Chapter Text
Era uma tarde nublada em seu antigo consultório nos subúrbios da pequena cidade, em que o velho doutor tinha como local de trabalho e aposentos.
Não andava recebendo muitos pacientes ultimamente mas isso não era incômodo, afinal encontrava-se ocupado em suas incessantes pesquisas de novos medicamentos.
Estava em seu escritório afundado em papeladas e frascos de compostos duvidosos que mal notou quando a porta foi escancarada e um mensageiro, preocupado e ofegante, entrou no cômodo balbuciando
-Doutor Byron! - huff huff - finalmente encontrei o senhor, vim de muito longe lhe trazer uma mensagem com urgência. - Diz o homem, nervosamente.
Ele solta seus equipamentos na mesa, fecha os olhos e dá um longo suspiro tentando não transparecer a raiva por ter sido interrompido em um momento crucial. - espero que seja mesmo uma grande emergência para ter me tirado a concentração, rapaz. Sente-se. - O médico se postura em seu próprio acento, apontando à uma cadeira na frente de sua bancada para que o outro se acomodasse.
-Pois então, do que se trata o assunto?
-O proprietário da grande mansão no fim da cidade, Conde Mortímeres, vêm tendo problemas de saúde há anos. Não há um único médico que foi capaz de curá-lo e sua condição está pior do que nunca, ele pediu para que lhe convocasse o mais depressa possível doutor!
Byron respira fundo, ainda absorvendo as informações corridas - Falas daquele casarão assustador caindo aos pedaços? Pensava que estava abandonado há séculos, se alguém vive no meio daqueles escombros não é de se espantar que tenha a saúde comprometida. Pois bem, irei visitá-lo ao final do entardecer. - ele coloca-se em pé, preparando uma maleta de equipamentos médicos para examinar o homem peculiar da mansão.
-Muito obrigado doutor, muitíssimo obrigado!! Tenha certeza que receberá um pagamento adequado pelo seu esforço! - diz o informante, apertando ansiosamente a mão do velho médico.
O sujeito sai tropeçando nos próprios pés da sala, deixando o doutor minimamente atordoado a sós mais uma vez.
*
O sol já estava se pondo, tudo que ouvia eram galopes e eventuais pingos de chuva sob a lona da carruagem que o conduzia para o sombrio aposento de seu paciente. Sua postura correta, perfil profissional e mãos úmidas, apenas esperando, assistindo a noite nascer e a chuva se agitar.
Uma enorme entrada de grades enferrujadas, que algum dia foram brilhantes e invejadas por todos que a observavam em seu caminho. Era de se admirar a grandiosidade do local, infelizmente descuidado, como se tivesse sido abandonado no tempo.
O velho médico se retirou do veículo, agradecendo ao condutor e seguindo seu caminho rapidamente até a porta, onde não seria encharcado.
Parado na entrada se recompôs, ajustando seu terno e penteando seu cabelo grisalho para trás. Suspirou fundo e guiou sua mão para a aldrava adornada, porém seu uso não foi necessário. A porta rangeu e lentamente revelou o interior da grande mansão.
-Estava a sua espera, doutor Byron. - Um homem pálido como a noite, aparência quase anêmica e um cabelo escuro com tons arroxeados. Usava vestes elegantes, uma cartola e um sobretudo preto, apoiado em uma bengala. Era seu paciente.
-Olá, Conde Mortíme... - ele é interrompido. -Apenas Mortis! Sinta-se a vontade em minha residência. - a figura excêntrica abre espaço para que possa adentrar.
-Com licença, meu bom senhor. - o cumprimenta formalmente, enquanto caminha para dentro do grande palácio. As poucas luzes acesas eram amareladas e faziam o ambiente confortável, porém medonho. Seu gosto para decoração era característico, assim como o próprio homem de cartola.
-Ouvi que está doente. Poderia esclarecer-me o que sente? - Mortímeres terminando de passar as trincas, solta um riso despreocupado. - Para que tamanha pressa, doutor? Venha, se acomode, preparei um jantar para vossa chegada, se importa?
Em condições típicas o médico recusaria o incômodo, mas seu estômago vazio o forçou a aceitar o convite. - Creio que seria grosseria de minha parte recusar sua gentileza. - O conde abre um sorriso e o guia para a sala de jantar.
O ambiente encaixa-se no o estilo da mansão, sombrio, mas estranhamente acolhedor. A mesa enorme, com um castiçal no centro e a refeição apenas em um dos lados.
Os dois sentaram-se pacientemente, acomodando-se. Byron colocou sua maleta no chão, ao lado de seu acento, e notou que o conde o observava intensamente, quase perfurando seu crânio com adagas.
