes podem enganar — Albus respondeu, gentilmente, para, só então, comentar: — Confesso que sua presença aqui me deixou um pouco surpreso.
— Seu irmão me deixou entrar — Vogel explicou. — Foi muita gentileza me deixar esperar aqui quando precisou voltar para Hogwarts, há um quarto de hora.
E Merlin sabia o quão avesso à gentilezas seu irmão era!
— Pensei que o senhor já tivesse retornado para Berlim — Albus sugeriu.
— Minha missão aqui ainda não terminou — Vogel respondeu, suavemente. — Garantir a sua segurança é muito mais importante do que qualquer incumbência que possa estar à minha espera em Berlim.
Albus andou mais alguns passos na direção de Vogel.
— Receio que o senhor tenha deixado muito claro que não está disposto a me ajudar — falou com azedume.
— Pelo contrário, não há nada que eu deseje mais do que isso — Vogel garantiu, sem medo de encará-lo nos olhos. — Por isso mesmo tratei de cuidar pessoalmente do caso da sua irmã. Posso lhe garantir que meus melhores homens estão trabalhando nisso dia e noite, sem qualquer descanso.
— Agradeço, mas, diante da sua recusa em me ajudar a reaver a minha varinha, não há mais nada que o senhor ainda possa fazer por mim — Albus insistiu.
Vogel levantou-se do sofá e, apesar dele ser pelo menos uns vinte anos mais velho, Albus não podia negar que sua presença exercia um certo fascínio sobre ele. Era como se o homem diante de si incorporasse todo o poder que Albus, naquele momento, gostaria de possuir. Poder suficiente para revirar céus e terras em busca da sua irmã, sem depender da autorização de ninguém.
Ou talvez fosse seu lado ômega uivando para o alto, sempre em busca de um protetor, um parceiro…
— Eu nunca disse que não quero te ajudar a reaver sua varinha — Vogel garantiu. — Mas compreenda que me vejo atado pelas amarras legais que o meu cargo me impõe.
Albus piscou, confuso.
— Aonde o senhor está querendo chegar?
— Por favor, Albus, já lhe disse que o tratamento de senhor é desnecessário — Vogel falou com um sorriso e, ao invés de responder a pergunta, convidou: — Eu gostaria muito de te mostrar algo que, com certeza, o faria entender melhor a minha posição, você me acompanharia por alguns minutos?
Albus hesitou, mas logo em seguida assentiu com a cabeça. Vogel então sorriu e lhe ofereceu o braço.
Apenas um toque no braço de Vogel e o mundo ao redor deles começou a girar até desaparecer numa espécie de redemoinho. Um terrível enjoo tomou conta de Dumbledore, e foi com algum custo que ele se impediu de vomitar. Longos segundos se passaram, muitos mais do que ele havia experimentado em todas as suas prévias aparatações, até tudo parar de girar e Albus se ver num lugar totalmente diferente da sua casa em Godric's Hollow.
— Onde estamos? — Albus perguntou, olhando para todos os lados e percebendo que estavam num salão muito amplo e luxuoso
— No Butão — Vogel respondeu com simplicidade.
— Pensei que fosse proibido aparatar de um país para o outro… — Albus comentou, assombrado.
— Não para alguém com a minha posição e com o meu poder — Vogel respondeu com um pequeno sorriso. — Está vendo este lugar? É um palácio, chamado por muitos de a Morada do Qilin. No momento, ele está fechado, a espera do retorno do ômega sagrado e do alpha escolhido por ele, mas não deixa de ser bem impressionante, não é mesmo?
— Eu havia lido alguma coisa sobre este lugar — Albus comentou, admirando cada detalhe.
— Venha até aqui, quero te mostrar algo — Vogel o interrompeu, segurando a mão de Albus com extrema delicadeza para guiá-lo.
Percorreram juntos um longo tapete vermelho até alcançarem uma porta gigantesca, que vinha do chão até o teto, cuja madeira era toda esculpida e repleta de detalhes. Vogel balançou sua varinha e a porta se abriu para trás, permitindo que Albus adentrasse um segundo salão, ainda maior luxuoso e amplo. As inúmeras janelas estavam todas fechadas mas, com um leve gesto de varinha, o salão inteiro se iluminou, revelando dois tronos de ouro no canto oposto ao que eles estavam.
— Este é o lugar que todos os alphas do mundo gostariam de ocupar — Vogel falou, apontado para o trono da esquerda. — E, ao lado dele, fica o trono reservado ao Qilin, o ômega sagrado.
— Sagrado… — Albus repetiu aquela última palavra, com os olhos colados no trono revestido em ouro. O assento era forrado com veludo vermelho e toda peça era enfeitada com exuberantes fênix em pleno voo, cujas penas flamejantes eram cravejadas por centenas de minúsculos rubis.
— Sim, Albus, o Qilin é considerado sagrado para a maioria dos magos. Um ômega muito especial, símbolo de paz e prosperidade — Vogel falou antes de se voltar novamente na direção do ômega. — Quase como… um deus.
— Eu… eu não sou um deus — Albus protestou, incomodado com a comparação.
— Enquanto estiver sentado neste trono, você poderá ter e fazer o que quiser — Vogel garantiu em resposta. — O que quiser, Albus!
— Eu só quero recuperar a minha magia e encontrar a minha irmã — Albus respondeu, antes de algo no trono do alpha chamar sua atenção, uma marca esculpida bem no alto do encosto dourado. — Eu.. eu conheço este desenho…
— Conhece? — Vogel perguntou, olhando na mesma direção de Albus para entender melhor a quê ele se referia.
Um triângulo, dentro dele, um círculo, e uma linha reta atravessando os dois de cima a baixo.
— É uma representação das relíquias da Morte — Albus falou, mal conseguido crer que estava diante do mesmo símbolo que nunca falhara em despertar seu fascínio, desde a infância.
— Oh, sim… — Vogel respondeu, satisfeito. — Aqui, neste lugar, naturalmente sob intensa vigilância, se encontram três objetos sagrados: o manto do alpha, a pedra do ômega e… a varinha mais poderosa do mundo, fiel somente ao alpha supremo e ao seu ômega.
— As relíquias… elas estão aqui? — Albus perguntou.
— Naturalmente que sim. — Vogel confirmou.
— E eu posso vê-las?
— Infelizmente, ninguém pode ter acesso à elas, nem mesmo eu — Vogel sorriu. —As relíquias só são reveladas ao mundo a partir do dia da coroação.
Albus não tinha palavras. Nunca em sua vida ele imaginou que um dia teria tanto poder ao alcance das mãos. Vogel pousou a mão em seu ombro gentilmente e então completou:
— Imagine o que você poderá fazer quando a varinha mais poderosa do mundo estiver em suas mãos? — perguntou. — Que espécie de feitiços um bruxo tão poderoso quanto você seria capaz de realizar? E tudo o que precisa fazer para colocar aos mãos nela é… se curvar.
O olhar de Albus se perdeu no símbolo dourado por alguns segundos.
— Eu não posso… — falou, fracamente.
— Por que não? — Vogel perguntou. — Por que não aceita que tem o mundo inteiro ao alcance das suas mãos?
Albus permaneceu muito imóvel, incapaz de responder a pergunta de Vogel.
— Imagino que você ainda não esteja preparado para isso, não é verdade? — Vogel perguntou, gentilmente. — Está tudo bem. Nunca foi minha intenção te pressionar.
E, ao dizer isso, Vogel envolveu os ombros de Albus, protetor, e o levou de volta à saída.
— Existe uma outra forma de te ajudar — Vogel sugeriu no momento em que as portas da sala do trono se fecharam por detrás deles. — Se você ainda não está pronto para ocupar a sua posição como Qilin, eu posso te oferecer uma outra saída.
— Saída, que saída?
E as feições de Vogel logo se suavizaram e ele tomou as duas mãos do ômega entre as suas.
— Case-se comigo, Albus — sugeriu.
— O… o quê? — Albus perguntou, chocado, tentando, quase que por instinto, dar um passo atrás, mas sendo trazido de volta para perto por um puxada gentil da mão de Vogel.
— Se aceitar ser meu ômega, ainda que temporariamente, você poderá reaver a sua varinha — Vogel garantiu. — E conseguirá tudo o que quiser!
Albus mal conseguia acreditar que estava ouvindo aquela proposta.
— Você está me propondo um casamento de mentira?
— De maneira alguma! — Vogel franziu as sobrancelhas, parecendo ofendido. — Eu jamais seria capaz de cometer semelhante fraude! Não, Albus, o que estou propondo é um casamento real, uma união pública e legítima.
— Mas… nós nem nos conhecemos… — Albus respondeu, fracamente.
— Eu sei que não há nenhum tipo de sentimento entre nós — Vogel apressou-se a se explicar. — Como poderia haver? Eu sou muito mais velho e, como você bem falou, nós sequer nos conhecemos. Mas este não seria o primeiro e nem o último casamento sem amor. E uma coisa é certa: nós dois temos interesses em comum.
Albus encarou Vogel atentamente, seu olhar azul muito sereno parecendo buscar o fundo da sua alma.
— E qual seria o seu interesse? — perguntou. — O que você deseja receber em troca dessa sua… gentileza?
Vogel não tentou fugir dos olhos de Albus em momento algum, encarando-o abertamente, respirou fundo e respondeu:
— Eu só quero uma chance. Uma única chance de te mostrar que sou digno de você! Quero que se permita confiar e ser meu um dia.
— Anton… — Albus falou, hesitante.
— Eu sei que posso ser o seu alpha, Albus! — Vogel o interrompeu. — Tudo o que eu peço é uma chance de provar o meu valor. E, se você decidir que não sou a pessoa certa, então te deixarei ir, eu juro!
— E… como eu posso saber que você realmente cumprirá a sua palavra? — Albus perguntou, muito sério.
— Eu posso até fazer um voto perpétuo, se você desejar — Vogel sugeriu. — Posso jurar que deixarei você ir caso decida que não quer permanecer ao meu lado. O que você acha?
— Você… faria isso? — Albus perguntou, indeciso.
Vogel sorriu.
— Eu tenho absoluta confiança de que saberei mostrar o meu valor a você — garantiu. — E que eu serei o alpha que vai te acompanhar no seu futuro reinado.
