Chapter 1: Um
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Tinha sido um tempo depois de Daniel, Félix e Martin descobrirem o grande segredo de Demétrius e chantagearem-no que tudo tinha acontecido. Não que eles tivessem noção de que estavam sendo investigados - quer dizer, ao menos esse tipo de investigação.
Por mais duro que Demétrius fosse, ele não era corrupto. Era sim invejoso e hipócrita por perseguir os meninos enquanto ele fazia o mesmo, mas não era corrupto. Ele tinha sido coagido a encobrir os Insólitos da polícia espectral em troca do seu segredo preservado, mas depois de três semanas ele não conseguia mais aguentar.
Era uma quinta feira bem cedo quando ele chegou à sede da polícia. Sequer cumprimentou a recepcionista de tão afoito e agitado que estava, indo direto para a sala de sua chefe.
-Srta. Eneida, perdão pela intromissão tão cedo, mas gostaria de requisitar a reabertura de um caso.
-E qual seria, Demétrius?
-Os garotos do Apollo 81.
-Os que morreram atropelados por um caminhão em 1981?
-Eles mesmos. Tenho minhas suspeitas de que houve um engano na morte deles.
Eneida tinha uma expressão muito desconfiada. Enganos eram raríssimos de se acontecerem, ceifadores eram muito bem treinados, mas aconteciam - mesmo que muito raramente. Demétrius sempre tinha sido um fantasma de muito orgulho de seu trabalho, se esforçando arduamente para manter a vida espectral em ordem e se ele mesmo tinha vindo até a sua sala denunciar um erro, não seria ela a se recusar a dar uma revisada.
-Me encontre daqui a duas horas para discutirmos. Vou pedir para o arquivo subir a papelada, se tiver algum erro, vamos descobrir.
Chapter 2: Dois
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Estava sendo um período excepcionalmente conturbado para Julie. As coisas estavam muito estranhas com Nicolas, ao ponto do garoto humilhar ela e sua banda em seu site. Ela não conseguia entender o que estava acontecendo com ele, o motivo das palavras duras e da reaproximação de Talita, mas sabia o quanto aquilo lhe machucava. Decidida a cortar o garoto de sua vida, Julie chegou em casa do colégio e a primeira coisa que fez foi pegar seu notebook e apagar tudo que fosse referente à Nicolas Albuquerque. Histórico de conversas? Lixo. Cifras para ele? Lixo. Fotos? Bem, teriam ido para o lixo se Daniel não tivesse aparecido.
-Está precisando de ajuda?
-Sim. Pode apagar todas as fotos com NIcolas? - Ela mais ordenou do que perguntou, virando o notebook para o fantasma, que apenas riu.
-Por mais que eu quisesse e fosse gostar de fazer isso, não acho que seja a melhor opção. Aconteceu alguma coisa?
-Ele nasceu.
-Vocês brigaram, não foi?
-Quer mesmo falar sobre isso? Você odeia ele, não tinha que estar tentando me fazer esquecê-lo?
-Ah, mas o meu plano é esse, mas com uma abordagem diferente. - Daniel deitou-se na cama ao lado de Julie, ohando para ela com um sorriso presunçoso.- Veja bem, se conversarmos sobre isso você irá ressaltar mais uma vez como ele é um panaca e idiota, e isso vai contar pontos para mim. Se eu apenas te distrair vai critar espaço na sua cabecinha para pensar melhor sobre ele, e não queremos isso, certo?
Julie olhou para o fantasma desacreditada. O cretino era inteligente.
-O que você veio fazer aqui para início de conversa mesmo?
-Estava entediado e com saudades. - Ele deu de ombros.
Era mais do que explícito a tensão entre os dois e não seria Daniel a continuar fingindo que ela não existia. A química entre os dois era gritante e até mesmo Julie sabia daquilo. Se ele ao menos não fosse um fantasma… Certo, ele teria 47 anos e ela passaria BEM longe dele, mas…. Ela não podia ter nascido na mesma época que eles?
Há muito Julie sabia a grandeza de seus sentimentos por Daniel Castellamare. Não sabia se eles haviam substituído os que ela nutria por Nicolas ou se eles eram apenas uma paixão platônica pelo o que ela havia idealizado do mais novo, mas a paixão por Daniel era avassaladora como o mar de ressaca: se desse bobeira te arrastava para as profundezas do oceano.
E os olhos castanhos e sorriso de Castellamare eram o fundo do oceano para Julie.
Daniel sabia que suas chances eram impossíveis, mas a garota já tocava em uma banda de fantasmas , por que não jogar tudo para o alto e se relacionar com um? Ele sabia que todo aquele comportamento agressivo de Nicolas era sua culpa, por ter assombrado e o coagido a agir daquela maneira por puro ciúmes e inveja, mas ele não ligava. Amava Julie com toda a sua morte e faria de tudo para a deixar bem longe de garotos que não merecessem o seu coração
Só Martin e Félix sabiam o quanto ele havia sofrido ao empurrar JP para cima dela. Ele nunca mais faria algo do tipo.
Julie apenas rolou os olhos e se jogou na cama, com os ombros encostando nos de Daniel. Ele conseguia se materializar o suficiente para ela sentir uma leve pressão em seu ombro, mas que denunciava o seu toque. Daniel ignorou o humor de Julie e abaixou sua mão direita e tocou a mão esquerda dela, criando forças para levantá-la e segurá-la.
-O que você…..?
-Shhh…. - Ele sussurrou. - Estou testando uma coisa.
Daniel sentia o calor que o corpo de Julie emanava, assim como o contorno de sua mão. Não era nada igual a sentir a matéria de sua mão, mas conseguia sentí-la e isso era o que importava. Julie, ao contrário do garoto, sentia frieza em sua mão, com leves arrepios passando pelo seu corpo conforme ele mexia os dedos. Não eram translúcidos, mas não existia um corpo..
Tomado por coragem e por não ter tido reprimenda, Daniel virou o seu corpo para Julie, que para a sua surpresa já estava virada para ele, o encarando. Com cuidado, ele levantou sua mão esquerda e passou pelo braço direito de Julie levemente, satisfazendo-se com sua pele arrepiada. Ele passou sua mão para seu cabelo, fazendo um carinho antes de se acomodar em seu maxilar, aproximando seus rostos lentamente.
Julie não havia dito uma só palavra, disposta a ver até onde tudo aquilo poderia chegar. As coisas com Daniel eram tão… Intensas e naturais. Nicolas nunca poderia ter feito algo do tipo, pois em primeiro lugar ele nunca chegaria perto de seu quarto. Mas não era algo baseado em quartos, mas sim…. na Intimidade e química. Julie se arrepiava de excitação a cada centímetro que Daniel acariciava e quando percebeu sua mão em seu maxilar, seu coração começou a martelar em seu peito.
Batia tão forte que ela desconfiava estar batendo por ela e por Daniel.
Seu estômago se embrulhou de ansiedade e se remexeu quando viu o fantasma aproximar seu rosto e colar suas testas, com seu corpo ondulando para frente ao sentir sua presença em seu nariz. Daniel não estava diferente, sentindo toda a sua existência faiscar por estar tão perto da garota por quem era apaixonado. Ele queria tanto a beijar…. Chegou a colar suas testas e narizes, mas não teve tanta coragem para ir adiante. Já era um milagre Julie ter permitido que ele chegasse tão perto….
Eles ficaram se encarando por uns bons minutos, desejando haver matéria o suficiente para sentirem seus corpos, mas contentando-se com o que tinham. Eles não precisavam falar nada, os seus gestos, as suas ações, as suas reações… Era nítido e claro como água o quanto amavam um ao outro e sofriam com a distância. Depois de certo tempo os dois adormeceram naquela mesma posição, não notando quando Félix e Martin apareceram no quarto em busca de Daniel.
-Mesmo não tendo um coração sinto ele se apertar com esses dois.
-Dói ver o quanto eles se gostam…
Os dois se entristeciam pelos amigos que nunca ficariam juntos.
-Acha que quando ela falecer ainda vai querer ficar com ele? - Martin perguntou à Félix.
-Vira essa boca para lá, ela só tem 16 anos!
-Eu não disse que seria agora! Estou pensando daqui a 80 anos!
-Eu não sei…. E se isso for apenas uma paixão adolescente para ela?
Daniel escutava parcialmente o que os amigos diziam e aquilo lhe preocupava. Ele nunca teve tanta certeza em toda a sua existência quanto aos seus sentimentos por Julie, mas ele era um fantasma! Julie cresceria e se apaixonaria por outra pessoa e consequentemente se esquecia dele, mas e se depois da sua passagem ela não quisesse mais? Sbai que a aparência não era um problema, já que eles mesmo ficaram deformados com o acidente, então logicamente ela poderia voltar a sua aparência atual, mas… Ele ainda teria um lugar em seu coração?
Com aquela dúvida dilacerando o que um dia havia sido seu coração, Daniel deixou Julie sozinha, apenas querendo se isolar do restante do mundo.
Estaria ele fadado a sofrer por amor por toda a eternidade?
Julie, Julie, Julie….. Como ele amava aquela cretina.
Chapter 3: Três
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Foram cerca de cinco dias corridos de revisão de papelada. Demétrius, Eneida e sua estagiária, Margareth, passaram todo o horário do expediente e horas extras revendo toda a documentação dos três fantasmas. Demétrius tinha se certificado de ser um processo minucioso, começando pela análise de vida dos três rapazes: sua expectativa de vida, o que estavam destinados a fazerem, se o livre arbítrio deles havia interferido no que estava programado para cada um. Eles tinham se conhecido dentro do programado, montado a Apolo 81 no tempo certo, mas alguma coisa havia dado errado no meio do caminho. Depois da análise pessoal, eles passaram para o fatídico dia do acidente.
O caminhão frigorífico estava carregado, indo em direção ao açougue central da cidade para ser descarregado. O motorista estava em boas condições, não tinha bebido e estava sem sono. Segundo os registros, o acidente estava fadado a acontecer - mas seria apenas um susto para ele, o que de fato aconteceu, mas não do jeito planejado.
Daniel e Martin haviam falecido na hora com impacto com a carroceria, mas Félix tinha conseguido sobreviver até 50 metros do hospital, não resistindo aos ferimentos e partindo na ambulância. Os três haviam tido ferimentos muito sérios, com os órgãos internos sendo esmagados pelo peso e diversos ossos quebrados. O motorista se aterrorizou com o que tinha feito, implorando perdão para os pais dos adolescentes quando eles chegaram na cena.
Os pais de Félix tiveram de ser hospitalizados tamanha a dor, os de Martin entraram em choque ficando conscientes o suficiente para impedirem que os de Daniel fizessem alguma loucura. Eles estavam no último ano da escola e em forma de respeito no dia seguinte ao acidente as turmas se recusaram a assistir às aulas, montando um memorial para eles em sua sala de aula, comparecendo ao enterro - que por decisão unânime dos pais foram sepultados juntos, um ao lado do outro.
“Apolo 81
Martin Félix Daniel
(1963 - 1981) (1964 - 1981) (1964- 1981)
Amados filhos e artistas”
Os três adolescentes tinham acordado alguns dias depois do acidente, tomando conhecimento da tragédia que tinha levado a sua vida. A preocupação com seus pais tinha piorado a ansiedade de Félix, a oportunidade que foi arrancada deles fazia o lado rabugento e amargurado de Daniel vir a tona, tornando-se um cretino, enquanto Martin conseguia ter mais controle sobre a situação, sendo um meio termo do trio. Eles não tiveram muito tempo para se adaptarem no mundo dos mortos, já que após um ato inconsequente e rebelde de Daniel o trio foi aprisionado por Demétrius em seu LP, curtindo durante trinta anos o sucesso humilhação e sofrimento, aumentando ainda mais todo o sentimento de revolta dentro deles.
Eles terem sido libertos pela humana e terem começado uma banda colocava os rapazes em sua rota original, com o pequeno problema de não estarem mais naquele mundo. Demorou mais um dia até enfim perceberem que o problema talvez não estivesse com eles, com Margareth revirando o arquivo de pernas para o ar e fazendo uma ligação para o departamento de não-mortos para enfim conseguirem o arquivo que tanto queriam.
-Demétrius, aqui! - Eneida se animou com o que lia. - Você estava certo. Aconteceu um erro grotesco naquele dia.
Demétrius sorriu com a descoberto. Se os rapazes não fossem burros, sairiam do seu caminho por muito tempo.
***
A banda tinha dado um tempo durante duas semanas para que Julie pudesse estudar para as provas - sem colas daquela vez - e aquilo consumia Daniel. Não por saudades, eles continuavam conversando, mas via que o coração mole de Julia começava a perdoar Nicolas e aquilo não podia acontecer de jeito nenhum!
Tomando por sua rebeldia e inconsequência, o fantasma visitou a casa de Nicolas e o assombrou, aparecendo para ele e jogando em sua cara o quanto era insuficiente para a sua Julie. Depois de aterroriza-lo e colocar tudo que sentia para fora, Daniel saiu mais leve, logo sendo interceptado pela polícia espectral e sendo levado sob custódia. Ele sequer resistiu, sabendo que tinha passado todos os limites daquela vez fazendo contato com um humano e ainda por cima quase confessando seus sentimentos por outra viva.
Percebeu que tinha alguma coisa errada ao chegar na sala de interrogatório da sede da polícia espectral e se depara com Félix e Martin tão assustados quanto ele. Eles não tinham feito mais nada demais além de insistir na banda e Demétrius estava cansado de saber que não desistiriam daquilo. Tinham até a carta na manga caso ele continuasse a insistir, mas aparentemente ele não se importava de ter seu segredo revelado.
-Rapazes. - Demétrius entrou na sala com um sorrisinho cínico, sendo acompanhado por duas mulheres. - Apresento a vocês a superiora da polícia espectral, srta. Eneida e sua estagiária Margareth, ou como eu gosto de chamar, minha chefinha. - Demétrius deu espaço para que as duas mulheres passassem, carregadas de pastas.
-E o que exatamente estamos fazendo aqui, Demétrius? -Daniel perguntou em seu tom ácido, cruzando seus braços e erguendo uma sobrancelha.
-Daniel! - Félix se alterou, temendo a presença da superiora. - Não temos mais o nosso disco, se eles quiserem prender a gente….
-Não terão um objeto que pertencesse a nós três! - Martin se preocupou, tentando parar o amigo de colocá-los em mais confusão.
-Não se preocupem rapazes, vão gostar de onde iremos prendê-los…. - Demétrius sorriu mais uma vez.
-ORA SEU…..! - Daniel se levantou com pressa da cadeira, sendo impedido pelos guardas.
-SILÊNCIO! - Eneida decretou, chamando atenção para ela. - Desconheço os motivos de vocês temerem serem presos a um objeto inanimado novamente e dessa vez, só dessa vez, vou ignorar possíveis infrações contra às leis espectrais. Reunimos vocês aqui para termos uma conversa civilizada e chegarmos a um consenso.
-Consenso de quê? - Martin questionou.
-O delegado Demétrius me apresentou uma denúncia sobre o caso de vocês, de trinta anos atrás. Passamos os últimos dias analisando toda a papelada e os fatos ocorridos e chegamos a uma conclusão que muda todo o rumo da história.
Os três se entreolharam, temerosos do que viria.
-Pedimos imensas desculpas pelo ocorrido naquela tarde, mas…. Ocorreu um erro. A batida de caminhão não era para vocês três. Josias era quem deveria fazer a passagem naquele dia, mas por alguma razão ele conseguiu escapar e fazer vocês três serem atingidos.
-É O QUÊ?
-COMO É QUE É?!
Os três estavam alterados. Se não fosse por aquilo, eles teriam a sua banda! Teriam feito sucesso! Mas ao invés disso tinham sido brutalmente acidentados e estavam lá agora, presos na eternidade sem poder tocar para os vivos!
-Sentimos muito por isso, revimos todo o curso natural que estava previsto para vocês e…. Apolo 81 teria se tornado a número 1 nas rádios em poucas semanas após a gravação do álbum de vocês naquela semana. Vocês teriam participado do primeiro Rock in Rio em 1985 junto do Queen por três noites e estariam fazendo sucesso até hoje. Dois de vocês estariam casados, mas um….
-Onde você quer chegar com tudo isso….? - Félix questionou com dor na voz.
Saber que eles teriam a glória caso não tivessem tido a ideia estúpida de imitarem os Beatles era….. cortante. Daniel estava em silêncio, tinha entendido que era ele quem ainda estaria sozinho e por mais que uma parte sua suspirasse achando que estava esperando por Julie, precisava se lembrar que ela ainda era menor de idade enquanto ele teria 47 anos e ele não gostaria de tirar a sua juventude iniciando um relacionamento com tantos anos de diferença.
-A questão é - Eneida suspirou - Erros raramente acontecem, mas eles existem. E uma vez esclarecido o problema, decidimos dar uma nova chance à vocês.
-Nova… Chance?
-A vida de vocês foi tirada cedo demais, então nada mais justo do que devolvê-la. Vocês três estão tendo a oportunidade de voltarem a serem vivos, irão aceitar?
Os três se entreolharam assustados e animados, mas antes que pudessem dar uma resposta, Daniel temeu a forma que voltariam.
-E como exatamente seria a volta?
-Todas as pessoas que tiveram contato quando vivos não se lembrarão mais de vocês, para não ter problemas com a ordem natural. Vocês voltarão como estavam exatamente 30 anos atrás, com a idade física e biológica de 17 e 18 anos. Novas certidões de nascimento serão emitidas e vocês terão toda a liberdade de correrem atrás do que estava destinado a serem de vocês. Daniel, Félix e Martin, vocês aceitam a oportunidade?
Chapter 4: Quatro
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-A vida de vocês foi tirada cedo demais, então nada mais justo do que devolvê-la. Vocês três estão tendo a oportunidade de voltarem a serem vivos, irão aceitar?
Os três se entreolharam assustados e animados, mas antes que pudessem dar uma resposta, Daniel temeu a forma que voltariam.
-E como exatamente seria a volta?
-Todas as pessoas que tiveram contato quando vivos não se lembrarão mais de vocês, para não ter problemas com a ordem natural. Vocês voltarão como estavam exatamente 30 anos atrás, com a idade física e biológica de 17 e 18 anos. Novas certidões de nascimento serão emitidas e vocês terão toda a liberdade de correrem atrás do que estava destinado a serem de vocês. Daniel, Félix e Martin, vocês aceitam a oportunidade?
Daniel se animou por poucos momentos, mas seu nervosismo era tanto que apenas pensava em Julie. Ele era confiante o suficiente para crer que conseguiria conquistá-la mesmo que não se lembrasse dele, mas os Insólitos estariam arruinados se ela não acreditasse que tinham potencial para serem uma banda.
-Então Julie…. - A tristeza estava estampada em sua face.
-Ela não te conhecia enquanto estava vivo, idiota! - Demétrius seguiu a linha de pensamento do outro fantasma, sentindo suas bochechas corarem e seu coração se apertar ao ver a felicidade chegar até o rosto de Daniel. Parecendo uma criança em manhã de Natal, Daniel se virou para os dois amigos e juntos balançaram a cabeça, concordando freneticamente com a chance.
-Aceitamos, é claro que aceitamos!
-Ótimo! A papelada será feita enquanto vocês se acomodam. Eu sugeriria um lugar seguro e confortável, a noite de vocês não será nada boa.
-O que quer dizer com isso?
-Bem, vocês precisam nascer de novo, não? E uma vez que não exista mais seus corpos, eles precisam ser refeitos.
-Vamos ser Zumbis!?
-O quê? É claro que não! A formação da matéria não é um processo confortável e duvido muito que gostariam de aparecer do nada na rua! Vão logo para aquela loja de discos de uma vez, rapazes! - Demétrius fez pouco caso com sua mão, dispensando os três fantasmas.
Eles não tinham como agradecer ao que o mais velho havia feito. Demétrius os odiava e mesmo assim foi quem os devolveu a vida.
-Obrigado. - Daniel sussurrou antes de se teletransportarem para a loja de discos. Klaus não estava no momento, mas não se importaria com a presença deles nos fundos da loja.
Ainda era cedo, não chegava a ser nem sete da noite. Eles chegaram, viram o aviso de volto logo na porta e se acomodaram nos fundos da loja. Foram cerca de quinze minutos achando que tinha sido enganados por Demétrius - já estando até mesmo pensando em uma vingança por ele ter brincado com seus sentimentos - quando Félix começou a se sentir meio enjoado.
-Eu não tô me sentindo muito legal, gente…
Mas Félix era ansioso e hipocondríaco, podia estar facilmente impressionado com a situação.
-Eu sinto como se eu fosse vomitar… - Félix estava mais pálido do que o'normal.
-Félix, senta aqui no chão e tenta relaxar. Demétrius brincou com a gente mais uma…. - Daniel acomodou o amigo.
-Daniel, eu não tô me sentindo bem… - Martin se queixou com uma expressão de dor em seu rosto, sentindo sua espinha queimar. Ele se jogou no chão e tentou ficar imóvel e não emitir nenhum som, mas estava incomodando muito.
Daniel estava preocupado com seus dois amigos. Se aquilo fosse verdade, eles estavam renascendo, mas porque ele não sentia nada? Frustrado com a situação, ele cuidou dos dois amigos por cerca de dez minutos até sentir uma pontada em seu coração. O ar lhe faltou - mesmo que não respirasse mais sentiu como se tivesse faltado - e o fez cair de joelhos, derrubando o que quer que estivesse por perto. Foram alguns minutos imóvel, sentindo o frio do chão e se acostumando com o que estivesse acontecendo até que o primeiro grito soou.
-AAAAAAAHHHHHHH!!!!!!!!!! - Félix berrou com todo o seu pulmão, apertando o seu estômago e se encolhendo contra a parede.
-AAAAAAAAAAAHHH!!!!!!!!! - Sendo seguido por Martin que fechava seus olhos com força e chorava de dor que subia pela sua espinha.
Daniel não teve forças de gritar. Ele sofreu os primeiros minutos com um sorriso no rosto, apenas completando o coro histérico quando não pôde suportar mais.
Klaus voltou a sua loja não muito tempo depois, estranhando a presença de tantas pessoas na frente das vitrines, tentando olhar para dentro.
-Aconteceu alguma coisa? - Ele perguntou preocupado.
-Alguém está passando muito mal aí dentro, os gritos são assustadores!
Klaus temeu o que pudesse estar acontecendo, já que não havia ninguém em sua loja. Abrindo as portas com velocidade, ele foi até os fundos com alguns curiosos o seguindo para simplesmente fugirem da loja com a convicção que ela era assombrada - já que não havia ninguém no recinto.
Mas Klaus conseguia enxergar muito bem os três fantasmas no chão do pequeno quartinho da sua loja. Ele tentou ajudar, mas não tinha ideia do que fazer.
-Não mexa neles. - O fantasma baixinho de sobretudo avisou.
-Quem é você?!
-Demétrius, sem prazer nenhum em conhecer você.
-Você fez isso com eles?!
-Sim. Não aconselho você a se aproximar pelas próximas… Quatro horas.
-O que diabos está acontecendo com eles!?
-Estão renascendo.
Klaus tinha uma expressão muito confusa em seu rosto.
-Eles são fantasmas, estão mortos!
-Eram fantasmas! Eles morreram por um erro e estamos corrigindo isso. Foi oferecida uma oportunidade de voltarem a vida e eles aceitaram. O corpo deles está sendo reconstruído do nada, por isso os gritos.
Martin foi o primeiro a cair na inconsciência, sendo seguido de Félix, enquanto Daniel continuou a gritar e se lamentar por mais uma hora e meia. Ele se recusava a se deixar levar, precisava sentir que estava voltando a vida, aguentando com prazer mórbido o crescimento de todas as suas células, órgãos internos e ossos, sentindo sua alma se acoplar ao seu novo corpo. Foi somente quando seu coração deu a primeira batida que ele não suportou mais e desmaiou assim como seus melhores amigos, permitindo que a loja de discos ganhasse paz mais uma vez.
Demétrius permaneceu todo o tempo com os rapazes, garantindo que eles voltassem a vida e não o chantageassem mais. Ele tinha instruído Klaus a voltar com uma refeição leve e água gelada dentro de quatros horas.
Um minuto para cada mês de vida que tiveram, mais a gestação deles.
213 minutos para Daniel e Félix.
225 minutos para Martin.
Apesar de terem levado quatro horas para aparecerem fisicamente, vivos e respirando, levaram cerca de mais um dia para despertarem tamanha exaustão que o novo corpo deles estava. Félix foi o primeiro a abrir os olhos, incomodado com a luz do final do dia. Ele levantou sua mão esquerda até a altura de seu rosto e estudou a sombra que a pouca luz fazia em seus dedos, brincando com eles e sorrindo ao sentir seu coração se acelerar de empolgação. Ele tentou se levantar, mas estava fraco demais. Seus gemidos chamaram atenção de Klaus que veio imediatamente até os fundos, arregalando os olhos ao notar os três adolescentes estirados no chão. Ele correu até Félix, o ajudando a se sentar e pegando um copo de água e fazendo ele dar pequenos goles.
-Isso, isso. Muito bem… Assim mesmo…. - Félix se sentia enjoado pelo conteúdo de seu estômago, procurando a parede para se escorar e se manter acordado.
Daniel foi o próximo a despertar, minutos depois de Félix. Ele se engasgou assim que abriu os olhos, sentindo o seu peito doer ao respirar suas primeiras lufadas de ar consciente. Então era assim ter oxigênio em seu corpo? Com a garganta seca, ele também tentou se levantar, tendo dificuldades e sendo amparado por Félix que já se sentia mais forte. Mesmo deitado escorado no amigo, Daniel começou a chorar copiosamente olhando para as suas mãos.
-Vivos, Félix…. Estamos vivos…. - Ele não tinha forças para se exaltar, apenas sussurrar.
A palidez mórbida não existia mais, assim como as olheiras profundas em seus olhos. Sua aparência era saudável, como a de um adolescente normal.
-E você tem barba. - O moreno implicou com o loiro, ainda o amparando e ajudando a tomar goles d’água.
Quando Klaus chegou, ajudou os dois rapazes a se alimentarem, ordenando expressamente que descansassem, e assim o fizeram.
Mas alguma coisa os incomodava: os dois estavam despertos a pelo menos duas horas e meia e nada de Martin acordar.
-Será que ele não conseguiu? - Félix se preocupou.
-Nós o estamos vendo, ele conseguiu o corpo de volta.
-Mas e se ele não resistiu? Aquilo dói pra caramba!
-Ele não pode ter feito isso…. - Daniel se preocupou, chegando perto do amigo e conferindo a sua pulsação.
-Ele ainda está vivo.
-Então porque não acorda?
-Vocês se esquecem - Demétrius apareceu para os dois - Que ele era o mais velho de vocês dois. Seu renascimento foi o mais demorado, logo, ele tem o direito de demorar mais a acordar.
-Demétrius? Pensei que nos quisesse longe;
-E eu quero, por isso os trouxe de volta à vida. Espero que fiquem fora do meu caminho por muito tempo.
- E o que está fazendo aqui ainda?
-Garantindo que continuem vivos. E alguém tinha que avisar ao dono do estabelecimento sobre a aparição de três adolescentezinhos.
-Arg…. - Martin gemeu, chamando atenção dos dois.
-Martin?
-Martin?
Aquelas duas vozes o chamavam para a realidade, mas e se ele as ignorasse? Estava tão calmo em seu cantinho….
-Martin?
Ele só queria silêncio… Era pedir muito? Era só fingir que não ouvida aqueles chamados e fechar os olhos, ninguém iria perturbá-lo se continuasse quieto...
-Ah, não! Você não vai voltar! - Demétrius se irritou, empurrando o que quer que fosse para o corpo de Martin de novo.
-Demétrius?! - Félix se apavorou.
-Continuem chamando ele! Ele não vai morrer de novo!
-Como é que é?!
-SÓ CHAMEM ELE, SEUS IDIOTAS! VOCÊ NÃO VAI VOLTAR, MARTIN!
-MARTIN!- Daniel começou a chacoalhar o amigo.
-MARTIN! - Félix chamava seu nome alto, na esperança que eles os escutasse.
-MARTIN!
-MARTIN!
-ESSE IDIOTA ESTÁ SE ESFORÇANDO MAS NÃO VAI CONSEGUIR ESCAPAR! - Demétrius continuava fazendo força contra o corpo de Martin, impedindo que seu espírito saísse.
-MAAAAARRTIIIINNNNN!!!!!! - Daniel e Félix berraram ao mesmo tempo nos ouvidos do loiro, fazendo ele arregalar os olhos e se sentar rapidamente, quase desmaiando pela velocidade em seguida.
-Me….. Me cha…. chamaram? - Ele perguntou, apoiando-se em Félix, que impedia que ele desmaiasse de novo.
- O que aconteceu aqui, Demétrius?! - Daniel questionou enquanto buscava água para o amigo.
-Ele não estava conseguindo se prender ao seu corpo. Ele não queria voltar.
-Mas… Ele concordou….
-Mas teve dificuldades em voltar. Agora que ele acordou, não deixem que ele durma nas próximas horas. Tenham certeza que ele está bem e que não vai se desprender.
-E como vamos ter certeza disso?
-Leva cerca de três dias para se readaptarem. Se ele não tiver mais nenhuma recaída nesse período, vocês podem sair e ver a amiguinha de vocês. Mas primeiro tenham certeza de que estão todos bem.
-Nós…. nem temos como agradecer você, Demétrius.
-Só desapareçam da minha vida. - Demétrius fez pouco caso e desapareceu, deixando os rapazes sozinhos.
-O que… O que vamos… Fazer… Agora? - Martin ainda estava desestabilizado pela volta repentina.
-Descansar. - Daniel decretou. - Se é o que temos que fazer para garantir a nossa vida, vamos fazer isso.
-Mas e depois disso, Daniel? Não podemos continuar a morar na Edícula! - Félix tinha pensando naquilo durante as duas horas que estiveram acordado.
-Podemos dividir um apartamento. Procuramos empregos e moramos juntos, como nos velhos tempos!
-Nessa altura eu não sei se você está se referindo aos trinta anos que passamos juntos ou naquele ano e meio que ensaiávamos na edícula do Félix. - Martin brincou, respirando com mais calma e apreciando as batidas do seu coração.
-Daniel, não temos um diploma. Como vamos conseguir um emprego se não terminamos nem o ensino médio?!
-Com licença, garotos… - Klaus bateu à porta. - Já estou de saída, só queria confirmar se está tudo bem com vocês.
-Acho que conseguimos nos virar aqui por hoje a noite. - Félix respondeu.
-Mas e depois? Já tem onde ficar?
-Estávamos discutindo isso exatamente agora. Daniel sugeriu que arrumassemos empregos e dividirmos um apartamento, mas eu lembrei que não temos certificação do ensino médio.
-Não sei se vai adiantar de muita coisa, mas esses papéis acabaram de aparecer no balcão.
Klaus entregou para os rapazes carteiras de identidade, CPF’s e certidões de nascimento, todas datadas do mesmo dia.
-Vou continuar fazendo aniversário na mesma data de antes. - Martin decretou.
-Nenhum diploma. - Daniel constatou. - Vamos precisar arrumar um então. Klaus, me desculpe a pergunta descarada, mas seria muito incômodo ficarmos aqui durante o período do supletivo e até arrumarmos um emprego? Sei que não é um kitnet, mas é o único lugar que temos além da edícula.
-De forma alguma, rapazes! Podem ficar o tempo que precisarem.
-Muito obrigado, Klaus. E por favor….
-Não vou contar a Julie, pode deixar. Mas precisarão ficar escondidos durantes as tardes.
-Não tem problema, serão só três dias.
-Se é assim já vou indo então. Tem comida e água no frigobar na copa e o banheiro é no final do corredor. Tem cobertores e travesseiros no armário e vou ver se consigo alguns colchões essa semana.
-Vamos cuidar de tudo para você, Klaus! - Félix respondeu alegremente.
-Bem vindos de volta à vida, rapazes.
Klaus desejou antes de deixá-los sozinhos e trancar a porta.
Eles finalmente tinham conseguido.
Estavam mais vivos do que nunca.
Chapter 5: Cinco
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Julie estava cada vez mais aflita. Já tinham três dias que os fantasmas haviam desaparecido sem ao menos deixar um bilhete ou alguma explicação, e aquilo estava consumindo seus nervos! Ela pouco ligava para os ensaios, estava preocupada em onde eles tinham se metido. Da última vez que tinham sumido daquele jeito estavam presos na casa do seu professor física, quem garantia que não haviam se metido em confusão mais uma vez?
Preocupada, Julie não conseguia prestar atenção nas aulas. Já tinha passado da hora do intervalo e ela continuava aérea, chamando atenção de Bia.
-Julie, o que ta acontecendo? Até o Béder percebeu como você tá estranha….
-Tá tão na cara assim, Bia….?
-Uhum…. O que aconteceu? Foi o Nicolas de novo?
-Não, Não…. - Julie negou, amuada. - São os meninos…. Eles desapareceram três dias atrás.
-Não disseram para onde iam?
-Não. Até onde eu sei eles podem ter sido pegos pelo Demétrius, e nós não podemos fazer nada para ajudar. Se isso tiver acontecido, eu nunca mais vou vê-los de novo.
-Julie…. Essa carinha é só por ter perdido a banda?
Julie não respondeu imediatamente, apenas se encolheu em sua carteira.
-Julie…. Sabe que Daniel não é um relacionamento possível….
-A minha cabeça sabe, mas o meu coração não. A última vez que pude conversar com ele quase nos beijamos, mas….
-Como é que é?
-Eu não faria isso, mas ele quis testar uma coisa…. Nós conseguimos dar as mãos e ele segurar no meu rosto, mas caímos no sono sem fazer nenhuma besteira. Depois disso só o vi no ensaio e agora….
-Julie, sabe que ele consegue sim se tornar tangível, não é? Eles pegam nos instrumentos.
A mente de Julie se esvaziou por um momento, com ela fechando os olhos envergonhada. Daniel sabia o que estava fazendo, ele não estava testando sua matéria, mas sim suas reações.
-Aquele cretino…. - Ela sussurrou, arrancando um sorrisinho de Bia.
-Entende o que eu disse? Daniel não vai desistir de você, mas….
-É, eu sei. Eu não podia ter nascido quarenta e sete anos atrás?
-Não, porque você ficaria em uma fossa maior ainda depois do acidente. Gosto mais de pensar em porque eles não nasceram dezessete anos atrás?
-Ninguém garante que eu teria sobrevivido. Se eu estivesse na banda com eles poderia ter ido junto.
-Não mesmo, eles iriam querer imitar os Beatles de novo, e sem o Josias você seria quem ficaria para trás para tirar os sapatos.
Julie se encolheu na carteira. Todas as possibilidades que já tinha imaginado até o momento resultaram naquilo: ela perdendo Daniel antes que pudessem ter alguma coisa. Ela sem querer se afundava cada vez mais em um estado depressivo com a saída brusca de seus amigos da sua vida, do garoto que ela gostava e por mais fosse correspondida, não podia ficar, por perder um amigo por idiotice dele….
-Ei ei ei, vamos hoje a tarde na loja do Klaus para você tirar essa carinha aí. - Bia percebeu o poço que Julie começava a se afundar, tentando tirá-la de lá o mais rápido possível
***
Não eram nem quatro da tarde quando Klaus viu as duas adolescentes entrarem pela porta de sua loja. Com um sorriso cúmplice no rosto, ele tratou de confirmar que seus garotos estavam muito bem escondidos para enfim atender as meninas.
-Meninas! Essa loja tem ficado muito silenciosa sem vocês aqui!
-Foi mal, Klaus, ficamos presas com as provas. Final do ano tá chegando, aí ja viu né? - Bia falou pela amiga, que tentava manter o sorriso em seu rosto
-Sei bem como é isso…. Eu sempre me esforçava o máximo durante o ano para relaxar nas últimas provas. Eu tecnicamente já tinha passado de ano em setembro.
-Como você fazia isso?! - Julie se interessou pela possibilidade, já que suas notas não iam nada bem.
-Só estudava muito de março até setembro, e depois só marcava presença na aula. Mas e a banda, Julie? Podemos marcar um show para depois das provas? Três pessoas já perguntaram quando teria de novo.
Aquilo não era mentira, já que os meninos não paravam de perguntar quando Klaus cederia o espaço novamente.
-Ah, isso…. Eu não sei quando poderemos tocar de novo. Os rapazes… Eles…. Eles desapareceram e eu não sei se irão voltar.
-Não deve ter sido nada demais, Julie. - Klaus tentou confortar.
-Ei, Klaus, nós vamos rapidinho no seu banheiro, tá? - Bia avisou, já puxando a amiga.
As duas foram até o corredor atrás do balcão, parando próximas à porta em que os garotos estavam e conversando baixinho.
-Você precisa me prometer uma coisa Julie.
-O que?
-Se daqui um mês eles não voltarem, você vai seguir em frente. Não pode se prender a isso.
-Eu sei, queria não dar voz a essa esperança, mas…..