-Fique a vontade e sirva-se. Esta noite adiantei minha refeição, temo que não irei juntar-me ao senhor, Dr Byron.
O médico acha um tanto estranho, mas não iria contrariar o anfitrião que estava recebendo-lhe tão bem, portanto apenas concorda e põe-se a comer.
O homem pálido apenas encarava-o como se estivesse faminto, e cada mordida que assistia, seu apetite aumentava. Mas claro, ele já havia feito sua refeição. Não teriam motivos para estar com fome vendo seu convidado engolir a comida com gosto, seu pomo de Adão indo para cima e para baixo, suas veias visívelmente vermelhas.
Nem deu-se conta do tempo passando, apenas notou com o homem grisalho tentando chamar sua atenção. - ...olá? Estava ouvindo, Conde Mortis? Creio que já estou satisfeito, podemos seguir a consulta quando quiser.
-Claro, claro! Venha, doutor, prefiro que façamos isso em um local confortável, minhas costas não são mais as mesmas de anos atrás. - Ele diz, levantando-se com a ajuda de sua bengala.
Byron põe-se em pé e pega sua maleta para que possam prosseguir. Os cavalheiros andam juntos em silêncio, passando pela escadaria e corredores enormes repletos de obras de arte antiquíssimas e um tanto quanto assombrosas.
Seus passos são interrompidos abruptamente, o conde para em frente a uma das inúmeras portas, a destrancando e abrindo a porta para o médico. - Entre, doutor.
O homem, receoso, faz seu caminho para dentro. Era um quarto consideravelmente grande, com móveis rústicos e extravagantes, sentia-se mais e mais deslocado ao adentrar as paredes da grande mansão.
O médico atenta-se com o som da porta se fechando e Conde Mortímeres passando por ele, acomodando-se em um divã de cor vermelho carmim. - Por favor, onde estão meus modos? Pode sentar-se onde desejar, doutor Byron, fique à vontade. - ele gestua aos outros acentos enquanto deixa sua cartola em uma mesa de descanso.
Byron apenas vai à poltrona mais próxima, ficando frente a frente com o outro homem. Ele retira de dentro de sua pasta uma prancheta e começa seu atendimento padrão. - Então, Mortímeres, como vem sentindo-se ultimamente?
-Ah, doutor... Tenho tido dores de cabeça constantes, meu corpo está enfraquecendo a cada dia e a solidão me consome como se já fizesse parte de minhas entranhas...
-Hum. E sobre seu... Problema de saúde? Conte-me mais sobre os sintomas.
-Sinto dores, dores pelo corpo todo. Também temo que meu coração esteja parando de bater hora ou outra, consigo sentir meu sangue secando-se por dentro.
-Certo... O senhor tem família?
-Oh, todos que já amei partiram, doutor. Apenas tenho contato com uma sobrinha de longe, vez ou outra trocamos cartas, mas ela está se cansando de seu velho tio enfermo. Não à culpo por isso, é uma garota jovem, deve aproveitar a vida ao invés de apodrecer em uma grande e estúpida mansão.
O doutor apenas anotava calado, absorvendo as informações que lhe foram jogadas como se fosse seu terapeuta pessoal. - Pessoas vêm e vão de nossas vidas deixando apenas suas lembranças, a idade realmente chega à todos. Claramente tenho certa propriedade no assunto hah. - o médico passa a mão por seu cabelo branco, tentando emendar em sua frase algo humorado para quebrar o gelo.
-Não entendo como alguém poderia deixar um homem sofisticado e intrigante como o senhor, doutor Byron.
Ele para de escrever.
-Ok, preciso fazer alguns exames padrões. - O médico ignora o que lhe foi dito e pega alguns equipamentos de sua maleta e vai até o assento de seu paciente.
Mortímeres ajeita sua postura com a aproximação de seu hóspede, atentando-se em seus movimentos.
Com uma tosse desconfortável, Byron tosse as palavras - Por favor, vire-se de costas e levante a camisa.. para que eu possa ouvir seus batimentos cardíacos. - Ele coloca seu estetoscópio e espera pacientemente o conde retirar seu sobretudo. Seu colete. Sua camisa...
-... Doutor?
Byron volta à realidade, precisava cumprir seu serviço e examina-lo, não tinha tempo para se perder em pensamentos. Ele aproxima-se do homem, agora sentado de costas, pressionando a campânula sobre a pele dele, que estremece ao sentir a peça gelada.
-Respire fundo. - E assim o fez.
...
..
.
-Pode soltar.