Não havia qualquer mentira ali, nada a esconder. Vogel havia deixado claras todas as suas intenções e ainda oferecido garantias. Se concordasse, Albus poderia reaver sua magia e ainda contar com a ajuda da Confederação Internacional para encontrar sua irmã. E só o tempo diria se Vogel era, de fato, o alpha certo. Quem sabe um dia, ele realmente se curvaria e ofereceria o pescoço a ele?
— Eu aceito — com o coração aos pulos, Albus finalmente concordou.
Vogel mal podia se conter de tanta felicidade. Com um largo sorriso, ele tomou as mãos de Albus e as beijou antes de garantir:
— Você não vai se arrepender.
Chapter 4: O Casamento do Qilin
Chapter Text
A cerimônia foi tão discreta quanto um casamento de um líder político da envergadura de Anton Vogel conseguia ser. A lista de convidados foi a mais restrita possível; jornalistas foram proibidos de cobrir a cerimônia e feitiços foram feitos para borrar qualquer fotografia que, por acaso, alguém tentasse tirar dos noivos.
Ainda assim, pelos corredores da Confederação Internacional, não se comentava outra coisa além da união do líder com um misterioso — e jovem — ômega britânico.
Albus enviou um convite para Aberforth e, para sua surpresa, seu irmão lhe escreveu dizendo que não poderia perder mais aulas e que, por este motivo, não seria possível comparecer ao casamento. Albus ficou com vontade de responder perguntando desde quando as aulas haviam se tornado tão importantes para o seu irmão mais novo, mas Vogel o aconselhou a ser compreensivo e dar tempo para Aberforth se acostumar com as mudanças.
No fim das contas, apenas convidados de Vogel compareceram e a cerimônia transcorreu sem nenhuma intercorrência.
Naturalmente, a noite de núpcias se passou no hotel mais requintado de Berlim.
— Podemos esperar pelo cio se você preferir — Vogel delicadamente sugeriu enquanto afrouxava sua gravata borboleta. — Mas você sabe que as uniões mágicas só são consideradas válidas após a… consumação, não sabe?
Albus não podia se dar ao luxo de perder tanto tempo.
Ainda assim, os dedos de Albus tremeram tanto quando ele tentou desabotoar sua túnica nupcial perolada que Vogel precisou ajudá-lo. O primeiro beijo aconteceu no momento em que as roupas do ômega caíram no chão, tão estranho quanto um beijo entre duas pessoas que mal se conheciam e que haviam se unido por pura conveniência poderia ser.
Vogel tinha cheiro de charutos e colônia masculina.
Albus estaria mentindo se dissesse que sexo com Anton era algo difícil. Ao contrário de muitos alphas, ele era bastante gentil e muito atencioso e, Albus… era um ômega, afinal. Deitado sobre a luxuosa cama da suíte mais cara do melhor hotel de Berlim, Albus abriu suas pernas para Vogel pensando na sua varinha, mas também pronto para receber prazer.
Vogel era, sem dúvida alguma, um sujeito bastante esforçado.
Na manhã do dia seguinte, Albus acordou com o canto dos passarinhos do lado de fora. A luz do sol enchia o quarto, morna e agradável. Sobre o aparador, o ômega encontrou um enorme bouquet de flores, com um bilhete informando que Vogel fora obrigado a sair bem cedo para resolver problemas urgentes na sede da Confederação. O café da manhã foi servido no quarto logo em seguida e parecia ter sido especialmente feito para agradá-lo, com pães, bolos e doces da sua preferência. Pela primeira vez desde a morte dos pais e o desaparecimento de sua irmã, Albus se permitiu realmente apreciar o sabor de uma boa refeição.
Enquanto saboreava uma fatia de torrada besuntada com geleia de framboesa, Albus chegou a sonhar com a hipótese de Vogel lhe fazer uma surpresa, chegando da Confederação já com a sua varinha. Era mesmo uma pena que ele não tivesse acordado à tempo de acompanhá-lo, teria sido interessante se inteirar logo de uma vez de tudo o que havia sido investigado sobre o caso da sua irmã; com certeza isso o ajudaria a pensar no que fazer para ajudar nas buscas.
Checando o relógio na cabeceira da cama, Albus concluiu que Aberforth já teria terminado de tomar café da manhã e devia estar assistindo às primeiras aulas do dia; foi então que sentiu uma saudade imensa de Hogwarts e da vida que tinha há tão pouco tempo, rodeado de livros e magia.
Ah, e como ele sentia falta da sua magia!
Albus não se considerava um sujeito ansioso, muito ao contrário, a calma era uma das suas mais notáveis qualidades, mas, ainda assim, ele mal conseguia se conter diante da expectativa de, finalmente, poder reaver sua varinha! Tentou se distrair com um banho, mas nem mesmo o longo tempo afundando na banheira de água morna e perfumada com sais de banho foi suficiente para fazê-lo pensar em outra coisa além da sua magia.
Sua magia! Sua magia! Sua magia!
Diante da possibilidade de recuperar sua varinha, a verdade, que ele jamais contaria a ninguém, era que a existência de uma irmã que ele nem sequer conhecia ficava em segundo plano, ou melhor, ficava em primeiro lugar na enorme lista de coisas que ele faria no momento em que recuperasse sua varinha e a possibilidade de realizar feitiços sem que o Ministério ficasse sabendo de cada movimento seu. Nada mais natural, ele era um bruxo, nascido e crescido num mundo de magia.
Após o banho longo e relaxante, Albus se enrolou no roupão felpudo do hotel especialmente bordado com seu nome em letras douradas. O espelho do banheiro ainda estava abafado pelo vapor d’água do banho quente e Albus passou a mão pelo vidro para se admirar durante alguns segundos antes de retornar ao quarto. Sem dúvidas ele havia emagrecido um pouco desde o momento da maturação, mas também percebeu um brilho diferente nos seus olhos e cabelos e se perguntou se ele se devia ao fato de ele ser um ômega.
Bem provável.
Cantarolando, deixou o banheiro e abriu o armário para escolher a roupa que vestiria. Ele havia ficado um pouco constrangido quando suas malas foram levadas para longe na véspera, com a desculpa de serem desfeitas e suas roupas previamente arrumadas por funcionários do hotel, mas Vogel argumentou que ele precisava se acostumar com seu novo padrão de vida, e Albus se viu sem escolha além de concordar.
Só que, ao abrir os armários, ao invés das peças surradas que ele havia trazido consigo da Inglaterra, Albus encontrou uma incrível coleção de vestes bruxas suntuosas, das mais diversas cores, feitas com os tecidos e brocados mais caros. Surpreso e deliciado, ele tratou de analisar suas novas roupas de perto; era a primeira vez tinha a oportunidade de usar vestes bruxas com feitiços de expansão nos bolsos internos e, por isso, passou alguns bons minutos enchendo os bolsos com objetos bem maiores do que sua capacidade visual sugeria, apenas para testar sua capacidade.
Vogel realmente não media esforços para tentar agradá-lo. Tudo à sua volta parecia ter sido especialmente pensado para fazê-lo feliz.
Depois de alguma indecisão, optou por vestes azuis, feitas de um tecido tão brilhante que parecia até enfeitiçado, bordado com pedras tão belas e luxuosas que Albus mal se reconheceu quando viu seu reflexo no espelho.
“Então é isso que significa ser o ômega de um alpha tão poderoso?”, Albus pensou enquanto penteava os cabelos.
Finalmente pronto, decidiu sentar-se diante da escrivaninha e usar o papel timbrado do hotel para escrever uma longa carta para Aberforth, contando-lhe sobre os últimos acontecimentos. Escreveu sobre a cerimônia da véspera, sobre o quanto Anton estava sendo generoso com ele, falou um pouco sobre Berlim e, claro, sobre a expectativa de poder novamente usar sua magia muito em breve.
Vogel abriu a porta da suíte no exato momento em que Albus fechou o envelope. O ômega guardou a carta no bolso interno das vestes e levantou-se da cadeira para recebê-lo, com os olhos brilhando de expectativa pela possibilidade de reaver sua varinha.
— Você está deslumbrante! — Vogel elogiou, sinceramente impressionado ao vê-lo. — Esta cor combina perfeitamente com os seus olhos!
Albus sorriu para o elogio, deixando-se admirar por alguns segundos, ainda esperando que Vogel levasse a mão ao bolso e de lá retirasse a sua varinha, o que, no fim das contas, não aconteceu.
— Algo errado? — Vogel perguntou gentilmente ao perceber a frustração nos olhos de Albus.
— Não, não é nada… — Albus respondeu, se esforçando para manter a voz neutra. — Eu apenas… nutri uma leve esperança de que me trouxesse a minha varinha…
— Ah, compreendo… — Vogel respondeu, enquanto retirava seu casaco. — Sinto muito, não estou com ela. Mas saiba que já mandei minha secretária preparar toda a documentação para requisitar sua varinha junto ao Ministério britânico. Você deve imaginar que o fato de termos nos casado em outro país exige algumas burocracias extras…
— Para ser franco, eu esperava que sua posição lhe conferisse alguns… privilégios — Albus sugeriu, suavemente.
Vogel deu uma agradável risada enquanto pendurava seu casaco num cabide.
— Você ficaria surpreso — ele comentou, divertido. — Mas não se preocupe, estou certo de que o Ministério Britânico levará o meu cargo em consideração e apressará ao máximo os trâmites burocráticos.
— Quando você acha que eu poderei reaver a minha varinha então? — Albus perguntou, cheio de expectativa.
— Até o final da semana, acredito eu — Vogel garantiu com tranquilidade. —Infelizmente, o rastreador do Ministério só pode ser desativado com um feitiço específico, que só poderei realizar quando tiver a sua varinha novamente.
Albus respirou fundo, tentando se conformar. Não era tão ruim assim, afinal, ele só teria que esperar mais alguns dias.
— E minha irmã? — perguntou. — Alguma notícia do paradeiro dela?
— Infelizmente, não. Estamos esperando que o Ministério britânico nos envie algumas memórias essenciais para o caso…
— Pensei que a própria Confederação houvesse recolhido todas as memórias dos moradores do Hollow — Albus comentou, fazendo Vogel levantar os olhos na direção dele.
— Ah, infelizmente nem todas — Vogel logo lamentou. — Mas não se preocupe, garanto que não demorará muito para recebermos as primeiras novidades.