-Essa não é a voz da Julie? - Félix comentou quando começou a prestar atenção no som.
-Julie?! - Daniel se empertigou, correndo até a porta e sendo impedido por Martin.
-Daniel, não! - Ele gritou em um sussurro. - Não podemos ainda!
Sabendo das condições, Daniel se sentiu frustrado por ter ela tão perto, mas sem pode falar. Incomodado, ele se contentou em se aproximar da porta, apenas escutando um….
-Eles não foram invenção da minha cabeça, não é, Bia?
E então ele sentiu a dor se apossar de seu coração. Ele não era uma invenção, estava bem vivo do outro lado da porta esperando por ela.
***
O quarto dia enfim havia chegado e com ele a liberdade do trio. Klaus tinha providenciado algumas roupas modernas para os garotos, assim como uma ida ao barbeiro, já que seus visuais não eram moda naquele século. Todos estavam com os cabelos mais curtos e controlados, mas quando o barbeiro tentou fazer a barba de Daniel, ele não permitiu. Ele gostava de ter uma barba - já que trinta anos antes ele não tinha conseguido aquele privilégio - além de fazer parecer mais maduro. Seguindo o plano, os três saíram da barbearia e caminharam até a escola onde oferecia o curso supletivo, com os três sendo efetivamente matriculados. As aulas começariam apenas no dia seguinte, com a duração de três meses. Depois disso seriam livres para procurarem um emprego e se manterem em um apartamento dividido.
-Cês querem ir esperar a Julie na escola? - Martin sugeriu. -Ela deve sair daqui a pouco.
-Não acho que seja uma boa ideia, ao menos não hoje. - Félix foi sensato. - Ela acha que a gente morreu, aparecermos do nada e vivos na escola não seria algo muito silencioso.
-Félix tem razão, Martin. - Daniel concordou. - Acho melhor esperarmos na casa dela.
-Mas e se o pai dela estiver em casa?
-Já esqueceu o horário dele? Ele não vai estar lá. E se nos virem, bem, Julie tem uma banda, não é?
Concordando com o argumento, os três foram em direção até a casa de Julie - surpreendendo-se em como o caminho tinha ficado 3x mais longo. Assim que botaram o pé na rua certa, um frio na barriga dominou os três, assim como um sorriso no rosto. Antes mesmo que pudessem notar de fato a dupla que vinha na direção contrária, escutaram Daniel gritar:
-JULIE! -E abrir os braços em sua direção.
Julie estava completamente distraída conversando com Bia a respeito do que faria para continuar ignorando Nicolas. Apesar deles serem amigos, ele tinha pisado muito na bola com os comentários no site. Quando ouviu seu nome ser gritado, Julie olhou para frente e não acreditou no que viu. Bia seguiu o seu olhar e ficou tão espantada quanto a melhor amiga.
Daniel, Félix e Martin estavam bem à sua frente, chamando por ela. No primeiro momento Julie sequer percebeu a atual condição deles - ao contrário de Bia - correndo na direção deles e se atirando nos braços de Daniel - que prontamente a tirou do chão e a girou no ar.
Ceeerrrto, Julie tinha total certeza que ele não podia fazer aquilo antes. Se separando dele, conseguiu olhar atentamente à sua barba crescida, pele saudável, sem olheiras, roupas trocadas e a respiração batendo em seu rosto. Ele se separou com brusquidão de Daniel, apertando os braços de Félix e Martin, soltando um grito de felicidade e puxando os três para um abraço triplo.
Bia não queria interromper aquele momento, ficando um pouco afastada apenas observando.
-Como isso…. Como isso…. Vivos?! - Julie questionou para Martin.
-Vivos.
-Quem vocês precisaram chantagear para isso?
-Demétrius. Ele preferiu nos trazer de volta à vida do que aceitar a chantagem. - Félix explicou, ainda abraçando a garota.
Daniel não conseguia falar nada, estando travado na presença da garota. Seu coração parecia que ia sair pela boca, com seu estômago totalmente revirado.
-Parece que algum bicho mordeu você, Daniel. - Bia se aproximou, implicando com o loiro.
-Eu, ahn… A gente pode ensaiar, Julie?
-Só depois que me explicarem essa história direito!
Arrastando os três para a edícula, Julie não percebeu que segurava a mão de Daniel, embora os outros três já tivessem notado e já pensando em uma desculpa para deixarem os dois sozinhos. Por mais que Bia não tivesse apoiado a amiga antes, Daniel não era mais um fantasma - logo, era um pretendente namorável.
-Pedrinho ainda não chegou? - Martin tentou fugir da edícula com Félix, mas não conseguiu.
-Não, ia fazer um trabalho na casa do Lucas hoje, só deve chegar de noite. Agora, todo mundo sentado! - Ela apontou para o sofá.
-E então? - Bia tentou ajudar.
-Estamos vivos! - Daniel declarou.
-E como exatamente isso aconteceu?
Lembra daquele lance que descobrimos sobre o Demétrius? Dele também cantar para os vivos? - Martin tomou a frente.
-Vocês usaram isso para ele parar de perturbar a gente.
É, foi o que a gente achou, mas aparentemente ele é incorrupto e procurou uma maneira de se livrar da gente. Acabou que a nossa morte foi acidental, era para ter sido o Josias, mas como partimos antes da hora nos deram uma escolha de voltar.
-E o que vai acontecer com o Josias?
-Demétrius garantiu que não ia acontecer nada. - Daniel afirmou. - Mas não é como se ele fosse se lembrar da gente para se tocar do que conseguiu escapar. Ninguém que a gente conheceu em vida se lembra da gente, essa foi a condição.
-Então seus pais…. - Bia se compadeceu.
-Não tínhamos mais contato deles quando éramos fantasmas, então não foi tão doloroso assim. - Félix respondeu.
-Mas veja pelo lado bom agora, Julie: você vai ser obrigada a dividir o microfone comigo. Sem microfonias. - Daniel disse com um sorriso zombeteiro.
-Esse é o lado bom? - Julie implicou.
-Ter que aturar o doce som da minha voz…. - Daniel entrava na brincadeira, implicando ainda mais.
-É…. A gente pode ensaiar? Não temos mais todo o tempo do mundo, as aulas começam cedo amanhã.
-Aulas? Que aulas?
-Nos matriculamos em um supletivo, para conseguirmos um certificado de ensino médio e arrumarmos um emprego. Não podemos ficar esperando a banda começar a ser paga sem fazer nada.
-E vão ficar aonde?
-Klaus deixou que a gente ficasse por um tempo na loja até conseguirmos alugar um apartamento.
-Estavam esse tempo todo lá e não vieram falar com a gente?!
-Desculpa, Julie. Ordens expressas de Demétrius. Só aparecer para você três dias depois de acordarmos.
***
Depois de três horas de ensaio, começava a anoitecer e isso significava que seu Raul em breve voltaria para casa - e com certeza surtaria por ter três adolescentes desconhecidos em sua casa. Eles arrumaram as coisas e iam saindo da edícula quando Pedrinho chegou, gritando de felicidade ao notar os seus amigos vivos. Arrastando eles até o seu quarto para mostrar o projeto que estava trabalhando durante a tarde, não viu Bia subir até o quarto de Julie, deixando a irmã sozinha com Daniel.
Pedrinho e o guitarrista quase nunca tinham se falado.
-Fico feliz que você tenha voltado. - Julie comentou, levando ele até a porta.
-Vivo ou só voltado?
-Vivo. - A maneira como Julie afirmou o fato fez o coração de Daniel bater mais rápido.
-Eu ouvi quando você perguntou a Bia se éramos invenção sua… E aquilo machucou.
-Estava me escutando?
-Sim, mas não acho que você conseguiria inventar alguém de personalidade tão forte, quem dirá três fantasmas e ainda montar uma banda com eles.
Agora que ele estava vivo não tinha ideia de como conversar com ela.
-Ei, Daniel, já estamos indo! - Félix gritou pelo amigo.
-Você ouviu eles. - Daniel afirmou. - Até amanhã?
-Até amanhã.
Daniel ficou sem saber o que fazer, mas quando viu Julie se colocar na ponta dos pés e beijar o canto de sua boca, ele perdeu completamente a habilidade de raciocínio. Julie não esperou uma resposta, rindo ao vê-lo andar para trás e tropeçar nos próprios pés, quase batendo na parede. Com um aceno, Daniel andou apressado até os amigos, desaparecendo no horizonte.
-E eu achando que ele ia te agarrar na primeira oportunidade. - Bia comentou, se escorando ao lado da amiga.
-Vai acreditar se eu disse que eu também?
-Parece que no final das contas ele não é tão bad boy assim.
Chapter 6: Seis
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O dia seguinte chegou e com ele o estranho desaparecimento de Nicolas. Não que Julie se importasse, claro que não. Depois de ter sido humilhada por ele, ouvir que o garoto tinha vergonha dela e dos comentários maldosos em seu site ela não o queria ver nem pintado de ouro.
Mas a curiosidade ainda falava alto.
-O Nicolas tá demorando, né? - Ela comenta com Bia, que apenas deu de ombros.
-Bom dia turma. - A professora de álgebra cumprimentou ao entrar na sala. - Hoje vamos revisar os exercícios da última aula, Abram na página 49, por favor.
“Julie!”
Julie levantou a cabeça. Ela estava ficando doida? Não existiam mais fantasmas em sua vida.
“JULIE!”
Bia olhou para Julie, ela também tinha escutado aquilo.
-JULIE!
Definitivamente alguém estava gritando por ela. Curiosos como eram, todos os alunos do segundo andar correram de suas salas, se espremendo nas janelas para descobrir quem gritava pela garota.
-Acha que Daniel seria louco de vir declarar seu amor publicamente? - Bia perguntou nervosa.
-Ele não seria nem doido.
E de fato não era. Era Nicolas vestido em seu traje de cavaleiro medieval que berrava pela garota.
-EU NÃO TENHO VERGONHA NEM DE VOCÊ NEM DO QUE EU SOU, JULIE, E FANTASMA NENHUM VAI ME FAZER TER MEDO! FANTASMA NENHUM!
-Ai, que mico, Julie. Quer ajuda para se esconder? - Thalita implicou, vendo o estado da garota.
Julie não sabia o que fazer, mas também sabia que se ela não fosse a seu encontro Nicolas não calaria a boca. Bia tentou segurá-la, mas quando Julie desceu as escadas correndo e aparecendo na frente do garoto no pátio, não soube do que a amiga seria capaz.
-Nicolas! O que você tá fazendo?
-Estou mostrando para todo mundo que não tenho vergonha do que eu sou e muito menos de você.
-Eu agradeço, mas será que você pode entrar agora? Daqui a pouco diretor aparece e….
Nicolas interpretou as ações de Julie como timidez e resolveu se aproximar mais, para ver se ela se interessava e o beijava - como a tanto tempo ele queria - mas assim que entrou no seu espaço pessoal ela o parou com as mãos, curvando seu corpo para trás.
“UUUHHHHH” O público sentia por Nicolás ter sido rejeitado.
Aquele tinha sido um gesto automático para Julie, que pensou em Daniel na mesma hora. Por mais que eles sequer tivessem ficados sozinhos direito e o único contato físico tivesse sido um beijinho no canto da boca, Julie sabia que com ele vivo poderia tentar um relacionamento com ele - e Daniel já tinha deixado mais do que explícito as suas intenções.
-O que você tá fazendo, Nicolas?
-Eu…. Eu pensei…. - Ele estava verdadeiramente confuso.
-Por favor, vamos entrar….. - Julie suplicou.
Concordando com tristeza, Nicolas pegou sua mochila e seguiu a garota, parando no banheiro para tirar o seu traje.
-Amiga…. - Bia começou. - Ele tentou mesmo te beijar?
Julie apenas confirmou com a cabeça.
-Você superou mesmo ele, não é?
-Acho que sim.
***
-Ah, enfim a hora da saída! - Martin jogou os braços para o alto enquanto saía do prédio comercial.
Aquele tinha sido o primeiro dia de aula de supletivo do trio e já tinham dezenas de tarefas para casa. A prova seria somente dali a seis meses, mas como estavam a trinta anos sem estudar, tinham medo de terem muito mais conteúdo para revisar.
-A gente não podia ter morrido depois de terminar o ensino médio? - Félix fez drama com a quantidade de informação para estudar.
-Ah, qual é, Félix! Nem é tanta coisa assim! - Martin tentou esclarecer para o amigo mais novo.
-Mas você esquece que ficamos 30 anos sem estudar, e que a prova são todos os conteúdos do ensino médio!
-Você vai dar conta, Félix! Não é, Daniel?
-O quê? - Daniel estava completamente distraído.
-Cê tá pensando no quê? Tá tão distraído.
-E você ainda pergunta, Martin? - Félix brincou.
-Vou chamar a Julie para sair.
-Pensei que a essa hora já teriam até marcado o casamento. - Martin continuou. - Não aconteceu nada ontem quando demos um perdido em vocês?
-Vocês chamam aquilo de perdido? Voltaram nem três minutos depois!
-Desculpa por pensarmos que você era mais rápido no gatilho!
-As coisas não funcionam assim, eu… Precisava saber se o panaca do Nicoas não estava entre nós. - Daniel revirou os olhos.
-Você cuidou dele, não cuidou?
-Sim, mas vocês sabem a capacidade dela passar pano para ele.
-Mas aconteceu alguma coisa, Daniel? - Félix estava impaciente. - Você não flutuou de volta para a loja a toa.
-Ela disse que estava feliz por eu ter votado vivo, e beijou o canto da minha boca.
-E você não fez nada? Não puxou ela pela cintura? Não prendeu na parede????
-Eu fiquei chocado demais por ela também corresponder aos meus sentimentos e…. E aí Félix apareceu chamando para ir embora!
Félix e Martin se entreolharam.
-Vocês precisam sair o mais rápido possível!
-Você já beijou, não é Daniel?
-É claro que já, Martin! Não lembra que eu namorei a Carla no segundo ano?!
-Ah, aquela que queria que você acabasse com a banda para ter mais tempo para ela? - Ele fez uma careta - Não me lembro não.
Daniel bufou. Aqueles tinham sido os piores seis meses da sua vida.
-Enfim, eu estive pensando e quero chamar a Julie hoje.
-E você tá fazendo o que aqui com a gente? Não aturamos meses de você suspirando pelos cantos e tentando fazer ela te notar para agora enrolar!
***
Eram perto das quatro da tarde quando Julie escutou a campainha da sua porta tocar. Estirada na sua cama, ouviu quando Pedrinho gritou que ele atenderia, logo sendo chamada pelo mais velho.
-JULIEEEE!!!! É PARA VOCÊ!
Julie estranhou, se fossem os garotos Pedrinho teria deixado entrarem sem pestanejar. Seria Nicolas querendo conversar? Receosa de descobrir, a agarota se arrastou de seu quarto até a escada, vendo a figura alta recostada no batente da sua porta.
-Daniel? - Ela apressou seus passos até o rapaz.
-Estava esperando outra pessoa? - Ele perguntou debochado.
-Pensei que viesse com os garotos.
-Eles estavam entretidos demais relembrando física e álgebra, não quis atrapalhar eles.
-Quer dizer que o senhor é o ás da matemática?
-Não querendo me gabar, mas eu era o melhor da minha turma.
-Rockeiro e nerd….. - Julie balançava a cabeça, brincando.
-Shhh…. Não conta para ninguém não. - Ele sussurrou, semicerrando os olhos. - Tenho uma reputação à zelar.
-Ah, claro. Pode deixar. Mas o que está fazendo aqui se não vamos ensaiar?
-Pensei que tivesse gostado de eu ter voltado vivo. - Daniel foi direto, fazendo Julie corar.
Ela adora ser alvo das diretas dele.
-E talvez que você quisesse, sei lá, passar um tempo comigo. Como nos velhos tempos.
-Vou pegar o meu celular. - Julie disse simplesmente, subindo até o seu quarto e enviando uma mensagem para Bia
“Daniel está aqui e me chamou para sair”
“Bons amassos para vocês XD”
Rindo da resposta, Julie foi ao encontro de Daniel, trancando a porta e o seguindo.
-O que acha de vagar por aí sem rumo?
-Como fantasmas?
-É, como fantasmas. - Daniel riu.
Ela nunca deixaria ele se esquecer daquilo.
***
Eles andaram por cerca de quarenta minutos até chegarem ao parque da cidade, onde haviam gravado o seu primeiro clipe. Cansa, Julie se sentou um um balanço, dando um gritinho de surpresa ao sentir Daniel empurrá-la no brinquedo, com ela ganhando cada vez mais impulso. Com altas gargalhadas, a química entre os dois afetava qualquer um perto, com todos achando fofa a interação entre o casal.
Casal que não era casal, ao menos não ainda.
Quando Daniel se sentou no balanço ao lado de Julie, ela tomou coragem de perguntar:
-Porque vocês precisaram de três dias para aparecerem para mim?
-Demétrius queria ter certeza que não seria uma operação falha. Martin, ele… Ele teve problemas em conseguir colar a alma dele ao corpo e quase faleceu duas vezes no processo. Demétrius impediu que ele deixasse o corpo montando em cima dele e o empurrando de volta enquanto a gente gritava por ele, por isso a cautela. Seria uma perda de tempo e sofrimento a toa se vocês nos visse no primeiro dia e não aguentássemos e partíssemos de novo.
-E como… Como foi? Você não é um zumbi, né?
-Olha para a minha cara e me diz se eu pareço um zumbi, Julie. - Daniel olhou desacreditado para a garota.
-Tem certeza que dormiu bem essa noite? - El brincou.
-É claro que não somos zumbis, Julie. Não existe mais corpos para serem ressuscitados. Tivemos que renascer do zero, criar matéria do nada.
-E como foi?
-Insuportável. Félix e Martin foram os primeiros a desmaiar de exaustão, mas aguentei por mais tempo, queria ter certeza que estava vivendo. Acordamos um dia depois e não tenho vergonha nenhuma de confessar que chorei feito um bebê quando senti meu coração bater e Félix me apoiar em seu colo para beber água, mas aí Martin se recusou a voltar e foram mais algumas horas até ele despertar. Ficamos de castigo na loja do Klaus até completarmos os três dias e a primeira coisa que fizemos….
-Foi ir na minha casa?
-Não, fomos no barbeiro, depois nos matriculamos no supletivo e aí sim fomos até a sua casa.
-Bem que eu reparei que o seu cabelo estava mais comportado. E você tem barba! - Julie brincou passando os dedos rapidamente por seu maxilar.
-Eu sei, isso é incrível. Eu nunca tive a chance de ter uma barba dessas antes! - Os olhos de Daniel brilharam. - Quer…. Você gostou?
-Te deixou com um ar mais velho, maduro.
-Tecnicamente agora sou o mais novo aqui.
Julie riu, balançando-se para o lado.
-E como foi o seu primeiro dia de aula?
-Bastante intenso, mas nada que eu já não tivesse visto antes. Eu cursei quase todo o terceiro ano, lembra?
-E é um nerd rockeiro.
-Um nerd rockeiro que está oferecendo aulas particulares para que você não cole mais nas provas.
-EI! A IDEIA FOI SUA!
-A culpa não é minha se estávamos sem tempo para melhorar suas notas e precisando ensaiar!
Revoltada, Julie deu um tapinha em seu joelho, arrancando uma risada alta de Daniel.
-Cretino!
-E como foi o seu dia, cretina? - Daniel implicou, curvando o seu corpo para frente.
Julie ficou quieta na mesma hora.
-Julie…..? Daniel estranhou a sua reação.
-Aconteceu uma coisa…..
-Porque eu acho que a anta do Nicolas….
-Ele foi vestido de cavaleiro medieval até a escola e armou uma cena. Chegou atrasado de propósito e começou a berrar o meu nome no pátio. Disse que não tinha vergonha de quem era e muito menos de mim, principalmente de nenhum fantasma…. - Julie não tinha se tocado da última parte até aquele momento.
Daniel sentia o seu coração parar gradativamente, assim como sua pele empalideceu como se ainda estivesse morto. Nicolas tinha feito justamente o que ele tinha ordenado NÃO fazer! Ele não acreditava que depois de tudo aquilo ele não teria chances….
-E quando eu fui até ele tentar entender o que raios estava acontecendo ele tentou me beijar….
Daniel parou de escutar naquele momento. Toda a felicidade se esvaiu do seu corpo, deixando uma casca fria e vazia para trás.
-Daniel? - Julie estranhou o guitarrista retesar seu corpo e levar o balanço para longe dela.
-Não vou dizer que fico feliz por vocês estarem juntos, porque essa é a única coisa que eu estou. - Sua voz estava quebrada em mil pedacinhos, apenas querendo se trancar em algum lugar e chorar.
-Em empurrei ele. - Julie disse simplesmente, aproximando seu balanço e colocando sua mão sob a dele. - Eu não deixei ele me beijar.
Levantando a cabeça na velocidade da luz, Daniel voltou a sentir seu coração bater desenfreado em seu peito.
-E porque não? - Ele não se aguentou.
-Porque você está vivo.
Daniel não esperou outra deixa, acabando com a distância entre seus balanços e capturando a sua boca em um beijo calmo. Com medo de que não fosse real, Daniel segurou o rosto de Julie com suas duas mãos, sentindo as dela se espremerem como podiam contra o seu peito. Seus lábios eram macios, exatamente como ele tinha imaginado e fantasiado por tanto tempo. Sua língua morna pediu passagem contra a sua própria boca, o fazendo ir até a lua e voltar.
Poder sentir Daniel de verdade contra o seu corpo era uma sensação indescritível, saber que ele era real e que estava finalmente a beijando como tanto quis por tanto tempo fazia mil fogos de artifício explodirem em seu peito e estômago, apenas dando mais gás para Julie chegar mais perto e aprofundar mais o beijo, porém ela se desvencilhou rindo.
Daniel se sentiu muito ofendido com aquilo.
-Risos, é sério? - Daniel endureceu a voz. - Eu por acaso beijo tão mal assim?
-Não é nada disso, é só… A barba faz cosquinha. Eu nunca beijei ninguém com barba.
Sorrindo aliviado, Daniel acabou com o clima ruim.
-Nem eu. - A puxando para mais um beijo, dessa vez a envolvendo pela cintura e beijando sua boca profundamente, desligando-se do restante do mundo e se concentrando apenas na maciez dos lábios de Julie Spineli de Almeida, que perdia suas mãos nos cachos controlados do guitarrista.
Quando o ar se fez necessário, Daniel não se aguentou.
-O que você diria se eu te pedisse para ser minha namorada agora?
-Que você demorou a pedir, e que por mim já estamos namorando desde o exato momento em que você voltou a respirar.
Com um sorriso gigantesco no rosto, Daniel se levantou do balanço e carregou Julie consigo, a girando no ar de felicidade, roubando mais um beijo ao colocá-la no chão.
***
Não demorou muito mais para ele a levar de volta para casa, já que seu Raul não gostaria nada se descobrisse que ela estava até o anoitecer com um namorado que ele desconhecia.
-Promete me avisar quando chegar? - Julie pediu já em sua porta. - Ainda não me acostumei com vocês não morando aqui.
-A gente também, acredite. Os garotos sentem muita falta de azucrinar Pedrinho o dia inteiro. Mas pode deixar que eu aviso sim. - Daniel respondeu abraçado ao corpo de Julie.
Não se aguentando, ele pressionou seu corpo contra o portal, roubando mais um beijo calmo, esquecendo-se completamente de ontem estavam.
-Por mim eu te beijava a noite toda… - Ele confessou, encostando sua testa na dela.
-Vai poder fazer isso quando quiser, mas se você não for agora meu pai vai descobrir do nosso namoro antes mesmo de contarmos aos outros.
-Acha que ele vai gostar de mim?
Julie olhou para o namorado: sua barba o deixava com um ar mais velho, junto de seus cachos controlados. A camisa social azul clara que ele vestia estava justa aos seu corpo, completamente diferente daquela vermelha, além de estar sem o paletó. Definitivamente mais moderno e mais gato.
-Eu estou namorando o guitarrista da minha banda que ele sequer sabe da existência. É claro que não.
-Já desconfiava disso. - Conformado, Daniel roubou um beijo rápido e se despediu da namorada.
Cerca de quarenta minutos mais tarde Julie ouviu o seu celular tocar, com um número desconhecido na tela. Ao atender receosa, sorriu ao ouvir a voz do outro lado da linha.
-É o telefone da senhorita Juliana Spinelli?
-É sim.
-Estou ligando da loja de discos da cidade para confirmar uma informação. Seus companheiros de banda estiveram aqui mais cedo e confirmaram um show na semana que vem, é verídica essa informação?
-Eles já estão prontos para voltarem a tocar?
-Mais do que nunca, Julie. - Daniel falou sério.
-Então está confirmado.
-ótimo, vou avisar o dono da loja e a assessora da banda para divulgação. E Julie….
-Sim, Daniel?
-Boa noite.
Chapter 7: Sete
Chapter Text
-Eles já estão prontos para voltarem a tocar?
-Mais do que nunca, Julie. - Daniel falou sério.
-Então está confirmado.
-ótimo, vou avisar o dono da loja e a assessora da banda para divulgação. E julie….
-Sim, Daniel?
-Boa noite.
Daniel desligou o telefone com um sorriso triunfante no rosto. Ele tinha beijado Julie. Ele estava namorando Julie. Ele era tão vivo quanto Julie.
RIndo para si mesmo, ele se virou e deu com Martin, Félix e Klaus olhando para ele.
-Tem alguma coisa no meu rosto? - Ele perguntou irônico.
-Um sorriso de orelha a orelha. - Klaus respondeu, rindo do adolescente.
-Não vai contar o que aconteceu para a gente? - Félix se indignou. - A gente não ouviu você suspirar por meses para ago…..
-Nós vamos ter um show na semana que vem, Julie acabou de confirmar. - Daniel distraiu os amigos. Sabia que eles perguntariam detalhes e não estava a fim de falar tudo na frente de Klaus.
-Pensei que Julie estivesse na semana de provas. - Klaus não entendeu muito bem.
-Bia disse que as provas acabam na quarta, então será que dá para tocarmos no sábado? - Martin perguntou. - O que foi? Nossa assessora também está em época de provas!
-Se não vai afetar a vida escolar de nenhum de vocês, por mim está ótimo. Vou até marcar na agenda e começar a divulgação. - Klaus avisou enquanto ia até atrás do balcão e anotava em sua caderneta.
-Ah, vida escolar….. - Félix engoliu em seco. - Daniel, acha que consegue me ajudar com física nesse final de semana? Se adiantarmos as matérias vamos conseguir tempo livre para ensaiarmos.
-Ainda pensando nisso, Félix?
-A culpa não é minha se nosso antigo professor me perseguiu durante todo esse tempo!
-Félix, já se passaram 30 anos. Precisa tirar esse trauma. - Martin se preocupou com o amigo. - Não pode ter medo de assombração se até uma semana atrás você fazia o mesmo.
Com uma careta, Félix deixou seu tronco se curvar, passando as mãos pelos cabelos preocupadamente.
-Rapazes, já deu a minha hora. Tomam conta da loja? - Klaus percebeu a deixa para se retirar, vendo que os três adolescentes tinham muito o que conversar. - O telefone da minha casa está na agenda telefônica e os colchões estão no quartinho lá de trás.
-Pode deixar, Klaus! - Martin seguiu o mais velho até a porta e a trancou, escondendo a chave atrás do balcão.
-Agora, Daniel, pode nos dizer o que aconteceu de fato?- Martin colocou o amigo contra a parede. - Eu e Félix mal conseguimos estudar de tão ansiosos sobre o encontro de vocês dois!
Daniel abriu um sorriso imenso, se perdendo nas lembranças.
-Pela a sua cara rolou, não foi? - Félix riu da expressão sonhadora do amigo.
-Queremos detalhes! - Martin se animou.
-Aonde vocês foram?
-Nós ficamos andando por aí, sem ter um rumo certo, até que acabamos na praça onde gravamos nosso primeiro clipe.
-E…..? - Félix estava ansioso.
-E aí que ela me perguntou sobre como foi renascer e o nosso primeiro dia de aula.
-E…..? - Martin estava angustiado.
-E aí que eu também perguntei sobre o dia dela, e descobri que o panaca do Nicolas foi vestido de cavaleiro medieval para a escola e se declarou para Julie. - Ele fechou o rosto.
-Você não tinha cuidado para que ele não fizesse isso?
-Eu pensei que tivesse sido bastante claro, mas ele fez justamente o contrário, e até disse que não tinha medo de fantasma nenhum! Sorte que ela ou não ligou ou não percebeu essa parte. E depois disso tudo, ele ainda tentou beijar ela!
-Uhhhhh…. - Félix foi enfático sobre seus sentimentos. Todos eles sabiam sobre o Nicolas123, então saber que ele havia tentado beijar Julie justo quando Daniel havia voltado era…. Decepcionante. - Então não aconteceu nada entre vocês dois?
-Eu tive essa mesma reação quando ela contou, ainda mais por ele ter insinuado ter sido assombrado por um fantasma e se ela ligasse A com B descobriria que eu era o único de nós três capaz de fazer isso. Mas aí ela disse que empurrou ele porque….
-Porque….? - Os dois perguntaram juntos.
-Porque eu estava vivo. - O sorriso voltou ao rosto de Daniel. - Aí eu beijei ela.
Félix e Martin gritaram juntos, pulando para cima do guitarrista. Eles estavam em frenesi pelo amigo finalmente ter beijado a garota que gostava, gritando em seus ouvidos felicitações.
-Mas e aí, foi só isso? - Martin se lembrou.
-Não, eu pedi ela em casamento. - Daniel disse sério, ouvindo um grito esganiçado de Félix.
-Como pe que é? Daniel, eu sempre soube que você era emocionado, mas….
Daniel desatou a rir dos amigos.
-Vocês…. Vocês precisavam ver… Ver a cara de vocês! - Daniel falou com dificuldades pela risada. - Não sou louco desse jeito! Mas pedi ela em namoro.
-E ela?
-Disse que por ela já estávamos namorando desde que eu voltei a respirar.
Os três se calaram pela profundidade da frase, logo voltando a gritar feito meninas em seguida, pulando em cima do amigo.
***
Já passava das nove da noite e como não havia uma televisão ou celular no ambiente, os rapazes já estavam deitados em suas camas improvisadas, prontos para dormirem. Daniel ria para a escuridão, não querendo que o dia acabasse.
-Foi do jeito que você esperava, Daniel? - Félix perguntou, vendo Martin virar para o outro lado, já dormindo.
-Foi melhor. Sabe, eu já tinha segurado a mão dela quando era um fantasma, mas tendo matéria é tão…. Diferente. Cara, eu consigo sentir o calor dela,consigo abraçar ela. E o beijo…. - Daniel fechou os olhos, suspirando. - Nunca pensei que sua boca pudesse ser tão macia….
-Acha que o namoro de vocês pode afetar a banda? Caso vocês briguem algum dia.
-Não posso prever isso, Félix, mas eu espero de coração que não. Mesmo que aconteça alguma coisa eu espero que mantenhamos o profissionalismo. O ABBA mesmo era formado por dois casais que depois se separaram mas continuaram juntos.
-E você vai fazer questão de aparecer para o Nicolas agora? - Félix tinha um sorriso zombeteiro nos lábios.
-Agora não, mas um dia com certeza. - Daniel compartilhava do mesmo sorriso.
Ele detestava o Nicolas123.
***
-Você não me falou mais nada depois do sms de ontem, Julie. - Bia colocou a amiga contra a parede no intervalo do dia seguinte.
-O que aconteceu ontem? - Shizuko perguntou sem entender.
-O Daniel me chamou para sair.
-O guitarrista da sua banda?
-Ele mesmo.
-Que fofo, não sabia que vocês tinham um lance.
-Nunca tinha percebido os dois no show? Era gritante a química entre os dois! - Bia se distraíu do foco principal.
-Não… eles estavam sempre de máscara, não dava pra notar muita coisa assim… Parando para pensar agora, como eu consegui beijar o Martin se nem vi o rosto dele?
-Você fez o quê?! - Julie se assustou.
-Beijei o Martin na festa de aniversário do Valtinho.
Julie ficou em alerta. SE SHIZUKO TINHA BEIJADO UM FANTASMA, PORQUE ELA TINHA RELUTADO COM DANIEL?!
-Não conta nada para ele não, mas ele beija muito mal. Foi a minha pior decisão na festa.
-O Maritn?! - Julie desatou a rir. -Vai ver foi muito tempo na seca. - Julie tentou defender o amigo e seus 30 anos sem beijar.
Mas ela não sabia sobre Débora.
-Ah é? E o Daniel? - Bia foi certeira.
Julie segurou o riso e olhou para o chão, antes de declarar:
-Ele beija bem. - Ouvindo os gritinhos das suas amigas.
Bia queria surtar ainda mais por saber de todo o histórico, mas teria de se contentar até chegar em casa.
-Só bem? Só isso?!
-E a barba dele faz cosquinha.
-Ele tem barba?! - Shizuko se espantou. - Quantos anos eles tem mesmo?
-Daniel e Félix tem 17, Martin que tem 18.
-E foi só um beijinho mixuruca? Julie, eu mereço saber! Não passei todos aqueles ensaios segurando vela a toa!
-Não foi só um, nem foi mixuruca! Foram o quê? Uns cinco e mais um pedido de namoro.
Bia e Shizuko se entreolharam e gritaram de felicidade, atraindo atenção para elas.
-Bia, meu amor! O que aconteceu? - Valtinho se aproximou e abraçou a garota.
-Nada não, Valtinho! É segredo da Julie.
-Não é bem um segredo, Bia.
-Se não é um segredo, você pode me contar, não é?
-Valtinho, deixa de ser fofoqueiro!
-Olha só Julie, se você me contar, eu conto que o Nicolas ficou muito triste com o que não aconteceu ontem e ficou me perguntando se ele entendeu tudo errado entre vocês.
-Valtinho, você já contou. - Shizuko falou o óbvio.
-Então, agora você precisa me contar sobre o que estavam falando!
-Valtinho! - Bia o repreendeu, envergonhada.
-Foi mal, Valtinho. Não vai rolar. - Julie decretou. Ela não via problema nenhum em contar para o garoto, mas sabia que ele daria com a língua nos dentes e contaria para Nicolas que a julgar pelo o que ele dissera, estava bastante triste com a situação.
Julie deixaria quieto por enquanto.
Chapter 8: Oito
Chapter Text
-UM, DOI, TRÊS VAI! - Félix fez a contagem inicial batendo com suas baquetas, vibrando de emoção durante o primeiro ensaio.
“Agora eu sei qual o meu caminho
As escolhas que eu mesmo fiz”
“Aprendi com meus erros pra chegar aqui
Julie estava mais empolgada do que nunca. Era o primeiro ensaio com os garotos vivos.
Vi que o medo não vence os sonhos
E por nada vou desistir
Tenho fé no som, tenho fé em mim
Eu tenho fé em mim”
Daniel cantou a segunda voz com Julie, surpreendendo todos dentro da edícula. Ele raramente usava a sua voz nos ensaios, já que não adiantaria nada treinar e não poder gravá-la, por conta da microfonia, mas agora que estava vivo e sem nenhum problema técnico, estava cumprindo a promessa de dividir o microfone com a namorada.
“Nada vai segurar
Quem sabe aonde quer chegar
Aonde quer che….”
FIIIIUNNNNNN POOF! - O som estourou os tímpanos de todos os presentes, fazendo os garotos criarem uma carranca.
-Ah, qual é? Queimar justo agora o amplificador? - Martin reclamou.
-Não acredito que no nosso primeiro ensaio isso acontece! - Daniel estava frustrado.
-Gente, vocês estando vivos ou mortos isso já iria acontecer. - Pedrinho, que estava ao lado de Bia, confessou. - Eu já tinha comentado com Julie sobre como os eletrônicos precisavam de manutenção, mas ela me escutou?
-Não podíamos ficar sem ensaiar!
-E agora vão fazer o que?
-Ficar sem ensaiar. - Félix respondeu.
-O jeito é colocar para consertar, Julie. - Daniel foi enfático.
-Tem ideia de onde? Eu nunca usei tanto ao ponto de quebrar algum instrumento.
-Aquela loja de instrumentos, no centro da cidade.
-Ah, aquela que você assombrou por um tempo? - Martin se lembrou.
-....É. - Daniel revirou os olhos.
Todos eles estavam mais do que entusiasmados para o primeiro show que aconteceria no final da semana, com Bia e Pedrinho não querendo perder um minuto do ensaio - embora ela estivesse mais focada no site da banda e ele ajustando o som dos equipamentos. Bia e Pedrinho estavam sentados lado a lado no sofá, enquanto Julie, Daniel e Martin ensaiam a sua performance no espaço livre, já que agora eles se permitiam mover-se mais.
-Não vai ter jeito, gente. Não tem como tocar no final de semana sem amplificador. - Martin lamentou. - Será que se vocês forem lá agora dá tempo de ficar pronto?
-Só vamos descobrir se irmos. - Daniel olhou para o relógio na parede. - Eles fecham em uma hora e meia, acho que dá tempo. - Daniel declarou enquanto tirava a sua guitarra e a guardava em seu estojo.