Mortímeres odiava ter que participar de tais atos inúteis inventados por humanos, não via sentido algum naquilo e achava ser uma perda de tempo. Mas o que um velho solitário não faria por migalhas de companhia.
-Respire mais uma vez. - a peça gelada troca de lugar e sente sua respiração automaticamente fazer o trabalho que precisava.
...
..
....
-Solte.
Não foi necessário dizer duas vezes. O conde começava a ficar impaciente, mas não o demonstraria.
-Respire.
...
....
..
..
...
.
-Solte.
Mortímeres bufa de uma vez.
-Muito bem, seus batimentos me parecem um pouco... Anormais. Com licença, deixe-me checar na parte da frente.
- O conde vira-se, ficando cara a cara com o médico, perto demais para o desconforto ser ignorado.
Sente o estetoscópio pressionar sobre seu peitoral, agora observando atentamente as expressões do doutor. Estava sério, concentrado em captar cada ruído de seu coração.
Mortímeres fez a bobagem de olhar para a mão de Byron. Seus dedos estavam cobertos de ataduras e suas veias saltavam, praticamente pedindo para que fossem arrebentadas. Sua boca começava a salivar.
-...Certo, certo. - Byron diz enquanto faz anotações em sua prancheta. Ele com certeza notou a aceleração repentina em seus batimentos, mas não faria comentários indelicados. - Se me permite, preciso tirar algumas medidas de seu corpo.
-...Sem problemas, doutor, faça o que for preciso. - Ele recompunha-se enquanto esperava. O médico pega sua fita métrica e põe-se ao trabalho.
Seu pulso é agarrado e levantado, o deixando com o braço esticado. - por favor, mantenha-o assim. - Byron estica a fita, seus dedos vez ou outra encostando em Mortímeres suavemente. Ele passa a medir seu antebraço, seu busto, sua cintura- Phfttt
Seu paciente solta uma... risada? O médico levanta seu olhar para encarar-lhe e sem dúvidas, estava segurando sua respiração tentando conter-se para não gargalhar.
-M-mil perdões, doutor! Mheh tenho uma certa- sensibilidade ao toque eheheh!
Byron rapidamente retira suas mãos e tosse, coçando a garganta certamente desconfortável. - Não se preocupe com isso, ahem, é uma reação normal. De qualquer forma, pode vestir-se novamente, não será mais necessário que fique assim. - O médico volta sua atenção aos equipamentos em sua maleta de serviço, dando espaço para o outro homem.
O conde rapidamente veste sua camisa de botões, mas não dá-se o trabalho de arrumar-se propriamente. Ele sente-se um tolo, totalmente constrangido por seu comportamento inadmissível na frente do profissional.
Byron apenas ignora o acontecimento, era normal que algumas pessoas reagissem com humor ao serem tocadas, apenas surpreendeu-se com ele rindo. Nada mais. - Estamos quase finalizando, conde Mortis. Preciso apenas checar mais algumas coisas.
O homem grisalho levanta-se e dirigi-se ao lado de Mortímeres, ficando próximo ao seu rosto. - Com licença. - Ele coloca sua mão no rosto do conde, abrindo o olho do homem com os dedos e encarando-o fixamente.
Os dois encaram-se, segundo Mortímeres, por um período de tempo desconfortavelmente longo.
Em seguida o médico diz quase em um sussurro - Consegue abrir a boca? preciso examinar-lhe os dentes.
Ele apenas obedece sem pestanejar, deixando suas presas à mostra. Byron usa novamente seu tato para que consiga abrir mais espaço e observar toda a dentição.
-Fascinante. - É tudo o que consegue proferir enquanto passa a ponta de seus dedos pelo canino irregularmente pontudo. Mortis se esquece de como manter sua respiração estável novamente. Tinha quase certeza de que aquele homem estava provocando-o propositalmente, testando seus limites de até quando conseguiria segurar seus instintos.
Não se deu conta de que estava de olhos fechados, mordiscando levemente os dedos do doutor, como se resistir àquela tentação fosse a última coisa que estivesse tentando fazer.
Byron apenas encarava. Sua boca estava seca, o homem parecia hipnotizado com seus dedos na boca. Ele simplesmente não sabia como reagir, era muito. O médico engoliu em seco.
Aparentemente o barulho fez com que Mortímeres voltasse a realidade, estalando seus olhos e jogando-se para trás, longe de Byron. Os dois encaram-se.
...
O conde procura por sua bengala com uma das mãos, alcançando-a e cambaleando para levantar-se.
-Acho que foi o suficiente por hoje, doutor.
-Certamente.