— Está certo — Albus anuiu, a contragosto, antes de continuar: — Só mais uma coisa, Anton… poderia me arranjar uma coruja? Acabei tendo que deixar a minha com o meu irmão e, com toda essa correria do casamento, não tive tempo de conseguir uma outra.
— Ah, quanto a isso, você pode contar com o courier da Confederação. Garanto que suas cartas chegarão muito mais rápido — Vogel respondeu, solícito. — Não me diga que já tem cartas para enviar?
— Uma só — Albus respondeu, retirando o envelope do bolso. — É para o meu irmão.
— Me permite? — Vogel perguntou, sacando sua varinha e, quando Albus assentiu com a cabeça, Vogel tocou a carta com a ponta dela, fazendo-a desaparecer. — Pronto! Agora sua carta já está no malote da Confederação e deve chegar ao destinatário em alguns poucos minutos.
O sorriso de Albus ao ver aquele simples feitiço foi tão triste que Vogel imediatamente notou que algo não estava bem.
— Você deveria estar sorrindo — ele falou, para, logo em seguida, adivinhar: — Mas está triste por causa da sua varinha.
Albus baixou a cabeça. Não fazia sentido falar sobre isso. Vogel já havia explicado tudo que ele precisava saber. Insistir naquele ponto era pura imaturidade.
Ainda assim, Vogel sorriu, compreensivo, e se aproximou um pouco mais, o bastante para que pudesse levantar o seu queixo com a face interna da falange do dedo indicador com muita delicadeza.
— Ei! Você não está sozinho — Vogel falou suavemente. — Garanto que vou te proteger até conseguirmos recuperar sua varinha e, se você permitir, até mesmo depois.
E mesmo que Vogel claramente não tivesse entendido muito bem os reais motivos da sua tristeza, ainda assim Albus se sentiu um pouquinho melhor com aquelas palavras tão gentis.
Passearam por Berlim durante toda a tarde, comeram, beberam e conversaram sobre os mais diversos assuntos e, pela primeira vez desde a última Lua Cheia, Albus se permitiu rir, pelo menos um pouco. Era estranho começar a conhecer o próprio marido só depois do casamento, mas Albus realmente apreciava o tempo passado ao lado de Vogel e, embora não nutrisse por ele nenhum sentimento mais profundo, seu marido parecia ser um bom companheiro, talvez até um bom alpha.
Voltaram direto para a enorme mansão onde Vogel morava, com Albus segurando o alpha pelo braço.
— A casa é absolutamente segura — Vogel informou, apontando para os bruxos de vigia no portão. — Eu dobrei a vigilância interna e externa e os feitiços de segurança foram reforçados para que ninguém entre ou saia sem o meu conhecimento.
Albus olhou em volta, sinceramente impressionado.
— Isso é mesmo necessário? — perguntou. — Eu sou perfeitamente capaz de me defender sozinho, só preciso da minha vari…
— Todo o cuidado é pouco — Vogel o interrompeu e depois de olhar em volta, completou: — Você é precioso demais, Albus! Precioso demais!
Subiram as escadas e Vogel lhe mostrou o seu quarto. Dentro dele, além de uma cama ainda maior do que a que os dois haviam compartilhado na noite de núpcias, Albus encontrou tudo o que qualquer pessoa poderia querer. Um banheiro do tamanho da sua casa, um closet também gigantesco e abarrotado de roupas; Albus reparou que, além das vestes que foram trazidas do hotel, um sem número de outras peças, calçados e acessórios dos mais diversos e de todas as cores também estava arrumado num degradê metódico.
— A criadagem recebeu instruções para providenciar tudo o que você precisar — Vogel explicou, muito sério. — Conte com a ajuda deles para qualquer pedido, por menor e mais caprichoso que seja. Há uma ampla biblioteca no primeiro andar, aposto que você vai gostar de conhecer. Eu sou um pouco ocupado, mas estarei à sua disposição para o que você precisar — Vogel sorriu. — Esta é a sua casa daqui por diante, Albus. Deixe tudo nas minhas mãos.
— Você é mesmo muito gentil — Albus falou com um sorriso.
— Não estou sendo gentil — Vogel asseverou, acariciando o rosto de Albus com extrema delicadeza. — Você agora é meu esposo e, muito em breve, se você permitir, é claro, será meu ômega.
Albus não pôde deixar de sorrir.
— Obrigado, Anton.
Ao contrário do esperado, sua varinha não chegou nem naquela semana e nem na próxima. E embora Vogel lhe garantisse que estava fazendo tudo o que estava ao seu alcance para agilizar o processo, Albus logo concluiu que era hora de acionar os seus próprios contatos. Escreveu algumas cartas, explicando suas preocupações e pedindo conselhos para agilizar o processo de devolução da varinha, mas as poucas respostas que recebeu vieram no mesmo tom das palavras de sua amiga Bathilda, pedindo a ele que tivesse um pouco mais de paciência, afinal de contas, as relações entre a Confederação Internacional de Bruxos e o Ministério da Magia Britânico não eram exatamente as mais cordiais e rusgas como aquela, infelizmente, eram bastante comuns.
Bathilda, inclusive, emendara uma curta aula de História, explicando que a Confederação sempre acusou o Ministério de ignorar orientações que lhe fossem inconvenientes, agindo, muitas vezes, por conta própria. E que ela, inclusive, suspeitava que, precisamente por este motivo, o fato dele ser casado com o líder da Confederação talvez fechasse mais portas do que abrisse.
— Não posso dizer que sua amiga esteja errada — Vogel comentou com um ar cansado. — Não é incomum ter problemas diplomáticos com o Ministério da Magia Britânico. Eu não me surpreenderia se eles escolhessem se vingar atrasando o envio da varinha do meu cônjuge.
— Isso é… revoltante! — Albus respondeu, inconformado. — Absolutamente arbitrário!
— Não se preocupe, eles não podem postergar a entrega da varinha para sempre — Vogel ponderou, tentando tranquilizá-lo. — Nos tirar do sério é exatamente o que querem.
— E estão conseguindo! — Albus falou, muito frio.
Vogel pousou sua mão direita sobre o ombro de Albus.
— Tudo vai se resolver cedo ou tarde — garantiu, para, logo em seguida, cerrar as sobrancelhas. — E, no momento, nós temos problemas muito mais… delicados para tratar.
Albus deixou escapar um suspiro.
— Eu sei — falou, desanimado. — A Lua Cheia está se aproximando e com ela…
— O seu cio — Vogel completou, suavemente, para, logo em seguida, adicionar: — Eu sei que é um momento… delicado para os ômegas e gostaria muito de te ajudar. Mas, é claro, farei apenas o que você quiser!
— Eu… eu não sei… — Albus respondeu, ponderando sobre a conveniência de abusar da boa vontade de alguém que, mesmo estando casado com ele, de fato, não era o seu alpha.
Percebendo sua indecisão, Vogel tomou as mãos de Albus gentilmente antes de perguntar:
— Você me considera seu amigo?
Albus não pôde deixar de retribuir o sorriso que Vogel lhe dava.
— Mas é claro, Anton. Você tem feito tanto por mim…
Os dedos de Vogel acariciaram as mãos que segurava.
— E a noite que nós passamos juntos logo após o casamento não foi tão ruim, foi?
Albus imediatamente baixou os olhos, sentindo seu rosto ficar muito quente. Sem coragem de dizer nada, ele apenas assentiu com a cabeça. Vogel sorriu e continuou, no mesmo tom suave.
— Me deixa te ajudar? — perguntou. — Eu lhe dou a minha palavra de que não farei nada contra a sua vontade.
Albus hesitou mais uma vez. Sem dúvida nenhuma, Vogel era um alpha bastante gentil e, sendo tão experiente, com certeza conseguiria ajudá-lo a passar pelo cio sem tanto sofrimento. E a lembrança de tudo que havia passado durante o primeiro cio ainda chicoteava a sua alma como um trauma, tão perturbadora que ele mal conseguia pensar na possibilidade de voltar a passar por tudo aquilo sozinho.
Mas… e se Vogel se aproveitasse daquele momento de vulnerabilidade para…?
— O Qilin não pode ser forçado, Albus - Vogel comentou, parecendo adivinhar seus pensamentos. — Marcar um Qilin contra a sua vontade seria o mesmo que violentar um deus. Eu jamais seria capaz de uma atrocidade dessas…
— Eu sei que não, Anton — Albus o interrompeu, e Vogel apertou suas mãos com pouquinho mais de força. — Eu… eu… ficaria muito grato se você pudesse me ajudar. Se não for muito incômodo, claro.
O rosto de Vogel se iluminou com um sorriso.
— Será uma honra para mim!
A lua cheia finalmente chegou e, com ela, todas as sensações que somente um ômega seria capaz de entender. Mas, diferente do cio doloroso e solitário que ele teve em Hogwarts, desta vez havia Vogel para envolvê-lo com seus braços protetores. Assim como da primeira vez, durante a noite de núpcias, o alpha foi extremamente solícito, não tardando a vir no momento em que Albus implorou por ele.
— Por favor, Anton… por favor — Albus suplicou querendo nada além do que um pouco de alívio.
— Shiiii… Estou aqui com você — Vogel sussurrou docemente em seu ouvido, enquanto retirava suas roupas com todo o cuidado do mundo, respeitador em cada gesto.
Albus, no entanto, não queria todo o cuidado do mundo. Não queria o ritmo lento dos quadris de Vogel ao penetrá-lo, nem seus beijos respeitadores, nem mesmo os elogios gentis que Vogel sussurrava em seu ouvido. O lobo dentro dele ansiava por submissão, por um alpha poderoso e dominador, forte o bastante para tomá-lo com toda a sua força. Albus queria palavras sujas, queria sentir a emoção de um coito selvagem, a intimidade de pertencer por completo a um parceiro real, que o preenchesse e o marcasse como dele. Albus queria um alpha que realmente tomasse posse do seu corpo; mas o que Vogel lhe dava já era bom o bastante e, mesmo que Albus soubesse melhor do que ninguém que ele não era o seu verdadeiro alpha, ainda assim um sentimento diferente nasceu em seu peito no momento em que sentiu Vogel dentro dele.
Um vínculo entre lobos.
Quando tudo acabou e Vogel o envolveu em seus braços, ainda ofegante, Albus deixou-se abraçar, aliviado por ter um alpha para lhe fazer companhia durante aquele momento tão difícil.
Algo havia mudado entre ele e Vogel depois do cio que passaram juntos.