-Então, quem vai comigo?
-Hã…. Julie é a dona do amplificador, e você é quase o dono da loja, então…. - Félix não precisou ser mais específico.
Chegava a ser fofo o entrosamento entre os dois: eram namorados, mas ainda ficavam tímidos com o início do namoro. Mesmo que já fossem muito amigos antes, bem, era um fantasma com uma viva.
-Vou só pegar a minha bolsa. - Julie declarou, colocando seu microfone no pedestal e ameaçando a sair da edícula.
Mas com toda a confusão do estouro do amplificador, ninguém tinha escutado o carro de seu Raul chegar na garagem, pregando todos desprevenidos quando o homem apareceu diante da porta recém aberta por Julie.
-O que está acontecendo aqui, Juliana? - Ele ainda não tinha visto Bia e Pedrinho, apenas encarava os trÊs rapazes com uma expressão nada boa.
-PAI! - Julie gritou, assustada. - O que está fazendo em casa tão cedo?
-Eu é quem te pergunto, Juliana! Quem são eles e o que estão fazendo aqui?!
--Eu… A gente… Eles são meus amigos, pai!
-É, seu Raul! Não tem problema nenhum não! - Bia se intrometeu, finalmente sendo notada.
-É, pai! Eles só estavam ensaiando! - Pedrinho tentou defender a irmã.
-Ensaiando? Ensaiando o quê?
-A gente tem uma banda. - Julie estava meio estática. - Quer dizer, só eu e os garotos. Bia assessora a gente e o Pedrinho ajuda com o áudio.
-Julie, desde quando você traz esses garotos para cá? Uma banda?
-Não tem muito tempo - Julie mentiu descaradamente. - Não contei para o senhor porque não tinha noção se daria certo ou não, e não queria colocar muita expectativa…. Mas….
-Mas até o seu irmão está sabendo disso!
-O senhor sabe mexer com equipamento de som? - Pedrinho questionou.
-Não.
-Exatamente por isso. - Pedrinho respondeu, notando Martin e Félix se entreolharem segurando o riso.
-Pedro! - Seu Raul se alterou.
-Fica tranquilo, pai! - Julie tentou acalmá-lo.
-E você, Juliana! Não aprendeu sobre trazer estranhos para casa? Olha só para eles! Gente muito mais velha do que vocÊ….
-Com licença, senhor, mas somos só um ano mais velhos do que Julie. - Félix se impôs.
-Dois, no meu caso. - Martin consertou.
-A minha barba me faz parecer mais velho, mas eu posso provar para o senhor a minha idade. - Daniel puxou do bolso sua carteira, pegando sua identidade e entregando para seu Raul, que de fato conferiu seu ano de nascimento, reparando também na diferença de fotos.
- E não somos estranhos. Começamos a banda a algumas semanas, mas já nos conhecemos a alguns meses. uns cinco ou seis. - Daniel elaborava a história, deixando que os outros o ajudassem na mentira.
-E onde se conheceram?
-Na loja de discos, no centro da cidade. Viemos para Campinas para um concurso de bandas, mas infelizmente não fomos selecionados.
-Chegamos uma hora atrasados para a seleção. - Martin cobriu o furo.
-Aí fomos até a loja de discos e encontramos com Julie e Bia. Conversamos um pouco e trocamos contato. Nos estabelecemos na cidade e a algumas semanas convidamos ela para fazer parte da banda.
-Vocês não estudam? - Seu Raul tinha um olhar julgador.
-Ela convenceu a gente a voltar a estudar. Não que não quiséssemos nada com os estudos, mas infelizmente nossos pais faleceram e tínhamos que nos sustentar de alguma forma.
-Os pais dos três? - Ele desconfiava.
-É doloroso falar, mas eles estavam atravessando a rua quando um caminhão frigorífico perdeu o controle. Eles eram muito amigos…. - Félix confessou com a voz embargada, com algumas lágrimas ameaçando cair, logo sendo amparado por Martin.
-Viemos para cá em busca de uma chance na música, e enquanto não conseguimos, estudamos em um supletivo para conseguir o diploma mais rápido e conseguirmos um emprego fixo.
-E estão ficando onde? - Seu Raul tinha uma expressão preocupada.
-O dono da loja de discos alugou um quartinho para a gente.
-Eu sinto muito, rapazes….?
-Ah, Daniel é o guitarrista, Martin o baixista e Félix o baterista. - Julie respondeu.
-E de onde vocês vieram, garotos? - Seu Raul já tinha esquecido que não conhecia eles, gostando de novas companhias masculinas na casa.
-Taubaté. - Martin respondeu na cara dura, vendo Julie e Bia segurarem o riso.
-É uma distância bastante grande.
-Tínhamos muita confiança no concurso, mas…. Estamos agora esperando uma nova oportunidade, com Julie dessa vez.
-E o que estão esperando? Não vou poder ouvir uma palhinha?
-Pai… O nosso amplificador acabou de queimar…. Estávamos saindo para colocar no conserto.
-Qual é, Julie! Não precisa ficar envergonhada! Só uma palhinha! - Seu Raul insistiu.
Martin deu de ombros para Daniel, e como o guitarrista já havia guardado a guitarra, Martin deu os primeiros acordes no baixo, agoniando os ouvidos dos presentes.
-É, acho que entendi. Querem uma carona?
-Não precisa, pai! - Julie se adiantou. - Vamos, Daniel?
-Bora.
Daniel pegou o amplificador, apertou a mão do sogro e saiu pela porta, dando um joinha para os amigos que ficariam aturando o mais velho.
***
-Eu sabia que uma hora ou outra íamos encontrar com seu pai, mas não imaginei que seria logo na nossa primeira visita. - Daniel puxava conversa enquanto caminhavam até a loja.
-É o que acontece quando se é visível e tangível. - Julie esbarrou no mais alto de propósito, rindo sem graça. - Como conseguiu elaborar aquela história tão rápido?
-Ah, isso. Eu e os rapazes já tínhamos formulado isso, justamente pensando nessa possibilidade.
-Pensaram ontem a noite?
-E adicionamos o Taubaté antes de apertarmos a sua campainha,
-E escolheram essa cidade ao acaso? Porque lá é meio que a cidade….
-Das mentiras? É, nós sabemos da grávida de Taubaté. Nada mais justo do que adolescentes e acidentes fictícios. Quer dizer…. Ao menos esse foi fictício. Ficamos com medo do seu pai procurar por acidentes de caminhão por aqui e descobrir que na verdade fomos nós a morrer.
-Mas Demétrius disse que ninguém se lembraria.
-Não, ele disse que ninguém se lembraria se tivesse nos conhecidos enquanto vivos. Ele nos conheceu na nossa segunda chance, então poderia nos reconhecer nos jornais. Félix ainda se ressente quando se lembra, por isso ele conseguiu chorar e convencer o seu pai.
-Vocês vão me contar um dia sobre isso? Ou realmente estavam salvando criancinhas?
-Eu não vou contar. - Daniel sorriu de lado. - Estamos vivos, e é isso o que importa. - Daniel segurou na mão de Julie, a apertando.
Eles entrelaçaram os dedos e ficaram em silêncio, caminhando lado a lado. Não demorou muito para chegarem até a loja de instrumentos, com Daniel tomando as rédeas da situação e indo falar com o atendente, entregando o amplificador e explicando o problema.
Porém ele era novato, e insistiu que não havia nada de errado com a caixa. Querendo provar que estava certo, Daniel tomou a liberdade de pegar uma guitarra da exposição, plugar no amplificador e dar um acorde, incomodando todos no ambiente com o som. Perdido, o atendente recebeu uma aula de funcionamento dos instrumentos e da caixa vinda de Daniel - não que eles estivesse se exibindo (certo, talvez um pouquinho) - , mas por ele querer um conserto bem feito, temendo que ele passasse a informação errada.
Daniel só não contava com o dono do imóvel estar bem próximo a eles, ouvindo atentamente cada argumento do adolescente - e ao invés de achar que ele seria um cliente sem razão, estava gostando do seu perfil. Ele parecia saber tocar e entendia MUITO de música e instrumentos. E estranhamente sabia a dinâmica e disposição da loja.
-Com licença, meu rapaz. - O dono interrompeu a conversa. - Posso falar com você um instantinho?
Temendo ter feito algo, Daniel olhou de relance para Julie, que não entendia nada.
-É claro.
O dono o levou até o seu escritório, preparando a sua proposta.
-Quantos anos você tem?
-Dezessete….. - Daniel estranhava tudo aquilo. - Eu fiz alguma coisa?
-Talvez. Sei que não é maior de idade, mas estaria interessado em um emprego de meio período aqui?
Daniel ficou algum tempo em silêncio, de olhos arregalados, processando a informação.
-Eu ouvi a sua conversa com meu funcionário e percebi que você tem potencial. Por acaso sabe tocar? Precisamos de pessoas como você por aqui, que entendam sobre o que estão vendendo e ajudem os clientes a entenderem um pouco mais sobre a música. Não é só o lucro ou a venda, mas trabalhamos com o gosto por música.
-Eu…. É sério? - Daniel abria um sorriso no rosto.
-Totalmente sério. A vaga é sua se quiser.
-Eu aceito, é claro que aceito! Martin e Félix vão ficar tão felizes que…..
-Eu vi que estava acompanhado, sua namorada?
-E minha vocalista. O senhor perguntou se eu tocava, eu tenho uma banda. Os Insólitos, vamos tocar no final de semana na loja de discos do Klaus, no centro, mas nosso amplificador queimou hoje no ensaio.
-Com certeza eu já ouvi falar, vocês são bons, muito bons. Acho que conseguimos aprontar o seu amplificador até a sexta. Quanto aos seus horários…. Fica bom para você segunda, quarta e quinta a tarde? Vai atrapalhar os seus estudos?
-Sem problemas algum! Vou terminar os estudos em seis meses, consigo conciliar o trabalho com as provas.
-Ótimo! Apareça aqui na quarta, às 13h, com toda a sua documentação para oficializarmos. Pelo o que vi aqui hoje você tem potencial, garoto.
-Obrigado, muito obrigado! - Daniel apertou a mão do chefe animadamente, indo encontrar com Julie.
Ela estava no centro da loja, esperando o namorado ansiosa. Quando viu ele sair do escritório com um sorriso no rosto, se empolgou mesmo sem saber o que tinha acontecido. Daniel sequer esperou eles saírem, levantou Julie no colo e a rodopiou ali mesmo, mais do que feliz.
-DANIEL! -Julie deu um gritinho, sendo puxada para fora da loja. - O que aconteceu?!
-Ele me ofereceu um emprego! EU agora sou funcionário de meio período daqui!
Julie deu novamente um gritinhos, se jogando nos braços de Daniel e o abraçando com força e quando menos percebeu, seus lábios já tinham sido capturados por ele, em um beijo apaixonado - que infelizmente era dificultado pelo o seu sorriso de felicidade.
-Quando precisa vir para cá? - Julie perguntou, vermelha pelo beijo.
-Segundas, quartas e sextas à tarde, mas agora que seu pai sabe sobre a gente, podemos ensaiar nos finais de semana.
-E por falar no meu pai, será que ele está enchendo muito Martin e Félix?
-Eu sou suspeito de falar, tive até que mostrar minha identidade para provar para o meu sogro que não era velho. - Daniel abraçou a cintura de Julie e tomaram o caminho de volta para a casa dela.
-Isso porque ele pensa que você é só o meu guitarrista, imagina se ele vê a gente assim?
-O plano é ele justamente não ver, pelo menos até daqui a um ano e meio. Não queremos que ele descubra que você se apaixonou por mim enquanto eu ainda era um fantasma, não é?
-Posso usar a desculpa que é um amor de outras vidas - Julie disse na cara de pau.
-E eu não duvido de nada disso. - Daniel estalou um beijo em sua bochecha, a apertando mais contra o seu corpo. - Não tenho vergonha de dizer que eu te amo, Julie. - Ele sussurrou em seu ouvido.
-Não é meio cedo para dizer isso?
-Não quando esse sentimento está aqui desde a ideia maluca da Bia de namorar aquele Leo.
Julie se surpreendeu.
-Desde essa época?
-O tempo que passamos juntos para te distrair acabou me afetando mais do que deveria. Eu ofereci a minha amizade por você estar tristinha e, bem…. Acabei me apaixonando.
-Daniel…. - Julie se derreteu, o puxando para mais um beijo, sentindo-se confortável no abraço do guitarrista.
Ela não ligava se estavam em público, no final do dia. Sequer ligava se ainda era muito cedo para confessarem a dimensão de seus sentimentos, apenas queria demonstrar para Daniel como se sentia, já que não tinha segurança de usar suas palavras. Daniel acompanhava o seu ritmo, tendo noção que se Martin estivesse por ali gritaria para procurarem um quarto, tamanha intensidade dos dois juntos, mas eles precisavam se acalmar.
Pelo menos até estarem a sós, em um ambiente fechado - livre de qualquer piada.
-Agora, se você não quiser que seu pai nos descubra, acho melhor nos separarmos. - Daniel resmungou na esperança de Julie não o escutar, infelizmente sendo separado dela.
Quando eles enfim entraram em casa, descobriram que seu Raul e Bia estavam na cozinha, preparando um lanche para Martin e Félix, que esperavam comportadamente na bancada da cozinha.
-Ele ofereceu sanduíches e nós não pudemos recusar. - Martin explicou, olhando para Daniel que ria da cena.
Martin apontou discretamente para a boca de Daniel, indicando que estava levemente manchada de batom, que prontamente correu até o espelho mais próximo para se limpar.
-Como foi lá?
-Fica pronto até a sexta, e….. Você quer contar, Daniel? Daniel? - Julie procurou pelo guitarrista, não o encontrando?
Será que ele ainda conseguia ficar invisível e intangível?
Será que tudo tinha dado errado e eles desapareceriam?
Antes que surtasse, Julie viu o guitarrista aparecendo com a boca levemente úmida, entendendo que seu batom deveria ter borrado nele, mas milagrosamente nela não.
-Eles estavam precisando de alguém por meio período e eu consegui a vaga!
Todos no ambiente se animaram, parabenizando o guitarrista (embora seu Raul não entendesse a profundidade de tudo aquilo).
-Eles disseram que já conheciam a banda, que nós somos, bons, muito bons. Falaram também que o amplificador vai ficar pronto para o show no final de semana.
-Aí, filha! Papai vai estar bem na frente! -Seu Raul já estava a par dos acontecimentos futuros, fazendo questão de ir conferir a banda da filha e dos seus amigos.
-Sobre isso, nós vamos ter que repensar a ideia dos figurinos. - Bia declarou.
-Mas eles são a identidade da banda. - Félix ficou ansioso com a aparição repentina.
-As máscaras sim, mas os macacões não.
Seu Raul não entendia bulhufas, preferindo se retirar na sua ignorância. Seu escritório teve de passar por uma dedetização de emergência, mas não significava que ele não precisasse trabalhar. Desejando uma boa tarde para os adolescentes, deixou eles sozinhos sentados em um círculo trabalhando em um caderno, desenhando alguma coisa.
Fosse o que fosse, ele descobriria no final de semana.
Se eram amigos dos seus filhos e Bia, também eram os seus amigos.
Chapter 9: Nove
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-Companhia dos instrumentos, boa tarde, Daniel falando.
Aquele era o segundo dia de Daniel na loja de instrumentos e já era o décimo terceiro telefonema que ele atendia.
-Daniel? Não sabia que já tinha chegado na loja… - Julie mentiu descaradamente. - Você pode ver se o amplificador ficou pronto, por favor?
-Só um minutinho, senhora. - Daniel respondeu com um sorrisinho zombeteiro no rosto, deixando o telefone de lado e indo conferir as ordens de serviço no balcão. - Ficaram prontas ontem. Você quer que eu passe aí depois do expediente para levar ela?
-Não precisa, pode levar direto pra loja do Klaus. Já teríamos que levar amanhã de qualquer forma.
-Tudo bem, pode deixar que eu levo para casa, já que não aceitou minha desculpa para ir te ver.
-Bom trabalho, Daniel. - Julie desejou com a voz meiga, tirando o rapaz do chão.
-.Vocês estão a quanto tempo juntos? - Lucas apareceu no balcão, tendo ouvido parte da conversa.
Lucas era o atendente que não soube ajudar Daniel com o amplificador e o ajudou a ser contratado.
-Na banda ou namorando?
-Os dois.
-Tocamos juntos a mais ou menos uns sete meses, mas estamos só a uma semana e meia namorando. - Daniel tinha um sorriso no rosto, apoiando seu corpo no balcão.
-Mas…. Vocês tocam sozinhos ou se apresentam em algum lugar? - Ele estava meio constrangido, coçando a cabeça. - Foi mal por não conseguir te ajudar com o amplificador, o meu negócio é flauta.
-Sem problemas, instrumentos de sopro não é o meu forte, estamos quites. Mas nós já começamos a tocar em alguns concursos e na loja de discos do centro da cidade. Devia passar lá amanhã.
-Eu agradeço, mas….
-Curte mais música clássica?
-Meio que isso.
-Sem problemas, mas o convite continua de pé.
***
Já era quase oito da noite quando Daniel passou pela porta da loja de discos carregando o amplificador em suas mãos. Klaus estava no caixa fazendo o balanço final, enquanto Félix arrumava o salão, concentrado na bagunça que algumas pessoas haviam feito mais cedo.
-Ué, pensei que fosse deixar o amplificador na Julie. - Félix comentou de lado, enquanto o amigo trancava a porta.
-Ela pediu que eu trouxesse logo para cá, não viu sentido de pegar hoje e trazer de volta amanhã.
-Bem, de qualquer forma ele vai para lá amanhã. - Félix deu de ombros. - A Bia passou aqui mais cedo e ajudou a gente a escolher a roupa para o show. Ela disse que não é definitivo, é só uma alternativa para os macacões.
-Devo me preocupar?
-Daniel, você usava um macacão com máscara de ovelha e está preocupado com a roupa agora?
-Na verdade não.
- Klaus, vou deixar o amplificador aqui atrás, tá bom?
-Onde você quiser, Daniel. Amanhã vamos abrir um pouco mais tarde, ok? - Ele falou com Félix. - Para não atrapalhar o fluxo durante o dia montando o palco e os instrumentos.
-Sem problemas, falei com Pedrinho hoje e ele disse que está quase tudo pronto. Seu Raul concordou em dar uma carona para os instrumentos, mas eles só devem chegar de tarde.
-Estando com o palco pronto, os instrumentos são o menor de nossos problemas.
Naquela altura Daniel já tinha desaparecido do salão, trancando-se no banheiro e tomando um banho quente, relaxando todo o seu corpo. Ele precisava jantar e resolver as questões de literatura e geografia que haviam sido passadas durante a manhã antes de ir dormir.
-Félix, eu andei reparando em você nessa última semana e vi como tem sido prestativo aqui na loja. Sei que não tem muito tempo, já que também está estudando e ensaiando, mas você gostaria de me ajudar por aqui?
-Não querendo ser rude, Klaus, mas eu meio que já estou ajudando…. - Félix tinha uma expressão confusa.
-Sendo pago. - Klaus riu da confusão do adolescente. Um emprego de meio período, assim como Daniel. Aceita?
O ar faltou para Félix. Com os olhos arregalados, ele esbanjou um sorriso e concordou com a cabeça.
-É claro! Muito obrigado, Klaus!
-Não tem de quê, rapaz! Sei como estão precisando de ajuda, e você é o que mais gosta de ficar aqui pela loja. Podemos fazer os mesmos horários de Daniel? assim vocês tem tempo de ensaio e estudo.
Klaus não demorou muito mais na loja, desejando que eles dormissem cedo para o dia seguinte. Félix tratou de fechar a loja para o chefe, apagando as luzes e adentrando o quarto improvisado com o maior sorriso no rosto.
-Viu um passarinho azul, Félix? - Martin implicou com o amigo, tirando os olhos da apostila de literatura por alguns momentos. Ele estava estudando jogado em seu colchão.
-Conheceu alguém a essa hora enquanto fechava a loja? - Daniel estranhou.
Ele estava com o short do seu pijama, sem camisa, com a toalha secando os cabelos. Seu corpo não era muito definido, mas tinha músculos nos lugares certos. Martine Félix nem ligavam de trocar de roupa na frente um do outro - já tinham passado 30 anos da eternidade juntos um do outro, o que era aparecer só de cueca enquanto secava os cabelos? Julie e Bia que o desculpasse, mas ele não iria ficar definindo cachos a aquela hora da noite, muito menos para serem amassados quando fosse dormir.
-Não é nada disso, bestas. Klaus me ofereceu um emprego na loja e eu aceitei!
-UAU! - Martin ficou feliz.
-Parabéns, cara! - Daniel cumprimentou, deixando a toalha de lado e vestindo uma camisa.
-Acertamos nos mesmos dias que você, para não perder o foco no estudo nem na banda.
-Tenho certeza que essa loja agora vai encher de garotas, Félix! - Martin brincou, voltando sua atenção para a apostila.
Félix ignorou o amigo. Não é como se ele nunca tivesse ficado com ninguém, mas estava a 30 anos na seca e não tinha ideia de como voltar a flertar - já que a única vez que havia tentado, tinha levado um fora de Débora.
-Eu vou esquentar a comida, você quer Daniel?
-Já vou indo, Félix.
E assim tinha sido a sexta a noite para os três músicos: Martin e Félix indo dormir cedo por todas as suas tarefas estarem concluídas pela tarde, Daniel adiantando a leitura de literatura e geografia, perdendo a hora por ter se distraído com uma letra nova e se forçando a dormir quando o relógio bateu três horas.
Ele esperava muito para que no dia seguinte suas olheiras fantasmagóricas não voltassem.
***
Daniel se lembrava vagamente de ter sonhado com Julie a beira de seu colchão, um carinho na cabeça e um beijinho na bochecha, mas não imaginava que aquilo de fato tivesse sido verdade. Era quase três da tarde quando ele levantou e tomou uma boa xícara de café, se livrando dos resquícios de sono que estavam em seu corpo. Félix já estava na loja, enquanto Martin terminava de se arrumar.
-Ah, você acordou. Julie disse para irmos até a edícula ajudar com os instrumentos.
-Ela ligou?
-Não, ela veio aqui mais cedo, mas você tava babando uma poça no travesseiro e não viu.
-Então aquilo não foi um sonho?
-Anda sonhando com a Julie, Daniel? - Martin implicou. - Você tem meia hora para ficar pronto, ela vai entender o nosso atraso.
Pensativo, Daniel se enfiou debaixo do chuveiro gelado, acordando de vez. Pelo menos ele passou o creme de definição no cabelo, em uma tentativa de diminuir a chateação com a namorada por ter dormido feito pedra mais cedo - não que as pessoas fossem ver, eles usavam máscaras e toucas - mas pelo menos ficava arrumadinho. Vestindo o que viu pela frente, ele seguiu Martin, cumprimentando Félix que terminava de improvisar o tablado onde ficava o balcão.
Andaram por cerca de vinte minutos até chegarem à edícula, já sendo começo de tarde naquela altura. Tocaram a campainha, com seu Raul atendendo e cumprimentando os rapazes.
-Vocês não eram três?
-O Félix ficou na loja terminando de arrumar o palco.
-Me desculpe o atraso, seu Raul. Fiquei até tarde estudando ontem e acabei perdendo a hora. - Daniel se desculpou.
-Não tem problemas, rapaz. Por mim eu só levava os instrumentos perto da hora do show, mas Julie insistiu que tinham de fazer a passagem de som antes.
-Se o senhor preferir eu posso levar o carro agora… - Martin disse descaradamente, recebendo uma cotovelada de Daniel.
-Martin, não abusa.
-Boa tentativa, mas não. Vocês sabem o caminho, não é?
Acenando, os dois entraram pela casa e foram até a edícula, desmontando a bateria e empilhando os pratos no banco traseiro do carro. A guitarra e baixo já estavam em seus estojos, deitadas no banco. A caixa de som e microfones devidamente embalados, faltando somente a parte maior da bateria. Podia não parecer, mas aquilo era pesado! Com esforço, Martin e Daniel levantaram, carregando cegamente até a mala do carro. O barulho inevitavelmente atraiu a atenção de Julie que desceu correndo para ajudar, chegando tarde demais.
-O que mais falta? - Ela chegou por trás, assustando Martin, que acabou batendo a cabeça no tampo da mala.
-Você. É a única componente da banda que ainda não está no carro. - Daniel falou olhando para os lado, se aproximando e dando um beijo na bochecha de Julie.
-Bochecha…? - Ela sussurrou.
-Só estou retribuindo o que você deu hoje de manhã, eu acho….
-Pensei que estivesse dormindo.
-Eu também. Não esperava que você fosse aparecer lá tão cedo.
-Qual é? Tá assim só porque te vi dormindo?
-Não, ele tá assim só porque descobriu que você viu ele babando. - Martin entregou.
-Você não tem nada melhor para fazer não? - Daniel resmungou,
-Não, eu to bem aqui.
Antes que começasse alguma discussão ou constrangimentos, Seu Raul apareceu, colocando todo mundo para dentro do carro. Pedrinho iria junto para ajudar na montagem do equipamento de som, se espremendo no banco de trás juntos de Daniel e Martin, mais dois estojos de cordas e a caixa com microfones e cabos. Assim que chegaram até a loja, seu Raul ajudou Pedrinho e Martin a levarem o que estava no banco de trás para dentro, enquanto Julie e Daniel se ocupavam com a bateria.
Estava óbvio para qualquer um que visse como Daniel forçava seus bíceps sem motivo algum, apenas querendo aparecer para a namorada. Uma vez estando posicionados os instrumentos, Pedrinho fez questão de testar um por um, impedindo que os meninos fizessem e descobrissem suas identidades.
-PÃO TOSTADO, PÃO TOSTADO - Pedrinho falou ao microfone.
-Belas palavras, Pedrinho! - Félix apoiou o garoto, enquanto passava um pano nos arcades.
-Deveria tentar compor uma música com isso! - Martin gritou, terminando de conectar os últimos cabos.
-Você vai ficar aqui direto? - Klaus perguntou a Julie, desligando-se da algazarra.
-Se você não se incomodar… Acho que era mais fácil quando só eu precisava me arrumar.
-Qual é, tá com medo de dividir o espelho com a gente? - Martin se meteu.
-Com você não, com você.
-Verdade, eu quem alugo mais o espelho, mas hoje posso fazer uma exceção e deixar você se arrumar primeiro.
-Sei….
***
Eram seis e meia da tarde quando Julie terminou de se vestir e foi para a frente do espelho fazer a sua maquiagem. O show estava marcado para dali a meia hora e pelo o que conseguia ouvir já tinha uma quantidade razoável de pessoas na loja. Bia ainda não tinha chegado, Valtinho tinha se trancado dentro de casa e ela estava esperando ele encontrar a chave para acompanhá-lo, mas aquilo não era um problema. Julie tinha tudo sobre controle.
Quer dizer, ela daria um jeito de passar a tinta nas pálpebras sem escorrer para dentro do olho.
Com uma concentração característica de um pintor de afresco (era necessário um foco absurdo, já que as pinturas eram feitas no gesso recém aplicado e ainda úmido, não podendo haver erros, além de ser de secagem rápida), Julie encarava o seu reflexo no espelho do quarto improvisado, demarcando com tinta vermelha a linha entre seus olhos, os ligando até as têmporas. Com cuidado, ela preencheu a elevação do nariz e o entorno dos olhos, respirando fundo e fechando um olho com as mãos, mergulhando o pincel em mais tinta e o direcionando até pálpebra limpa.
-Quer ajuda? - Félix apareceu no espelho. - Você parece muito tensa.
-Tinta é diferente de lápis ou delineador. - Ela respondeu, estendendo o pincel para o rapaz, que imediatamente ficou na frente dela, concentrando-se no padrão a ser seguido.
Eles estavam muito próximos, próximos até demais. A visão de Julie com os olhos fechados quase colada ao corpo de Félix podia ser bastante suspeita, mas os dois não davam a mínima.
-Isso faz cócegas.
-E pincel de maquiagem não?
-Não sei, eu prefiro a pintura a dedo. Ao menos eu acho que consigo passar mais pigmento assim.
Félix tinha terminado o olho direito, passando para o esquerdo, tomando todo o cuidado de não borrar o que ela já tinha feito.
-Julie, você…. Ihhh, Daniel não vai gostar nada de ver isso. - Martin disse na porta do quarto.
-Eu não to fazendo nada demais, - Félix respondeu, ainda concentrado. - Se ele reclamar, que ele mesmo venha aqui fazer.
-Daniel ficou de recuperação em artes, Julie. - Martin explicou.
-COMO ele conseguiu isso?!
-Irritou o professor. Ele tinha uma ideia fixa que somente a arte clássica era arte, e que a contemporânea não era nada. E, bem…. Daniel não sabe desenhar nem pintar direito….
-Eu até tentei ajudar, mas não deu muito certo. - Félix respondeu, finalizando o outro olho e fazendo alguns ajustes no contorno.
-Félix manda muito no desenho, Julie!
Ela mesmo pôde comprovar isso ao se olhar no espelho, vendo alguns complementos que o baterista havia feito, que incrementaram ainda mais a maquiagem.
-Caramba, Félix! Ficou incrível!
-Não foi nada. Agora, se importa de ir até a copa? Preciso trocar de roupa.
-Sem problemas. - Julie ficou levemente vermelha, andando apressada até o cômodo.
***
As luzes tinham se apagado, com passos sendo ouvidos. O público segurou a respiração, vibrando quando os primeiros acordes soaram.
“Tudo em mim parece simples
Mas não é bem assim”
Daniel cantou, dando início ao show. As luzes coloridas se acenderam, focando diretamente na banda.
“Bem vindos ao meu louco mundo
Nada é impossível
Não paro de sonhar
E sei que vai valer a pena”
Julie estava eufórica! A cada show que davam o público aumentava ainda mais. Não demoraria muito para terem que começar a vender ingressos, já que a loja não parecia caber mais uma viva alma. - quer dizer, ela sabia que fantasmas assistiam aos seus shows, já que Daniel, Félix e Martin os tinham visto no primeiro show.
“Hey, eu tenho histórias no meu coração
A lua cabe aqui em mim
Sei que cada passo é uma decisão
Lá fora a vida é assim
Pode ser chato ou tudo de bom
Já me falaram que é apenas um show
Ri por último quem não entendeu
Quem se acha muito, já se perdeu
Todo dia começa outra vez
E os relógios não param de correr
Apaixonada sem saber por quem
Só tenho medo de não ter coragem”
Daniel e Julie cantavam o dueto, se empolgando com a animação do público. Eles ainda estavam com as máscaras e toucas, mas bem longe das luvas e macacões. Ainda era tudo bastante improvisado, mas que melhorava bastante o visual. Todos estavam com calças pretas, variando na cor das camisas sociais e acessórios. Gravatas abertas, pulseiras de couro e correntes.
Algo que definitivamente não combinava com máscaras de ovelha, vaca e raposa.
Mas eles não se importavam, eram algo temporário. Já tinhas ideias para no futuro investirem melhor nas máscaras, trazendo um visual moderno para elas.
“Tudo em mim parece simples
Mas não é bem assim
Bem vindos ao meu louco mundo”
A primeira música tinha enfim terminado, com eles podendo respirar um pouco antes da próxima começar. Julie olhou para o seu pai, que estava super animado na primeira fileira. Era exatamente por aquele motivo que ela não tinha contado antes: a sua empolgação contagiava todo o ambiente - e também pelo fator fantasmagórico, mas eles relevavam aquilo.
Aquela foi a primeira vez que tiveram de voltar ao palco para um BIS, e eles não podiam estar mais satisfeitos!
Daniel havia visto de longe o seu chefe, assim como Lucas. Ficou até mesmo surpreso pelo colega ter aguentado até o final do show, achando que tinha conseguido causar uma boa impressão em alguém que só curtia música clássica.
Bem, Béder também gostava de música clássica, por isso não foi surpresa nenhuma ele ter encontrado alguém para conversar no meio da barulheira.
Klaus, Bia e seu Raul ficaram responsáveis pela evacuação da loja, como o fechamento da mesma. Félix e Martin estavam na copa, tomando longos goles de água e fingindo não saber onde raios Julie havia se enfiado, já preparando uma desculpa para caso o pai dela aparecesse. Daniel havia puxado ela para o quarto improvisado, prendendo ela contra a porta e atacando seus lábios em um beijo furioso, tomado pela empolgação do primeiro show vivo. Julie não ficou parada, agarrando os cachos dele e correspondendo a altura, ficando na ponta dos pés enquanto travava uma batalha furiosa com sua língua. O ar começou a ficar escasso, com eles sendo obrigados a se separarem completamente ofegantes.
Com um sorriso de orelha a orelha, Daniel juntou suas testas, respirando junto com a namorada.
-Muito obrigado, Julie. Sem você não teríamos tido a oportunidade de voltar a tocar. Tanto como fantasmas, como vivos.
-Vou receber esse tipo de cumprimento todo final de show? - Ela brincou.
-Sempre que você quiser.
Chapter 10: Dez
Chapter Text
A segunda enfim tinha chegado, e com ela infelizmente mais um dia de aula. O final do ano escolar estava muito próximo, com os últimos trabalhos e provas sendo marcados. Julie tinha prometido à Daniel e a Bia que estudaria de verdade e nem chegaria perto da cola - até porque não tinha mais nenhum fantasma para ser seu cúmplice- fazendo seu tempo livre se reduzir em 70%. Eles ainda ensaiavam para a banda, mas diminuindo a carga horária para duas vezes na semana e não mais quatro.
Julie estava exausta!
- Não aguento mais, Bia! Preciso voltar a ser uma adolescente normal, nem que seja só por hoje! - Ela reclamou durante a troca de aulas.
-Julie, qualquer adolescente normal nesta altura do campeonato está do mesmo jeito que você.
-É, mas eles não tem uma banda para ensaiar nos horários vagos, é trabalho em dobro. Por favor, podemos dar um tempo só hoje? - Com sua carinha de cachorro que caiu da mudança, Julie formou um biquinho, convencendo a melhor amiga.
-Você devia ter feito essa expressão para Daniel quando tivemos a ideia dos lençóis para o clipe.
-E eu fiz, mas ele estava irredutível.
-Então vamos hoje a tarde para a minha casa.
-Você é incrível, Bia! - Julie se jogou em cima da melhor amiga, a abraçando.
Satisfeita com o dia descontraído que teria, Julie relaxou, sequer percebendo o tempo passar. Quando menos esperou já era hora do intervalo, com metade da turma se esmagando na fila da cantina, enquanto ela tirou o seu sanduíche da mochila e se encaminhou até o pátio, sentando-se no banco ao ar livre, sorrindo quando Shizuko se juntou a ela.
-Vocês estavam incríveis no show, Julie! Eu quase não consegui um lugar, e olha que eu cheguei cedo!
-Nós também não estávamos esperando aquela quantidade de gente! Foi incrível, Shizuko, começamos até a pensar em ingressos.
-Venda de ingressos é um passo bastante grande, mas vendo aquela multidão talvez seja a melhor opção mesmo… Não quero perder o meu lugar. Mas eu gostei da mudança de visual dos meninos, Martin….
-Ele é forte, né?
-É você quem está dizendo! - Shizuko colocou as mãos para o alto - Mas eu assino embaixo.
-Nós repensamos sobre os macacões e luvas e decidimos mudar, mas as máscaras são a nossa marca registrada.
-Acho que até perderia a graça caso eles tirassem agora no começo. Sabe, perder o mistério.
-O mesmo mistério sobre os lábios que você beijou?
-Beijo? Que beijo? Não me lembro de nada! - Shizuko se fez de desentendida, arrancando risadas de Julie. - Mas como estão as coisas entre você e Daniel? Agora sim eu percebi a química entre vocês dois e uau! O ensaios devem ser ainda mais intensos.
-Eu e os meninos precisamos ficar com baldes d'água para apagar o fogo entre aqueles dois. Não que eles fiquem se engolindo, mas quando eles se olham…. O fogo brota na edícula. - Bia se intrometeu, constatando um fato.
-E o que seu pai acha disso?
-Ah, ele não tem a menor ideia sobre o namoro. Daniel acha melhor esperar um ano e meio para comentar sobre isso, já que ele provavelmente surtaria por já estamos namorando. Ele acha que a banda é recente.
-Eles esconderam alguns meses do Se Raul… - Bia explicou.
-E meu pai precisa confiar neles. Ele sabe que Daniel e Félix estão trabalhando meio período, ensaiando para a banda no final de semana - ao menos ele acha que é só aos finais de semana. - Julie sorriu cúmplice.
-É, às terças e quintas o ensaio acaba mais cedo. Félix e Martin vão ficar com Pedrinho enquanto Julie e Daniel ficam trabalhando na edícula. Agora, se é na banda ou na boca um do outro….
-BIA! - Julie riu, empurrando a melhor amiga de leve. - É na banda. - Ela não segurou o riso.
Elas viram Nicolas passar pela frente delas, fingindo que não as tinha visto, apenas para se aproximar e tentar ouvir a conversa, pensando em como poderia se reaproximar da amiga.
-Julie…. E o Nicolas? - Shizuko sussurrou com o canto da boca, disfarçando que falava do garoto a frente delas.
-Ele se afastou, Shizuko. Até onde eu sei, ele não sabe sobre Daniel e eu, mas ter rejeitado ele na frente da escola toda mexeu com ele, eu acho…. Eu sinto falta dele, ele se tornou o meu amigo, mas….
-Daniel não vai ficar nem um pouco contente com isso. - Bia a lembrou.
-E ele que se dane, não manda nos meus amigos.
-Ia dizer o mesmo caso você estivesse com Nicolas e ele implicasse com Daniel?
-Mas é claro! Independente disso tudo, eles ainda são meus amigos.
-Então porque você não foi falar com ele? Já pensou que na verdade ele possa estar envergonhado e esperando que você se aproxime?
-Nicolas? Envergonhado?
-Por acaso pensou que Daniel fosse ser romântico?
Julie não teve muito o que dizer, já que o sinal do final do intervalo soou.
***
-Já que estamos nos dando a tarde de folga hoje, o que acha de almoçarmos a minha especialidade? - Bia questionou assim que saíram do colégio.
-Miojo de galinha caipira?
-Miojo de galinha caipira.
Com a iguaria em mente, Bia e Julie seguiram até em casa, largando as mochilas no quarto dela, lavando as mãos e indo preparar o prato. O almoço não demorou muito tempo para ficar pronto, com elas logo se acomodando no sofá da sala, fazendo a atividade preferida de todo adolescente: ligando a televisão na MTV.
Vibraram ao perceberem que a mais nova música do Evanescence estava tocando, não perdendo tempo em afastarem a mesinha de centro e tomarem dois controles na mão, começando um verdadeiro show com o novo clipe da Avril Lavigne que estreava.
Não existia espaço para afinação: o que importava era a euforia e animação. Com certeza as cordas vocais de Julie estariam bem tensas no ensaio do dia seguinte, mas ela não se importava nem um pouco.
Depois de pelo menos uma hora sem descanso para a voz, elas começaram a fofocar.
-E as coisas com Valtinho?
-Ah, sabe como é…. Não diria que estamos namorando, mas de vez em quando a gente fica. Não é nada sério, mas ele é legal. Ele fica tentando me convencer a juntar você com o Nicolas, por que vê de perto como ele gosta de você, mas não entende que você não está mais interessada. Na verdade, ele disse que Nicolas fica resmungando que é tudo culpa do guitarrista da sua banda, o que não deixa de ser verdade.
Julie apenas riu com o comentário.
-Eu acho incrível como Daniel e Nicolas se detestam mutuamente.
-Coisas de garoto. Acha que se você tivesse ficado com JP eles se uniriam para perturbar vocês?
-Se eu tivesse ficado com JP muito provavelmente eu não estaria em juízo perfeito.
-Mas ele organizou o beijaço na escola só para ficar com você.
-E eu levei uma suspensão só por ser agarrada no corredor!
-Aliás, por falar em beijos, você lembra que a Shizuko ficou com Martin, não é?
-E disse que ele beija muito mal.
-Eu fiquei pensativa sobre isso. Martin não se importou de ficar com uma viva, então porque Daniel nunca fez nada? Ou ele fez e você não falou nada?
-Nós tivemos alguns momentos, mas…. Eles nunca foram o suficiente para ficar com o rosto tão perto. A única vez que isso aconteceu foi poucos dias antes deles voltarem a vida, então desconfio que se isso não tivesse acontecido, muito provavelmente eu saberia como é beijar um fantasma.
-Saberia mesmo? Ou você ficaria confusa com um fantasma e um vivo?
-Eu não sei, Bia! Não tem importância isso agora, eles estão bem e vivos, isso é o que importa.
-E bem vivo significa que…. -Bia fez uma expressão maliciosa. - Sabe, eu e Félix precisamos confundir o seu pai o dia do show enquanto você arrumava a maquiagem. Ele tentou avançar o sinal?
-Não. Aquele foi o maior amasso que já tivemos. Acho que a adrenalina pós show fez bem a eles. Ele parecia uma pessoa completamente diferente. Na verdade, não, ele parecia exatamente aquele fantasma cretino quando nos conhecemos, e isso foi bom.
Sorrindo feito bobas, elas continuaram fofocando até a hora do lanche, quando decidiram fazer pipoca com brigadeiro. Comendo o doce quente com uma colher, elas continuavam a assistir a MTV, até que o programa sucesso entre as garotas começou, chamando atenção delas.
“Vida de Garoto” estava chamando bastante atenção, tanto das meninas quanto dos rapazes.
-Julie, e se a gente inscrever Martin para os colírios?
Os Colírios da Capricho era uma seção do site em que garotos mandavam suas fotos e eram votados, com os mais bonitos podendo participar da revista e de convenções - um resultado era o programa que passava na televisão, com Dudu Surita, Federico Devito e Caíque Nogueira, os atuais colírios capricho.
Julie ponderou, com um sorriso brotando no rosto.
-Ele vai se achar por isso, mas sinceramente, dentre os três, ele é o mais bonito.
-Deixa só Daniel ouvir você falando isso! - Bia riu alto, puxando seu netbook para seu colo.
-Daniel tem o quesito barba, isso torna ele tão bonito, mas com ela eu acho que ele não teria tantas chances como colírio. Fora que Martin é o mais propenso a relaxar com sessões de fotos. - Julie deu de ombros.
-Pega o telefone e liga para a loja de discos, precisamos da autorização dele.
Julie imediatamente tirou o telefone móvel da base, discando o número e esperando.
-Discos do Klaus, boa tarde. - Félix atendeu no terceiro toque, era seu dia de trabalho.
-Félix, oi. É a Julie. Martin está por aí? A Bia precisa falar com ele.
-Aconteceu alguma coisa?
-Não, é só autorização para usar uma foto.
-Vou chamar ele, só um instantinho.
Três minutos depois Martin atendeu o telefone, não entendendo o que queriam.
-Que foto e que autorização, Julie?
-Martin, é o seguinte. - Bia puxou o telefone para ela, assumindo a situação. - Existe uma competição em uma revista de garotas e queríamos te inscrever. Você deixa?
-Como funciona isso?
-Você dá autorização para usarmos aquela sua foto do último show, a que eu tirei antes de vocês colocarem as máscaras, e esperamos a votação. Se o público te achar bonito e interessante, você ganha e vai para a revista física.
-Tentar não custa nada, não é? - Ele falou. - Podem usar, mas estão me devendo umas fotos melhores.
-Obrigado, Martin!
Bia abriu o formulário no site, adicionou a foto do garoto e começou a preencher os campos.
-Martin Dùghlas, nascido na Nova Escócia, crescido em São Paulo. 18 anos, é baixista e tem uma banda de rock com os amigos.
-Bia, se ele passar e perguntarem sobre a banda?
-Sósias do Apolo 81?
-Acho que cola.
Formulário escrito e enviado, elas finalmente mudaram para a Globo, onde Malhação estava prestes a começar, prometendo comentarem por sms quando Rebelde Brasil começassem, já que Julie já teria de estar em casa quando começasse.
Apenas um dia normal de duas adolescentes no início da década de 2010.
Chapter 11: Onze
Chapter Text
Cerca de duas semanas tinham se passado desde a inscrição de Martin para os colírios Capricho, e até então a reputação dele no site estava crescendo um pouquinho a cada dia. Não sabia se era pelo sobrenome ou por sua suposta nacionalidade canadense, mas as garotas pareciam gostar dele. Bia tinha recebido um e-mail na manhã anterior, solicitando novas fotos de Martin, que seriam postada na galeria de colírios, e se sua popularidade continuasse a crescer, ele poderia ser convidado para a revista.
Só o fato dele já estar com visualizações suficientes para uma nova sessão de fotos tinha arrancado diversos gritinhos de Julie e Bia. Por mais que ele fosse amigo delas, sempre era legal dizer que era amiga de um colírio capricho - ainda mais ser a vocalista da banda dele.
Ele próprio não sabia da novidade. Elas tinham planejado interceptá-lo naquela quarta feira em que não teriam aula por conta do conselho de classe emergencial. Tinham em mente esperarem pelos garotos na loja de discos e prepararem o cenário com a ajuda de Pedrinho para as fotos - já que ele tinha uma banda e a foto de inscrição era uma dele com seu baixo, rindo de algo que Félix havia dito, nada mais justo do que fazer a composição do cenário em meio a tantos LPs
Mas quem diria que eles já estivessem em casa quando elas apareceram!
-Também não tiveram aula hoje? - Julie cumprimentou Félix, que estava no balcão organizando o caixa.
-O professor de química sofreu um acidente de carro, não tivemos as últimas aulas. Mas e vocês?
-Conselho de classe emergencial. As últimas provas vazaram e os professores se reuniram para tentar encontrar uma solução.
-E por isso vieram para cá tão cedo? Normalmente só chegam no meio da tarde.
-Na verdade viemos falar com Martin, ele está lá atrás?
-Até está, mas eu não iria se eu fosse vocês. Daniel está se trocando para ir para o trabalho. A não ser que queira platéia para ver ele sem camisa. - Félix implicou com Julie, surpreendendo a mesma.
Félix nunca tinha se soltado daquela forma com ela.
-Podem deixar que eu vou lá. - Pedrinho se ofereceu.
Por mais que não tivesse escutado com palavras concretas, ele sabia do relacionamento da sua irmã com o guitarrista.
Céus, qualquer um via a química entre os dois!
Uma vez que ele havia sumido no final da loja, Bia se dirigiu até Klaus para pedir autorização para as fotos na loja, enquanto Julie se distraiu com os chegados da semana. Estava tão absorta que sequer ouviu os passos atrás dela, dando um pulo de susto ao sentir sua cintura ser abraçada com força, com um beijo estalado em sua bochecha.
-Como soube que eu estava aqui?
-Pedrinho não viria até aqui sozinho. Fora que ele foi bem claro quando disse para Martin que vocês tinham assuntos importantíssimos com ele.
-Já está de saída?
-Se eu não sair agora, vou chegar atrasado. Quais as chances de vocês ainda estarem aqui quando eu voltar?
-Provavelmente nenhuma. Precisamos editar as fotos e enviar ainda hoje para o site, além de termos aula amanhã.
-Então nos vemos no sábado?
-E vamos ensaiar aquela música nova que você prometeu.
Daniel estava quase de saída quando se lembrou de suas chaves, voltando correndo até o quarto para buscá-las.
Naquele curto espaço de tempo, o sininho na porta soou, decretando o final do relacionamento de conto de fadas dos dois.
Nicolas não era muito fã da loja de discos - só ia lá quando os Insólitos tinham algum show marcado, mas desde a segunda feira ele procurava desesperadamente uma maneira de conversar com Julie, mas ela não dava abertura na escola e já que ele acidentalmente havia escutado no dia anterior sobre uma sessão de fotos na loja de discos, ele tinha decidido ir até lá para tentar conversar, entender o que tinha acontecido e porque ela ter se afastado quando ele confessara seus sentimentos.
Sequer tinha passado pela sua cabeça que invadir a sessão significaria vê-los sem máscara, ele já não se importava com aquilo.
Ou talvez sim. Sabia do lance que Julie tinha com o tal Daniel, seu guitarrista, e não gostava nem um pouco disso - seus comentários no site da banda afirmavam os seus sentimentos - e uma parte sua ainda queria saber como ele era.
A loja estava vazia - a não ser pelo balconista, Bia, o dono da loja e Julie, que passava os dedos pelos discos. Munido de uma coragem sobrenatural, Nicolas deu um passo para dentro da loja - não reparando no olhar assustado do balconista.
-Julie…? - Ele praticamente sussurrou, conseguindo a atenção da garota.
-Nicolas? - Julie se espantou. - O que está fazendo aqui?
-Podemos conversar?
-Aconteceu alguma coisa?
-Eu não sei. Você se afastou de mim tão de repente, tem me evitado essas semanas…. Eu fiz alguma coisa? - O tom de voz do garoto denunciava toda a fragilidade que ele passava nas últimas semanas.
-Além de ter tentado me beijar? - Julie perguntou baixinho, com um sorriso sem graça.
-Eu… Eu pensei que….
-Valtinho abriu a boca parcialmente sobre isso e disse que você estava bastante triste por eu ter te rejeitado, mas Nicolas….
Daniel apareceu no salão, reconhecendo Nicolas123 bem a frente da sua namorada. Félix apostava que Daniel seria tomado pelo ciúme e faria um papelão, mas viu o amigo colocar um sorriso irônico no rosto e andar até a dupla.
-Julie…. - Ele a chamou, atraindo atenção dos dois.
-Nicolas, esse é meu namorado. Daniel, esse é….
Daniel abriu ainda mais o sorriso ao constatar como Nicolas empalidecera.
Nicolas perdeu todo o seu equilíbrio, cor e controle sobre sua mente e corpo. Queria louca e desesperadamente sair correndo e gritando da loja, carregando Julie junto dele para bem longe daquele…..
-Que foi, cara? Parece que viu um fantasma. - Daniel tirou com a cara dele, abraçando os ombros de Julie.
Félix tampou a boca para controlar a risada, sendo o único espectador daquela grande cena melodramática adolescente.
Nicolas piscava apressadamente, com suas mãos tremendo violentamente. Ele não podia estar louco! Era só a sua cabeça pregando peças nele, mais uma vez. Não tinha como Julie namorar um fantasma, não é? Fora que aquele cara parecia bem vivo a sua frente, o cabelo estava mais curto e ele tinha barba.
O maldito Daniel tinha barba por debaixo daquela máscara.
Julie não falou abertamente que era o guitarrista da sua banda, mas Nicolas sabia somar 1 +1. Sabia que Julie passava um tempo considerável com um Félix, Martin e Daniel. Sabia da química gritante com o guitarrista, e o namorado dela se chamava Daniel.
Aquele cara tinha mesmo 17 anos?
Se sentindo humilhado pelo seu rosto ainda ter uma penugem rala e apavorado pelas lembranças daquela assombração, Nicolas se preparou para sair, mas…
-Eu já vou indo, Julie. - E Daniel enfiou a língua na boca de Julie, dando um beijo rápido antes de se retirar da loja.
-Eu…. Eu….
Nicolas não deu mais explicações, desaparecendo na direção contrária a de Daniel.
Julie piscava os olhos atônita com aquela cena, virando-se e percebendo que todos da loja a encaravam.
-Que nojo! - Pedrinho reclamou.
-Ué, Pedrinho! Não era você mesmo quem queria beijar? - félix implicou do balcão, revelando as intenções do menor para a irmã mais velha.
-Beijar é uma coisa, desentupir a boca é outra!
-Félix, tá me devendo um real! - Martin disparou, chamando atenção.
-Espera, vocês apostaram isso?!
-Esse era um momento bastante esperado sabe? -Martin deu de ombros. - Eu apostei que ele desentupiria sua boca para provocar o garoto, Bia disse que ele iria tirar satisfação sobre os comentários no site, e Félix….
-Eu disse que ele provavelmente humilharia ele de alguma forma, talvez chamasse ele de panaca ou anta. Viram o estado que ele saiu daqui? Acho que conta como humilhação. Só vou dar cinquenta centavos!
-Bia, até você?
Bia apenas deu de ombros.
-Amiga, você conhece muito bem o seu namorado.
Aquilo era verdade.
-Ao menos me avisasse para que eu pudesse participar também!
-Ah, não seja por isso! Estamos apostando na reação da Shizuko quando encontrar com Martin.
-Pretende encontrar com ela, Martin?
-Por enquanto não, mas em algum momento quem sabe - ele deu de ombros, com um sorriso no rosto.
Bia e Julie se entreolharam, se lembrando da declaração da amiga e rindo cumplicimente.
Aquilo seria interessante.
***
-Martin, não é uma sessão de fotos profissional! Não precisa fazer parte do espelho! - Pedrinho berrava de dentro do quarto, divertindo as duas meninas que esperavam pacientemente do lado de fora.
Tinham organizado uma pequena parte na ala de discos de vinil, onde o garoto pareceria interessado nas músicas, onde ele jogaria uma partida nos arcades e de quebra tocaria um pouco do seu baixo. Tiveram o cuidado de esconder qualquer coisa que indicasse a localização deles - já que por mais que exibissem o rosto de Martin por aí, não queriam que descobrissem sobre os Insólitos.
-Martin, se você está enrolando de propósito para esperar alguém entrar na loja…!- Bia gritou contra a porta, vendo o pedaço de madeira se abrir bem a sua frente.
-Eu não espero, Bia. Eu vou encher essa loja.
-Só se for com o seu ego. - Félix comentou, revirando os olhos.
-Qual é, Félix! Deixa de ser ranzinza!
-Eu não sou ranzinza, você quem é egocêntrico.
-Vocês vão brigar agora? - Pedrinho ficou confuso diante daquilo, nunca tinha visto seus dois amigos brigarem antes.
-Não, Pedrinho. Félix só está mal humorado porque é o único que ainda tá na seca.
-Na seca? - Pedrinho estranhou.
-Ele não vai se gabar de ter beijado a Shizuko, não é…? - Bia comentou para Julie, já ria da imaginar a situação.
-Muito tempo sem ficar com alguém, Pedrinho. Félix…
-Martin, por mais que eu aprecie sua companhia masculina para meu irmão, Félix não é o foco agora. Garotas querem fotos suas, se lembra? - Julie chamou a atenção de Martin, vendo Félix agradecer com a cabeça.
A culpa não era dele se ele era tímido demais e tão não…. Martin.
Ainda incomodava ele ter sido trocado pelo mais velho por Débora.
-E não podemos deixar elas esperando!
Martin não se importava de gostar tanto de garotas - e se importava menos ainda por praticamente ser um vagalume na escuridão quando se tratava delas. Era assim 30 anos antes e estava sendo assim na votação.
-Vamos lá! Finge que tá procurando algum disco na estante. - Bia pediu, enquanto Pedrinho ajustava a iluminação instalada nos LPs, de forma que desses destaque ao rosto de Martin.
-Klaus, você ainda tem aqui o disco do Demétrius? - Ele perguntou enquanto posava.
-E por acaso alguém compraria ele? Eu penso que estou guardando ele para vocês. Acho que ele gostaria disso.
-Pena que não tem um do Apolo…. Já que Julie fez o favor de destruir nosso único disco.
-Ei! Na minha cabeça vocês desapareceriam se eu destruísse onde estavam assombrando.
-Teria que queimar, e não só quebrar. Isso despertaria nossa fúria em cima de você.
-Me lembro de Daniel nessa época, sei que ele ficou irritado. - Julie rolou os olhos, posicionando um ventiladorzinho para dar movimento aos cabelos de Martin.
-Martin! - Bia chamou, recebendo um olhar divertido, junto de um sorrisinho.
-Por acaso ficava ensaiando poses por aí?
-A culpa não é minha se sou muito fotogênico, sabe?
-Na verdade eu me pergunto como ele consegue ter tempo de pensar em garotas. Quando não está no espelho, está fazendo pose por aí. - Félix comentou.
-Não sabia que era tão narcisista assim.
-Precisava ver ele na escola, chegava a ser ridículo. Um bando de garotas suspirando por ele e ele só….
-Arrumando o cabelo no reflexo do bebedouro? - Bia arriscou. - Talita faz o mesmo.
-Eu ficaria agradecido se não me comparasse a ela, Beatriz. - Martin disse sério. - Posso gostar da minha aparência, mas não sou nem um pouco parecido com ela.
-Me desculpa. Pronto para mudar de posição?
Julie já tinha deixado adiantado a pontuação no arcade (já que Martin não era nem de longe bom no vídeo-game. Até mesmo Daniel tinha perdido para Julie na vez que tinham jogado enquanto ele ainda era um fantasma). Sim, elas dariam a entender que além de baixista, também era fã de video games retrôs e bom naquilo.
Mas quando passaram para as fotos com o baixo, Martin se esqueceu que estava sendo fotografado, entrando em uma bolha particular entre ele e o seu baixo.
-É por isso que a banda de vocês dá certo. - Klaus se aproximou e comentou. - Cada um parece que vive um relacionamento romântico com os próprios instrumentos.
-Só enchemos a sua loja e algumas festas, Klaus. - Julie disse envergonhada.
-Minha esposa viu nas cartas. Vocês vão longe, Julie.
-Que nem daquela vez que ela previu sobre o primeiro namorado da Julie? - Bia comentou, deitando-se no chão para pegar um ângulo de baixo de Martin. - Não estou desmerecendo ela, Mas o JP….
-É porque vocês só conhecem essa parte da história. - Félix abandonou o balcão e pegou o ventilador de Julie e se deitou ao lado de bia, direcionando para os cabelos do amigo. - Assim fica melhor. - Ele comentou para a garota.
-A história era sobre acharem algo que eu não sabia que eu tinha perdido. JP achou o meu colar que eu não sabia que….
-Daniel plantou o seu colar na mesa dele. Nós estávamos lá.
-Ele fez O QUÊ?! - Julie ficou confusa. Ele detestava JP.
-Ele achava que seria melhor para vocês dois se você namorasse com um vivo, e já que você não parava de falar nele - e ele não era o panaca do Nicolas….
-Foi uma das decisões mais difíceis para ele desde que te conhecemos Julie. - Martin completou. - Ele ficou em silêncio por muito tempo, até descobrir o que ele tinha tentado fazer com você.
-Ele se culpa disso até hoje.
Daniel. Daniel era o culpado de tê-la jogado para cima de JP. Ele era o culpado dela ter se aproximado de Nicolas.
E por falar nele…..
-Bia, você notou como Nicolas saiu daqui?
-Eu pensei que ele nem fosse conseguir. Que fosse desmaiar e ficar por aqui mesmo. - Elas comentavam enquanto Martin guardava o seu baixo e Félix atendia alguns clientes. -O que ele queria mesmo?
-Conversar. Perguntou se tinha feito alguma coisa e quando apresentei Daniel ele saiu de si.
-Acho melhor vocês conversarem em um lugar que Daniel não vá fazer um exame na sua garganta com a língua dele. Vocês precisam se resolver, Valtinho não para de falar como eles interpretaram os sinais errados. Julie, querendo ou não, você flertava com Nicolas, ao ponto dele começar a gostar de você. E sinceramente, se os meninos não tivessem voltado….
-Eu sei, eu sei. Eu vou conversar com ele. Minha eu de oito meses atrás tá implorando por isso, e não tenho ideia do que pode acontecer se ele falar mais uma vez que o guitarrista dos Insólitos parece tocar cavaquinho.
-Provavelmente vai presenciar mais exames de laringologia.
***
Eram perto das oito da noite quando Daniel chegou da loja dos instrumentos. O seu dia havia sido ótimo: tinha vendido uma guitarra e um violino, recebido autorização para eventuais pocket-shows para chamar clientes, tinha visto sua namorada antes do trabalho e o melhor de tudo: mostrado para o panaca do Nicolas que Julie era sua, que era ele quem ela beijava.
Uma atitude completamente infantil, mas que ele havia sonhado por meses. Desde que ainda era um fantasma melancólico se permitia imaginar essa cena. Sempre que Julie chegava da escola falando sobre ele, aquela era a sua tática para não ficar emburrado e tratá-la mal.
Não era culpa dela ele ter se apaixonado pela primeira vez enquanto fantasma, ainda mais por uma viva.
Mas ele estava de volta a vida e com a namorada que sempre tinha sonhado e pedido. Não podia estar mais feliz.
Ele trancou a porta ao entrar, apagando a luz da loja. Viu que Félix e Martin estavam jantando na copa, se enfiando no banheiro e tomando um banho quente. Ele merecia aquele mimo naquele dia.
Jantou e se debruçou sob as apostilas, adiantando os deveres até ter notado que os garotos já se arrumavam para dormir.
-Preciso da ajuda de vocês. Não sei se estou conseguindo pensar em um arranjo adequado para a música nova. - Ele pediu, puxando o papel com a letra de dentro do estojo com a guitarra.
-Já tem alguma cifra? - Félix perguntou, estendendo a mão para o papel.
-Rascunhei, mas não é nem de longe o que pensei.
-Baladinha? - Martin perguntou.
-Não, nosso rock raiz. - Ele deu um sorriso de lado. - Julie não está nessa, é só a gente.
Martin compartilhou de um sorriso imenso. A eterna Apolo 81 continuava a todo vapor.
-Deixa eu ver. - Ele chegou perto de Félix para tentar pensar.
-A letra é bastante boa, acho que uma batida rápida vai dar a ênfase que precisa.
-Bastante bateria e guitarra, Félix. - Martin comentou. - Me passa um lápis, Daniel. Enquanto você estuda, vamos tentar compor algum arranjo aqui e juntamos no sábado.
-Valeu. - Daniel passou o lápis e foi até a copa. Sabia que se continuasse no quarto com eles toda a sua atenção se renderia à música, e não às questões de artes.
As malditas questões de artes.
Ele dava tudo por aquela disciplina ser substituída por música, mas infelizmente o Ministério da Educação não compartilhava dos mesmos pensamentos que ele.
Chapter 12: Doze
Notes:
CPM22 - Um minuto para o fim do mundo - https://www.youtube.com/watch?v=RsEeyZNiwUk
Chapter Text
A campainha tinha tocado assim que às 13 horas haviam soado no relógio da sala. Os garotos cumprimentaram seu Raul e se dirigiram até a edícula, tomando a liberdade de já montarem os instrumentos sem Julie estar presente.
Julie sabia que a banda já havia chegado - eles não eram exatamente silenciosos agora que podiam se mostrar para os vivos, além de Pedrinho ter batido a porta de seu quarto devido a empolgação dos amigos terem chegado. Ele também tinha se acostumado com a presença diária de Martin e Félix, e tê-los somente três vezes na semana agora era muito chato, principalmente pela maior parte do tempo eles estarem ensaiando com a sua irmã.
Julie só precisava terminar os dois últimos exercícios de revisão de física e poderia estar livre para ensaiar até quando pudesse, mas precisaria ter foco para isso. Ela jurava que estava tentando, mas a ansiedade de ter algo melhor para fazer do que estudar espelhos e reflexões batia forte em seu peito, quase implorando para que ela largasse o caderno.
Mas Julie é brasileira e não desiste nunca.
Insistiu por mais quinze minutos, se desligando da guitarra e do baixo, mas quando a bateria começou, ela não pôde mais continuar. Abandonando o material, Julie prendeu o cabelo e desceu até a edícula, com sua presença sendo ignorada pelos quatro garotos.
Enquanto Martin e Daniel faziam ajustes em um papel, Félix testava batidas com os pratos, tendo Pedrinho mexendo no equipamento de som.
-Não, assim não tá legal. - Martin interrompeu Félix.
-E se você tentasse algo mais rápido? - Pedrinho sugeriu, fingindo que entendia as cifras desenhadas na folha.
-Você entende de música, Pedrinho? - Daniel perguntou com interesse.
-Não, mas sempre tem uma parte de bateria pesada, não é?
-Acho que pode funcionar. - Félix ponderou. - Acompanhado da guitarra, não acha, Daniel?
-Talvez se encaixar no refrão…. - Daniel foi até a sua guitarra, passando a alça pelo pescoço e começando os primeiros acordes que já tinha decorado.
Félix seguiu Daniel, se empolgando com os tons e bumbo, dando leves batidas nos pratos, apenas para dar uma quebrada no forte som. Daniel era muito entregue à música, estando tão concentrado na melodia que sequer tinha reparado na presença da namorada na edícula. Curiosa, Julie se aproximou de Martin e tentou olhar no papel.
-Posso ver?
-Eu esperaria, se você. - Daniel recolheu o papel, imaginando que seria mais impactante pra garota ouvir pela primeira vez na voz deles.
-Mas como vou aprender se não ler?
-Foi mal, Julie, mas você não tá nessa. - Martin deu a notícia, se divertindo com a expressão de espanto no rosto dela.
-Pensei que fosse demorar mais até me expulsarem da banda.
-Eu vejo mais como um descanso para a sua voz, além de eventuais músicas da Apolo 81.
-É uma das suas antigas?
-Definitivamente não. - Daniel respondeu, anotando as cifras no papel para Félix acompanhar. - Martin, acho que se você começar e depois eu entrar ficar melhor.
-Deixa eu tentar.
Martin puxou seu baixo e começou com os acordes, tendo o seu solo por sete segundos antes de Daniel entrar junto de Félix, permanecendo na base por 42 segundos até o início do refrão chegar e ser a vez do solo de guitarra, com leves toques de pratos no fundo, para enfim chegar a parte que Pedrinho havia sugerido. O baixo acabava ficando escondido no meio de todos os instrumentos, mas se Martin parasse de tocar certamente sentiriam a sua falta.
-Acho que funciona. Vamos do começo?
“Me sinto só
Mas quem é que nunca se sentiu assim
Procurando o caminho pra seguir
Uma direção, respostas!
Um minuto para o fim do mundo
Toda sua vida em 60 segundos
Uma volta no ponteiro do relógio pra viver”
Julie, que estava sentada no sofá a frente deles, deixou sua boca cair. Já tinha escutado eles tocarem sozinhos antes, quando Demétrius os obrigou a deixarem a banda, mas aquela música era uma vibe completamente diferente daquela baladinha. Aquilo era rock de verdade, era a Apolo 81. A voz de Daniel…. Ela poderia escutar aquela voz para sempre e definitivamente não reclamaria.
“O tempo corre contra mim
Sempre foi assim e sempre vai ser
Vivendo apenas pra vencer a falta que me faz você
De olhos fechados eu tento esconder a dor agora
Por favor entenda eu preciso ir embora porque”
A sugestão de Pedrinho começou, dando mais ênfase ao vocal. Ele mesmo estava super empolgado ao seu lado, mal se contendo por ter acertado na melodia.
“Quando estou com você
Sinto meu mundo acabar
Perco o chão sob os meus pés
Me falta o ar pra respirar
E só de pensar em te perder por um segundo
Eu sei que isso é o fim do mundo”
Julie sentiu cada pêlo do seu corpo arrepiar com a chegada do refrão. Não só pela letra, mas porque Daniel, Félix e Martin usavam as suas vozes, dividindo o microfone. Céus…. Ela se sentiu deslocada naquele momento, não era necessária a sua presença na banda, só os três já colocavam muitas bandas no chinelo.
“Volto o relógio para trás tentando adiar o fim
Tentando esconder o medo de te perder quando me sinto assim
De olhos fechados eu tento enganar meu coração
Fugir pra outro lugar em uma outra direção porque”
Daniel olhava na direção de Julie, dedicando aquela música à namorada. Por mais que estivessem vivos, a sua parte fantasma ainda falava. Ele não conseguia acreditar que de fato estava namorando Julie, a sua Julie. Tinham passado por tanta coisa e no final o medo de perdê-la ainda era forte em seu peito.
“Eu sei que isso é o fim do mundo
Eu sei que isso é o fim
Eu sei que isso é o fim
Eu sei que isso é o fim do mundo!”
Assim que acabaram a música, se surpreenderam pelos aplausos vindos da pequena platéia, que já estava de pé e batendo com vontade.
-O que acharam?
-O palco é de vocês se quiserem! Eu posso ir embora quando quiserem tocar.
-Os Insólitos não existe sem você, Julie. - Daniel disse meloso.
-Sempre vamos nos lembrar da Apolo, mas a nossa banda é com você agora. - Martin completou.
-Não sabia que vocês cantavam também. - Pedrinho se intrometeu.
-Ah, de vez em quando damos o privilégio de vocês nos escutarem. - Martin brincou. - Normalmente ficamos só como apoio, mas queríamos marcar a nossa volta no refrão.
Eles não tinham percebido, mas três horas já tinham se passado desde que haviam chegado, somente percebendo o tempo quando seu Raul apareceu na porta da edícula com lanchinhos para todo mundo.
-Opa! Pensei que estivessem com fome. Som pesado esse, hein? - Aquela era a sua maneira de dizer que tinha gostado.
E parando para pensar, aquela não era uma maneira diferente de se referir à música para Daniel, Félix e Martin. Se não tivessem sofrido o acidente, teriam quase a mesma idade que o pai de Julie. Podiam ter sido amigos de colégio até.
Fato esse que assustou um pouco Daniel, temendo que seu sogro o reconhecesse - tanto pela sua aparência quanto pela Apolo 81, mas até então ele nunca tinha falado nada.
E continuar a pensar que estivesse quase na meia idade se não tivesse morrido não era nada saudável, já que eles se sentiam e tinham dezessete anos.
-Espero que seus vizinhos não reclamem do barulho. - Félix confessou, roubando um sanduíche do amontoado de comida.
-Não se deve reclamar de música boa. Além do quê, vocês não ficam até tarde tocando.
-Mas não é todo mundo que curte uma bateria estourando em um sábado a tarde.
-Eu vejo mais como um show de graça para eles.
-Martin, nossos shows são gratuitos.
-Deveríamos repensar isso, então. Viu como a loja ficou da última vez? Deveríamos estabelecer um preço simbólico, para manutenção dos instrumentos e vagas na loja.
-Essa ideia não é ruim… - Julie opinou. - Precisamos ver com a Bia quanto poderíamos pedir sem perder público.
-Essa pode ser a nossa pauta para a reunião depois das suas provas finais. - Daniel decretou.
O intervalo não durou muito tempo, com os garotos logo voltando a ajustar a música, deixando Julie de fora naquele dia. Aproveitando o descanso, Julie resgatou o seu notebook e ligou para Bia através do msn, mostrando o desenvolvimento da nova música. Como não era boba, entrou no site da capricho e deixou ela mesma o seu voto em Martin na seção de colírios (e em mais dois ou três garotos), se divertindo com os comentários no perfil do baixista.
Não comentou nada, sabendo que se assim fizesse interromperia o ensaio. Deu uma olhada no site da banda, ficando aliviada que Nicolas não tinha falado mais nada sobre Daniel, mas sorrindo ao notar as cobranças de novos shows em outros comentários.
Decidiram encerrar o ensaio às 18 horas, com Félix e Martin indo passar um tempo com Pedrinho, deixando Julie e Daniel de lado - um passo arriscado com seu Raul em casa.
-E então…? - Daniel perguntou, chegando perto da namorada.
-A voz de vocês é incrível. - Julie sorria bobamente.
-A sua também é, Julie.
-Mas nem se compara a extensão vocal de vocês.
-Estava falando sério sobre deixar a banda?
-Não, mas fico feliz de vocês voltarem a cantar.
Com um sorriso de orelha a orelha, Daniel se aproximou de Julie, ficando bem perto do seu rosto. Estavam a poucos centímetros de se beijarem quando escutaram seu Raul batendo a porta do carro, indicando que poderia ir para a edícula a qualquer momento.
-....pode me ajudar com física? - Julie se afastou de Daniel, cortando qualquer clima.
-A colar ou a estudar?
-Estudar. Eu estava terminando a minha revisão quando Félix começou a testar a bateria.
-Vamos lá então.
Eles apagaram as luzes da edícula e trancaram a porta, subindo até o quarto de Julie e deixando a porta aberta - uma novidade não muito confortável para eles. Julie puxou o seu caderno e indicou as questões que estava com dificuldade, emprestando seu livro de física para Daniel - que estava sentada relaxadamente em sua cama - para que ele se recordasse do assunto do segundo ano.
De longe ela ouvia as risadas de Martin, vindas do quarto ao lado, como também o seu pai reclamar com a televisão no andar debaixo, mas toda a sua atenção estava focada naquele caderno. Dependia das suas notas para passar de ano e ficar livre por três meses para se dedicar à música o quanto quisesse.
Não demorou muito para Daniel entender onde a namorada estava com dúvidas, puxando o lápis da sua mão e resolvendo o exercício em seu caderno, mostrando como ela deveria fazer, tomando até a ousadia de desenvolver alguns exercícios extras para ajudá-la. Ele permaneceu ao seu lado enquanto ela resolvia, passando mais de uma hora e meia sem que percebessem.
-Não podia ter me ajudado a estudar antes? - Julie perguntou, deixando o seu caderno de lado.
-E qual graça teria? Sempre quis fazer aquilo, e ainda te rendeu uma base de notas melhores para agora.
-É, mas tirou a minha base para estudar.
Daniel apenas deu de ombros, dizendo que aquilo não era problema dele, recebendo uma almofada no peito.
Eles ficaram se encarando por um tempo, desfrutando o silêncio do quarto, da maciez do colchão e do calor das suas mãos juntas.
-É tão estranho estar no seu quarto com você agora. - Daniel sussurrou, ciente da tensão que os envolvia desde sempre.
-Porque estamos juntos ou porque meu pai sabe sobre você?
-Mesmo que ficássemos juntos antes, só os garotos saberiam sobre nós. Eu poderia continuar vindo aqui a hora que eu quisesse e ficar de porta fechada. Mas agora…. Isso não me traz lembranças muito agradáveis.
-Já teve muitas namoradas? - Julie deduziu o óbvio.
-Só uma, mas que gostaria de esquecer se fosse possível, que nem Martin fez.