Albus não saberia explicar, mas, com certeza, havia um novo tipo de… afeição. Se separar de Vogel passou a ser um pouco mais difícil do que antes, contrariar sua vontade, ainda que nas menores coisas, também não era mais tão fácil.
A questão deixou Albus intrigado e ele buscou respostas primeiro na biblioteca pessoal de Vogel, para logo descobrir que a grande maioria dos livros estava em alemão, uma língua que ele ainda não dominava. Foi então que ele, mais uma vez, achou por bem escrever cartas para quem pudesse aconselhá-lo sobre isso. A primeira delas, ele escreveu para seu antigo amigo de escola, Elphias Doge, um ômega como ele. Albus ficara sabendo que seus pais haviam arranjado um bom casamento para ele há alguns poucos meses. Talvez Doge pudesse lhe dizer alguma coisa sobre o que ele vinha sentindo ultimamente. A segunda carta que escreveu, foi para sua amiga e vizinha, Bathilda Bagshot, que, apesar de não ser ômega, era muito vivida e sabia um pouco de tudo. Com certeza ela saberia lhe dizer alguma coisa sobre aquela nova sensação.
Doge lhe respondeu ainda no dia seguinte, com um longa carta explicando que, mesmo sem amor, a simples convivência diária com um alpha surtia alguns efeitos. Ele mesmo não saberia explicar como acontecia, mas achava que talvez fosse culpa dos feromônios.
Não era uma explicação boa o bastante.
Depois de uma semana esperando por uma resposta de Bathilda, Albus finalmente resolveu tomar uma atitude e, logo no dia seguinte, desceu para o café da manhã pronto para sair.
— Você vai à algum lugar? — Vogel perguntou após limpar a boca com o guardanapo de linho.
— Ao mercado — Albus respondeu, sentando-se na cadeira ao lado da cabeceira da mesa.
— Se quiser alguma coisa do mercado, meus empregados podem conseguir para você — Vogel sugeriu antes de levar um copo cheio de suco de abóbora à boca.
— Ah, eu agradeço, mas preferiria escolher uma eu mesmo — Albus respondeu enquanto enchia sua xícara com chocolate quente.
— Escolher uma…
— Coruja — Albus completou a frase, antes de adicionar: — O courier da Confederação é mesmo muito rápido, mas desconfio que anda extraviando algumas das minhas cartas.
— Ah, isso não é possível — Vogel riu. — O nosso serviço de courier é mais eficiente do que qualquer coruja; ele lida com correspondência diplomática na maior parte das vezes - e como Albus não se mostrou convencido, reforçou: — Albus... eu certamente saberia se estivessem extraviando cartas.
— Eu não sei, Anton… — Albus respondeu, hesitante. — Não recebi nada do meu irmão desde o nosso casamento e Madame Bathilda nunca levou mais do que algumas horas para me responder, no entanto…
Vogel pareceu considerar o problema por alguns segundos, ainda com o copo de suco nas mãos.
— Lembro de você ter comentado que sua amiga Bathilda já é bastante idosa — comentou ele. — Talvez ela tenha demorado a responder por essas contingências que pessoas mais velhas costumam ter… uma doença, por exemplo? Quanto ao seu irmão, você sabe como ele é… aposto que ainda está um pouco ressentido com o nosso casamento. Você não acredita em mim, mas tenho certeza que está com ciúmes.
A ideia de que seu irmão Aberforth pudesse estar com ciúmes justamente dele era tão esquisita como confortadora, e Albus não pôde deixar de sorrir.
— Ainda assim, eu gostaria de ter minha própria coruja — insistiu, apesar de sentir um aperto desconfortável no peito por, de alguma forma, estar se insurgindo contra o seu alpha.
— Neste caso, eu vou contigo — Vogel se prontificou. — Não acho seguro você andar sozinho pelo mercado abarrotado de gente e, com certeza, vai precisar de alguma ajuda com o alemão na hora de escolher uma boa coruja.
— Eu tenho me empenhado nos meus estudos ultimamente — Albus garantiu, com uma ponta de orgulho. — Acho até que evoluí bastante no meu aprendizado.
— Vou adorar vê-lo colocar seus novos conhecimentos em prática no mercado então — Vogel respondeu num tom agradável e Albus não foi capaz de recusar sua companhia.
Caminhar por um mercado de rua ao lado do líder da Confederação Internacional de Bruxos tornava tudo um pouco mais difícil. Com aurores responsáveis pela segurança abrindo caminho no meio da pequena multidão que se acotovelava pelas ruas, ficava impossível não atrair todo tipo de olhares e exclamações de espanto.
Quando finalmente alcançaram a loja de criaturas mágicas, Albus foi surpreendido ao ver placa 'Fechado' flutuando no lugar onde deveria ficar a maçaneta.
— Como eles podem estar fechados numa hora dessas? — Albus perguntou, aborrecido.
— Uma reforma, talvez? — Vogel sugeriu ao reparar melhor no estado lamentável da edificação.
— Mas que falta de sorte… — Albus lamentou, ainda sem acreditar.
— Está tudo bem, Albus, você nunca precisou mesmo de uma coruja. O courier da Confedera…
— Não existe nenhuma outra loja de criaturas mágicas por aqui? — Albus interrompeu o que viria a ser mais uma defesa dos bons serviços do setor de correios da Confederação.
— Bem… não sei… — Vogel parou por alguns segundos, pensativo. — Se não me falha a memória, talvez haja uma bem menor, lá no finzinho do mercado, mas você…
— Podemos ir até lá? — Albus perguntou, esperançoso. — Se eu não encontrar nenhuma coruja que me agrade, prometo não insistir mais.
— Claro, claro que podemos — Vogel assentiu, sorrindo. — Mas teríamos que ir andando porque este lugar está cheio de feitiços anti-desaparatação. Você sabe, tudo para obrigar os clientes a caminhar pelas ruas, ver as lojas e, claro, comprar mais.
— Eu não me importo de andar um pouco — Albus comentou, animado. — Embora essa quantidade de seguranças seja, francamente, bem desconfortável.
— Todo cuidado é pouco, Albus — Vogel respondeu, tomando o braço do ômega. —Todo cuidado é pouco!
E assim caminharam sem muita pressa pelas ruazinhas do mercado, apontando vitrines aqui e ali, enquanto Albus tentava decifrar o alemão das placas das lojas, sempre com o gentil incentivo de Vogel, que o elogiava a cada resposta correta. Os dois, naturalmente, atraíam os olhares dos que por ali passavam, mas a maioria apenas seguia sua vida, continuando a entrar e sair de lojas.
Tudo parecia pacífico. Pacífico demais.
O primeiro a cair, assim que eles viraram a segunda esquina, foi o segurança mais próximo de Vogel. Ninguém teve tempo de ver a luz verde antes que fosse tarde demais e o auror caísse morto aos pés deles. Petrificado, Albus olhou na direção de onde a maldição da morte tinha vindo e se deparou com uma figura toda vestida de negro, não muito longe dali.
Não fosse a expressão de puro ódio nas feições delicadas do homem, Albus com certeza o confundiria com algum tipo de divindade. Parecia quase tão jovem quanto ele e tinha os cabelos loiros caídos em cachos pelos ombros. Os olhos foram que mais chamaram sua atenção, pois tinham duas tonalidades diferentes, uma delas era azul e o outro totalmente branco, mas ambos igualmente frios e tão terríveis que Albus levou imediatamente a mão ao bolso interno das vestes, a procura da varinha que ele já não possuía.
Vogel se jogou em cima dele no segundo seguinte e os dois despencaram no chão enquanto os demais seguranças sacavam suas varinhas e atiravam para todos os lados. Pessoas gritavam e corriam, enquanto as lojas em volta fechavam as portas. Uma vidraça bem perto deles foi atingida por um feitiço e explodiu, espalhando cacos por todos os lados.
Mais alguns bruxos caíram desacordados no chão antes que a barulheira finalmente parasse e o caos fosse aos poucos sendo substituído por um silêncio opressor.
— Albus, você está bem? Albus? — Vogel perguntou, ansioso, após mais alguns segundos de quietude.
— Estou — Albus respondeu, calmamente.
— Graças ao bom Merlin! — Vogel suspirou, parecendo imensamente aliviado.
Um bruxo com uma verruga enorme bem na ponta do nariz pôs a cabeça para fora da janela de uma das lojas próximas e berrou:
— Atentado!
— Tentaram matar o líder da Confederação! — outra voz se fez ouvir, do outro lado da rua.
E a aquelas palavra logo se espalharam como pólvora em chamas por todo o mercado.
— Está seguro agora, senhor — um bruxo vestido com roupas de auror garantiu. — Parece que fugiram!
Vogel se levantou imediatamente, vermelho como Albus nunca o havia visto antes, e, após ajudar o ômega a se levantar do chão, tratou de vociferar:
— Vocês os deixaram escapar com vida, seus incompetentes?! — perguntou, ainda batendo alguns cacos de vidro das vestes. — Eu e meu ômega poderíamos ter morrido! — e como nenhum dos bruxos responsável pela segurança se atreveu a dizer qualquer coisa, continuou: — Quero a cabeça desse criminoso na minha mesa até o fim dessa semana ou acabarei pessoalmente com carreira de vocês todos!
— Mas, senhor… — um deles ensaiou uma frágil tentativa de defesa.
Vogel levantou a mão para silenciar o auror.
— Tire já a gente daqui — ordenou, friamente, puxando Albus para si pelo braço com um pouco mais de energia do que o esperado. Uma chave de portal surgiu segundos depois e, no instante seguinte, os dois estavam novamente em casa.
— Anton, isso… — Albus começou a falar, mas Vogel estava realmente furioso; andando de um lado para o outro, não parava de falar:
— Isso não foi um atentado contra mim! Eles já sabem que você é o Qilin, eles sabem que você está comigo!
— Sem dúvidas, é uma possibilidade —Albus reconheceu. — Mas aquele feitiço foi direcionado a você e não a mim.
— Eles miraram em mim, mas queriam você! E o pior de tudo: esses… terroristas têm informações privilegiadas! De alguma forma, ficaram sabendo que íamos sair de casa mesmo tendo sido uma decisão tão repentina… — e a suposição o deixou ainda mais nervoso. — Vou ter que trocar toda a segurança da casa!!