-Foi tão ruim assim?
-Foram só seis meses, mas ela tentou de todos os artifícios e argumentos para me afastar dos garotos e da Apolo 81. Dizia que passava mais tempo e dava mais importância para a banda do que para ela. Eu me odeio por tê-la escutado no último mês e ter me afastado, mas Josias abriu os meus olhos e eu consegui acabar com aquele relacionamento tóxico. Martin ainda se ressente por eu ter escutado Josias e não ele, mas eu achava que era só implicância dele com ela.
-Foi por isso que procurou alguém que também gostasse de música agora?
-Foi pura coincidência, eu juro. Não era minha intenção começar a gostar de você, mas as coisas foram acontecendo e cá estamos nós.
Julie olhou para a porta antes de se voltar para Daniel e roubar um selinho, sorrindo ao sentir a mão livre dele segurar a sua nuca, encaixando sua boca no lugar certo antes de pedir passagem com a língua. Aquilo era novo, por mais que já tivesse ficado deitada com Daniel em sua cama e dormido juntos, eles nunca tinham se tocado daquela forma tão íntima.
Os dois sabiam daquilo, por isso não passaram daquele beijo.
-Acho melhor já ir indo com os garotos. Tá ficando tarde e você ainda precisa terminar de estudar.
-Já estou ansiosa para terça… - Julie disse tristemente. - Nosso último ensaio antes de darmos a pausa de novo.
A famosa pausa para provas, as últimas provas do ano.
-Prometo que deixo você cantar na terça.
-Deixa, é? Achei que você não fosse mais o líder da banda.
-Bem, tecnicamente eu quem te chamei para a nossa banda….
Julie não respondeu nada, apenas o empurrou para fora do quarto, vendo o mesmo ir até o quarto ao lado e chamar os garotos. Eles desceram as escadas e se despediram do seu Raul, saindo pela porta da frente levando Julie consigo. Seu Raul estava distraído demais na cozinha preparando o jantar que sequer reparou que sua filha havia saído junto - dando privacidade para que ela e o namorado se despedissem adequadamente.
Martin e Félix se despediram rapidamente de Julie e saíram na frente, deixando Daniel para trás. A luz do poste ainda estava bastante fraca, deixando a entrada da frente na sombra. O escuro era propício para uns amassos - coisa que ele prontamente fez assim que grudou a sua boca na da namorada, envolvendo sua cintura com suas mãos. Julie sentia que ela beijava o Daniel cretino e não o fofo, e ela adorava aquilo. Aquele beijo definitivamente não era romântico mas sim toda a adrenalina do dia.
Daniel definitivamente amava estar vivo.
Tê-la beijado em seu quarto tinha despertado desejos antigos, como da vez em que tinha testado suas reações uns dias antes de voltarem à vida. Ele definitivamente queria voltar a beijá-la em seu quarto, provar para si mesmo que havia conseguido a garota dos seus sonhos.
Com dificuldades, Daniel se afastou com os lábios vermelhos, dando dois passos para trás antes de cogitar ser uma boa ideia beijar o seu pescoço.
-Agora comecei a cogitar se ensaiamos na terça ou se aproveitamos que seu pai vai estar fora para nos despedirmos antes da semana de provas.
-Ensaio, Daniel. Ensaio. - Julie se despediu dele, o acompanhado com o olhar até o final da rua onde Martin reclamou da demora com ele, recebendo um soco no ombro.
Infelizmente eles não teriam nenhum dos dois.
Chapter 13: Treze
Chapter Text
A segunda feira havia chegado e com ela o início da semana de provas. Por enquanto seriam apenas disciplinas mais fácil, como educação física e artes - o que possibilitava um último ensaio no dia seguinte - mas Julie não estava preocupada com aquilo.
Estava mais interessada na maneira como Nicolas Albuquerque a evitava, exatamente da mesma forma que dois meses antes. Se antes aquilo havia partido seu coração, agora só deixava com uma pulga atrás da orelha. O que raios estava ocasionando aquilo?
Decidida a dar um basta naquela situação, ela tinha passado a quinta e sexta passadas tentando falar com ela, mas ele desaparecia sempre que a via. Tentada a não ficar no vácuo mais uma vez, Julie combinou Bia sobre interceptar ele na hora do intervalo, quando o mesmo estivesse conversando com Valtinho. Não era dia de quadra do segundo ano, o que facilitou ainda mais a situação, já que eles não estariam distraídos com futebol.
A hora do intervalo chegou e como previsto Nicolas conversava com Valtinho próximo a cantina. Munidas com um sorriso no rosto, as duas garotas se aproximaram, praticamente os encurralando na parede:
-Valtinho, tem um minuto? - Bia enroscou seu braço no braço dele, o puxando levemente dali.
-Bia, meu amor, pode esperar uns minutinhos?
-Certeza, Valtinho? - Ela apertou seu braço e fez uma careta, indicando o outro casal com a cabeça.
-Sabia que o bebedouro lá da quadra é mais gelado que o do corredor? - Ele entendeu, dando uma desculpa para sair de perto.
-Sério? Pode me mostrar?
-Nicolas… - Julie segurou o cotovelo do garoto, se aproximando um passo. - Podemos conversar?
-Já nos resolvemos na loja, Julie… - Ele respondeu, não olhando para o seu rosto.
-Não, não resolvemos não. Aquilo foi só… Uma atitude bem infantil de Daniel, mas….
-Você sabe mesmo quem ele é, Julie? - Nicolas tinha preocupação no olhar.
-O que quer dizer com isso? - Ela não entendeu a pergunta estranha.
-...nada…. - Ele tinha medo de ser considerado louco.
Era claro que o namorado da garota que ele gostava podia ser um fantasma, claro que não!
-Nicolas, por favor! O que aconteceu entre a gente? Desde antes da festa do Valtinho você me ignora… O que foi que eu fiz?
Nicolas não era de ferro. ter visto o medo e preocupação nos olhos de Julie tinha destruído todas as barreiras que ele havia se auto imposto, o fazendo sentir vontade de abraçá-la naquele momento e não deixá-la se afastar nunca mais, mas…. Olhando para os lados receoso, ele tomou coragem e aceitou conversar com a antiga amiga.
-Pode me esperar na hora da saída? Não quero que mais ninguém escute a nossa conversa.
Julie o puxou para um abraço, não se contendo pela falta que sentia dele. Não viu a expressão de surpresa de Nicolas, mas sentiu o forte abraço que ele retribuiu, sendo observados de longe por Talita e Valtinho, com uma debochando do relacionamento deles interiormente, enquanto o outro torcia para engatarem um namoro.
Valtinho não levava muito a sério o namoro de Julie com o suposto guitarrista.
Mas Nicolas e Julie? Esse sim era um casal que ele achava que daria certo. Ele já tinha escutado Bia comentar sobre como Julie falava de Nicolas, com o mesmo acontecendo com o garoto. Tinha visto com seus próprios olhos a maneira como ele tinha ficado na época de JP e ainda mais com o guitarrista dos Insólitos. Infelizmente Julie o tinha recusado no dia em que ele tinha se declarado, mas a julgar pelo abraço íntimo que eles trocavam naquele exato momento aquilo não duraria por muito mais tempo.
***
Exatos 12h quando o sinal tocou, indicando o fim da aula. Julie tinha se enrolado com a matéria de biologia na lousa, demorando um pouco mais para terminar de copiar em seu caderno, tendo apenas Bia e a professora na sala quando ela terminou de fechar a sua mochila. Uma parte sua já dava como certa a fuga de Nicolas, mas voltou atrás quando o viu recostado na fonte no meio do pátio, esperando por ela. Bia se despediu da amiga e foi embora, não querendo atrapalhar aquela conversa.
-Oi. - Ela cumprimentou timidamente, chegando mais perto.
-Oi… Conseguiu terminar de copiar?
-Consegui sim.
Eles ficaram mais algum tempo em silêncio, apenas encarando o redor, constrangidos demais para falarem - o que não fazia sentido, já que eles mesmos tinham combinado de conversarem.
Não era como se os amigos deles tivessem forçado aquilo para quando se beijassem aparecerem gritando.
-Aquele cara tem mesmo dezessete, Julie? - Nicolas tomou coragem, olhando pela primeira vez em seu rosto.
Julie segurou uma risadinha
“Tecnicamente 47, mas não contamos os trinta anos…”
-Pior que tem, mas você não foi o único a desconfiar disso. Acredita que ele teve que mostrar a identidade para o meu pai?
-Até o seu Raul conhece ele?
-Nós ensaiamos lá em casa e ele acabou chegando um dia mais cedo, então…
-Espera, o seu pai não sabe sobre o namoro de vocês? - Nicolas sentiu uma faísca naquilo.
-Não, então eu ficaria agradecida se você não contasse. - Ela brincou com um sorriso zombeteiro. - Mas você quer mesmo falar sobre isso?
Nicolas entrou em uma sinuca de bico. Como contaria a amiga que tinha pânico do seu namorado?
-É só que…. Eu não sei por onde começar. Nós estávamos nos dando tão bem, você era tão minha amiga, e de repente….
-De repente…?
-Eu comecei a gostar de você. - Ele tinha as bochechas rosadas.
-Quando exatamente? - Ela não se aguentou, gostava de ter para si memórias como aquelas.
-Eu não sei ao certo, foi em algum momento entre o lance do JP e a festa do primo da Bia, mas quando eu percebi…. E eu jurava que você também gostava de mim, achei que tivesse interpretado os sinais certos, mas…. Acho que levei a sério demais o que a Talita falava.
É, ela não era exatamente discreta quanto aquilo.
-Mas aí veio o lance do rpg, e aí….
-Eu já disse que não fui eu, Nicolas…
-E eu acredito em você, agora eu acredito… - Ele empalideceu mais uma vez.
Demétrius tinha aparecido para ele?
-Acredita? Me lembro muito bem de você ter espalhado para a escola toda como eu inventava histórias.
-Se você inventou aquilo eu não sei mais do que a minha imaginação é capaz de inventar.
-Como assim?
-Quais as chances de você namorar com um fantasma? - Nicolas perguntou divertido, se preocupando com a aparência de Julie.
Uma pequena queda de pressão, só isso.
Julie se apoiou nas mãos de Nicolas que se estenderam para ela, recuperando o equilíbrio.
-Talvez as mesmas de eu ter uma banda fantasma. - Porque ela não desmentia aquilo de uma vez? Não conseguia ficar quieta?. - Mas de onde tirou essa ideia absurda? Fantasmas não são tão….
Mas aí ela se lembrou de Marin e Shizuko e ficou quieta.
-É o que eu tô me perguntando desde a quarta feira, mas Julie….. Você tem certeza mesmo sobre quem Daniel é?
-Ele é bem vivo, Nicolas.
-Eu percebi do jeito que ele te beijou. - Nicolas revirou os olhos. - E ele tem aquela barba…. Nunca imaginei que por debaixo daquela máscara ele seria tão….. insuportável.
Julie riu alto com os ciúmes de Nicolas.
-Porque insiste em me perguntar isso?
-Você provavelmente vai me largar falando sozinho depois disso, mas aconteceram umas coisas dois meses atrás….
-Quando você parou de falar comigo.
-Exatamente o motivo de ter parado de falar com você. Eu sei que é loucura, mas…. Eu fui assombrado, Julie.
Demétrius, ela tinha certeza.
-Assombrado?
-É, com direito a derrubar as poltronas da minha casa, balançar os abajures, brincar de discoteca nas lâmpadas…
Até então uma assombração residual e zombeteira, aparentemente.
-E se já não fosse o suficiente, um fantasma apareceu bem diante dos meus olhos e ordenou que eu me afastasse de você. Ele me fez prometer que eu nunca mais chegaria perto ou tentaria falar com você na minha vida, senão…
-Senão…? - Julie estava desconfiada. Por que raios Demétrius faria aquilo.
-Eu não sei, ele deixou isso no ar. Mas eu tentei falar com você, eu juro. Naquele dia que eu covardemente te humilhei no corredor com o lance de fantasmas, eu ia te contar, mas ele estava bem atrás de você olhando muito feio para mim. Sinto muito, Julie, não tive coragem de chegar perto de novo.
Julie estava quieta, absorvendo tudo o que ouvia.
-E quando eu finalmente me sinto em paz por não acontecer nada de estranho na minha vida além de você ter me rejeitado no meio da escola, eu decido me reaproximar e justamente quando eu faço isso, vejo você chamando aquele fantasma de namorado e ele te beijando bem na minha frente.
A pressão de Julie caiu mais uma vez. O que raios Daniel tinha feito?!
-Fan-fantasma…?
-Eu sei que não é ele, obviamente não pode ser ele. As roupas estavam diferente, ele não tinha olheiras, não era pálido e definitivamente aquela barba dá a impressão de ser mais velho, mas Julie… Quando olhei para ele eu só consegui ver aquele fantasma de cabelo gigante, pálido, parecendo um panda com um terninho e blusa vermelha me ameaçando!
-Terno com camisa vermelha…?
-Você não tá acreditando em mim, não é?
Julie não respondeu. Ela só conseguia encarar o rosto de Nicolas sem ter uma expressão formada. Todo aquele tempo tinha sido armação de Daniel? E aquele cretino…. Aquele cretino tinha um plano perfeito para ela esquecer Nicolas com ele!
-Julie? Você tá bem?
-Por mais idiota e aversivo ao sol que Daniel possa ser, te garanto que ele não é um fantasma, pode ficar tranquilo quanto a isso. E por mais que você tenha sido assombrado antes, te garanto que isso não vai acontecer mais, então não tem porque fugir de mim. - Ela tinha um sorriso falso no rosto, entregando o quanto estava mexida com aquilo.
-Como tem certeza disso:
-Confia. - Foi a sua resposta.
Nicolas a acompanhou até em casa, estranhando o comportamento da amiga. Não era para ela rir dele? Ou ela estava chateada por ele ter sentimentos por ela? De todo modo, ele achou melhor a acompanhar até em casa, estranhando a maneira como ela tinha se apagado de repente.
Julie só queria ficar sozinha, esquecer a prova e educação física no dia seguinte. Ela queria muito não acreditar em Nicolas, mas ele tinha dado a descrição de Daniel como fantasma! Ela sabia que ele era cretino, idiota e estúpido quando queria, mas exigir que Nicolas a deixasse de lado?!
Por mais que ele provavelmente tivesse armado aquilo para Nicolas, ela não o atrapalharia naquela tarde, esperaria o ensaio do dia seguinte para conversarem civilizadamente e ele explicar a ela que tudo não passava de um mal entendido.
Por mais que seu cérebro soubesse da capacidade de ser uma anta do seu namorado, seu coração não queria acreditar que ele tinha brincado com ela desde o início.
Ela pouco se importava sobre os fundamentos do basquete ou sobre o cálculo de IMC, Julie só conseguiu encarar o teto do seu quarto o restante da tarde, fazendo uma retrospectiva de absolutamente todos os seus momentos com aquele fantasma - e infelizmente colocando na balança contra Nicolas, resultando nas primeiras lágrimas com o entardecer.
Julie adormeceu naquela noite pensando que se ela tivesse aceitado ficar com JP, nada daquilo teria acontecido.
Afinal, Daniel a tinha empurrado para o garoto problema.
Qual era o problema dele com Nicolas, afinal?
Chapter 14: Catorze
Chapter Text
A terça-feira de manhã chegou e com ela grandes olheiras e mau humor para Juliana Spinelli. Não queria ir para a escola, mas não estava a fim de fazer prova prática de segunda chamada de educação física, obrigando-se a se levantar e se arrastar até o Colégio Pandora. Puxando seus fones de ouvido, Julie entrou em sua bolha particular até a chegada na sala de aula, jogando-se na carteira e escondendo seu rosto em seus braços.
Nem Bia tinha conseguido chamar a sua atenção, mas tudo bem, ela achava que era só nervosismo pela prova.
Julie detestava educação física.
Mas as aulas tinham passado, a prova acabado e o intervalo chegado e nada de Julie sair da bolha. Tinha visto Nicolas tentar se aproximar e desistir por achar que ela cochilava - mas Bia sabia muito bem da tática de fingir desmaios para se livrar de alguma situação.
-A conversa não deu certo ontem? - Bia sussurrou próximo a Julie, que apenas se remexeu em seu canto.
-Vocês brigaram?
Julie negou com a cabeça.
-Ele forçou alguma coisa?
Julie negou mais uma vez.
-Por algum acaso o seu namorado viu vocês dois conversando e teve outro ataque infantil? - Bia brincou, mas se preocupou ao notar o corpo da melhor amiga tenso como uma rocha. - Julie?
Julie se soltou da sua bolha, abraçando os joelhos e olhando para o chão, respondendo a amiga baixinho:
-Daniel assombrou Nicolas. Ele foi o culpado dele ter se afastado de mim dois meses atrás e falado aquelas coisas horríveis…
-Quem te disse isso?! - Bia se assustou.
-Nicolas. Ele me contou sobre a assombração, me deu as características de Daniel quando fantasma e ainda me perguntou se eu namorava um. Ele sabe que Daniel não pode ser a assombração, porque ele está vivo e diferente, mas….. Ele exigiu que Nicolas nunca mais falasse comigo, Bia…..
-Você falou com ele?
-Ainda não, não queria atrapalhar o trabalho dele ontem. Pretendo tirar essa história a limpo hoje no ensaio.
-E se…. Se isso for um mal entendido?
Julie apenas olhou para a amiga.
-Bia, quantos fantasmas de terno preto, camisa vermelha, de cabelo grande que odeiam o Nicolas conhecemos?
Bia não teve o que responder.
-Você….. Você quer que eu fique para o ensaio? Eu já estudei para redação, posso passar a minha tarde com vocês.
-Obrigada, Bia. Mas quero fazer isso sozinha. Vou tentar levar o ensaio e quando os meninos forem fazer companhia ao meu irmão, conversar civilizadamente com ele.
Mas a expressão de Julie não dizia que aquilo seria tão fácil assim.
***
Os garotos chegavam perto das 14 horas nos ensaios em dias de semana, não sendo diferente naquela terça feira. Pedrinho foi quem atendeu a porta, deixando que eles fossem até a edícula enquanto ia chamar a sua irmã. Julie estava terminando a revisão dos conceitos de uma redação quando ouviu as vozes no primeiro andar, deixando seu material de lado e indo ao encontro deles.
Quando entrou na edícula, Martin terminava de conectar o baixo no amplificador. Daniel estava de costas para a porta, rindo de alguma coisa que Félix havia dito. O som da risada dele…. Julie precisou fechar os olhos com força, na tentativa de conter as lágrimas que despontavam dos seus dutos. Como ele tinha feito aquilo com ela?
Ela não sentia nojo ou repulsa da risada dele, só… Só sentia uma onda de sentimento que tentava de tudo para arrastá-la de volta para ele. Ele era um cretino, estúpido, idiota, mas acima de tudo um grande amigo, um cantor e guitarrista incrível e um namorado melhor ainda. Ela precisava se manter concentrada para conseguir ensaiar.
Julie ignorou a presença dos três, indo direto até o microfone e segurando o pedestal, ajustando a altura e se isolando mais uma vez. Os garotos estranharam ela os ter ignorado, mas não ligaram até então. Félix tocou suas baquetas, iniciando a contagem para o início da melodia, sendo seguido por Daniel e Martin, deixando a música rolar pelo tempo certo.
Apesar de estar com os olhos fechados, Julie sentia a forte presença de Daniel ao seu lado, e céus, como ela queria abraçá-lo enquanto ele dizia que Nicolas era doido de pedra, mas ela sabia que não era assim.
Uma
Duas
Três
Quatro entradas perdidas. Julie estava tão absorta em seu mundo que sequer ouvia a música, causando estranheza nos garotos.
-Julie, tá tudo bem? - Félix perguntou da bateria, parando de tocar.
-Martin, Félix, vocês podem por favor sair?
-Aconteceu alguma coisa? - Martin se preocupou.
-Por favor?
Preocupados, Martin deixou o baixo no sofá, saindo com Félix e fechando a porta da edícula. Daniel achava ter sido alguma coisa na escola, chegando perto da namorada e dando um beijo demorado em sua bochecha.
-Aconteceu alguma coisa na escola? - Ele achava que ela queria conversar com ele sobre o possível ocorrido na escola, já que ele como namorado era o mais íntimo dos três.
Julie segurou com mais força o microfone, querendo segurar as lágrimas pelo cheiro doce de Daniel estar tão perto dela, com sua voz em seu ouvido.
-Julie? - Ele insistiu mais uma vez, dando um beijinho em seu ombro.
-Você assombrou Nicolas. - Julie afirmou, soltando de uma vez o que sentia, não vendo a maneira como Daniel se afastou, como se tivesse levado um soco.
-De onde tirou isso?
-Ele me contou. Foi bem claro em como você brincou com as poltronas, luzes e abajures na casa dele, e como foi bem enfático ordenando que ele não falasse mais comigo
-Julie….
-E como perseguiu ele na escola, não deixando que ele me contasse.
-Julie….
-E como apesar de tudo, ainda tirou sarro dele na quarta feira, embora ele não tenha certeza dessa parte!
-Eu não podia deixar que ele continuasse a te fazer mal!
-E desde quando mandar ele não se aproximar ia resolver?!
-Aquele idiota tinha te deixando sozinha quando Demétrius fez o que fez, e você acha que eu ia permitir que ele continuasse a brincar com você?!
-Não, Daniel! Você tentou influenciar na minha vida! Fez ele se afastar de mim só para me consolar! Você tinha um plano para isso, você mesmo falou!
-Ele não te merece, Julie!
-E você merece?! Você me enganou, Daniel! Me enganou, me fez acreditar que….
-Julie, eu não te enganei.
Julie passou um tempo quieta, perguntando em um fio de voz:
-Foi você mesmo quem me enviou o bilhete na festa do Valtinho?
-.....Não.
Julie estava desolada. Como tinha acreditado que um fantasma era melhor que um vivo?
-Você não tinha esse direito!
-O que eu podia fazer, Julie?! Eu estava apaixonado por você, precisava fazer alguma coisa!
-E impedir o meu relacionamento com a única pessoa aceitável foi a solução para você?!
-Única pessoa, Juliana?! E toda aquela história sobre não ligar de ser olhada estranha por falar sozinha?! - Daniel tinha perdido as estribeiras, estando profundamente machucado.
-Acabou no momento que percebi como você traiu a minha confiança!
Daniel ficou em silêncio, com os olhos arregalados.
Martin e Félix se encaravam assustados de dentro da casa, eles não estavam sendo silenciosos, muito menos com um microfone na frente deles.
Pedrinho estava preocupado, nunca tinha visto sua irmã gritar daquele jeito.
Eles não ouviram uma resposta nem de Daniel nem de Julie, apenas o som da porta da edícula se abrir, com um Daniel praticamente correndo da casa, enquanto Julie subia as escadas do seu quarto soluçando.
Eles não tinham ideia do rumo que as coisas tomariam. Eles tinham terminado? Dado um tempo? Só uma briga?
Só sabiam que por algum tempo seriam apenas eles dois, já que Daniel tinha o longo costume de se isolar quando chateado e Julie, bem, nunca tinham lidado com uma garota magoada antes para saberem o que fazer naquela situação.
Chapter 15: Quinze
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Aquela certamente seria uma das suas piores redações, muito provavelmente a pior redação da sua vida. Como Julie poderia se concentrar em uma redação acerca dos Miseráveis quando ela mesma estava se sentindo emocionalmente miserável? Aquilo não poderia dar certo, mas ela não podia desistir. Precisava das suas notas para passar de ano.
Sendo uma das primeiras a terminar a prova, Julie entregou a folha para a professora e foi até o banheiro, lavando o seu rosto e indo em busca de um canto mais afastado, onde pudesse ficar em paz. Mas ela estava apresentando uma expressão arrasada desde que chegou, ela achava mesmo que teria paz?
Era óbvio que não.
Tinha acabado de se encolher no banco do pátio quando viu Shizuko se aproximar e se sentar ao seu lado.
-Como foi na prova, Julie? - Ela não era insensível, só não sabia como abordar o assunto.
-Miserável. - Julie teve forças para um trocadilho, arrancando um sorriso do próprio rosto.
-Aconteceu alguma coisa? Eu sei que aconteceu, sua expressão já diz tudo, mas… Se sente confortável em contar?
-Não tem problema, Shizuko. É que eu e o Dan…. Daniel. - Julie se corrigiu, nunca o tinha chamado por aquele apelido, não seria agora que começaria. - Nós tivemos uma briga muito, muito feia ontem.
-Foi por algo bobo?
Julie considerou antes de responder.
-Ciúmes. Ele morre de ciúmes do Nicolas, desde que nos conhecemos. Mas ontem…. Ele descobriu que Nicolas se declarou de novo para mim e se não fosse suficiente a briga, fez questão que ele visse quando enfiou a língua na minha garganta. Eu relevei essa atitude infantil, porque já conhecia o histórico de ciúmes dele e pensei que assim ele fosse sossegar, mas depois de ontem….
-Como foi ontem? - Bia se intrometeu, chegando e se sentando ao lado de Julie no banco.
-Horrível, Bia.
-E o que aconteceu?
-Uma briga muito, muito feia.
-Vocês terminaram…?
-Eu não tenho ideia, Bia….. Eu disse que tinha perdido a minha confiança nele, e que a história de não ligar para o que falavam tinha terminado ali e ele…. Ele bateu a porta da edícula e foi embora! - Julie escondeu o rosto nas mãos, voltando a soluçar. - Eu não sei se demos um tempo, se terminamos ou se foi só uma briga!
-Vocês precisam conversar, Julie. - Shizuko constatou o óbvio.
-Agora não…. Não quero ver ele na minha frente nem ouvir a voz dele, e ainda preciso estudar….
-Mas você gosta dele, não é?
Outra onda de choro atingiu Julie, triste e irritada com tudo aquilo.
Ela somente foi se acalmar na hora do intervalo. Já tinha parado de chorar, decidindo se concentrar o máximo possível nas aulas - já que suas notas vinham em primeiro lugar. Quer dizer, isso até Nicolas aparecer por perto, puxando assunto.
-Oi, Julie…. Você tá melhor?
-Nicolas? - Ele era uma das últimas pessoas que ela queria ver no momento.
-Eu sem querer ouvi a sua conversa mais cedo com as meninas… Eu sinto muito por ter causado tanta confusão entre você e o seu namorado.
-Você é a última pessoa culpada aqui, Nicolas.
-Acho que sim, mas vocês meio que brigaram depois da nossa conversa. Não tem como eu não me sentir meio responsável por isso.
-Você não é, acredite.
-Mas então…. Podemos ser amigos de novo? Não estou falando isso só pela briga feia com seu ex? Não sei, não ouvi essa parte e prefiro não saber se isso vai te fazer chorar, mas eu sinto a sua falta.
Aquilo certamente atingiria Daniel, e no momento o que Julie queria era exatamente aquilo.
-E quem disse que deixamos de ser?
Chapter 16: Dezesseis
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Daniel não tinha vergonha de admitir que fugira de Julie horas antes. Tinha medo sobre o rumo que a briga deles se encaminhava, preferindo ir embora do que escutar a palavra final da namorada.
Namorada? Ele ainda podia chamá-la por aquele pronome de tratamento?
Ele sabia que eventualmente discutiriam - já faziam isso quando amigos - mas nunca tinha imaginado que chegaria àquela proporção. Sabia que tinha errado muito feio com ela, mas ouvir que tinha perdido a sua confiança tinha sido demais - principalmente sendo seguido pela incerteza do término.
Ele estava sendo infantil, talvez mais do que enfiar a língua na garganta de Julie da frente de Nicolas, mas ele não tinha estrutura emocional para um término tão abrupto. Fugir tinha sido a opção ideal - apesar que aquilo não garantiria muitos pontos para ele. Julie devia estar tão irada!
Ele não tirava a razão dela. Tinha sido um cretino, estúpido, sem noção ao fazer o que fez, movido pelos ciúmes e vontade de ficar com a garota que gostava. Ao mesmo tempo que ele sabia que era a única maneira que um fantasma tinha de espantar pretendentes e se exibir para a viva que gostava, ele se odiava por ter abalado a sua reação com Julie.
Nicolas precisava abrir aquela boca?
Certo, ele confessava que ver a cara de espanto do garoto na loja de discos tinha sido um máximo, mas o rumo que as coisas tinham tomado….
Daniel voltou direto para a loja de discos após sair da casa de Julie, já que não era mais invisível e intangível para passear pelos seus lugares favoritos. Klaus viu o estado do garoto e se preocupou, eles só tinham ido ensaiar!
-Daniel, o que aconteceu? - Ele interceptou o garoto no meio do caminho.
-....- Daniel apenas negou com a cabeça, com os olhos cheios de lágrimas.
Ele conseguiu se desvencilhar do mais velho, chegando até o quarto compartilhado. Não era o ideal, mas era o único lugar que tinha no momento. Torcia muito para que seus amigos preferissem cuidar de Julie no momento, para que o deixassem em paz.
Ele só queria chorar!
Sequer ligou para as tarefas do curso naquele dia, apenas fechou muito bem as cortinas, a porta e se jogou no colchão, chorando todo o líquido de seu corpo. Klaus até tentou ajudar o garoto, querendo disfarçar os sons que viriam dos fundos, colocando uma musiquinha ambiente.
O que só piorou ainda mais a situação emocional do guitarrista.
Ele chorava por ser idiota, pela briga e pela música depressiva que tocava.
Eventualmente Daniel acabou caindo no sono, com a certeza sobre seu coração doer ainda mais do que quando estava morto - e que certamente ele voltaria a aparência fantasmagórica pela manhã, não por ter morrido, mas pelas olheiras horrorosas e péssima aparência.
***
Félix e Martin estavam atônitos.
O que raios tinha acontecido?
Eles sabiam que Daniel havia feito uma visitinha à Nicolas no dia em que Demétrius os tinha dado a oportunidade de voltar a vida, mas ele tinha afirmado que não tinha sido nada demais, apenas assombração residual para passar o tempo.
Mas Julie tinha dito o contrário. Eles não queriam ouvir, mas não era culpa deles se eles estavam tendo uma DR violenta na frente de um microfone! Quando Daniel passou feito uma bala por eles e bateu a porta da frente, eles não entenderam o desfecho da história. Mas quando Julie também passou por eles como uma bala soluçando, eles se preocuparam muito.
Julie também bateu a porta do seu quarto em um claro sinal que queria ficar sozinha, mas Pedrinho era novo e não entendia os sinais, subindo as escadas e se plantando do lado de fora do quarto, chamando pela irmã.
-VAI EMBORA, PEDRO! EU QUERO FICAR SOZINHA! - Ela gritou de volta, magoando o irmão mais novo.
-Pedrinho, é melhor deixar ela sozinha agora. - Martin tinha ido ao encontro do mais novo, o trazendo de volta para a sala.
-O que aconteceu com eles?
-É o que também queremos saber, mas vai demorar até algum deles falar.
-Conhecendo Daniel a uma hora dessas ele já desapareceu em algum lugar. - Félix opinou, tentando distrair Pedrinho do choro compulsivo que ultrapassava as barreiras de som do andar.
-Só se ele voltou a ser um fantasma quando saiu daqui. Ele não tem muito para onde fugir agora. A loja de instrumentos é o emprego dele, e ir se isolar na praça vai chamar atenção.
-Acho melhor darmos um tempo para ele então. Para ele e para Julie. Quer ir tomar um sorvete, Pedrinho? - Félix ofereceu.
-Vocês querem me tirar de casa, não é?
-Garoto esperto. - Martin elogiou com um sorriso no rosto. - Vou só fechar a edícula, eles devem ter esquecido no calor da emoção.
Marin guardou o baixo e a guitarra nos estojos, cobrindo a bateria com a capa e fechando a porta da edícula, encontrando com Félix e Pedrinho na porta da casa.
-Vamos apostar quem congela o cérebro mais rápido?!
***
Os dois tinham voltado para a loja de discos no início da noite, encontrando o amigo em sono profundo. Klaus havia perguntado o que tinha acontecido, com uma breve explicação sobre uma briga muito feia com Julie. Eles se deitaram logo que a loja foi fechada, não tendo muito o que fazer com aquele clima horroroso.
No dia seguinte tinha seguido a mesma coisa.
Quando acordaram para ir para as aulas Daniel já tinha acordado, estando calado o tempo inteiro. Não tinha dado um pio durante as aulas, sequer tocado em seu caderno. Sua existência estava focada em se esconder sobre aquele casaco, puxando as mangas até suas mãos, cobrindo a cabeça com o capuz.
Eles respeitaram o tempo e espaço de Daniel, dando um aperto em seu ombro quando se separaram na saída. Daniel iria para o trabalho dali e eles sinceramente esperavam que ele conseguisse melhorar ao menos um pouco.
O que desconfiavam que ele conseguiria, já que a loja de instrumentos era o lugar favorito de Daniel desde que tinham entrado no ensino médio 30 anos antes. Ele tinha levado Julie lá, mas ainda era um lugar especial para ele.
As horas passaram rápido. Félix se distraiu na loja, pensando se talvez tocar o disco de Demétrius fosse melhorar um pouco o humor de Daniel, enquanto Martin revisava os conceitos de biologia. Às quatro e meia, quando o movimento caía, Martin apareceu no salão, pedindo para Félix pesquisar o tal de colírios capricho e se surpreendendo com o quão boa sua fama estava, se distraindo com o amigo pelos minutos seguintes.
Apenas voltaram à realidade quando a porta abriu, trazendo consigo um Daniel calado. Sequer cumprimentou os amigos, apenas seguiu para o banheiro, em seguida para o quarto.
-Eu vou falar com ele. - Martin declarou, abandonando o baterista e indo procurar pelo loiro.
-Eu sei que você tá mal, mas precisa comer, Daniel.
-Tô sem fome. - Ele respondeu em um tom baixo.
-Vai ficar doente, é sério. Come só um pouquinho!
Daniel já nem achava importante responder, entrando mais uma vez em sua bolha. Infelizmente ele era obrigado a torná-la pública devido às condições de moradia, mas ele mal podia aguentar para alugarem um apartamento com um quarto para cada um.
Ele adorava e não se importava de estar na companhia dos seus melhores amigos, mas ele precisava conseguir voltar a se isolar.
Se não fosse da maneira fantasma, da maneira viva.
Chapter 17: Dezessete
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Não demorou muito para toda a turma do segundo ano entender que alguma coisa havia acontecido com Julie, com os professores fazendo perguntas. Shizuko e Bia respondiam apenas aos professores mais chegados, que se compadeciam com a situação.
-Eu entendo, Julie. De verdade. - A professora de literatura tinha confortado a aluna no horário da saída. - O primeiro amor sempre dói.
-Mas ele não é meu primeiro amor… - Julie pensava em Nicolas.
-Mas primeiros relacionamentos costumam ser bem intensos, ainda mais na sua idade. Suas notas em literatura não andam muito bem e eu entendo a situação, mas faça um esforcinho para estudar para as provas. Ocupar a cabeça com outras coisas ajuda.
-Obrigada, professora….
E aquele tinha sido o melhor conselho que recebeu durante a semana inteira. Estavam na sexta feira, último dia que teriam aula até o horário normal. Ela poderia, deveria e iria passar o final de semana estudando, tentando ao máximo não pensar em Daniel ou na banda. Pedrinho estava com medo de se aproximar de Julie - aterrorizado pelos seus gritos na terça feira - mas estava curioso quanto ao seguimento da banda. Enquanto os músicos eram fantasmas, não importava o relacionamento da irmã com o guitarrista, ele sempre teria Félix e Martin para fazer companhia. Mas agora que estavam vivos…. Se eles acabassem com a banda, como ele ficaria? Os dois jovens adultos iriam até a casa dele apenas para saber como ele estava?
Pedrinho tinha muitas dúvidas, mas não queria perturbar a sua irmã com elas. Seu Raul tinha estranhado o comportamento da filha, mas era experiente com mulheres - ao menos era daquele jeito com sua ex-esposa. Se ela estava quieta e reclusa no quarto com eventuais crises de choro, o melhor era esperar o tempo dela até que se sentisse melhor.
Bia tinha ido até a casa da amiga na tarde de sexta. Viram um filme, votaram mais em Martin no site da capricho - e em mais vinte e cinco garotos. Todos os loiros de cabelo cacheado e barbudos Julie passava, se distraindo com os outros. Ela merecia, afinal de contas.
Não sabia que rumo seu relacionamento tomaria, mas votar em colírios sempre era uma atividade satisfatória.
Durante o final de semana, Juliana enfiou sua cabeça nos livros, aprontando fichamentos de todos os conteúdos das provas até a quarta-feira. Literatura, português, história e álgebra. Em determinado momento Julie já repetia que o descobrimento do Brasil tinha sido no período do parnasianismo, com as conjunções verbais sendo a peça chave na comunicação entre os indígenas e os colonizadores. Após ver a barbaridade que escrevia no caderno, ela abandonou as humanas, bebeu um copo d’água, se alongou e partiu para as exatas.
Ela conseguiu estudar exatos quarenta e sete minutos antes de entrar no conteúdo que Daniel tinha explicado para ela. Ver a sua letra em seu caderno, destoando tanto da própria tinha doído um pouquinho, mas ao notar um “você consegue, Julie! ♥” no final do último exercício que ele tinha passado, ela desatou a chorar.
Julie precisou se deitar e descansar por uma meia hora antes de reunir forças para ignorar a caligrafia tão bonita do garoto e continuar a estudar. Ela se recusava a se tornar a garota que chorava por matemática - de saudades de estudá-la, não por desespero - conseguindo se recuperar no domingo.
Quando mal percebeu a segunda-feira tinha chegado e com ela as provas de literatura e portugês. O esquema naquela semana seria diferente: as provas teriam início às sete e meia e quem as terminasse estaria liberado para ir para casa. Não era surpresa para ninguém como a escola magicamente ficava vazia até às dez da manhã, mas ninguém reclamaria daquilo.
Eram nove da manhã e os primeiros alunos começavam a entregar as provas e se despedir dos professores, indo embora. Obviamente que muito deles não iam imediatamente embora, permanecendo no pátio a espera dos seus amigos - e de vez em quando por desenrolos. Infelizmente Nicolas se encontrava naquela categoria.
Ou ao menos tentava não estar.
-Valtinho, eu já te disse! Não vou me aproveitar da Julie!
-Não é se aproveitar, Nicolas! É oferecer um ombro amigo! Você não disse que ela e o namorado brigaram feio?
-É.
-E ela não está cabisbaixa a semana inteira?
-É.
-Então eles não devem estar se falando. Se você se aproximar e oferecer um ombro amigo, ela vai confiar mais em você. E se não for burro, vai conseguir que ela se interesse por você antes de fazer as pazes com o panaca.
Mas panaca não era o Nicolas?
-Não acho justo brincar com os sentimentos dela desse jeito, Valtinho.
-Não é brincar, é apostar no seu lado! Você é um homem ou um rato, Nicolas?!
-EI!
-Você gosta dela, não é? Então lute por isso! Ela está brigada com o namorado, é a sua hora de tomar uma posição!
Ao menos sabemos qual dos dois teve a coragem de dar a cara a tapa e conquistar o coração de Julie. Daniel sabia que bancar o ombro amigo não daria certo, dizendo aquilo na cara lavada para a garota um mês e meio antes.
“ -Você odeia ele, não tinha que estar tentando me fazer esquecê-lo?
-Ah, mas o meu plano é esse, mas com uma abordagem diferente. - Daniel deitou-se na cama ao lado de Julie, olhando para ela com um sorriso presunçoso.- Veja bem, se conversarmos sobre isso você irá ressaltar mais uma vez como ele é um panaca e idiota, e isso vai contar pontos para mim. Se eu apenas te distrair, vai criar espaço na sua cabecinha para pensar melhor sobre ele, e não queremos isso, certo?”
Mas não significava que Valtinho e Nicolas soubessem daquilo, muito menos que o próprio Daniel havia feito aquilo para desviar a atenção de Julie de Nicolas e que ela certamente identificaria a jogada dele se prestasse atenção.
Até porque ele nem tinha precisado de muito, já que os sentimentos da garota tendiam mais para o ex-fantasma.
-É a sua chance, Nicolas! - Valtinho sussurrou, empurrando o amigo em direção à Julie, que acabava de sair do colégio, indo em direção ao portão da escola.
Tomado por uma coragem repentina, Nicolas tropeçou e foi em direção a amiga, chamando por ela.
-JULIE! ESPERA!
-Nicolas? Pensei que já tinha ido para casa.
-Eu queria saber como você estava. Perdi a hora hoje cedo e não consegui falar com você antes das provas. Aliás, como foi em português?
-Eu não tenho ideia. E você?
-Acho que dá para escapar da recuperação. - Ele disse com um sorrisinho, usando a carta de coçar o cabelo.
-Pensei que você não tivesse problemas com as notas. Nem com os professores. Nem com os alunos. Nem com as garotas.
-Aí que você está errada! Eu e JP não batíamos um com o outro, e depois que fiquei com a Talita as coisas ficarem bem estranhas com as garotas.
Com Julie, ele queria dizer.
-Mas a Talita, Nicolas? - Julie sem querer tinha caído na armadilha, dando trela para papo furado.
-Ela tava me dando mole, eu achava ela bonita…. Ai já viu, né? - Ele encolheu os ombros, envergonhado.
-Eu também achava o JP bonito, mas nem por isso fiquei com ele. Ao menos não por livre espontânea vontade.
-E nem por isso eu falo nada sobre você. JP, Julie?
Como Julie explicaria que tinha sido um meio termo entre ele e Daniel?
-Era o garoto novo, né?
A conversa tinha acabado ali e antes mesmo que o silêncio ficasse constrangedor, um forte trovão soou no céu.
-Acho melhor eu ir, Nicolas. Eu esqueci o guarda-chuva em casa hoje. - Julie respondeu engolindo seu cabelo com o forte vento que se arrastava pelo ambiente.
-Eu te levo! Meu guarda-chuva é um familhão, cabe nós dois aqui.
Julie ponderou por meio segundo, com outra rajada de vento em seu rosto.
-Não vou ser educado e recusar. Não to afim de ficar doente essa semana.
Com um sorriso no rosto, Nicolas acompanhou Julie até a sua casa, precisando abrir o guarda-chuva na metade do caminho, com os dois se espremendo contra a proteção para se molharem o mínimo possível.
Quando ele a deixou em casa, sua expressão estava mais relaxada, sorridente - e Nicolas cometeu o erro de achar que isso contava pontos para ele.
Mas na disciplina de roubar a atenção de Julie, Daniel era o professor. Nicolas tinha distraído Julie, fazendo com que ela pensasse no namorado após chegar em casa. Se ele tivesse ressaltado seus pontos negativos, ela teria pensado em Nicolas ao chegar em casa.
Pobre Nicolas123.
O tocador de cavaquinho ainda era mais inteligente do que ele, apesar de ter a mesma idade e experiência com garotas.
Tinha acertado quanto ao método de interesse tanto para ela quanto para Nicolas. Infelizmente Julie tinha ignorado o vivo para dar atenção ao fantasma, e agora o pobre coitado estava de quatro por ela.
Talvez ele devesse agradecer Daniel. Ou não.
Chapter 18: Dezoito
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Aquela estava sendo uma segunda-feira bastante entediante para Daniel. Ele estava preso em sua bolha a quase uma semana, não pretendendo sair tão cedo, mas era obrigado a socializar às segundas, quartas e sextas com o emprego. Por mais que Félix e Martin o importunassem e tentassem arrancar algumas míseras palavras, ele se recusava.
Seu final de semana tinha sido bastante longo e solitário. Tinha deixado a sua guitarra na casa de Julie na semana anterior, e não voltaria lá para pegar. Ele ainda tinha a pretensão de continuar com a banda, já que cortar todas as relações com a garota machucaria ainda mais. Mas isso não o impedia de mergulhar de cabeça na música.
Foram pelo menos três letras de dor e sofrimento, no nível em que a própria caneta deixava lágrimas mancharem o papel, marcando com tudo a volta do Apolo 81. O sucesso humilhação e sofrimento não era nada se comparado àquilo, mas se estava o ajudando a passar o tempo, estava valendo.
Os Insólitos muito provavelmente não teriam músicas novas por um bom tempo se dependesse apenas dos dois vocalistas.
Entediado, Daniel suspirava no caixa da loja de instrumentos. Ele tinha quase certeza que ninguém se atreveria a sair de casa com o temporal que caía do lado de fora. Ele mesmo havia chegado na loja igual a um pinto molhado, com os cabelos escorrendo de água, um estado deplorável.
Ele torcia para não ficar doente no final do dia.
-Tá paradão isso aqui hoje. - Lucas puxou papo, se recostando no balcão junto do colega.
-Eu estranharia caso alguém aparecesse aqui.
-Como você tá? Ainda está brigado com a sua namorada?
-Eu duvido que façamos as pazes tão cedo. Ela está em período de provas até a quinta feira, então não me aproximaria dela até o sábado. Mas com isso… Eu tenho medo. Medo dela terminar comigo.
-Mas o que aconteceu, Daniel?
-Acreditaria se eu dissesse que eu assombrei o ex crush dela quando ainda era um fantasma? - Ele completou com um sorrisinho, dando a entender que era brincadeira.
-Depende, assombrou do tipo perseguir ou….
-Do tipo convencê-lo a não se aproximar dela. Ela era apaixonada por ele, mas ele não dava a mínima, ficava brincando com os sentimentos dela e quando eu percebi que ele poderia começar a sentir o mesmo, tentei impedir. Não queria vê-la mais machucada.
-Acho que entendi o seu ponto. E o dela também. Acha mesmo que ela pode terminar com você?
-É uma coisa que eu não quero descobrir.
A chuva não dava sinais de que melhoraria em algum momento, começando a movimentar os dois rapazes para protegerem as portas e janelas, para que a água não entrasse no ambiente e estragasse os instrumentos. Daniel estava absorto na janela em que havia ajudado Julie a passar quando ouviu o seu chefe o chamar de longe.
-Daniel, meu filho! Tenho a oportunidade perfeita para você!
-O que aconteceu, senhor?
-Acho que é o dia ideal para o seu pocket show!
-Mas…. Mas…. Não tem ninguém aqui….
-Nós temos internet e uma câmera. Podemos transmitir para nossa página no facebook, além de filmar para colocar no youtube. Você deixa, não é?
-Deixo, mas…. Senhor, eu não estou no clima para cantar….
-Ele brigou com a namorada, estão por um fio de terminar. - Lucas passou a fofoca, preocupando o chefe deles.
-Mas vocês cantam tão bem juntos….
-Eu sei…. - Daniel suspirou.
-Não pode ficar assim, Daniel! Precisa colocar isso para fora, não precisa ser uma música animada, apenas preciso que cante. Acredito que o tempo passará mais rápido se nos divertimos, não?
Daniel ponderou o que o chefe tinha dito e aceitou. Enquanto Lucas buscava a câmera no escritório, conectava ao computador e posicionava em frente à parede com as guitarras, Daniel foi até o banheiro dar uma ajeitada no seu cabelo, puxando um banco para frente da câmera.
-Pode escolher uma guitarra, garoto.
-Obrigado, senhor, mas hoje preciso de um violão.
Demorou mais alguns minutos para que ele conseguisse afinar as cordas e conectar o microfone e o instrumento no amplificador, para enfim começar a tocar. Daniel passou praticamente o primeiro minuto apenas dedilhando o violão, entrando em sua própria bolha. Só existia apenas ele e aquele violão no mundo, sequer percebendo quando Lucas deu um joinha no ar, indicando que já estavam ao vivo.
De olhos fechados, Daniel se entregou de corpo e alma naquela música.
Como dói perceber que o fim
Chegou tão depressa e eu
Nem tive tempo de provar pra você
Que eu poderia ser o seu
Maior segredo é o que eu mais desejo
Será que se eu fechar os olhos
Você vai aparecer aqui
Daniel manteve seus olhos fechados, imaginando Julie bem a sua frente. Queria que ela escutasse aquela canção. Não era uma das que ele tinha composto no final de semana, mas sim quando ainda era do outro plano.
Dias passam enquanto eu penso
Em uma forma de mudar
A quem estou querendo enganar
Ele deu um solo com o violão naquele momento, demonstrando que ali deveria entrar uma bateria, preparando a voz para o que viria a seguir….
Quem sou eu pra mudar
O que o mundo escolheu
O que o mundo escolheu para mim
Tenho que aceitar
Que é melhor assim
Quem sou eu pra mudar
O que o destino escolheu
O que o destino escolheu pra nós dois
Tanto seu chefe quanto Lucas se arrepiaram da cabeça aos pés naquele momento. Toda a emoção que Daniel despejava em sua voz tocava o coração daqueles dois homens. A briga deveria ter sido bem feia, e Daniel deveria amar muito Julie para entregar tanto sentimento daquele jeito. Ele cantava toda a sua dor e frustração, tanto a fantasma quanto a viva.
Se eu partir prometo não
Te procurar depois
Quanto mais chego perto
Mais não posso suportar
O fato de não poder te tocar
Daniel finalmente abriu os olhos, olhando no fundo da lente da câmera. Seus olhos estavam levemente marejados, mas aquilo não afetava a sua voz. Ele se lembrou que estava sendo gravado, por isso tratou de mudar aquela aparência, abrindo um sorriso tímido que não era nada costumeiro dele, tocando mais um pouco os acordes do violão antes de finalizar a música. Como não haviam combinado de falar nada, fazer nenhum merchan, o vídeo apenas foi finalizado.
Daniel conseguiu rir um pouco ao notar as lágrimas no rosto do chefe.
-Estava tão ruim assim?
-Isso foi…. Isso foi…. Uau.
-Deveria cantar para ela. - Lucas declarou.
-O quê?
-A música. Ela deveria escutar. Não é algo muito romântico, que mostre todo o seu amor por ela, mas é bem bonito.
-Você acha?
-Eu e mais as cinco pessoas que assistiram a nossa transmissão.
-Isso me lembra que precisamos começar a divulgar as músicas. Nossos clientes precisam saber que a qualquer momento podem assistir a um show ao vivo!
-Eu agradeço a oportunidade, mas o senhor poderia esperar mais um tempo antes de tentarmos de novo? Não quero que meu repertório seja exclusivo de músicas depressivas.
O dono da loja concordou plenamente com o pedido. Já tinha tido a idade de Daniel, se lembrava com os sentimentos eram intensos naquela época, por isso aceitou o pedido do adolescente. A chuva não deu trégua no restante da tarde, com os três homens passando o tempo com os instrumentos. Enquanto Daniel e seu chefe discutiam acerca das cordas dos baixos que deveriam ou não serem trocadas, Lucas editava o vídeo gravado no computador. A live ainda não ficava salva no facebook, por isso cabia a ele editar o material e postá-lo no youtube, para que compartilhasse o link na página da loja.
A loja de instrumentos sempre o fazia bem , tanto na vida quanto na morte.
***
Eram perto das oito quando Daniel enfim chegou à loja de discos, completamente ensopado. Quando Martin abriu a porta para ele, sequer puxou papo, vendo o mais novo correr até o banheiro. Tudo o que ele menos queria era ficar doente naquela semana.
Félix e Martin o colocariam para fora caso seu humor rabugento piorasse com uma gripe.
Contente que Martin não o tivesse perturbado ou jogado um guarda chuva nele, Daniel se livrou das roupas encharcadas e se enfiou debaixo do chuveiro quente. Com um gemido de satisfação, ele molhou seus cabelos - em uma afronta à Julie, que condenava lavar os cabelos à noite com água quente. Como ele queria que ela estivesse lá para repreendê-lo…. Não necessariamente dentro daquele banheiro ou no chuveiro com ele, imagina! Mas ficaria satisfeito com a bronca por vê-lo de cabelos úmidos.
Julie….. Aquela música tinha sido escrita para ela quando ainda era um fantasma e ela estava no ápice da sua ilusão com Nicolas. Julie….. Como ele sentia falta da sua Julie…. Ele sequer tinha planejado tocá-la para alguém algum dia, ainda mais para o seu chefe em um show gravado! Mas Lucas tinha razão, Julie merecia ouví-la.
Apesar de começar a tomar decisões, Daniel se sentia tão perdido! Se ao menos o seu pai estivesse com ele, poderia aconselhá-lo, mas ele precisava se contentar com apenas seus melhores amigos. Ainda tinha Klaus, é claro, mas não era seu pai.
Seu pai…. Ele sequer teve a oportunidade de escutar alguma palavra dele sobre garotas, apenas que Carla não aparentava ser uma boa menina. Ele tinha percebido de cara como a garota era insistente e grudenta, não deixando o seu filho em paz. Sempre que ele pegava em sua guitarra para ensaiar, o telefone da cozinha tocava, com ele perdendo horas na ligação. Aos poucos ele tinha visto o seu filho ser sugado, mas ele não o escutava de maneira alguma! Ele até tinha tentado abrir seus olhos, mas Daniel estava preso demais àquela relação para conseguir enxergar alguma coisa.
Ele tinha sido um idiota! Como tinha se convencido que Carla gostava dele? Era óbvio que era apenas uma sanguessuga! Se ao menos tivesse seus pais com ele… O que eles diriam de Julie? O que achariam da banda deles? Sequer sabia se já haviam falecido ou não, mas não queria os procurar. Seria doloroso demais não ser reconhecido por eles.
Sem perceber, Daniel havia se encolhido feito uma bola, não sabendo diferenciar suas lágrimas da água do chuveiro. Chorando feito um bebê, ele terminou seu banho, se vestindo e indo até o quarto, sendo puxado por Martin.
-Toma, não vai fugir do jantar hoje. - Ele estendeu uma quentinha que Klaus havia encomendado.
Ele esperava um resmungo do baixista não um abraço de urso. Agarrado feito um panda no mais velho, Daniel desatou a chorar mais uma vez. Chorava por ter sido um babaca com ele trinta anos antes, por tê-lo feito aturar Carla. Por ter sido um imbecil com Julie.
E principalmente: por tomar coragem.
Ele falaria com ela.
Chapter 19
Summary:
Vagabanda - Você sempre será https://www.youtube.com/watch?v=DwvKK0RVQNc
Chapter Text
Quinta-feira, dez e meia da manhã.
Julie tinha acabado de sair do colégio, indo em direção à sua casa. Tinha se distraído com Nicolas durante a prova. Ela - e a professora - apenas observavam as inúteis e falhas tentativas de Valtinho tentar copiar as respostas da prova de Nicolas, que por sua vez fazia o possível e o impossível para não permitir que o amigo fizesse. Ela perdeu tanto tempo olhando para os dois que havia se esquecido de resolver a própria prova, somente tomando consciência quando viu Nicolas se levantar e entregar o papel à professora. Como apenas um olhar, ele indicou que a esperaria no pátio, mas ela demorou tanto que ao sair ele mesmo já havia se mandado.
Ela não o culpava, era o último dia de aula!
Se arrastando até a porta de sua casa, Julie suspirou teatralmente assim que botou os pés na sala. Ela somente tinha que voltar a pôr os pés do colégio Pandora, para pegar os resultados finais. Exausta, Julie não conseguiu planejar muito o que faria naquele dia. Primeiro de tudo: abandonou sua mochila em seu quarto, seguindo de um banho demorado. Pelos menos cinco minutos se passaram com ela enfiada debaixo do chuveiro, quase imaginando como se estivesse em uma cachoeira, deixando que a água lavasse seus cabelos. Refrescada, ela desceu e se responsabilizou pelo almoço - vendo que Pedrinho estava ocupado demais vendo o jornal do meio dia.
Às vezes ele parecia mais um senhor de idade do que um menino de dez anos.
Não muito tempo depois ela se via livre. Não tinha o que estudar nem o que fazer em casa. Mas…. Ela tinha algo mais urgente para trabalhar. Se isolando em seu quarto, ela fechou a porta para que seu irmão não reclamasse do barulho, puxando do seu caderno de física uma folha solta. Há pelo menos dois dias que ela chegava mais cedo na escola e se esforçava para compor antes das provas. Enquanto para outros revisar acalmava, escrever a ajudava. Revisar só a deixaria mais nervosa - tanto pelo conteúdo quanto por quem a tinha ajudado. Bia não tinha ideia do que ela tanto escrevia naquela folha, mas ela achava que já estava completa.
Só faltava a melodia agora.
Puxando o seu violão do pedestal, Julie se acomodou em sua cama. Munida de lápis, papel e instrumento, ela começou a dedilhar as cordas imaginando como deveria ser a música. Algo triste? Uma baladinha? Não, definitivamente não. Ela não tinha certeza se algum dia mostraria para alguém aquela música, por isso decidiu se manter no básico do violão. Foram longas pausas para ajustar e anotar o que achava melhor, sequer percebendo as horas passarem.
Era perto das três da tarde quando a campainha soou. Achando que podia ser Bia, Pedrinho se arrastou do seu quarto até a porta - sabendo que sua irmã não a teria ouvido de qualquer maneira. Ao abrir a porta, Pedrinho não conteve a surpresa ao ver o garoto parado bem a sua frente.
-FÉLIX! - Ele abraçou o amigo, o puxando para dentro sem cerimônias. - Martin não veio com você?!
-Ah, não. Ele foi “estudar” na casa de uma garota. - Félix sinalizou as aspas, deixando o menor confuso.
-Ele foi estudar ou não?
-Disse que foi, mas eu tenho as minhas dúvidas. Normalmente convidar para estudar pode significar outra coisa, Pedrinho.
Com uma careta, Pedrinho fechou a porta, arrancando risadas do mais velho.
-A sua irmã está?
-Trancada lá no quarto, como ficou desde a semana passada… - Ele disse entediado, com um leve toque de preocupação em sua voz.
-Ela não melhorou?
-Eu parei de ouvir o choro, então acho que isso é uma coisa boa, não?
-Depende muito. Você viu alguma movimentação estranha nesses dias?
-Não, só o Nicolas que trouxe ela para casa na segunda-feira.
Félix arregalou os olhos. Daniel não ia gostar nada daquilo.
-Acha que ela vai me receber a pontapés se eu for até o quarto?
-O risco é todo seu.
E com aquelas palavras de incentivo Félix subiu as escadas, parando em frente à porta do quarto de Julie, escutando um leve som de violão do interior. Se estava tocando, poderia ter melhorado.
Julie estava tão imersa na música que ao ouvir batidas na sua porta deu um pulo de susto. Não estava esperando ninguém, então quem seria? Bem, era quinta feira e ela não tinha mais provas, e o combinado com os garotos era voltar a ensaiar naquele dia. Será que Daniel tinha ido até lá para conversar? Com o coração acelerado, ela deixou o violão de lado e correu para a porta.
-Félix?
-É, sou eu. - Ele entendeu o tom de voz da amiga. - Vim ver como você estava.
-Só você...?
-Martin foi “estudar” na casa de uma garota, e Daniel foi para a loja.
Será que ele tinha aumentado os dias na loja para não vê-la mais?
-E então? Como foram as provas? Conseguiu se concentrar?
-Na medida do possível, eu acho…. E como estão as coisas na loja do Klaus?
-Elas vão bem, consegui vender uma boa quantidade de LP’s essa semana, mas acho que não é isso que quer saber, não é?
Julie olhou para o chão, se encolhendo na sua cama.
-Eu não sei como ele está, você conhece Daniel. Ele entrou na bolha particular dele, a única diferença é que não pode desaparecer por aí. - Félix se sentou ao lado de Julie na cama, confortando a garota.
-Pelo menos vocês sabem onde ele está, isso já um bom sinal, eu acho…
-E você está tocando.
-Ah, não é grande coisa…. É só uma coisa que eu precisava colocar para fora.
-Os Insólitos vão entrar na primeira fase emo da carreira, é? - Félix brincou. - Posso ouvir? Aposto que é melhor do que as letras antigas de Daniel.
-Eram tão sofridas assim?
-O que você espera de uma música intitulada Sofrimento e Humilhação, Julie? E que ainda foi um sucesso?
-A situação era tão complicada assim?
-Foi um período bem difícil para ele, mas eu não tenho o direito de contar. Nem adianta perguntar a Martin, ele é o menos imparcial nessa história toda, mas…. Foi o suficiente para ele escrever aquele clássico. E então? Posso ouvir?
Suspirando, Julie se convenceu. Batendo do seu lado do colchão, ela indicou que ele deveria sentar ali, se acomodando melhor.
-A melodia ainda não está pronta. - Ela avisou antes de começar a tocar.
Quando a Lua tentar me encontrar
Diga a ela que eu me perdi
Na neblina que cobre o mar
Mas me deixa te ver partir
Félix ficou surpreso com a metáfora escolhida, já achando uma letra linda logo nos primeiros versos.
Um instante, um olhar
Vi o Sol acordar
Por de trás do seu sorriso
Me fazendo lembrar
Que eu posso tentar te esquecer
Mas você sempre será
A onda que me arrasta
Que me leva pro teu mar
Julie se empolgou no refrão, tocando furiosamente o violão e usando magnificamente a sua voz. Por mais que pensasse em Daniel enquanto tocava, conseguia manter sua pose e não deixar mais nenhuma lágrima cair pelos seus olhos. Era exatamente daquela maneira que ela o via: seu sorriso e seus olhos como um mar que sempre a arrastavam para dentro deles, quase a afogando de amor.
Sinto a calma em volta de mim
O teu vento vem me perturbar
Me envolve me leva daqui
Me afoga de novo no mar
Laia larara iá larara iá
Me envolve e me leva
Pra longe daqui
Me perco nos teus olhos
E mergulho sem pensar
Se voltarei
Se voltarei
Félix estava estupefato! De boca aberta, começou a aplaudir a música sem ao menos raciocinar o que ela queria dizer de verdade.
-UAU! Isso sim é que é música! Deveríamos incluir no show.
-Não sei se mais outra pessoa vai ouví-la, Félix… É pessoal demais.
-E Invisível também não era?
-Era outro caso.
-Por falar em invisível, como anda o panaca?
-Até você, Félix?
-Um passarinho me contou que ele te trouxe para casa na segunda. - Ele respondeu dando de ombros.
-Se não tivesse trazido eu provavelmente estaria de cama com quarenta agora. - Ela fez drama, na tentativa de se justificar.
-E caberiam todos? - Félix perguntou, arrancando uma gargalhada de Julie (e recebendo uma travesseirada no peito). - Mas ele só te trouxe naquele dia?
-Na verdade não. Ele tem me feito companhia nesses dias. Tanto na escola quanto no caminho de casa.
-Só companhia?
-Nós também conversamos, Félix. - Ela rolou os olhos. - Ele tem me feito bem. Pediu desculpas por achar que foi o motivo da nossa briga. E não deixou de ser, na verdade. Se ele nunca tivesse me contado, eu nunca descobriria que Daniel interferiu na minha vida!
-Mas Julie….
-Eu sempre soube que ele era um cretino, mas fazer isso? Ele foi longe demais, Félix! E fugir daquele jeito quando o coloquei contra a parede! O que quer que eu pense? Eu sequer sei o que está acontecendo entre a gente! Tem uma semana e meia que ele não fala comigo, não dá um sinal de vida. Está mais sumido do que um fantasma! E Nicolas…. Ao menos ele parece se preocupar comigo… Fica tentando me distrair o tempo todo, mas nem assim eu consigo parar de pensar naquele cretino! Só consigo me lembrar daquela ideia maluca dele sobre distrair e falar mal! Ele me fez falar mal de Nicolas para esquecê-lo, enquanto Nicolas faz o contrário e odeio admitir, mas ele estava certo. Me distrair só me faz pensar mais nele depois… - As primeiras lágrimas começaram a cair do rosto da garota, que agiu automaticamente e abraçou Félix com força.
Félix estranhou o movimento, mas retribuiu o abraço. Ele viu quando a porta foi mais uma vez aberta, com Bia entrando e se preocupando.
-Quem morreu?
-Ninguém, Bia. Só estávamos conversando sobre a nova música que Julie compôs e ela se emocionou um pouquinho.
-Então era isso que ela tanto escrevia na escola? Posso ver? - E Bia tomou o papel da cama antes que algum dos dois pudesse contestar. - Uau….. Quer conversar sobre isso?
Ao mesmo tempo que ela negou, Félix afirmou.
-Eu preciso saber o que você quer fazer para conseguir te ajudar, Julie.
-Como assim? - Ela se desvencilhou do abraço, confusa.
-Na música você dizia que se escondia, tentava passar despercebida dele, e que podia até tentar esquecê-lo, mas não conseguiria. O que você sente de verdade? Eu preciso saber para tentar ajudar a vocês dois, dar suporte a ele. Tanto convencendo ele a tentar te esquecer como ajudando a fazerem as pazes. Tudo depende do que você quis dizer com a música.
-Eu… Eu….
-Quer mesmo esquecê-lo?
Julie respirou fundo.
-Não. Eu me apaixonei demais por ele para querer fazer isso. Sinto que é o que eu deveria fazer, mas não consigo. Por mais que ele tenha feito tudo aquilo…. - Bia a abraçou, dando mais apoio.
-Por mais que você não goste, vou precisar defender ele aqui. Ele contou para a gente que tinha ido visitar Nicolas, mas que tinha sido só uma assombração residual, só para dar um sustinho. Ficamos tão chocados quanto você sobre as ameaças, mas sinceramente? Ele tinah razão.
-Félix! Como ele….
-Julie, ele era louco por você. Tinha enfiado na cabeça que conseguiria ficar com você e não mediu esforços para isso. O que mais um fantasma poderia fazer para chamar a sua atenção e disputar com outro cara? Ele não podia fazer ciúmes em Nicolas e ver como ele estava te tratando foi a gota d’água. Ele só uniu o útil ao agradável.
-Quer dizer que tudo bem assombrar alguém e exigir coisas?
-Não, Julie. Olha só: quando Daniel decidiu ficar com você, nós três estávamos conversando sobre o que faríamos se ainda estivéssemos vivos. Martin queria comer pamonha, eu queria aprender a dirigir e ele ficar com você. Mas ele disse que não precisava estar vivo para isso, nós tínhamos uma banda com uma viva, então porque não tentar um relacionamento? No início estranhamos, mas demos apoio. Eu mesmo bati com o carro do seu pai aprendendo a dirigir com Martin!
-Você fez o quê?!
-O que eu quero dizer é que ele não tem de toda culpa nisso.
-E Julie, sejamos sinceras, você nem estava gostando tanto do Nicolas mais, né? - Bia contribuiu com Félix. - Só falava de Daniel a algum tempo. Na verdade, desde que Nicolas te notou como amiga.
-E a gente via como vocês ficavam nos ensaios e no restante do tempo. Nos perguntávamos se vocês dariam certo daqui a uns cem anos.
-Porque tanto tempo?
-Não queríamos que você morresse tão cedo quanto a gente. - Félix disse melancólico, mas atingiu o coração das duas. - O que ele sente por você é real, Julie, e está sofrendo com tudo isso. Eu encontrei ele chorando agarrado em Martin na segunda-feira e apesar dele não ser mais um fantasma para te ver andando com o panca, está sentido.
Ela não conseguia imaginar Daniel chorando, ainda mais agarrado a alguém. Com o coração em frangalhos, Julie voltou a chorar, sendo amparada por Bia daquele vez.
Eles não tocaram mais no assunto a tarde inteira, apenas jogando tempo fora. Félix se ofereceu para fazer pipoca, enquanto elas escolhiam alguma coisa na televisão, chamando Pedrinho para se juntar ao grupo. Horas mais tarde, todos estavam bem mais alegres e risonhos, assistindo ao capítulo de Rebeldes do dia. Félix mais implicava com toda aquela história do que gostava de fato, mas curtia os arranjos das músicas.
-O que você vai fazer, Félix? - Bia perguntou ao saírem da casa de Julie.
-Primeiro, te acompanhar até em casa. Já está de noite, e é muito…
-Félix, eu moro no final da rua. É direção contrária à sua.
-Eu não dou a mínima. Eu sou o mais velho aqui e responsável por você. E não seria certo deixar uma garota sozinha….
-Tá, tá, tá, eu já entendi. - Bia riu da confusão de palavras do rapaz. - Mas depois que me deixar em segurança em casa, o que vai fazer em relação à Daniel?
-Vou precisar colocá-lo contra a parede e forçar a me ouvir. Eles precisam conversar o quanto antes, não digo nem pelo futuro da banda, porque sei que em algum momento vão se resolver o suficiente para voltarmos a ensaiar, mas para a saúde emocional deles. Mas cá entre nós, acho que ele não vai precisar me escutar muito. Ouvi ele dizer a Martin que havia trocado o dia na loja hoje para que pudesse ter a tarde livre amanhã, então acho que ele deve aparecer por aqui.
-Se importaria se eu fizesse companhia a você amanhã na loja então? Eu tinha planejado passar o dia com ela, mas não vou nem chegar perto deles então.
-Eu adoraria. Ter você lá certamente será um alvo para Martin, e então ele não me perturba tanto.
Rindo, Bia abriu a porta da sua casa.
-Obrigada pela companhia, mas não precisava.
-Não tem de quê. Até amanhã?
-Até.
Bia só fechou a porta da sua casa quando viu Félix virar a esquina, saindo da sua vista.
Chapter 20: Vinte
Chapter Text
Julie podia se considerar de férias até a segunda-feira, quando teria que voltar à escola para pegar seus resultados - se não bastava voltar, precisava esperar até o meio-dia! A desculpa que o coordenador dava era alguma coisa relacionada à uma revisão de conceitos coletiva, mas ninguém merecia passar por aquilo! O medo sobre ter passado ou não, a dificuldade de atenção nas aulas, as férias batendo à sua porta…. Ninguém aproveitava aquelas últimas aulas de fato, a verdade era aquela.
Mas até então, ela estava de férias! E como não tinha nada melhor para fazer, apenas foi acordar às dez da manhã, e se levantar de verdade perto das onze.
-Julie, vou passar o dia na casa do Patrick! - Pedrinho gritou contra a porta do quarto da sua irmã, recebendo um resmungo de resposta.
Sem ter a responsabilidade do almoço, o menu do dia seria a sua especialidade: miojo de galinha caipira. Devidamente alimentada, Julie subiu para o seu quarto e se pôs a fazer o que sabia de melhor: passar tempo na internet. Já estava a um tempo considerável respondendo alguns comentários no site da banda e algumas menções no twitter quando o skype começou a tocar.
-Nicolas? Tudo bem? - Julie estranhou, já que somente haviam feito vídeo-chamadas duas vezes em todo aquele tempo de rolo/amizade (tendo sido bastante emocionantes, diga-se de passagem).
-Oi Julie…. Como você tá?
-Bem…?
-Isso foi uma pergunta ou uma afirmativa? - Ele riu. - Desculpa não ter te esperado ontem, mas é que você demorou demais.
-Foi mal…. Acabei me distraindo com Valtinho e esqueci de resolver a minha própria prova. Acabei saindo junto da professora.
-Você acha que tem chances dela não ter visto aquilo? - Ele estava esperançoso.
Julie apenas negou com a cabeça.
-Ela viu tudo, mas se serve de consolo, acho que isso pode contar pontos para você. Você se empenhou bastante em não deixar ele colar.
-Eu tava é com medo, na prova de química ele conseguiu trocar de prova comigo e eu não sabia como entregar para o professor! Se eu desse mole ele podia muito bem fazer aquilo de novo, e sinceramente, era o último dia de aula! Ir para a coordenação não estava nos meus planos.
-Mas ele não estuda?
-Até estuda, mas não o suficiente. Pensei que a Bia o estivesse ajudando com isso, mas pelo visto não.
-Nem ela me ajuda, acaba sendo cada um por si nas provas finais.
-E como vai ser na segunda? Ansiosa?
-Não muito, acabei tendo uma boa base de notas no meado do ano, então acho que não posso ser tão ruim ao ponto de ficar de recuperação. E você?
-Ah, eu não sei…. Sempre fui um bom aluno, mas de uns tempos para cá as coisas ficaram meio esquisitas, né…?
Julie acabou se entretendo e não vendo a hora passar. 15 minutos, 30 minutos, 45 minutos, 1h30 tinha se passado até que ela fosse despertada para o mundo real, com um som de violão vindo do lado de fora. O seu vizinho teria se comovido com sua banda e tinha decidido começar a praticar também? Não…. o som vinha do seu quintal. Será que Pedrinho tinha voltado mais cedo e ido tentar aprender sozinho? Mas aquilo seria impossível, o único violão da casa estava no seu quarto, na edícula apenas estavam a guitarra, o baixo e a bateria - e aquilo definitivamente era um violão.
-Julie? Tá tudo bem? - Nicolas estranhou a expressão confusa da garota para a janela do seu quarto.
-Acho que sim, mas acho que tem alguém tocando violão no meu quintal….
-No seu quintal?
-É, mas isso é estranho, porque meu irmão não está em casa e duvido muito que nosso antigo professor de física tenha pulado o muro de novo.
Julie não falava coisa com coisa, o que a tornou mais adorável para Nicolas. Querendo entrar no mesmo clima brincalhão que a garota, ele abriu a sua boca….
-Vai ver você também está sendo assombrada, mas por um fantasma que gosta de tocar. - Ele ria sozinho, mas foi o que bastou para a garota arregalar os olhos e dar um pulo olímpico para fora da sua cama, se atrapalhando para abrir as janelas.
Quais eram as chances do antigo fantasma ter voltado para a edícula?
O coração da garota parou por alguns segundos ao focar o adolescente parado abaixo da sua janela tocando um violão desconhecido. Daniel estava de olhos fechados, ainda não tinha percebido a presença da namorada, apenas concentrado em sua própria voz.
Como dói perceber que o fim
Chegou tão depressa e eu
Nem tive tempo de provar pra você
Naquele momento Daniel tomou coragem e abriu os olhos, deparando-se com Julie sentada na beira da janela, o encarando. Ele tinha conseguido a sua atenção - o que era uma boa coisa- mas agora precisa expor todo o seu sentimento para não deixá-la ir embora.