— Anton, por favor, se acalme… — Albus pediu, admirado com o quanto Vogel parecia estar transtornado, muito diferente da sua gentileza habitual.
— Me acalmar? Você não entende?! Eles poderiam ter me matado! Eles poderiam ter te levado! E quem sabe o que fariam com você? Pois saiba de uma coisa, Albus, nem todos te querem vivo! Essa corja abjeta sabe muito bem que um Qilin jamais se curvaria para eles e se ressentem disso! E se eles não puderem ter você, então acham que ninguém deveria!
Albus não se deixou abalar.
— Se é este o caso, então mais do que nunca eu preciso da minha varinha! — argumentou, suavemente.
— Sim, sim, disso e também de mais seguranças, de preferência alguns que não sejam uns completos incompetentes e tenham dois olhos na cara para ver que alguém está puxando uma varinha na nossa direção!
— Anton, você realmente precisa se acalmar um pouco — Albus comentou antes de se dirigir ao chefe dos aurores, responsável por todo o esquema de segurança, ainda parado por perto deles, pálido como um fantasma. — Preciso que vocês recolham uma memória e levem para investigação, você pode fazer isso, Dornstein?
O pobre auror se empertigou na mesma hora.
— Claro que posso, senhor!
Isso atraiu a atenção de Vogel.
— Por que quer que extraiam uma memória sua? — perguntou. — Por acaso, você viu alguma coisa?
— Eu vi o bruxo que tentou te matar — e então tocou a própria testa com a ponta do dedo. — E tenho cada detalhe do rosto dele gravado bem aqui.
Chapter 5: A Tentação do Qilin
Chapter Text
O atentado contra o líder da Confederação Internacional de Bruxos e seu ômega ganhou as manchetes dos principais jornais do mundo, mas, ainda assim, Albus não recebeu uma única carta de Aberforth.
E ele conhecia o irmão bem o suficiente para saber que, por mais que pudesse estar chateado com a sua decisão de se casar e sair do país sem consultá-lo, Aberforth não deixaria de escrever numa ocasião como essa, nem que fosse só para confirmar se ele estava bem. De forma que, na cabeça de Albus, restavam apenas duas possibilidades: ou Aberforth não lia nenhum jornal, o que não era de todo improvável, ou, definitivamente, suas cartas estavam sendo extraviadas.
Era, contudo, impossível voltar a a tocar no assunto da nova coruja com seu marido, tamanho era o seu constante nervosismo. Vogel definitivamente não queria nem ouvir falar na possibilidade de vê-lo fora de casa por motivo nenhum no mundo. Totalmente fechado a qualquer diálogo que envolvesse corujas e varinhas, o alpha só queria saber mesmo de aumentar as medidas de segurança, a começar pela troca de todos os aurores da sua guarda pessoal e boa parte da criadagem. Henrietta Fischer, sua secretária, uma das poucas subordinadas a sobreviver ao grande expurgo pós-atentado, ficou encarregada de pesquisar a vida pregressa de cada pessoa que houvesse pisado na casa nas últimas semanas e, diante da menor obscuridade, Vogel sempre acabava optando pela demissão.
— Herr Vogel, por favor, repense sua decisão de demitir nossa melhor copeira só porque ela demorou duas semanas para entregar as referências… — Henrietta pediu, corajosamente, após mais uma rodada inacreditável de desmandos.
— Duas semanas é tempo suficiente para falsificar referências — Vogel rebateu, inclemente. — Além do mais, as referências dela são boas demais o que, por si só, já é suspeito o bastante.
A pobre mulher retirou os óculos, respirando fundo, e finalmente direcionou um olhar suplicante para Albus, provavelmente a espera de algum tipo de milagre.
— Anton… que tal descansar um pouco? — Albus tratou de oferecer a distração que Fischer tanto desejava. — O que acha de tomar um chá em minha companhia?
Vogel olhou para Albus, a princípio exasperado com a interrupção inesperada, mas logo se deixou amaciar.
— Vamos fazer uma pausa — ele finalmente concedeu, com um suspiro cansado. — Henrietta, peça o chá, por favor.
— Mas… Herr Vogel, o senhor acabou de me mandar demitir a copeira… — ela respondeu, com uma expressão infeliz.
— Peça o chá antes de mandá-la embora então — Vogel respondeu, indiferente. — Ah, sim! A encomenda que fiz já chegou?
— Já sim, senhor.
— Ótimo, traga aqui então — ordenou.
Drenada, Henrietta fez uma curta reverência antes de girar nos calcanhares e sumir em direção aos fundos da casa.
— Eu já lhe aconselhei algumas vezes, Anton, mas preciso insistir para que se acalme — Albus sugeriu, suavemente. — Você anda muito nervoso nos últimos dias…
— Não quero me acalmar! Não até ver todos os envolvidos neste atentado atrás das grades — Vogel respondeu, sombrio.
— Não acho que demitir a copeira vai ajudá-lo com isso — Albus opinou, divertido.
E ao ver Albus sorrir, Vogel amoleceu de vez e se permitiu respirar um pouco.
— Tem razão, como sempre — admitiu. — Eu posso estar exagerando um pouco, mas entenda que eu não me perdoaria se algo ruim acontecesse com você.
— Nada vai acontecer comigo — assegurou Albus. — Esta casa agora está protegida com o feitiço Fidelius, você sabe o que isso significa.
— Sim… e como eu mesmo sou o fiel do segredo, ninguém que não seja da minha mais estrita confiança poderá botar os pés neste lugar.
— Espero que isso não signifique que você pretende me deixar preso aqui indefinidamente — Albus sugeriu, encarando Vogel sem perder a calma, mas também com total seriedade.
Vogel respirou fundo e sentou-se ao lado dele no sofá.
— Claro que não, claro que não! - asseverou. — Mas eu te peço só um pouco de paciência, Albus. Apenas enquanto eu reorganizo toda a segurança. A informação de que iríamos ao mercado vazou daqui de casa e isso é sério, sério demais!
Albus se mexeu no sofá, desconfortável. Vogel tinha um ponto, era impossível negar. Alguém ali dentro passou a informação de que eles sairiam juntos de casa naquele dia.
— Está bem, Anton — Albus cedeu. — Eu posso esperar mais alguns dias para comprar minha coruja.
Vogel abriu a boca para responder, mas a volta de Henrietta, seguida por uma bandeja flutuante, chamou a atenção dos dois, graças ao pio indistinto de um pássaro.
— Não me diga que comprou uma coruja para mim? — Albus adivinhou, com os olhos cintilantes de alegria.
A enorme gaiola dourada foi cuidadosamente colocada na mesinha de centro e Albus pôde admirar sua nova coruja nos seus maiores detalhes. Era pequena, cinzenta e bem orelhuda.
— É uma Waldohreule — Vogel explicou, animado. — É bem resistente e consegue voar grandes distâncias.
Albus fez um carinho afetuoso na base do bico da coruja antes de sorrir para o alpha.
— Obrigado, Anton — falou, afinal. — Ela parece formidável.
— Você sabe que eu faço tudo o que está ao me alcance para te deixar feliz, não sabe? — Vogel garantiu, tomando o queixo de Albus numa carícia gentil e, ao sentir os pelos cutucarem seus dedos, perguntou: — Você não tem feito a barba?
— Ah? Estava pensando em deixá-la crescer — Albus comentou, suavemente. — Não sabe o quão trabalhoso é fazer a barba sem o auxílio de magia.
— Mas por que não me pediu ajuda? — Anton perguntou, já sacando sua varinha. — Um simples toque e eu…
Mas Albus fez um gesto suave para que ele não continuasse.
— Não se incomode, Anton — pediu ele, embora a ideia de Anton não aprovar a pretendida mudança no seu visual provocasse uma sensação desconfortável em seu peito.
— Está certo então — Vogel deu de ombros. — Não tive a intenção de ser invasivo.
— Está tudo bem — Albus logo respondeu e, querendo esquecer o desconforto que todo aquele simples diálogo lhe causou, adicionou um convite: — Chá?
— Sim, claro — Vogel concordou. E o sorriso satisfeito que ele lhe deu fez Albus se sentir um pouquinho melhor.
— E se eu tentasse servir mesmo sem varinha? — Albus perguntou, subitamente animado. — Ouvi dizer que existem bruxos na África e na América do Sul que conseguem fazer magia com gestos. Se eu tentasse, certamente…
— Não, por favor, Albus — Vogel o interrompeu. — Não queremos disparar o alerta de uso não autorizado de magia apenas para fazer um bule flutuar na direção de uma xícara, não é mesmo? — perguntou, com um ar cansado. — Além do mais, o Ministério da Magia Britânico poderia considerar uma atitude como esta um desafio e dificultar ainda mais a devolução da sua varinha.
Albus abriu a boca para argumentar, mas Henrietta foi mais rápida do que ele e tratou de balançar ela mesma sua varinha para servir o chá. Conformado, mais uma vez Albus desistiu de insistir e resolveu mudar de assunto.
— Conseguiram identificar o homem da minha memória? — perguntou no instante em que seu chá foi servido.
Vogel levantou os olhos da xícara.
— Que homem?
— O homem que eu vi — Albus explicou enquanto mexia o cubinho de açúcar que Henrietta já havia adicionado ao seu chá por saber que ele gostava e, como Vogel ainda assim não demonstrou compreender, insistiu: — O que tentou nos atacar.
Os ombros de Vogel se endureceram pelo desconforto.
— Não queria te deixar preocupado com este assunto tão desagradável — falou, em tom de confissão.
— Eu costumo lidar bem com inquietações — Albus garantiu, levando sua xícara à boca por alguns segundos. — Mas não gosto nenhum pouco de ser alienado de assuntos que dizem respeito a mim.
Vogel pareceu reparar bem no olhar muito sério que Albus lhe deu.
— Pois bem — cedeu com um suspiro. — Me disseram que sua memória estava bastante límpida, de forma que foi possível resgatar uma imagem bem acurada do criminoso.
— Os olhos dele foram o que mais me chamaram atenção — Albus comentou, olhando para o nada como se estivesse diante daquele homem. — Havia algo errado com eles.
— Tudo indica que ele é cego de um olho ou algo do tipo — Vogel comentou, sombrio. — Quem sabe não foi graças a isso que errou o alvo e eu consegui escapar com vida?
— Já conseguiram identificá-lo? — Albus perguntou, cheio de expectativa.