Que eu poderia ser o seu
Maior segredo é o que eu mais desejo
Será que se eu fechar os olhos
Você vai aparecer aqui
A expressão de Julie não demonstrava muita coisa, o deixando perdido em toda aquela situação. Mas ele era brasileiro e não desistia nunca!
Dias passam enquanto eu penso
Em uma forma de mudar
A quem estou querendo enganar
Ele deu um solo com o violão naquele momento, entregando tudo e mais um pouco. Ele esperava de coração que ela sentisse e percebesse que ele tentava mudar desesperadamente a situação - e por mais que a letra falasse exclusivamente de toda a confusão que gerou o quase término, ainda sim era uma explicação.
Quem sou eu pra mudar
O que o mundo escolheu
O que o mundo escolheu para mim
Tenho que aceitar
Que é melhor assim
Quem sou eu pra mudar
O que o destino escolheu
O que o destino escolheu pra nós dois
Julie estava ficando inteiramente tocada com tudo aquilo. Ele tinha escrito uma música para ela? Ele estava mesmo fazendo uma serenata para se reconciliar com ela? E como ele tinha entrado no seu quintal?
Se eu partir prometo não
Te procurar depois
Quanto mais chego perto
Mais não posso suportar
O fato de não poder te tocar
Foi naquele momento que Julie percebeu que não era uma música de reconciliação. Ela queria uma explicação sobre a assombração com Nicolas, e já que ele não conseguia dizer com palavras, ele dizia com a música. Com os olhos cheios d’água ela finalmente entendeu tudo. Pelo jeito que os versos se encaixavam, aquela não devia ser uma das letras escritas durante aquela semana. Aquele era o fantasma de Daniel cantando para ela. Ela sabia que se tivesse o rejeitado ainda na morte ele provavelmente faria o cantava: não a procuraria mais.
Mas Daniel era tão vivo quanto ela, e talvez as suas promessas feitas na morte não valessem de mais nada, já que ele estava parado abaixo da sua janela logo após de partir correndo da sua casa uma semana antes.
Sem dizer uma palavra ou expressar qualquer reação, Julie abandonou a janela, tropeçando no meio da escada.
-Julie? Julie? Você ainda tá aí? - Nicolas tinha conseguido ouvir de leve a música no qual Julie tinha se referido, e pelo tom de voz que ele escutou após muito esforço - e quase estourar sua caixa de som - só podia ser daquele tocador de cavaquinho idiota.
Como aquilo era possível? O panaca tinha abandonado Julie sozinha durante aquela semana estressante, e justo agora que estava livre vinha perturbá-la?! Como ele ficava naquela história? Não era justo! Ele tinha feito companhia a ela durante todo aquele tempo, estavam conversando a mais de uma hora, mas era só ele chegar tocando qualquer coisa que ela o deixava falando sozinho?
Ele não era um brinquedo.
Profundamente magoado, Nicolas desligou a chamada.
Enquanto isso, Daniel terminava os últimos acordes com os olhos cheios d’água. Tinha visto Juliana sair correndo da janela, o que só podia significar que ele não era mais bem vindo naquela casa. Suspirando fracamente, ele terminou de tocar e jogou o violão para as costas, preparado para ir embora. Ele se dirigia até a porta da cozinha quando a viu abrir em um rompante, com uma Julie ofegante parada bem no meio dela.
Eles não falaram nada, apenas se olharam por bons segundos antes que Julie o surpreendesse colando suas bocas, iniciando um beijo afoito. Ele deveria separá-la? Conversarem? Se explicar? Provavelmente sim, mas a única coisa que ele conseguiu fazer foi segurar o rosto da namorada com as duas mãos, impedindo que se afastasse. Suas bocas trabalhavam fervorosamente, esgotando todo traço de oxigênio que precisassem. Eles diziam e expressavam tudo o que sentiam e que tinham passado naquele exame de laringoscopia mútua. Saudade, arrependimento, desculpas, amor e devoção.
Apenas se separaram quando foi estritamente necessário, com Daniel precisando se apoiar no corpo de Julie para não desmaiar de sufocamento. O que Martin diria se soubesse daquilo? Ter ficado tonto e quase ter desmaiado por um beijo?
“Deve ter sido muito bom então”
E tinha sido.
-Julie….
-Daniel…
Os dois falaram ao mesmo tempo, arrancando sorrisos cúmplices um do outro.
-Me desculpe por tudo, eu não devia ter….
-Eu entendo, Daniel… Bia e Félix me ajudaram a compreender a situação principalmente Félix. E depois dessa música…. Acho que não tenho mais motivos ou direitos de ficar chateada com você. Você interferiu na minha escolha, mas era o seu jeito de tentar ser notado.
-Eu queria ter te feito entender isso naquele dia, mas fui incapaz. Fiquei tão nervoso que só vi a alternativa de fugir antes que tomasse uma decisão precipitada.
-Eu fiquei bem irritada com isso, mas acho que foi o melhor. Poderíamos ter nos ofendido muito se tivesse ficado.
-Mas…. Agora que esclarecemos parcialmente a situação, como ficamos?
-Achei que esse beijo tivesse dito tudo. Eu acho que te amo, não quero me separar de v….
Daniel não aguentou de felicidade, levantando a namorada do chão e a rodopiando, finalizando com mais um beijo de tirar o fôlego. Ela achava que o amava!
-Eu nunca mais vou te magoar, Julie. Eu prometo!
Com um sorriso de orelha a orelha, ela o abraçou com força, permanecendo naquele lugar acolhedor por bons minutos.
***
-Posso saber como você entrou no meu quintal? - Julie perguntou no meio das escadas, indo em direção ao seu quarto.
Eles não viam problema em se alojarem no quarto dela - já que a maior parte do seu convívio tinha sido naquele cômodo. Não viam problema porque até então os maiores contatos que tiveram haviam sido após o show e minutos antes. Era muito cedo para avançar para a terceira base, tanto que nenhum dos dois sequer havia cogitado aquela hipótese. Estavam bastante felizes apenas com os amassos trocados.
-Eu vivi aqui por mais de seis meses, lembra?
-Mas não te dei uma chave, você não precisava. E duvido muito que tenha pulado o muro que nem meu antigo professor de física, ao menos não com esse violão. De onde é, aliás?
-Não, eu usei a que seu pai deixa debaixo do vaso de planta na entrada. Achei que você me ouviria melhor debaixo da sua janela, fora que não queria que seus vizinhos soubessem dos nossos problemas.
-Acho que eles já sabem. Félix me contou que brigamos na frente do microfone.
-Acontece. - Ele apenas deu de ombros. - O violão é da loja, meu chefe por incrível que pareça me emprestou para tocar para você.
-E por que ele faria isso?
-Ele é bem fã da banda e de nós dois como casal. Ficou muito triste quando soube que estávamos por um fio de terminarmos e quis tentar ajudar a colocar para fora o que eu sentia. Lembra que ele tinha dado permissão para algumas apresentações promocionais?
Daniel tinha colocado o violão cuidadosamente na mesa do quarto da namorada, a puxando para bem próximo do seu corpo, a envolvendo em um abraço íntimo.
-Lembro, você chegou a fazer algum?
-Fiz, e como eu não estava apto de cantar alguma coisa feliz e as letras que estava trabalhando eram muito… depreciativas….
-Félix deu a entender o nível delas, mas não soube dizer como eram….
-Eu decidi cantar essa música. Eu escrevi quando ainda estava morto e achando que a anta do Nicolas ia conseguir ficar com você. Foi um pouco antes de tomar a decisão de tentar, por isso ela é tão triste.
-Não achei triste, achei muito bonita.
-Bem, Lucas achou ela bonita, mas disse que não transmitia os meus sentimentos. Ao menos não os vivos.
-E mais alguém ouviu a música?
-Não, só meu chefe e Lucas. Foi na segunda-feira, aquela chuva não deixou ninguém ir até a loja. Então além de cantar, eles gravaram para colocar na página da loja.
-Não acha perigoso? Você está sem a máscara….
-Acha que vão conseguir me identificar só pela minha voz que quase nunca uso e raramente usarei na loja? Está tudo sob controle, Julie. Os únicos que sabem sobre nossa identidade são Klaus, meu chefe, Lucas e…. O panaca. - Daniel não rolou os olhos, apenas deu um sorrisinho.
-Agora você ri, não é? - Julie se aninhou mais em seus braços, abraçando seu pescoço.
Daniel respondeu com um breve beijo em seus lábios, encerrando o assunto por ali.
Preciso devolver o violão ainda hoje, então não vou poder ficar até muito tarde. Tudo bem?
-Não querendo te expulsar daqui, mas meu pai não sabe sobre nossos ensaios no meio da semana, nem que você é meu namorado. Te encontrar sozinho aqui acho que não seria um bom final de sexta. A propósito, você não tinha que estar na loja?
-Troquei de dia para vir aqui hoje. Fui ontem por não querer te encher logo depois das provas, mas também não queria esperar muito para nos resolvermos.
-E pelo seu chefe ser fã do casal não viu problemas nisso?
-Não. Precisamos providenciar um lugar na primeira fila no próximo show, que se você não for contra, poderia ser antes do final do ano?
-Depende de como vou me sair nas provas finais…
-Pensei que toda aquela cola tivesse te dado uma base para não se preocupar tanto agora.
-E deu, mas eu não contava ter uma briga monstruosa com meu namorado nas últimas provas, sabe? Eu dei o meu melhor, mas não tenho ideia de como fui. Só vou saber na segunda-feira.
-Segunda fica complicado para eu te buscar no colégio… Se importaria se Martin fosse buscar vocês? Assim vocês podem ir adiantando a reunião no Klaus e não ficamos tão atrasados.
-Acho que não vai ser nenhum esforço para ele. Na verdade, acho que vai ignorar a gente e puxar o saco da Shizuko. Ele ainda fala dela?
-Porque ele falaria dela?
-Então você não soube? - Julie se desvencilhou com força, chocada.
-Soube do que? - Daniel estava mais do que confuso, não entendia nada.
-Eles ficaram na festa do Valtinho!
Primeiro Daniel arregalou os olhos, depois deixou sua boca cair para enfim amarrar a sua cara.
-AQUELE CRETINO! ME REPREENDEU POR TENTAR FICAR COM VOCÊ E ELE MESMO BEIJOU UMA VIVA?! - Inconformado, Daniel se sentou com força na cama de Julie, sem saber como reagir.
-Repreendeu como?
-Me questionou várias vezes se eu tinha certeza daquilo, e sempre fazia uma careta quando eu afirmava, mas…. Como ele conseguiu isso e eu não?
-Na verdade…. Shizuko não tem ideia de como ele é. Ele a convenceu a tirar o óculos pela máscara….
Daniel olhou rápido para Julie, até que começou a rir.
-Aquele…. Eu nem me surpreendo mais nas artimanhas dele para ficar com alguém.
Ignorando a expressão artimanhas, Julie se sentou ao lado dele, reparando brevemente em como repetiam a mesma cena de meses antes: a folga de Daniel o tinha feito se deitar, batendo ao seu lado indicando que queria que ela fizesse o mesmo.
-Eu fico me perguntando como teria sido beijar um fantasma, mas perguntar a Shizuko não seria nada legal. - Julie jogou no ar se acomodando melhor ao seu lado.
-Você poderia ter descoberto por si mesma, mas não me deu bola…
-Quem disse que não dei?! Você quem não soube interpretar os meus sinais!
-Juliana Spinelli, não me diga que você me deu sinais! Você só falava do Nicolas pra lá e pra cá!
-Pelo o que eu bem me lembro da última vez que nos vimos antes de vocês desaparecerem você testou as minhas reações, exatamente como estamos agora.
-E você não expressou nada…. - Ele se lembrava de como esperou por um sinal, mas não recebeu nada.
-Daniel, o que eu mais queria era que você tivesse me beijado! Você estava tão perto…. Mas não tive coragem de tomar o primeiro passo, e acabei caindo no sono...
Daniel não precisou de mais nada. Imediatamente puxou a namorada para um beijo cheio de ternura e paixão, acariciando seu rosto como naquele mesmo dia. Seus toques agora eram tão diferentes, tão calorosos e físicos… Ele também se perguntava como teria sido beijá-la ainda enquanto um fantasma, mas tinha absoluta certeza que era muito melhor agora. Empolgados, não perceberam como e quando os beijos foram se intensificando, deixando mais quente o ambiente. Ele apenas existiam um para o outro, expressando todo o sentimento em suas bocas. Quando precisaram de ar, repararam que Daniel tinha metade do seu corpo em cima do de Julie - um avanço considerável para o relacionamento dos dois. Envergonhados, voltaram a ficar lado a lado, apenas jogando conversa fora e beijos ocasionais pelo restante da tarde.
***
Eram quase sete da noite quando Daniel passou esbaforido pela porta da loja de instrumentos, procurando pelo seu chefe.
-Onde é o incêndio, Daniel? - O homem perguntou ao ver o estado do seu funcionário.
-Pensei…. que tivesse perdido… a hora…. - Ele se apoiava no balcão, respirando com dificuldades.
-Seu expediente é só na segunda, rapaz… - O chefe tirava uma com a cara do mais novo.
-Mas eu precisava devolver o violão, seria tentação demais ficar com ele durante a semana.
-A julgar por essa sua boca inchada ele foi de boa utilidade, não é?
Daniel sorriu de orelha a orelha acenando a cabeça como um cachorrinho.
-Nós voltamos, e ela adorou a música.
-Fico muito feliz em ouvir isso! Já posso esperar uma música mais animada para o próximo pocket show?
-Com toda certeza.
Chapter 21: Vinte e um
Chapter Text
O final de semana passou voando, trazendo consigo o melhor ensaio de todos os tempos. Todos da banda tinham suas energias renovadas, compartilhando muito melhor o microfone. Apesar de Julie dominá-lo a maior parte do tempo, durante a sua pausa os garotos ensaiavam o seu solo, permitindo que ela bebesse um pouco de água.
Seu Raul tinha até mesmo ficado de tiete enquanto eles cantavam, maravilhado pela extensão vocal dos três. Segundo o próprio, já panfletava a banda deles por todo o trabalho, divulgando o videoclipe deles por mala direta para o restante dos funcionários.
Aquela era uma das vantagens de ser o chefe.
Mas enfim a segunda feira tinha chegado e com ela o grande dia: Julie estaria livre para não fazer nada por três meses ou precisaria estudar um pouco mais? Ansiosa com o resultado, ela se arrumou cedo e foi com Pedrinho até o colégio, esperando ansiosamente pelo resultado.
-Você vai com a gente para a loja de discos, Pedrinho?
-É alguma ocasião especial?
-Martin vem buscar a gente na hora da saída para começarmos a reunião sobre o próximo show. Você quer ir?
-Posso não ir…? Não vão precisar de técnico de som hoje.
-Tudo bem, mas promete pensar na disposição para o próximo show?
-Em algum momento da semana.
Sob o barulho do sinal, cada um seguiu para o seu lado da escola, logo estando nas salas de aula. Por mais que os professores tentassem, não tinham controle sobre os adolescentes naquele dia. Em determinado momento tinha até desistido de tentar, preferindo passarem de fase no candy crush do que revisar algum conteúdo.
-Você não tinha esse sorriso no rosto até quinta feira, Julie. O que foi que aconteceu? - Shizuko perguntou no meio da manhã, se acomodando na carteira da garota.
-Verdade, na hora que eu saí da sua casa você parecia que ia morrer de tanto chorar. - Bia completou.
-Daniel passou lá em casa na sexta feita.
-E vocês conversaram?
-Não exatamente…
Vendo os olhares maliciosos das amigas, Julie corou como um pimentão voltando atrás.
-E também não fizemos nada disso!
-E como se resolveram? É óbvio que isso aconteceu.
-Ele fez uma serenata para mim.
-Como é que é?!
-Oi?!
-Eu também fiquei bastante surpresa, mas lembram que ele saiu correndo no meio da nossa briga sem conseguir se explicar?
-Aham.
-Ele escreveu uma música se explicando e eu não pude aguentar continuar brigada com ele…
-Pensei que vocês tivessem dito que ele fazia o tipo de bad boy… - Shizuko se lembrou de meses antes.
-E ele faz, isso está surpreendendo toda a banda, e sinceramente? Acho que até ele mesmo. A propósito, uma pessoa vem fazer uma visitinha hoje aqui e acho que você vai gostar.
-Quem?
-Martin. Daniel pediu para ele nos acompanhar para adiantarmos a reunião da banda, já que ele vai estar na loja hoje. Provavelmente não precisaríamos de um acompanhante, mas algo me diz que …
-Ele com certeza pediu para Martin dar uma olhada no Nicolas. Certeza. - Bia declarou.
-E como ele não é bobo vai tentar falar com Shizuko.
-Como sabem disso? - A careta desconfortável dela dizia tudo.
-Só um palpite.
-Não sei se seria uma boa ideia…. Ele é legal, mas toda vez que me lembro daquele beijo….
-Acredite, você vai querer vê-lo. Sabia que ele está concorrendo ao colírios da capricho?
-Não sei se posso dizer se estou surpresa ou não, nunca vi o rosto dele.
-Pode deixar que ele não vai tirar seus óculos hoje.
-Conhecendo ele é bem capaz de fazer tudo para ser notado.
Elas estavam tão distraídas que sequer repararam nos olhares irritadiços que Nicolas enviava para as três.
-Que cara é essa, Nicolas? Parece que nem dormiu a noite. - Valtinho perguntou estranhando o comportamento do melhor amigo.
-Julie voltou com aquele…. cara .
-Ela te contou?
-Não precisou, estávamos fazendo uma vídeo chamada quando ela escutou um barulho do quintal. Quase queimei minha caixa de som, mas consegui ouvir a voz dele. Acredita que ele foi fazer uma serenata de desculpas?!
-Cara…. Sinto te dizer mas ele está um nível acima da gente.
-Qual é, Valtinho?! Tá me tirando?!
-Não, mas você sabe cantar?
-Não.
-Sabe tocar alguma coisa?
-Não.
-Então a única coisa que te resta é se vestir de cavaleiro medieval e se declarar, o que vimos que não funcionou.
-Eu te odeio.
-Disponha.
Não demorou muito mais para eles terem os resultados. Como esperado, Bia, Julie, Shizuko e Nicolas tinham conseguido alcançar todas as médias, com Valtinho e Talita ficando de recuperação em algumas matérias. Eles até teriam conseguido ir embora direto, se Valtinho não tivesse interceptado o grupo, pedindo ajuda de Bia para estudar - que disse pensar no caso.
As meninas acabaram fazendo hora no pátio do colégio, esperando pelo garoto que ainda não havia chegado.
-Repararam que Nicolas mal falou com Julie o dia todo?
-Sério? Ele me cumprimentou agora a pouco…
-Bem diferente do comportamento da semana passada, não é? Parecia que tinha passado cola em vocês dois!
-Sério?
-Juliana do céu! Como não percebeu isso?
-Sei lá, eu só não ligava. Estava ocupada pensando em outra pessoa.
-Que Nicolas não te ouça, se não o drama vai ser forte.
-E por falar em drama, olha quem vem lá! - Julie indicou Martin com o queixo.
Shizuku, que estava de costas para a entrada, se virou com a indicação da amiga, tendo sua atenção voltada para a única pessoa vindo na direção deles.
-Aquele é o Martin…?! - Ela estava chocada por sua beleza. Tão loiro, tão bonito.
-O próprio.
- Porque ele tinha que beijar tão mal ???? - Ela sussurrou para as amigas, que desataram a rir.
-Até onde eu sei nunca vesti uma fantasia de palhaço. - Martin declarou ao chegar próximo o suficiente. - Meninas, Shizuko! Quanto tempo que não nos vemos!
-Eu disse que ele ia fazer isso.
-Tempo é relativo, já que eu nunca tinha chegado a te ver de verdade. - Ela respondeu, fazendo um sorriso abrir no rosto dele.
-Não foi por falta de vontade.
-Então porque tirou os meus óculos?
-Uma troca justa, não acha? Minha máscara pelos seus óculos.
-Não. Sem os óculos eu continuei não te vendo.
-Mas agora estou bem aqui na sua frente, sem ela.
-Martin, nós estamos aqui, caso tenha se esquecido.
-Jura? Pensei que já tivessem ido para a loja.
-Escuta, gente. Não quero atrapalhar o compromisso de vocês. A gente se vê. - Shizuku se despediu e foi embora, deixando um Martin sorridente para trás.
-Foi comigo que ela falou? - Ele perguntou.
-Certamente que não. - Bia respondeu pegando a sua mochila e se levantando de onde estava.
-Como pode ter tanta certeza? Ela falou alguma coisa?
-Não tinha sido você a ir “estudar” na casa de uma garota na semana passada?
-Não estou chocado em como a fofoca corre rápido, mas muito me surpreende a visão que vocês têm de mim! Nós só estudamos, sério.
Desacreditadas, as garotas continuaram o caminho para a loja de discos. Não muito tempo depois eles pararam em um mercadinho e se abasteceram de cup noodles, preparando o almoço dos quatro. Quando enfim chegaram à loja, Félix tinha acabado de assumir o posto no caixa, deixando Klaus arrumando o estoque das recentes aquisições.
-Trouxemos almoço! - Martin declarou ao entrar, atraindo atenção para eles.
-Comida de verdade ou instantânea? - Klaus perguntou como adulto responsável.
Julie e Bia apenas responderam com um sorriso cúmplice.
-Podemos começar a reunião depois de comer? Martin disse que trariam o almoço, então esperei vocês. - Félix pediu, segurando o estômago.
Quinze minutos depois os quatro estavam reunidos na copa, comendo seus instantâneos.
-Daniel não vai conseguir mesmo participar hoje? - Bia questionou.
-Não, ele pediu para adiantarmos a conversa, que depois os garotos atualizam ele de noite.
-Fiquei feliz que vocês tenham se resolvido. Se não tivessem, acho que o ciclo de shows desse ano já estaria encerrado.
-Nós também ficamos muito felizes com isso, mas precisava ver a melação que estavam no sábado! Não sei como seu Raul não percebeu! - Félix reclamou.
-Estava me dando até alergia, e olha que eu não me importo com isso. - Martin alfinetou ainda mais.
-Ah, para de palhaçada! Fomos obrigadas a ver a sua tentativa de flerte com Shizuku hoje e não falamos nada!
-Ah, ele encontrou com ela? - Félix perguntou sorrindo.
-É, mas ela não deu muita atenção a ele.
-Eu acho contrário. - Martin estufou o peito.
-Deixando isso de lado, será que Klaus consegue marcar um último show antes do Natal? Acho que se for na semana de ano novo corremos o risco do maior público viajar e não aparecer.
-Acho que sim. Eu já tinha dado uma olhada na agenda da loja, e ela estava vazia. - Félix se lembrou. - Mas precisamos confirmar com ele primeiro. Vamos cobrar ingressos?
-Acho que um valor simbólico, apenas para garantir o espaço e a manutenção dos instrumentos. O que acham de cinco reais? - Bia sugeriu. - Da última vez Pedrinho e eu contamos por alto cerca de quarenta pessoas, o que daria um lucro de duzentos reais. O suficiente para a troca de cordas de emergência e futuros gastos com o amplificador.
-Eu acho o valor bom, mas não sei se pagariam para nos ver…. - Julie disse insegura.
-Precisamos tentar para saber. Não deve ser pior que nosso primeiro show.
-Pelo menos daquela vez vocês conseguiam ver o público…
***
Já tinha algum tempo que o horário de almoço tinha acabado, com Félix voltando para o seu posto no balcão. Martin e Julie disputavam no arcade, com Bia agendando com Klaus o próximo show, já trabalhando na publicidade. Tudo isso até o telefone dela tocar.
Pedindo licença, Bia abriu a sua caixa de entrada e leu o e-mail recebido. Em um rompante, ela correu até o caixa, implorando que Félix a deixasse usar o computador.
-Félix, por favor!
-Aconteceu alguma coisa?
-Precisa entrar no site da capricho. Preciso confirmar uma coisa.
Sem entender muita coisa, o rapaz entrou no site, vendo no banner da página inicial o link para os finalistas do colírios daquele ano. Não precisou pensar muito para saber que era lá que ela queria clicar, fazendo a gentileza para Bia. Rolou um pouco a página até dar de cara com a foto de Martin.
-É isso? Martin é um colírio oficial? - Ele falou mais alto atraindo a atenção de todos.
-Em qual posição que fiquei? - E perguntou do arcade.
-Sétima.
-Ah, muito boa para quem acabou de voltar a vida.
Eles não tinham se tocado da real importância daquilo tudo.
-Martin! Eu acabei de receber um e-mail da revista. Por você ter sido um finalista vão fazer uma entrevista presencial! Não acreditei, por isso vim conferir.
-Minha primeira entrevista? - Ele se distraiu do jogo, voltando seu corpo para a garota.
-É. Na quarta feira. Não vamos precisar ir até São Paulo, uma jornalista virá até aqui, porque outros garotos também são da região. Não é um máximo?!
-E como é isso?
-Ah, ela provavelmente vai fazer algumas perguntas da sua vida, e vai tirar fotos. Então tenha uma boa noite de sono, por favor. Queremos você com aparência viva.
-Tem noção do que está acontecendo, Martin? - Julie se animou. - Você vai aparecer em uma revista! É o primeiro de nós a ganhar visibilidade!
-É, mas não vou poder falar da banda. Se o nosso lance é o mistério por trás das máscaras, não posso entregar o meu rosto assim.
-Vamos pensar em alguma coisa. Você pode dizer que é super fã da banda, vai atrair atenção do mesmo jeito!
-Esse é só o começo de tudo, Martin. O começo do sucesso dos Insólitos.
Chapter 22: Vinte e dois
Chapter Text
Mesmo após o incidente com o amplificador um mês antes, Julie continuava a não ouvir Pedrinho. Ela mais uma vez não havia feito a manutenção nos instrumentos, resultando nas cordas do seu violão estouradas na noite anterior. Sem ele, Julie não poderia dar continuidade na melodia da sua música para Daniel - não que ele fosse de fato escutar um dia, mas a letra tinha ficado tão bonita que ela se recusava a deixá-la inacabada.
Só havia uma alternativa: fazer uma visitinha à Daniel na loja de instrumentos e pedir cordas novas.
Julie estava de férias, podia fazer o quisesse! Até mesmo ir de manhã para passar o restante do dia livre, mas de manhã Daniel ainda não estaria no trabalho. Sendo assim, ela esperou pacientemente às 14h para sair. Com seu violão dentro da capa e preso às suas costas, Julie foi em direção à loja, vendo o sorriso de Daniel aumentar assim que a viu entrar.
Por ele estar atendendo outra pessoa, ela esperou mais um pouco, recusando educadamente o atendimento de Lucas.
-Ah, é a namorada do Daniel, não é? - Ele se lembrou do dia do show.
-Ela mesma.
-Fico feliz que tenham voltado. Ele era um pé no saco quando vocês estavam brigados.
-Eu sei, ele era exatamente assim quando nos conhecemos.
-Ele? Chato com você?
-Estava mais para odiar toda a minha existência, até descobrir que eu cantava bem. Aí me convidou para a banda dele e passou a me defender com unhas e dentes.
-Ei, Daniel! - Lucas se virou para o rapaz, que acabava de registrar a compra de um conjunto de microfones. - Aceitou Julie na banda por interesse?
-Admito que no começo sim, mas agora é de verdade.
Julie sequer ligava para aquilo. Eles eram fantasmas, era óbvio que estavam interessados na possibilidade de tocarem mais uma vez. Nem mesmo era uma surpresa para ela aquela confissão.
-E agora sou eu quem estou agindo por interesse aqui. Pode me ajudar? - Julie chamou a atenção.
-Aconteceu alguma coisa com seu violão? - Daniel perguntou, percebendo o instrumento preso às suas costas.
-Preciso de cordas novas. Não fiz a manutenção e elas arrebentaram ontem a noite. - Era possível ver o curativo em seus dedos, onde tinham acertado com toda força.
-Julie…! - Daniel amarrou a cara, cruzando os braços. - Quantas vezes precisamos te avisar sobre a manutenção dos instrumentos?!
-Mas se a cada vez que estragar alguma coisa eu trouxer aqui….
-Não me importa isso, podíamos ter levado um choque com o amplificador, e olhe só seus dedos! - Ele tomou a mão de Julie na sua, mostrando os curativos. - Não pode se machucar desse jeito por esquecimento!
-Me desculpe, mamãe….
-Mamãe uma pinóia! Esqueceu que eu sou o líder da banda? Se quiser continuar a tocar vai precisar ser mais atenta e escutar a gente!
-Daniel, a gente ensaia na minha casa.
-Isso não é nenhuma desculpa. - Daniel não tinha argumentos para aquilo. - Meu recado já está dado, agora posso ver o violão?
Tirando o instrumento das costas, o entregou com a capa e tudo, seguindo o namorado até o balcão. Viu ele tirar da prateleira uma caixinha com cordas novas, abrir e substituir as antigas. Não contente em apenas trocar, Daniel perdeu algum tempo afinando as cordas, entregando para a namorada testar.
-Está bom?
-Acho que o Lá ainda não está no tom.
-Deixa eu ver. - Daniel pegou o instrumento nas mãos e começou a tocar, totalmente focado em seu ouvido musical.
-Estamos tendo outro show e eu não sabia? - O dono da loja apareceu, surpreendendo a todos.
-Não, senhor. Só estou afinando o violão para Julie. - Daniel respondeu, voltando a se concentrar na corda Lá.
-É um prazer finalmente te conhecer, Julie! Daniel fala muito bem de você, e você canta muito bem. - O dono apertou a mão da garota, felicíssimo.
-Ele fala?
-O tempo todo. Fico feliz que tenham se acertado, ele chegou a te mostrar a música que fez?
-Pensei que o senhor tivesse emprestado o violão para ele me mostrar…
-Bem, se ele não tivesse te mostrado e eu afirmasse que sim seria um motivo para confusão entre vocês dois. A propósito, tenho boas notícias, Daniel!
-O quê?
-Estamos batendo quase dez mil visualizações com seu vídeo cantando!
-Dez mil em cinco dias?! Em um canal que não tinha nada relacionado a shows, apenas propagandas?! - Lucas se exaltou. - Isso é excelente!
-Daniel, nem o nosso primeiro videoclipe tem tudo isso! - Julie se empolgou.
-Será que a máscara faz tanta diferença assim? - Ele ficou confuso.
-Uma máscara ou não não transmitiria todo aquele sentimento, Daniel! - Seu chefe se exaltou. - Aquilo era arte pura!
-Eu posso ver o vídeo? Ele nem me avisou que tinham postado. - Julie pediu na cara de pau, sendo levada para o computador do balcão por Lucas.
A cada nota que Daniel cantava, Julie se arrepiava. Lágrimas brotavam dos seus olhos por sentir tudo mais uma vez, vendo o fantasma à sua frente. Aquilo tudo era demais: o lugar em que o fantasma de Daniel morara por um tempo, onde ele a tinha levado para passear, o mesmo lugar que chorava todas as suas dores pelo panaca do Nicolas.
-Você…. Gostou?
-Estou surpresa por terem só dez mil visualizações! Se continuar nesse ritmo, o próximo deveria ser logo, para não perder público.
-O que acha da semana anterior ao Natal?
-Temos um dos Insólitos no sábado, mas acho que se tocar na sexta consigo recuperar a minha voz.
-Então me faça o favor de preparar uma música mais alto astral para próxima vez. E Julie, você está mais do que convidada para participar.
___________
Enquanto Julie se intrometia na loja de instrumentos, Bia buscava Martin para irem até a entrevista com a Capricho. Não seria muito longe do centro, em um estúdio fotográfico em um prédio comercial. Martin não aparentava estar nervoso, mas sim contente com a possibilidade de finalmente poder voltar a aparecer para terceiros.
-Aquela máscara de vaca tira todo o meu brilho, Bia! Uma coisa era eu me contentar enquanto ainda estávamos mortos, mas agora?
-Eu não me surpreenderia se você conseguisse mudar de posição no ranking…. - Bia ponderou. - Mas a competição já estava acontecendo desde o início do ano, só te inscrevemos agora no final.
-Mais um motivo para estar apenas no sétimo lugar.
Eles não demoraram a chegar, acomodando-se o melhor que puderam na pequena sala. Além de Martin, mais dois garotos esperavam, faltando apenas um. Quando ele finalmente chegou, Bia se afastou, dando maior privacidade a eles. Não que Martin precisasse, mas talvez os outros colírios ficassem encabulados com uma garota desconhecida no ambiente.
-Como vocês se chamam mesmo? - Martin quebrou o gelo, enquanto esperavam pela repórter.
-Rafael, fiquei em quinto.
-Miguel, em nono.
-Arcrebiano, em primeiro.
-Martin, em sétimo.
E com aquela maravilhosa interação, eles começaram a trocar algumas palavras. Miguel era o mais novo, tendo apenas catorze anos, enquanto Arcrebiano era o mais velho, com dezenove. Rafael tinha acabado de completar dezesseis, enquanto Martin tinha recém voltado aos dezoito. A repórter não demorou muito mais para chegar, começando a entrevista com eles. Cerca de uma hora tinha se passado quando a conversa finalmente se focou em Martin - que naquela altura do campeonato já tinha feito amizade com Arcrebiano.
-E então, Martin! Você não é brasilerio?
-Tenho dupla cidadania, canadense e brasileira. Vim para cá quando ainda era um bebê. Cresci em Taubaté, mas me mudei para Campinas no início do ano.
-Algum motivo específico para a mudança?
-Eu e meus amigos viemos para uma audição, nós temos uma banda, sabia? Mas não passamos. Como não tinha nada que nos prendessem em Taubaté, ficamos por aqui mesmo.
-Seus pais não falaram nada sobre isso?
-Nós somos órfãos. Eles infelizmente morreram em um acidente de carro, então mudar fez bem a todos nós.
Todos no recinto se compadeceram, dando tapinhas em suas costas.
-Sinto muito… Então você tem uma banda?
-É, por enquanto é só de fundo de garagem, mas pretendemos lançar o nosso primeiro clipe em algum tempo. - Fundo de garagem, sei…. Martin bufou internamente.
-E o que te levou a se inscrever no concurso?
-Ah, isso não foi ideia minha. Tá vendo aquela garota escondendo o rosto ali do lado? Ela quem me inscreveu.
-É a sua namorada?
-A Bia?! Pffff… claro que não! Ela é só uma amiga.
-Então está solteira? - Arcrebiano perguntou interessado.
-Da última vez que eu soube ela estava saindo com um indivíduo chamado Válter, então não sei.
-Válter para Arcrebiano não tem tanta diferença. - Ele abriu um sorriso, piscando para ela.
Bia não tinha ideia do que era conversado, mas corou com o sorriso do mais velho.
-Tem alguma garota no seu coração, Martin?
-Ter até tem, mas ela infelizmente não me dá bola. O que posso fazer? Apenas jogar a bola para frente! Não sou o tipo de cara que sofre por bastante tempo, e depois de todos os acontecimentos recentes…. O que eu menos quero é desperdiçar o meu tempo sofrendo por banalidades. Vir para essa cidade foi como…. Um sopro de vida. Nós renascemos de novo aqui, e só tenho a agradecer aos amigos que fizemos por nos ajudarem nisso, não desistindo de nós quando simplesmente mais pareciamos espíritos vagando por aí.
O discurso era todo muito bonito, arrancando lágrimas da repórter - e certamente de todas que lessem a matéria. Só que ao invés dos pais deles, Martin se referia a eles próprios que de fato eram fantasmas vagando pela cidade. Campinas tinha sido o sopro de vida necessário para que eles retornassem à vida. E sinceramente? ele já tinha tido seus primeiros dezoito anos de vida para sofrer por garotas, agora que tinha a segunda chance não queria desperdiçar seu precioso tempo com disse me disse, apenas queria seguir seu sonho na música, com a banda.
Encerrando a entrevista, a sessão de fotos começou. Uma série de fotos individuais foram tiradas, assim como em grupo. Acabou que as fotos em dupla foram divididas por idade, fazendo com que Arcrebiano e Martin ficassem juntos - o que faria as garotas questionarem com quem deveria ter ficado o primeiro lugar de verdade. Após duas trocas de roupas, mais interação entre os garotos e fotos sem sentido algum (graças a Deus nenhuma como Júnior Lima sentado em uma banheira de miojo) a sessão se encerrou.
Enquanto Bia esperava Martin, percebeu Arcrebiano passar por ela.
-Bia, não é? - Ele perguntou.
-Sim…?
-Arcrebiano. Martin falou muito bem de você.
Bia fez uma expressão desconfiada, fuzilando Martin.
-A gente se vê por aí. - O mais velho se despediu dos dois, indo embora.
-Porque ele veio falar comigo, Martin?
-A culpa não é minha, ele se interessou por você, só isso!
-E você não disse que eu estava com Valtinho?