— Ainda não — Vogel falou com um desprezo incontido. — Mas é questão de tempo.
Com o chá temporariamente esquecido sobre a mesa de centro, alguns segundos de silêncio se seguiram enquanto Albus conectava peças desencontradas daquele enorme quebra-cabeças.
— Você não acha que ele pode ter algum envolvimento com a morte dos meus pais e o desaparecimento da minha irmã? — Albus finalmente perguntou. — Madame Bathilda disse que viu uma mulher, mas… não sei… minha intuição me diz que talvez haja mais alguém além dela.
— Confesso que não havia pensado nessa possibilidade… — Vogel respondeu, dedilhando a alça da xícara.
— Talvez seja melhor permitir uma troca de informações entre os investigadores de cada caso — Albus sugeriu, muito calmo.
Vogel meneou a cabeça, parecendo ponderar a hipótese levantada por Albus.
— Não é uma má ideia — concluiu, afinal. — Vou tratar disso amanhã mesmo. Quem sabe não descobrimos alguma coisa nova?
— Espero sinceramente que sim — Albus comentou. — Qualquer pista é importante, ainda mais agora que as investigações sobre o paradeiro da minha irmã parecem ter batido num paredão intransponível.
— Não se preocupe, Albus — Vogel garantiu, confiante. — No que depender de mim, nós logo saberemos o feitiço certo, capaz de colocar abaixo qualquer paredão que nos separe da verdade.
Albus deixou escapar um sorriso um pouco triste antes de tomar o resto do seu chá.
Mais uma Lua Cheia veio e, com ela, mais um cio.
Vogel, sempre tão gentil, mais uma vez estava lá para tentar aliviar a angústia tão dolorosa que Albus sentia durante aquele período. E, como da outra oportunidade, o alpha foi delicado demais, com seus beijos lânguidos e elogios doces. Dedicado, ele não o fez esperar quando Albus implorou para que acabasse de uma vez com sua angústia.
Arfando, enquanto entrava e saia devagar, devagar demais, Vogel se inclinou e lambeu o pescoço de Albus algumas vezes, numa sugestão silenciosa, um convite que o ômega não era capaz de aceitar. Mas estava muito claro que Vogel queria que Albus se submetesse a ele, que oferecesse de uma vez o seu pescoço e se deixasse marcar. Que o escolhesse como seu companheiro, seu macho, seu alpha.
Mas Vogel, definitivamente, não era o macho de Albus.
Nem por isso Vogel se deixou abater. Ele nem mesmo diminuiu o ritmo constante dos seus quadris. Albus resfolegou e se abraçou a ele como se pedisse desculpas, sentindo o cheiro daquele alpha. Não era ruim, de forma alguma, Vogel tinha um cheiro muito másculo e agradável, mas, ainda assim… não era o cheiro certo. O cheiro que ele queria!
Sem parar as investidas, Vogel tomou posse do seu pênis e o estimulou, esperando pacientemente pelo gozo de Albus; mas, mesmo estando em pleno cio e ainda que não quisesse sentir nada além de um alpha dentro de si, Albus sempre demorava um pouco até finalmente atingir o clímax, como se uma parte dentro dele, uma parte que nem mesmo ele compreendia direito, não quisesse realmente estar ali.
— Por favor… mais rápido! — Albus implorou a certa altura. — Mais forte!
Vogel acelerou o ritmo a contragosto, nitidamente não gostando de receber ordens, e Albus se sentiu tão desconfortável que preferiu fechar os olhos para fugir do olhar reprovador do marido. Mas, para surpresa até dele mesmo, no momento em que tudo ficou escuro, uma imagem se formou na mente de Albus, sem que ele fosse capaz de impedir: um homem loiro, com uma frieza indizível no olhar.
Albus gozou, ainda de olhos bem fechados, segurando com força os lençóis, apegado àquela curta memória como se a estivesse vendo naquele exato momento, através de uma penseira.
O misterioso alpha que havia tentado matar seu marido.
Quando todo o prazer passou, uma onda de culpa tomou conta da mente de Albus de tal forma que, quando Vogel finalmente gozou dentro dele, contraindo cada músculo da face de um jeito muito feio, o ômega tentou se afastar por puro reflexo, somente para se descobrir dolorosamente preso pelo nó formado entre os dois corpos.
— Não se mexa! — Vogel rosnou, usando sua voz de alpha, e Albus parou de tentar escapar, choramingando de puro desconforto, até o nó, finalmente, se desfazer. Vogel então se retirou de Albus, ainda rosnando em seu ouvido e, por alguns segundos, os dois lobos apenas arfaram juntos.
— Eu não devia ter usado a minha voz de alpha com você… — Vogel foi o primeiro a falar após alguns minutos de um silêncio desconfortável. — Me perdoe.
— Eu… não devia ter tentado me afastar — Albus murmurou debilmente em resposta.
Se a voz de alpha normalmente era dolorosa e difícil de ser desobedecida, tudo se tornava ainda pior quando era usada durante o cio, mais ainda durante o sexo. Quando usada daquela maneira, não havia como se recusar a obedecer. Era a submissão máxima.
Albus abraçou o próprio corpo e fechou os olhos, se encolhendo um pouco mais ao sentir Vogel o envolver em seus braços. E por mais que ele ainda estivesse tremendo de medo, algo o impedia de sequer tentar se mexer dali.
Logo após o terceiro cio, Albus começou a ter pesadelos estranhos.
Um dia, ele sonhou com uma voz muito agradável, que lhe dizia, repetidas vezes para se curvar diante do seu alpha, para se submeter.
— Mas eu ainda não achei meu alpha —Albus conseguiu argumentar, ainda que com algum esforço.
— Você já tem um alpha — a voz insistiu, suave com uma melodia. — O mesmo alpha a quem você se uniu através dos laços do matrimônio. Seu alpha, Albus, você deve se curvar diante do seu alpha!
Albus sentiu uma vontade imensa de simplesmente concordar com aquela voz tão doce, de se deixar se envolver, de obedecer ao que ela ordenava.
Mas algo, no fundo da sua alma, ainda resistia.
— Eu… não posso! — Albus choramingou em seus sonhos. — Não posso!
Acordou, empapado de suor e ofegante, segurando firme nos lençóis da cama.
— Está tudo bem? — Vogel perguntou, preocupado, ao vê-lo espetar seus ovos mexidos com o garfo, sem nunca levá-los à boca.
— Estou, estou… — Albus respondeu, aéreo. — Eu só não tenho… dormido muito bem ultimamente.
— Talvez eu possa arrumar uma boa poção para você dormir um pouco melhor — Vogel sugeriu, como sempre solícito.
— Talvez… — Albus concordou, parecendo distraído.
Vogel sorriu para ele e continuou tomando o seu café. Albus pensou em perguntar sobre sua varinha, mas uma vertigem o dominou naquele exato momento e ele levou a mão aos olhos, sentindo tudo rodar à sua volta.
— Tem certeza que está tudo bem? — Vogel perguntou, com preocupação renovada.
Albus esfregou os olhos. Parecia que sua visão estava um pouco embaçada, como se houvesse uma estranha névoa. Fora isso, havia um mal estar terrível, como se algo dentro de si estivesse fora do lugar.
— Tenho… tenho certeza — confirmou, estendendo a mão trêmula na direção de sua xícara. — Do que estávamos falando mesmo?
Vogel olhou para Albus sem dizer nada por alguns poucos segundos antes de finalmente responder:
— Eu estava sugerindo que você contasse com a ajuda de Henrietta para fazer a sua barba daqui para frente.
Albus abriu a boca, confuso, sem saber o que responder por alguns segundos, como se seu cérebro estivesse vazio.
— Ah, sim… está bem — concordou por fim, antes de finalmente conseguir levar sua xícara à boca.
Albus logo descobriu que não era possível enviar mais de uma carta por semana.
Mesmo sendo bastante resistente, sua nova coruja levava cinco dias inteiros para ir e voltar e chegava tão fatigada que Albus se via forçado a esperar até que ela se recuperasse, o que, normalmente, exigia uns dois ou três dias de descanso e alimentação reforçada antes que estivesse pronta para levar outra carta.
Albus então passou a estabelecer prioridades. Antes do casamento, ele até mantinha correspondência com dezenas de pessoas provenientes de vários países. Em Hogwarts, não era incomum pedir as corujas dos seus amigos emprestadas.
Depois do casamento, contudo, as coisas mudaram um pouco de figura e muitos dos seus correspondentes pararam de responder suas cartas. No começo, Albus até pensou que o motivo da debandada foi o fato de ele ser ômega, mas, quando até as cartas de amigos mais íntimos pararam de chegar, Albus passou a suspeitar que o serviço de courier da Confederação não era exatamente dos melhores.
Mas estando tão longe de casa e tendo apenas uma coruja à disposição, Albus poderia enviar cartas apenas para o seu irmão e alguns poucos amigos mais chegados, como Bathilda Bagshot e Elphias Doge.
— Madame Bathilda não responde nenhuma carta minha faz algum tempo… — Albus desabafou com Vogel, desanimado. — Eu já mandei minha coruja duas vezes para ela e nada…
— Eu disse a você que o problema não era o serviço de courier da Confederação —Vogel se apressou a comentar, enquanto dedilhava um livro próximo, parecendo incomodado com aquele assunto.
— Pois agora estou bem preocupado, Anton — Albus confessou. — Madame Bathilda jamais deixou uma única carta atrasar desde que começarmos a nos corresponder regularmente. Nem mesmo quando eu estava de férias e a visitava todos os dias ela deixava de me escrever.
— Sua amiga, pelo visto, tem bastante tempo disponível, não é mesmo? — Vogel não pôde deixar de comentar, para logo depois adicionar: — Desculpe, isso foi um pouco rude.
— Não tem problema, Madame Bathilda de fato é uma senhorinha bastante solitária — Albus reconheceu. — Acontece que ela já é aposentada há um bom tempo e o único parente vivo é um sobrinho-neto com quem também troca cartas de vez em quando.
Vogel deixou escapar um suspiro cansado antes de perguntar.
— Já entendi que você quer que eu me certifique de que sua amiga está bem, estou certo?
— Eu ficaria muito aliviado se pudesse ter notícias dela — Albus respondeu. — E também do meu irmão.
Vogel tomou a mão de Albus e a beijou com extrema delicadeza.
— Já lhe disse que eu faço qualquer coisa para deixá-lo feliz — ele falou, galanteador. — Não se preocupe. Eu vou cuidar disso.
Albus sentiu sua visão ficar levemente enevoada quando os lábios de Vogel tocaram as costas da sua mão.
— Obrigado, Anton — disse, quando a sensação estranha finalmente passou.
Algumas semanas depois daquela conversa, Vogel retornou do trabalho com uma expressão tão séria que Albus imediatamente compreendeu que havia algo de errado.
— O que houve? Aconteceu alguma coisa com os meus irmãos? — ele logo perguntou, tenso.
Vogel dedilhou a mesa como se fosse um piano, antes de responder.
— Seu irmão está ótimo, não se preocupe — ele garantiu em tom tranquilizador. —Talvez não com as melhores notas do mundo e com um número de detenções um pouco maior do que seria aceitável, mas… com toda certeza vivo e com saúde. Sobre sua irmã, infelizmente, não tenho nenhuma novidade
— Então por qual motivo você está com esta expressão tão séria? — Albus quis saber.
Vogel apertou os lábios por alguns segundos e então puxou Albus pelas mãos até o sofá antes de começar a falar.
— Recebi notícias perturbadoras sobre sua amiga, Bathilda… — e depois de uma pausa tristonha, prosseguiu num tom um pouco mais sombrio. — Eu sinto muitíssimo…
Albus abriu a boca, sinceramente chocado, ao entender o que Vogel estava tentando lhe dizer. Uma lágrima solitária correu pelo seu rosto e ele a enxugou com as costas da mão direita.
— Mas… ela parecia perfeitamente bem de saúde há tão pouco tempo atrás! — Albus comentou, estupefato, ainda secando as próprias lágrimas, Vogel apertou sua mão esquerda num gesto de apoio silencioso. — Tudo bem que ela era um pouco idosa, mas…
Vogel balançou a cabeça.
— Sua amiga não morreu de causas naturais — explicou. — Lamento muito dizer isso, mas ela foi assassinada.
Todos os músculos de Albus pareceram se enrijecer ao mesmo tempo ao ouvir aquelas palavras.
— Assassinada?
Vogel apertou a mão de Albus com um pouquinho mais de força.
— Parece que foi encontrada na casa onde morava, já num estado um pouco avançado de putrefação. Demoraram a encontrá-la porque morava sozinha e não tinha parentes próximos. Quer dizer, ninguém além de um…
— De um sobrinho-neto — Albus completou. — Ela comentou que ele tinha planos de passar uma temporada na casa dela. Eu falei dele para você, não falei? — balançou a cabeça, incrédulo. — E pensar que Madame Bathilda até queria me apresentar a ele…
Vogel assentiu brevemente, enquanto esticava o braço na direção de uma pasta de couro, de onde retirou um arquivo.
— Sim, sim… — e pegando os óculos de leitura, o encaixou no rosto com uma das mãos para ler as informações. — Gellert Grindelwald. Parece que desde muito jovem, ele já era um marginalzinho. Conseguiu a incrível proeza de ser expulso de Durmstrang por prática ilícita de magia negra — Vogel riu, debochado. — Eu mesmo estudei em Durmstrang e posso assegurar que lá as coisas são muito diferentes do que Hogwarts em alguns aspectos. Todo ano alguém no mundo mágico questiona se eles não são um pouco tolerantes demais com a prática da magia negra. Se este jovem rapaz chegou ao ponto de ser expulso… — e Vogel balançou a cabeça de puro pesar. — Sua pobre amiga provavelmente não imaginava que estava dando guarida a uma serpente.
Os olhos de Albus se colaram em Vogel ao ouvi-lo dizer isso.
— Não me diga que…
— Sim, Albus, ele é o principal suspeito e tudo leva a crer que foi mesmo o tal sobrinho quem matou a sua amiga — Vogel respondeu, soturno. — Ele, inclusive, está foragido.
Albus afastou sua mão de Vogel gentilmente e levantou-se do sofá, passando a caminhar pela sala, pensativo.
— Isso não faz nenhum sentido… — comentou. — Por que ele faria uma coisa dessas com a própria tia, assim, a troco de nada?
Vogel deu de ombros.
— Talvez por dinheiro? — arriscou. — Afinal, ele era o único parente dela…
Albus deu uma volta inteira no sofá em passos lentos, a ponta dos dedos unidas.
— Não… — concluiu. — Madame Bathilda não tinha muitas posses. Ela era uma historiadora brilhante, é verdade, mas seu maior tesouro era o conhecimento… — e, neste ponto, Albus estacou, chocado com suas próprias conclusões. — Barbas de Merlin!
— O que houve? — Vogel perguntou.
— Você tem uma foto dele?
Vogel abriu o arquivo que estava em suas mãos e o colocou sobre a mesinha de centro, bem em frente ao ponto onde Albus estava. No momento em que os olhos do ômega se colaram na foto do belo rapaz de cabelos dourados da foto, uma sensação gelada tomou conta do seu estômago.
— É ele! — Albus apontou para a foto, atônito. — O rapaz que nos atacou no mercado.
— Você tem certeza? — Vogel perguntou, incrédulo. — Bom Merlin… o risco que você correu!
Albus sentou-se novamente no sofá e, após mais uma olhada pensativa na direção da pasta, ele a puxou para si e destacou a foto do arquivo para olhar para ela com mais atenção. Sim… ele nunca esqueceria aquele rosto! Com certeza o homem que havia atirado contra eles no mercado e o sobrinho de Madame Bathilda eram a mesma pessoa: Gellert Grindelwald!
Ainda sob o impacto daquela descoberta, Albus logo reparou que havia algo diferente naquela foto. O Grindelwald que ele havia visto no mercado em Berlim era cego de um dos olhos, ao contrário do jovem da foto, que tinha ambos os olhos perfeitamente saudáveis, no mesmo tom de azul claro.
— Anton, talvez este homem tenha mesmo algo a ver com o sequestro da minha irmã! — Albus comentou, deixando a foto de lado e voltando a passear pela sala. — Se ao menos eu tivesse com a minha varinha… eu sei que poderia…
— Ir atrás dele? — Vogel adivinhou o resto da frase. — Isso é tudo que ele quer, Albus!
— Sim, mas…
— Olha, não se preocupe! — Vogel o interrompeu suavemente. — Eu vou avisar os aurores sobre ele. E prometo que vamos intensificar as buscas.
Albus deu um longo suspiro. Primeiro seus pais, depois Ariana, e agora…
— Pobre senhora… — Albus lamentou. — Como ele foi capaz?
— Este homem não vai conseguir te machucar, Albus! — Vogel garantiu. — Prometo que não vou deixar ninguém chegar perto de você! Ninguém!
Há pouco tempo, Albus ficaria até um pouco aborrecido com aquela fala super protetora, mas agora… agora ele simplesmente não conseguia mais se zangar.
Albus acordou muito dolorido logo após o próximo cio.
Encontrou Vogel deitado ao seu lado na cama, dormindo a sono solto e só por isso ele não gemeu alto ao tentar, com muito esforço, sentar-se no colchão. Confuso e sem conseguir se lembrar de nada do que havia se passado durante a noite anterior, Albus checou seus braços e, apesar de eles latejarem de dor, não encontrou nenhuma marca neles, nem mesmo um arranhão. Seus dedos se encostaram em seu pescoço, e lá também não encontrou nada.
Sua cabeça doía como nunca.
Olhou em volta, e até parecia que o quarto estava coberto por uma névoa muito fina, como se houvesse algo obstruindo sua visão, embotando sua capacidade de pensar. Tão cansado e dolorido, não lhe restava nenhuma opção além de fechar os olhos e, meio tonto, despencar sobre seus travesseiros novamente.
Talvez aquilo tudo não passasse de um pesadelo; pensou.
Durante as primeiras semanas de casamento, Albus estava constantemente insistindo para sair. No início, ele queria acompanhar Vogel até a sede da confederação, conversar pessoalmente com os encarregados de investigar sobre o assassinato de seus pais e o desaparecimento de Ariana.
Logo depois do atentado, contudo, depois de Vogel proteger a casa onde eles estavam com o feitiço Fidelius, ficou cada vez mais difícil sair.
— Aqui você está completamente seguro, Albus — Vogel lhe explicou. — Por mais que procure, Grindelwald jamais poderá colocar as garras em você.
— Mas eu não posso ficar preso neste lugar pelo resto da vida! — Albus ainda tentava argumentar quando já não aguentava mais ficar em casa.
— Apenas até o Ministério da Magia Britânico devolver sua varinha — Vogel lhe prometeu. — Enquanto isso não acontecer, você sai apenas quando for necessário e sempre em minha companhia.
Durante os primeiros meses, Albus até tentava argumentar, insistir. Mas insistir com Vogel foi se tornando cada vez mais penoso, até que, aos poucos, ele acabou desistindo de vez de tentar.
O fim do ano se aproximou e Albus enviou uma carta para Aberforth, perguntando se ele passaria as festas com ele. E, como, mais uma vez, só houve silêncio, ele pediu a Vogel que intercedesse. Quem sabe Aberforth se comovesse se seu marido tomasse a iniciativa de escrever?
Mas os dias se passaram e Vogel também não recebeu nenhuma resposta de Aberforth. Nem positiva, nem negativa.
— Eu não entendo! Por que ele não responde? — Albus perguntou. — Compreendo que ele possa estar magoado, mas… por que insiste nesse… silêncio?
Alpha e ômega estavam sentados à mesa, almoçando. Vogel pousou os talheres sobre o prato e dedilhou sua taça de vinho, num gesto muito seu, que Albus sabia que ele sempre fazia quando estava pensativo ou até mesmo indeciso.
— Você tem alguma coisa para me dizer, Anton? — perguntou.
— Bem, sim… — Vogel respondeu e então tomou um longo gole de vinho, antes de continuar: — Preciso te contar que tomei a liberdade de escrever uma carta ao diretor de Hogwarts.
— Para o diretor? — Albus perguntou, cheio de expectativas. — E o que disse a ele?
— Expliquei resumidamente nosso problema e também toda a nossa preocupação com seu irmão. E ele gentilmente me respondeu, informando que o nome de Aberforth está na lista de alunos que optaram por passar o Natal em Hogwarts.
Uma onda de tristeza indescritível tomou conta de Albus naquele momento.
— E se eu fosse até lá? — perguntou. — Talvez se eu tentasse conversar pessoalmente com ele…
— Não acho que isso faria muita diferença — Vogel determinou. — Seu irmão só está magoado, Albus… eu já lhe disse que talvez o melhor a se fazer seja dar tempo ao tempo. Esperar a mágoa passar.
Albus fechou os olhos, tentando ignorar uma sensação crescente de desconforto.
— Você não gostaria que eu fosse? —Albus perguntou, vacilante.
Vogel inclinou o pescoço, e seu dedo indicador passeou pela borda do taça por alguns segundos.
— Francamente, eu acho que você se colocaria em risco ao fazer esta viagem — opinou, gentilmente. — Aberforth está bem e seguro em Hogwarts, mas, pelo menos até que este… Grindelwald… seja preso, eu me preocupo e muito com o que possa acontecer com você.
Aquela resposta de forma alguma agradava Albus e ele tratou de tentar se insurgir contra ela, na tentativa de convencer seu marido de que era preciso agir e não simplesmente esperar. Mas no momento em que abriu a boca para tentar argumentar, as palavras pareceram se embaralhar na sua cabeça de tal forma que ele simplesmente perdeu a capacidade de falar.
— Mas, Anton… você… você… — Albus piscou algumas vezes, tentando recolocar os pensamentos no lugar sem nenhum sucesso. — Você não…
Vogel franziu as sobrancelhas, demonstrando estranhar tanta hesitação.
— Eu não…? — Vogel o estimulou a continuar.
Albus balançou a cabeça com energia, como se tentasse se manter acordado ou sóbrio, mas quanto mais ele tentava falar, mais era difícil raciocinar.
— Albus, você está bem? — Vogel perguntou, com um tom claramente preocupado e o ômega apenas balançou a cabeça de novo, fechando os olhos ao sentir a sala inteira girar diante dos seus olhos.
— Acho… acho que preciso me deitar — Albus falou fracamente. — Só um pouco
Vogel pulou da cadeira no mesmo instante e caminhou a passos largos até o outro lado da mesa, disposto a amparar Albus quando este tentou se levantar.
— Vamos, eu te ajudo — o alpha se prontificou, segurando Albus com firmeza — Você não tem dormido muito bem ultimamente e ainda está se recuperando de um cio muito difícil. Um pouco de descanso é tudo o que você precisa para se sentir melhor.
— Tem toda razão, Anton — Albus reconheceu. — Obrigado.
Vogel sorriu para ele e, com um gesto gentil, passou um dos braços por debaixo das suas pernas, para levantar Albus do chão e carregá-lo em seu colo até seu quarto. E assim, aninhado e confortável, Albus se deixou levar com mansidão, já começando a se sentir melhor agora que estava sob a proteção amorosa do seu alpha.
Vogel estava errado.
As festas de fim de ano vieram e se foram e Albus não se sentia melhor. Muito ao contrário. Tudo ficou ainda pior com a vinda da Lua Cheia, pois um cio ainda mais debilitante do que o anterior se seguiu. Dessa vez, apesar de Albus não sentir nenhuma dor, ainda assim não foi capaz de se lembrar de nada do que havia acontecido durante o cio. Sua única certeza era de que Vogel, como sempre, se dedicara a cuidar dele.
Mas alguma coisa parecia estar muito errada, pois Albus mal tinha forças para se levantar da cama e, como se não bastasse, uma febre muito alta o abateu, reduzindo-o a um estado semi-delirante, onde era quase impossível distinguir os sonhos da realidade. Atordoado, dias e noites se passavam sem se que ele se desse conta. Sem forças, ele engolia com custo as colheres de sopa quente que eram forçadas na sua boca e suas roupas empapadas de suor precisavam ser trocadas com alguma frequência. Vogel ficou ao seu lado o tempo todo, vigilante como um alpha dedicado, fazendo Albus beber cálices de metal com poções curativas que pareciam não fazer efeito algum.
Durante todo o tempo em que ficou doente, Albus apenas se deixou ficar, sem forças para dizer nem fazer nada, sem ser capaz de dormir, nem de se manter alerta por muito tempo. A febre se foi, mas suas forças não voltaram. Era como se o seu espírito não fosse mais capaz de controlar o próprio corpo.
— O médico diz que você tem tido cios um pouco mais intensos do que o normal ultimamente — Vogel lhe falou quando Albus finalmente foi capaz de concatenar seus próprios pensamentos com o mínimo de coerência. — Talvez seja porque… bem… porque você ainda não foi marcado.
Albus franziu as sobrancelhas. Ele nem sequer se lembrava de ter sido examinado por um médico, apenas de ficar ali, olhando para o teto, dia após dia, acompanhando com os olhos a luz do Sol que refletia da janela caminhar pelo quarto até diminuir e sumir, deixando o cômodo totalmente escuro. Neste momento, um silêncio angustiante tomava conta de todo o lugar, só sendo aliviado horas depois pelos primeiros raios solares e o canto dos passarinhos.
— Eu… eu não sei o que está acontecendo comigo — Albus sussurrou. — Não consigo… não consigo pensar…
— Você ainda está muito fraco — Vogel explicou, suavemente. — Mas se fizer a escolha certa…
Albus balançou a cabeça fracamente e Vogel buscou sua mão e a apertou com força.
— Eu não… eu não…
— Você entende, Albus? — Vogel insistiu. — Quando você for marcado, tudo isso vai melhorar!
Mas Albus mal conseguia manter seus olhos abertos, e produzir frases inteiras parecia demandar um sacrifício sobre-humano.
— Eu estou com medo, Anton — ele finalmente confessou, sentindo-se frágil como nunca. — Muito… muito medo!
— Não há motivo nenhum para sentir medo — Vogel lhe garantiu, com infinita paciência. — Eu estou aqui com você. Eu sou seu alpha e vou te proteger!
— Tem alguma coisa errada… — Albus falou, debilmente em resposta. — Tem alguma coisa muito errada acontecendo comigo…
— Escute, você está cansado — Vogel disse. — Albus, você é só um ômega, afinal. E foram tantas notícias difíceis ultimamente! Primeiro a sua amiga Bathilda e agora tudo o que descobrimos sobre a sua pobre irmã…
— Sobre… a minha irmã? — Albus perguntou, atordoado. — O que aconteceu com a minha irmã?
— Você não se lembra? — Vogel perguntou, assombrado.
— Me lembrar de quê? — Albus quis saber, sentindo seu ventre gelar.
— Eu não deveria ter tocado neste assunto — Vogel se repreendeu imediatamente. — O último cio foi muito difícil e você…
Mas a mão de Albus segurou o pulso de Vogel com firmeza.
— Lembrar de quê? — ele insistiu em perguntar.
Vogel pareceu hesitar, sem saber se deveria ir adiante com aquele assunto, mas como os olhos de Albus exigiam uma resposta, ele finalmente cedeu.
— Já tem alguns dias, Albus, é incrível que você não se lembre! Os investigadores vieram até aqui pessoalmente para nos contar que descobriram… — fez uma pausa — que descobriram a sua irmã… - Vogel se interrompeu novamente, penalizado, e uma lágrima desceu pelo seu rosto — Eu sinto muitíssimo!
— Não é verdade! Não pode ser verdade! — Albus soluçou, sem ser capaz de conter as próprias lágrimas. Não conseguia, por mais que tentasse, se lembrar do momento em que ficou sabendo de tudo aquilo, era como se tivesse sido apagado da sua mente!
— Como já te expliquei, encontraram o corpo dela num vilarejo próximo à Godric's Hollow — Vogel continuou a contar, pesaroso. — Ainda é cedo para ter certeza, mas eu apostaria muitos galeões que o assassino é o mesmo sujeito que matou sua amiga e tentou nos atacar no mercado. O tal Gellert Grindelwald.
Grindelwald! O homem de olhos muito frios, que parecia empenhado de corpo e alma em destruir tudo o que ele mais amava. O monstro de cabelos dourados que o perseguia, maior responsável por ele estar preso há tantos meses naquele lugar. Quem sabe Grindelwald até tivesse influência no Ministério? Quem sabe fosse por causa dele que sua varinha não era devolvida, mesmo após insistentes pedidos do seu alpha?
Seu querido alpha, sempre tão dedicado a ele, sempre cuidando dele e fazendo tudo para que ele fosse feliz!
— Eu quero ir até lá! Preciso ver o corpo, falar com os investigadores… preciso contar o que aconteceu para o meu irmão! — Albus finalmente falou, fazendo força para sentar-se na cama, determinado, para logo depois olhar para Vogel por alguns segundos e perguntar: — Por que… por que você não me levou até lá?
Vogel disse alguma coisa, mas Albus não conseguiu ouvir; uma terrível vertigem fez o quarto todo rodar e ele levou a mão à cabeça, com medo de desmaiar.
— Albus? Albus?! — Vogel perguntou, enquanto o empurrava com delicadeza de volta para cama. — Você ainda está se recuperando, precisa descansar!
— Não! Eu não preciso descansar… preciso… preciso… — e as palavras sumiram da sua mente antes que ele pudesse dizê-las; as lágrimas deslizando pelos seus olhos, uma após a outra. — Foi minha culpa, você não entende? Minha culpa!
— Nada disso é sua culpa! — Vogel assegurou, apoiando a palma da mão em seu peito para mantê-lo deitado na cama.
— Meus pais, minha irmã… — Albus prosseguiu, sem dar ouvidos ao alpha. — Meu irmão me odeia! Claro! Como não odiaria?
— Seu irmão não te odeia! — Vogel insistiu. — E, com o tempo, ele vai entender…
Mas Albus não estava mais ouvindo. Com o coração despedaçado, sem forças para mais nada, ele levou as mãos ao rosto, em profundo desespero.
— Eu estou sozinho — choramingou. — Completamente sozinho!
— Isso não é verdade! — Vogel protestou imediatamente. — Você não está sozinho! Você tem a mim! Eu sou seu alpha! Você só precisa… se curvar. Se submeter. Nada mais, Albus, nada mais!
Mas Albus não queria ouvir nada daquilo. Sentindo-se quebrado e vulnerável como nunca, ele se encolheu na cama, batendo o queixo de frio, sem ser capaz de pensar em mais nada além de toda a desgraça que ele havia trazido a todos que ele mais amava.
Zizi21 on Chapter 1 Fri 26 Sep 2025 01:50AM UTC
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