-Vocês por acaso namoram de verdade? Eu só disse que da última vez que soube você estava com um Válter, e ele disse que de Válter para Arcrebiano não tinha tanta diferença. Então julgo eu que ele provavelmente vai te adicionar em algum lugar. Sabia que ele foi o primeiro colocado?
Bia ficou em silêncio por alguns segundos, pensativa.
-Você tem razão. Se tivesse mais tempo, seria o primeiro colocado fácil, fácil.
Chapter 23: Vinte e três
Notes:
dedicado a minha leitora que não é do Brazil♥
Chapter Text
A semana anterior havia sido uma correria e loucura sem fim. Com o pocket show marcado para a sexta-feira, Daniel havia passado a quinta feira dividido entre ensaiar para seu solo e para o show de sábado à noite. Decidido a cantar uma música mais leve, ele tinha passado a quinta-feira à noite terminando de ajustar sua voz e acordes do violão com a ajuda de Félix e Martin, quando se encontravam sozinhos na loja de discos.
A pedidos do seu chefe, Julie o acompanharia na sexta-feira, mas tinham entrado em um acordo que ela não apareceria na frente das câmeras. Após uma rápida conferida nas redes sociais da loja, perceberam que o clipe de Daniel já ultrapassava as cento e oitenta mil visualizações - o que era um forte indicativo que muita gente sabia sobre sua identidade e se Julie aparecesse junto dele os Insólitos iriam carreira abaixo.
Mas nada impedia dela aparecer para dar apoio moral ao namorado. Acompanhada de Martin, Bia e Pedrinho, eles chegaram cedo na loja e ajudaram Lucas e Daniel ajustarem tudo - com Pedrinho até mesmo dando algumas dicas de ângulos para Lucas, que ficou atônito com o talento do pré-adolescente.
Mas atônitos mesmo ficaram os Insólitos quando perceberam a pequena multidão que Daniel havia chamado apenas com o anúncio na página da loja. Se antes pelo menos cinco pessoas estavam sendo atendidas na loja, com a chegada do horário do show mais vinte apareceram, fotografando e filmando o rapaz. Até mesmo ele ficou boquiaberto com aquilo, chegando a gaguejar um pouco antes de se apresentar. Mas a felicidade que ele emanava não tinha preço.
Se antes sua dor e sofrimento haviam atraído milhares de pessoas como mariposas são atraídas para a luz, agora era sua felicidade. Ele adorava tanto estar vivo!
Recebendo os parabéns do seu chefe e colegas, ele permaneceu o restante da noite de boca fechada, se permitindo abri-la apenas para dar um beijo de tirar o fôlego em Julie, não se importando sobre onde estavam - coisa que Martin resolveu tapando os olhos de Pedrinho, que fazia uma careta para a irmã. Como o show dos Insólitos seria apenas à noite, ele tinha o restante da noite e do dia para cuidar da sua voz. Ele não cantaria tanto quanto Julie, mas começavam cada vez mais a ganhar seu espaço, com uma ou duas músicas solo do Apolo 81.
Aquela seria a primeira vez que cobrariam ingressos - apenas cinco reais, um valor simbólico para a manutenção dos instrumentos durante o final de ano. Pessimistas, achavam que perderiam público por cobrarem, mas se surpreenderam ao constatarem que a loja estava superlotada! Bia ria de nervoso perto da porta, não sabendo como avisar para quem chegava que já estavam lotados.
O show demorou alguns minutos para começar, tamanha surpresa dos músicos. Por trás das suas máscaras, os garotos riam de surpresa, com Julie olhando para cada um em choque. Mais felizes do que nunca, eles tinham feito uma excelente apresentação - com a voz do carneiro falhando uma vezinha, em uma nota alta. Erros a parte, ninguém se importou muito com aquilo, já que foi seguido do coro dos três mascarados e aquilo sim tinha mexido com a plateia. No final, seu Raul tinha razão sobre música boa, com ele mesmo puxando um coro no meio dos jovens, aclamando a banda.
Quando fecharam a loja, riram de nervoso ao contarem trezentos reais de ingresso. Eles tinham mesmo atraído sessenta pessoas?! Como tantas pessoas couberam lá?!
Surtos a parte, o dia 24 de dezembro enfim tinha chegado. Foi em comum acordo que decidiram que os garotos passariam o feriado junto dos Spinelli, ajudando no que podiam. Com o dinheiro que Félix e Daniel recebiam, puderam comprar algumas bebidas, com Martin apenas brincando com o ar da sua graça. Sua entrevista como colírio capricho havia sido um sucesso, com a própria revista tendo entrado em contato para marcar mais ações de publicidade com ele e os outros garotos, prometendo cachê daquela vez. D
Durante o ano seguinte eles seriam contratados da marca para aparições em matérias e eventos, podendo ser contratados de outras empresas de publicidade e merchans. Martin ainda não havia recebido seu primeiro salário, mas no mês seguinte sim.
-Acha que estamos chegando cedo demais? - Félix se preocupou diante do horário.
-São só cinco da tarde, Félix. Na minha casa costumávamos ceiar só pela meia noite, mas começavam a chegar nesse horário. - Martin tranquilizou o amigo, batendo em seu ombro.
-Acha que nossos pais estão bem…?
-Já se foram trinta anos…. Não sei se me arrependo de não os ter procurado. - Daniel confidenciou. -Sequer sabemos se estão vivos!
-Se não estivessem, provavelmente teríamos encontrado. Demétrius teria feito questão de nos aproximar para tirarmos a ideia de tocar com Julie.
-Espero que estejam bem, de verdade.
Tocando a campainha, os três colocaram os melhores sorrisos no rosto ao serem atendidos por Julie. Ainda com roupa de casa, ela cumprimentou rapidamente Daniel com um beijo em sua bochecha, enquanto Martin e Félix taparam os dois a fim de evitar que seu Raul visse alguma coisa.
-Chegaram cedo. - Julie comentou enquanto levava os refrigerantes para a geladeira.
-Eu aviseeeeei……. - Félix fez uma expressão derrotada, com todos os outros rindo dele.
-.... convidados? - Uma voz se fez presente no outro cômodo, se aproximando.
-Esqueci de avisar, minha mãe veio para o feriado. Mas vocês já conhecem ela, não é?
-É relativo, já que ela não conhece a gente. - Martin falou o óbvio, fazendo sua melhor pose quando Heloísa entrou na cozinha.
-Mãe, esses são meus amigos. Félix, Martin e Daniel.
-Prazer, tia! - Martin se meteu em sua frente, aliviando o clima.
-Acho que se esqueceram de me avisar que estavam vindo! Soube que tem uma banda?
-Uma banda em ascensão!
Deixando os garotos de lado, Julie subiu para jogar uma água e se arrumar o mais decentemente possível. Com um short de tecido e um blusão, ela deixou seu cabelo solto e passou uma maquiagem leve, voltando para a sala apenas para encontrar Pedrinho e Félix entretidos em uma conversa junto de sua mãe, enquanto Martin estava com uma expressão apavorada na cozinha com seu pai.
-Eu não tenho ideia de como temperar isso!
Daniel apenas gargalhava em um canto, corrigindo o amigo que tinha acabado de trocar o sal pelo açúcar, salvando o arroz da ceia.
-Não sabia que sabia cozinhar, Daniel. - Seu Raul comentou feliz, vendo o guitarrista mexer na panela.
-Daniel sabe só o básico: arroz, strogonoff e brigadeiro. - Martin revelou, tentando se esquivar da cozinha e sendo impedido por Julie que apesar das suas caretas não o deixou sair do ambiente.
-Strogonoff é o básico?
-Para uma emergência sim, só precisa de molho de tomate, cogumelo e uma carne. Já salvou alguns jantares antes quando ficávamos até tarde ensaiando.
-Seus pais não se importavam com ensaios tarde? - Seu Raul perguntou, não percebendo a troca de olhares entre os dois músicos.
-Não, ficávamos fora de casa, meio isolados.
Julie notou o olhar entre eles, mas não perguntou. Certamente não era para o seu pai ouvir. Ela estava entretida demais com a conversa quando sentiu o seu telefone vibrar insistentemente em seu bolso, chamando a sua atenção. Quando puxou, não reconheceu o número e estranhou.
Quem ligaria às cinco da tarde da véspera de Natal?
-Alô? - Julie atendeu receosa, já esperando um trote.
-Boa tarde! Eu poderia falar com o Daniel? - Uma voz feminina respondeu do outro lado.
-Quem é?
-É da produtora Bonadio. O senhor Bonadio me pediu para fazer contato em cima da hora, peço desculpas pelo horário. Ele está?
Julie piscou diversas vezes em choque.
-Vou passar para ele, só um instante.
Martin observava a garota de canto, estranhando o sorriso dela.
-Quem é?
Julie ignorou o baixista, correndo até o namoraodo e puxando ele do fogão.
-Ai! O arroz vai queimar, Julie! - Daniel reclamou.
-Não importa, telefone pra você. É da produtora que fomos da última vez.
Daniel arregalou os olhos, tomando o celular da mão dela e indo para um canto mais afastado.
-Sim? Daniel falando.
-Boa tarde, senhor Daniel! Me desculpa pela hora, mas foi um pedido de última hora do senhor Bonadio. Ele viu o seu vídeo cantando e gostou muito, tanto da sua voz quanto do engajamento conseguido em duas semanas. O senhor teria um horário para dar uma passadinha aqui na gravadora? Ele gostaria de te conhecer pessoalmente e te fazer uma proposta.
-Eu…. Eu….É claro! Quando posso ir?!
-Nós voltaremos do recesso na segunda semana de janeiro, dia 12 está bom para o senhor?
-Pode ser a tarde?
-Dia 12, às 15 horas?
-Perfeito!
-Vou passar o endereço por mensagem. Este é o seu número mesmo?
-Hã…. Meu celular foi roubado no mês passado, estou temporariamente usando o de uma amiga minha, mas posso passar o da minha casa.
-A loja me passou apenas esse contato, poderia falar, por favor?
Logo após Daniel terminar de passar o número da loja de discos e desligar, ele ficou parado por alguns segundos, absorvendo tudo o que tinha acontecido. Quando entendeu, soltou uma risada alta e voltou para a cozinha, querendo levantar Julie no ar e fazendo exatamente isso.
-O que aconteceu, garoto?! - Seu Raul se assustou com a risada alta da filha e seu rodopio no ar.
-Um produtor musical me ligou, tem uma proposta para me fazer!
-Para a banda?!
-Por enquanto não, ele só viu o vídeo que fiz para a loja, mas não vou perder essa oportunidade e falar da banda para ele.
-Acha que ele vai aceitar? Da última vez vocês não tiraram as máscaras e por isso perdemos o contrato… - Julie se preocupou.
-Eu não estou usando uma máscara agora.
-Eu não assisti esse vídeo. Qual é? - Seu Raul perguntou, puxando Daniel até a sala para ele colocar no notebook.
-Daniel ainda sorria feito bobo, despertando a atenção de Félix que conversava com Heloísa.
-Que sorriso é esse?
-Acabaram de me ligar dizendo que aquele produtor musical tem uma proposta para mim por aquela música.
-UAU! PARABÉNS!
-Que música? - Heloísa se perdeu. - Nunca ouvi vocês tocarem…
Daniel rapidamente entrou na página da loja de instrumentos, deixando seus sogros assistirem completamente estupefatos com o seu talento. Heloísa até mesmo tinha deixado algumas lágrimas caírem, comovida pelo sofrimento do rapaz.
-Garoto… Eu espero que tenha se acertado com essa garota…. - Seu Raul expressou, sabendo que era óbvio que ele se referia a alguma garota, não percebendo os olhares cúmplices entre Félix, Martin e Pedrinho.
Mas Heloísa tinha notado. Como era possível ela quase não ter contato com os filhos e ter notado que sua filha era a garota da música? Eles estariam namorando? E aquele garoto, o Nicolas? Se lembrava de meses antes ter ido falar com ele por sua filha estar sofrendo por ele. Mas se todos aqui conviviam com Daniel e gostavam dele, ela também gostava.
Horas depois, pouco antes da ceia começar, Daniel conseguiu puxar Julie para a edícula, com a desculpa esfarrapada sobre seu caderno de composições que havia esquecido lá dois dias antes. Para ser crível, ele de fato havia deixado em cima do estojo da sua guitarra, tendo planos de levá-lo para dentro de casa, mas no momento só queria dar o seu presente em paz.
-Porque quer o seu caderno justo agora? - Julie não percebeu, entrando na edícula por conta própria, apenas entendendo suas intenções aos sentir um beijo ser estalado com carinho em seus lábios.
Sorrindo com o carinho, ela abraçou seu pescoço e estalou outros beijos rápidos até que enfim abriu sua boca e permitiu que Daniel aprofundasse o beijo, travando uma batalha com sua língua, onde mais brincava de gato e rato do que conquistar espaço. Eles tinham entrado na bolha, esquecendo-se por completo da ceia que estava prestes a ser servida dentro de casa. Abraçando sua cintura com força, Daniel se desvencilhou da sua boca, colando suas testas e respirando junto da namorada.
-Eu não queria te dar o seu presente na frente de todo mundo…. - Ele falou baixinho.
-E eu agradeço por isso.
Daniel apenas riu, o seu presente não era o beijo.
-Não é algo que você perdeu, mas que eu não me importaria se você perdesse no futuro e eu encontrasse para você. - Daniel explicou, puxando do seu bolso uma embalagem colorida, entregando para Julie.
Com o coração quente pelas palavras dele e pela lembrança dele plantando seu colar na mesa de JP, ela abriu o pacote, encontrando uma pulseira fina, com um pingente de guitarra pendurado.
-Eu não encontrei os outros instrumentos, mas prometo completar na medida que encontrar.
-É lindo, Daniel…. - Julie estendeu o braço, pedindo ajuda para colocar. - Eu nem sei como agradecer!
-Outro beijo cairia muito bem, sabe? - Daniel sugeriu com seu melhor sorriso cafajeste, envolvendo sua cintura ao ser beijado pela namorada.
Entretidos, os dois sorriam durante o beijo, brincando com os lábios um do outro, até que um forte pigarro se fez presente. Se afastaram rápido demais, assustados com a intromissão.
-Não querendo atrapalhar vocês dois, mas seu Raul está chamando para comer. - Félix implicou. - Pulseira bonita, Julie.
-Está tão visível assim ou você já sabia?
-Eu vi Daniel embrulhando hoje cedo. Se vocês não quiserem que todos venham para cá pela demora, eu sugiro irmos logo.
Eles tinham dormido na sala naquela noite, já que tanto Heloísa quanto Raul tinham sido contra três adolescentes voltarem sozinhos para a loja na madrugada de Natal. Sentindo-se em casa mais uma vez, eles preferiam dormir na edícula como haviam feito por meses, mas foram impedidos pelos mais velhos, a sala era mais confortável.
Chapter 24: Vinte e quatro
Notes:
Músicas disponives no youtube ou spotfy:
Meu louco mundo - Julie e os Fantasmas
Um minuto para o fim do mundo - CPM22
Chapter Text
Conforme o previsto, grande parte dos colegas de Julie tinham ido viajar no ano novo, provando que o melhor havia sido fazer o show antes do natal. O ano novo tinha sido bem tranquilo, com Bia e Shizuko sendo convidadas para passar a virada na casa de Julie, junto dos garotos. Martin, apesar de ter ficado em polvorosa com a presença da ex-ficante, não tentou nada com ela por respeito ao seu Raul, mas queria muito uma oportunidade sozinho com ela para ver se rolava de novo.
Se Shizuko tinha ficado de boca aberta com Martin, mais uma vez ela perdeu o controle da sua mandíbula ao ser apresentada formalmente a Félix e Daniel. Tinha até mesmo sussurrado para Martin e Bia que achava uma excelente troca a que Julie havia feito, de Nicolas por Daniel. Bia ficou de fora, sendo imparcial no assunto enquanto Martin não soube dizer se concordar era uma coisa boa ou não.
Mas tão logo o ano novo passou, o dia 12 de janeiro chegou.
Daniel estava uma pilha de nervos, mal conseguindo pregar os olhos na noite anterior. Foi preciso que Félix preparasse um chá de camomila - cuidadosamente separado por Bia já prevendo aquilo - para que ele conseguisse ao menos se deitar e dormir por algumas horas. Ele tinha pedido folga naquela tarde na loja de instrumentos, com seu chefe praticamente estourando uma bomba de confetes apenas pela ligação.
Talvez a pessoa ainda mais animada que o próprio Daniel.
Procurando estar bem alinhado, ele saiu da loja de discos com antecedência, chegando um pouco mais cedo na gravadora. Assim que o relógio bateu às 15 horas, ele ouviu seu nome ser chamado pelo mesmo homem da última vez. Subindo as escadas com confiança e um sorriso no rosto, ele o seguiu até a sua sala, sentando-se bem em frente a sua mesa.
-Não sei se já me conhece, mas pode me chamar de Rick. É o seguinte, Daniel: fiquei ciente do seu vídeo na véspera de Natal e não pude aguentar esperar as épocas das festas para fazer contato. Fiquei bastante surpreso pela quantidade de visualizações e todo o engajamento em menos de três semanas.
-Nem eu acreditei nas cento e oitenta mil visualizaç….
-Cento e oitenta? Daniel, já está nas trezentas e vinte!
Rick riu da expressão de espanto do garoto à sua frente.
-E isso é inteiramente culpa sua. Tem noção da sua extensão vocal? E se não fosse por apenas isso, que letra era aquela, garoto? Você cantou com uma emoção que a muito tempo eu não via!
-Ela era para a minha namorada… - Daniel respondeu com um sorriso no rosto. - Eu fiz uma besteira e brigamos muito, muito feio. Pensei que pudéssemos terminar quando meu chefe me pediu para cantar na loja, era um dia de muita chuva e ninguém tinha aparecido, precisávamos matar o tempo de alguma forma. Eu não tinha intenções de mostrar para ninguém, mas meu chefe me pediu para cantar e eu precisava colocar aquilo para fora….
-Não me pareceu ter esperanças na música, foi você quem escreveu?
-Sim, costumo compor no tempo livre. Mas depois do vídeo meus colegas me deram apoio para mostrar a ela e voltamos.
-Agora me deixou curioso, de verdade. Como uma letra tão sofrida como aquela a conquistou de volta?
-Nós… temos uma história… Ela entendeu perfeitamente o que eu quis dizer…
-Sua letra me tocou muito, Daniel. Não só a mim, a todas as pessoas que assistiram às trezentas e vinte mil vezes. Você disse que compõe, não é? Me deixou bastante curioso. Gostaria de fazer uma proposta para você.
-É só falar. - Daniel estava visivelmente nervoso.
-O que acha de um contrato com a minha gravadora? Você sabe cantar muito bem e compõe muito bem também. Poderíamos começar com um contrato de um ano, e ver no que dá. Concorda?
-Eu tenho uma contraproposta. - Daniel tomou coragem, sabendo que poderia estar colocando tudo a perder naquele exato momento. - Apesar de eu ter cantado sozinho naquele vídeo, eu tenho uma banda, uma banda muito boa por sinal. Conseguimos reunir sessenta pessoas por cada show que fazem….
-Daniel, minha oferta é para você. Não sei como é o nível da sua banda, não acho que seria uma boa coisa iludir o restante chamando para um teste e….
-Você conhece. Digo, o senhor conhece. Participamos do festival de música do Peche, e até viemos fazer um teste aqui na gravadora, mas não fomos selecionados porque usamos máscaras.
Rick pareceu estar pensativo por uns instantes, até que se lembrou.
-Os Insólitos, não é?
-Nós mesmos. O senhor conhece a nossa potência, sabe o quanto somos bons, e dessa vez estamos dispostos a tirar as máscaras pelo menos aqui na gravadora. Elas são a nossa marca, sabe?
-Me lembro bem da voz de Julie, vocês tocando também, mas não sabia que podia cantar.
-Estamos aos poucos dividindo o microfone. Os outros garotos também cantam, mas não tanto quanto nós dois.
Rick se calou mais uma vez, ficando um tempo em silêncio, fazendo caras e bocas.
-Quando eles podem vir aqui para um teste?
Daniel abriu um sorriso de orelha à orelha, empolgado com o que tinha conseguido.
-Amanhã à tarde. Hoje nosso baterista está trabalhando, mas amanhã sem falta eu trago todos eles.
-No mesmo horário que hoje?
-Se for o melhor para o senhor….
-Ótimo! Marque com minha secretária ao sair. Nos vemos amanhã, Daniel. Não me decepcione mais uma vez, garoto.
-Pode deixar! - Daniel se levantou com rapidez, marcando com a secretária antes de sair da gravadora com um sorriso de orelha a orelha.
A sua volta para a loja de discos foi infinitamente mais rápida, deparando-se com toda a banda à sua espera no saguão. Até mesmo Pedrinho estava lá, jogando no arcade, mas estava lá!
-E então? Como foi? - Klaus foi o primeiro a perguntar, ignorando os poucos clientes na loja.
Daniel apenas andou em direção a Julie e a levantou do chão, rodopiando com ela, rindo.
-Isso quer dizer que foi uma coisa boa? - Julie perguntou ao voltar para o chão, se arrumando.
-Mais do que boa. Ele quer que todos nós voltemos lá amanhã à tarde para um teste.
-Mas…. Ele sabe que já tentamos isso? - Félix se preocupou com outra rejeição.
-Sabe, ele pensou muito antes de propor isso. Pediu para não o decepcionarmos de novo, mas eu deixei bem claro que ficaremos sem as máscaras na gravadora. Acho que ele entendeu que é a nossa marca.
-Nós estamos tendo mais uma chance na gravadora então? - Martin quis deixar bem claro, antes de comemorar.
-Com certeza estamos. - Daniel afirmou, rindo ao ser puxado para um abraço coletivo.
-Vocês precisam estar mais do que preparados para amanhã. Ele provavelmente vai pedir para cantarem algo, tem ideia do que?
-Ele conhece a música para Julie e a que ela compôs para o festival do Peche, mas todas as outras são exclusivas. A propósito, ele adorou a minha composição, então deve ser menos um problema isso.
-Vocês falam tanto dessa música mas ainda não ouvi. - Klaus reclamou, se sentindo perdido.
-Deixa que eu te mostro. - Bia foi até o computador, colocando na página, voltando para a conversa enquanto Klaus abria ainda mais o sorriso com a composição do seu filho postiço.
-Pessoal…. Acho melhor vocês se preparem o melhor que puderem para amanhã…. Não podem perder essa chance. - Klaus decretou ao final do vídeo. - Félix, não precisa ficar até o final do expediente, vão ensaiar!
__________
Os vizinhos de Julie infelizmente tiveram de aguentar o ensaio até às oito da noite naquele dia, mas era uma ocasião especial! Seu Raul tinha pedido pizzas naquela noite para comemorar - muito embora tenha sido avisado que não era nada concreto, já que da última vez as coisas não tinham dado muito certo.
Ignorando o pessimismo dos mais jovens, ele comemorou sim, e até brigou com o vizinho que ameaçou chamar a polícia pelo barulho.
Confusões a parte, os quatro estavam mais uma vez de volta à gravadora no dia seguinte. De todos eles Julie aparentava ser a mais nervosa, já que era a segunda vez que falaria diretamente com Rick. E se ele quisesse trocar o seu estilo mais uma vez? Os Insólitos não era uma banda que só falava de festas, eram um grupo de rock! E se eles perdessem a sua essência? E se acabassem se aproximando do estilo musical de Demétrius?
Perdida em seus anseios, Julie voltou à realidade quando Martin cutucou o seu cotovelo, a chamando para subir até a sala de Bonadio. Os dois tinham ficado um pouco para atrás, mas nada que não pudesse ser recuperado com passos rápidos. Guiando o caminho com uma mão em suas costas, os dois logo se juntaram aos outros três, respirando fundo ao se verem mais uma vez em sua sala.
-Então…. Estamos mais uma vez aqui, Julie. - Rick não sabia muito bem por onde começar, a realidade era aquela.
-A gente sempre acaba voltando, não é….?
-E dessa vez sem as máscaras. Por que não tiraram da última vez?
-Problemas de pele. Eles estavam com uma alergia e problema de acne terríveis, nem queriam tirar ela na minha frente! - Julie foi mais rápida, atropelando os outros.
-Compreensível… Mesmo com as máscaras vocês trabalham com a sua imagem. Porque não avisaram antes?
-Não sabíamos se ia insistir para ver, machucava saber que estávamos sendo vistos… - Martin sempre era o responsável por completar as mentiras, aquilo já estava se tornando um fato no grupo.
-Bem, fico contente que melhoraram. Mas temos um propósito aqui hoje, certo? Daniel me falou de vocês ontem e me convenceu a dar mais uma chance para vocês. Estão prontos? Podemos seguir para o estúdio?
-A sua disposição.
O grupo foi levado para o terceiro andar, entrando na sala com reforços acústicos. Meio confusos com a disposição, Rick explicou:
-Normalmente gravamos a melodia no estúdio separado, mas como vocês também cantam, vamos focar apenas no segundo estúdio. Os seus instrumentos estão todos certos?
-Sim, mas só tem um pedestal de microfone aqui. - Daniel avisou.
-Julie, você costuma tocar alguma coisa?
-Não, eu só canto.
-Então fica nesse principal aqui, vamos ajustar os microfones e áudio para equivalerem e parecer que estão um do lado do outro.
Os quatro entraram na caixa acústica, posicionando-se nos seus devidos lugares. Olhando para Daniel através do vidro, Julie piscou para ele antes de colocar o fone de ouvido e segurar no microfone, esperando o sinal positivo de Rick. Quando a luz acendeu e seu polegar fez um positivo, ela começou a escutar os primeiros versos saindo da boca de Daniel.
“Tudo em mim parece simples
Mas não é bem assim”
Daniel cantou, dando a deixa que Julie e os garotos precisavam.
“Bem vindos ao meu louco mundo
Nada é impossível
Não paro de sonhar
E sei que vai valer a pena”
Julie tentava se manter ao máximo concentrada apenas no seu mundo, com a voz de Daniel presente em seu ouvido. Por mais que ainda não fosse a parte dele, saber que ele estava lá já dava um alívio imenso. Não era ao seu lado, mas podia sussurrar contra o seu ouvido. Tanto ele quando Martin e Félix, com a bateria se sobressaindo mais do que a guitarras às vezes
“Hey, eu tenho histórias no meu coração
A lua cabe aqui em mim
Sei que cada passo é uma decisão
Lá fora a vida é assim”
Julie sorriu internamente, agora era a hora do verdadeiro show.
“Pode ser chato ou tudo de bom
Já me falaram que é apenas um show
Ri por último quem não entendeu
Quem se acha muito, já se perdeu
Todo dia começa outra vez
E os relógios não param de correr
Apaixonada sem saber por quem
Só tenho medo de não ter coragem”
Com a guitarra mais acentuada, ela escutou Daniel voltar a cantar com tudo, em uma luta sobre qual voz se sobressaía mais - mas que no final ambas se equivaliam, tornando-se uma só, uma completando a outra. Os pratos davam o toque final no refrão, deixando o solo de guitarra e baixo pincelarem o ideal para que suas vozes se acomodassem mais.
“Tudo em mim parece simples
Mas não é bem assim
Bem vindos ao meu louco mundo”
Martin estava sendo o responsável pela finalização, dando o plano de fundo para qeu Daniel e Julie terminassem de cantar de forma limpa e calma, desaparecendo com toda a melodia agitada de rock de segundos antes. Temerosos, todos olharam para Rick, que para a surpresa de mais ninguém estava pensativo.
Aquilo tinha sido bom, ele precisava admitir. A voz de Daniel misturada ao talento dos instrumentos e de Julie havia sido algo inovador. Se eles tivessem cantado no Festival do Peche, certamente teriam levado o grande prêmio, mas infelizmente tinham se mantido quietos.
-Julie, Pode vir aqui fora um instantinho? - Rick pediu pelo sistema de som, achando um pouco de graça da maneira como ela estava apreensiva.
-Como fomos?
-Quem compôs a letra?
-Eu….
-Com a ajuda de Daniel?
-Não, eu ainda não conhecia ele nessa época.
Rick estendeu suas sobrancelhas, pensando.
-Isso foi bom, muito bom, quase como eu me lembrava do festival. Mas eles cantam sozinhos, não é?
-Estão voltando a cantar sim.
-Eles têm algo preparado?
-Sim, ensaiamos ontem pensando nessa possibilidade.
-Excelente. - Rick voltou a falar pelo sistema de som com os garotos. - Rapazes, se importariam de tocar uma apenas com vocês?
-Sem problemas nenhum! Só precisamos de mais um microfone aqui. - Daniel avisou, chamando Félix para pegar o extra que estava no estúdio da frente, montando na altura da bateria.
-Quando vocês quiserem!
Apenas Julie e Rick estavam na cabine de som, não existindo nenhum técnico naquela hora com eles. Rick quis cuidar de tudo pessoalmente, se eles antes quiseram privacidade não era agora que ele quebraria isso (por mais que não estivessem com máscaras)
Félix deu início a contagem com as baquetas, permitindo que Martin desse o seu solo com o baixo, seguindo de Daniel com a guitarra, enquanto ele mesmo ficava nos pratos.
“Me sinto só
Mas quem é que nunca se sentiu assim
Procurando o caminho pra seguir
Uma direção, respostas!
Um minuto para o fim do mundo
Toda sua vida em 60 segundos
Uma volta no ponteiro do relógio pra viver”
Daniel estava dando um show com a guitarra junto de Martin, ofuscando Félix propositalmente. O momento da bateria ainda não havia chegado.
“O tempo corre contra mim
Sempre foi assim e sempre vai ser
Vivendo apenas pra vencer a falta que me faz você
De olhos fechados eu tento esconder a dor agora
Por favor entenda eu preciso ir embora porque”
A sugestão de Pedrinho começou, dando mais ênfase ao vocal. Rick e Julie estavam arrepiados da cabeça aos pés tamanho talento estava sendo derramado pelas caixas de som.
“Quando estou com você
Sinto meu mundo acabar
Perco o chão sob os meus pés
Me falta o ar pra respirar
E só de pensar em te perder por um segundo
Eu sei que isso é o fim do mundo”
Julie sentiu cada pêlo do seu corpo arrepiar com a chegada do refrão. Não só pela letra, mas porque Daniel, Félix e Martin usavam as suas vozes, dividindo o microfone. Félix estava curvado para o microfone ao seu lado, enquanto Martin e Daniel dividiam o mesmo microfone. Arriscando olhar para o produtor, se animou ao notar que ele estava com os olhos fechados, imerso em seu próprio mundo, até que os abriu de forma muito rápida, completamente desacreditado do que ouvia.
“Volto o relógio para trás tentando adiar o fim
Tentando esconder o medo de te perder quando me sinto assim
De olhos fechados eu tento enganar meu coração
Fugir pra outro lugar em uma outra direção porque”
Daniel olhava na direção de Julie, tentando receber um sinal sobre o que estava acontecendo do outro lado do vidro, mas não tinha conseguido nada. Rick estaria gostando? Porque Julie estava com uma careta estranha para ele?
“Eu sei que isso é o fim do mundo
Eu sei que isso é o fim
Eu sei que isso é o fim
Eu sei que isso é o fim do mundo!”
-E então? - Daniel não se aguentou, arrancando Rick da sua própria bolha.
-Eu… Eu…. Podem vir aqui para fora, rapazes? - Nem mesmo o produtor sabia o que estava sentindo de verde.
Ele queria produzir os garotos, isso estava mais do que óbvio, mas não entendia o porque o solo masculino tinha mexido tanto com ele, o lembrando da época da escola. Com aquilo martelando na sua cabeça, ele não sabia o que fazer, mas precisava urgentemente contratá-los.
-Eu…. Uau…. Vocês são incríveis! Por onde se esconderam por todo esse tempo?
-Era uma situação meio complicada… - Félix coçou a cabeça.
-Mas o senhor gostou? - Julie estava impaciente, não conseguindo decifrar o homem.
-Muito. Estou disposto a oferecer um contrato com toda a banda por um ano, o que acham?
-Poderemos usar as máscaras em público?
Rick pensou um pouco.
-Podem, essa é a marca de vocês.
Todos eles se olharam antes de acenarem com a cabeça desesperadamente.
-Queremos muito!
-Ótimo, eu só….. - Rick olhou mais uma vez para os garotos, se incomodando com aquilo. Por que parecia tão familiar ...?
-Está tudo bem, senhor? - Martin entrou em pânico com o rumo da situação.
-Sim, é só que…. Por algum motivo muito estranho vocês me parecem familiares…
-Familiares como? - Julie arriscou, percebendo os garotos se entreolharem preocupados.
-Não sei muito bem, mas ouvir vocês cantando…. Me fez lembrar da minha época de escola.
-E-escola? - Daniel gaguejou mostrando todo o seu nervosismo.
-É, quando eu era bem novo ocorreu uma fatalidade com alguns alunos do último ano do científico… Eles tinham uma banda, mas foram assassinados…..
-Atropelados…. - Martin corrigiu baixinho.
-Isso, atropelados. A escola ficou de luto por quase uma semana, quase todo o ensino médio compareceu ao enterro, mas eu era muito novo, não me deixaram ir. Mas a voz de vocês me remeteu muito a essa época, eu era um dos únicos que….. Espera, você falou atropelados? - Rick enfim percebeu o que Martin dissera.
-O senhor disse assassinados, eu só corrigi. Foi um atropelamento, por um caminhão frigorífico para ser mais específico. - Martin entrou no modo automático, não querendo que mentiras sobre sua história fossem contadas.
-Martin….! - Julie tentou apertar o seu braço, mas ele não estava nem aí.
-Como sabe disso? Porque pesquisaram sobre esse tipo de coisa? Eram uma banda cover?
Eles podiam ter parado por aí, mas o estrago já estava feito.
Julie entrou em pânico ao notar os olhares entre si da banda, tentando desesperadamente procurar uma saída para aquilo, mas não dava mais.
-Não pesquisamos, nós vivemos isso. - Daniel confessou de olhos fechados. - Colégio São Cristóban, turma de 1981?
-Qualquer um que fosse a uma hemeroteca e pesquisasse o jornal do dia descobriria isso. - Rick estava desacreditado, achando que os garotos tinham um parafuso a menos por quererem se passar por uma banda adolescente tragicamente morta trinta anos antes.
-Porque falaríamos sobre o acidente? Se fôssemos o cover não diríamos como morremos, só ignoraríamos essa parte!
-Vocês são….
-Foi você quem nos pediu um autógrafo, não foi? - Félix se lembrou, vendo a cor desaparecer do rosto de Rick. - Invadiu o intervalo do ensino médio só para autografarmos o seu LP. Tínhamos feito poucas cópias, quase ninguém tinha, mas você foi o único a pedir um autógrafo.
-Assinamos bem na capa, debaixo das nossas fotos, você disse que gostava muito do nosso trabalho e que queria ir a um show, mas como só tinha doze anos seus pais não o deixariam ir sozinho. Pediu que fizéssemos um na escola. - Martin se lembrou, completando a fala dele.
Era impossível que mais alguém além dos envolvidos soubessem de uma coisa daquelas. Agarrando-se na cadeira da mesa de som, Rick tentava a todo custo recuperar a sua respiração e acalmar seus batimentos cardíacos.
-Você perguntou porque não tiramos as máscaras daquela vez. - Daniel tinha acabado com a senhoria, já que era mais velho do que ele. - Acho que você não empregaria três fantasmas, e a julgar pela sua aparência talvez sequer ficassem consciente na nossa presença.
-Fan… Fantasmas…. As roupas de astronauta…..
-Estávamos sem as máscaras naquele dia, mas nós avisamos que éramos fantasmas, vocês que não acreditaram.
-Julie, pode pegar uma água pra ele? - Daniel pediu, vendo o estado do homem.
Aquilo tudo era muita coisa para Rick absorver. Ele se lembrava exatamente da sua infância e pré adolescência, de como era fascinado pela Apolo 81, se achava por estudar na mesma escola que eles! Mas aí o acidente aconteceu e ele foi um dos que mais chorou em frente ao memorial montado no corredor da escola, depositando flores e lágrimas por todo o tempo que permitiu ser montado. Mais tarde as fotografias foram realocadas para a estante de troféus no corredor ao lado, junto de personalidades importantes que haviam passado pela escola - muito provavelmente estando lá até os dias de hoje. Inconsolável, não permitiriam que ele fosse ao enterro, fato esse corrigido anos depois quando tinha idade o suficiente para andar sozinho na rua. Eles eram os seus ídolos, ter um autógrafo foi o ponto alto da sua adolescência. Tinha até mesmo seguido no ramo da música em forma de homenagem aos rapazes - não pela fantasia infantil de um dia ser aceito na Apolo, imagina….
E depois de 30 anos, eles estavam parados bem ali na sua frente, vivos….
Quando Julie voltou com a água, Rick bebeu tudo em longos goles, ainda encarando os garotos. Como não tinha percebido antes? Tirando a barba de Daniel, eles estavam idênticos! Os cabelos um pouco mais curtos, mas idênticos!
-Acho que perdemos o nosso contrato, não é….? - Martin se lamuriou, olhando com pesar para Julie.
-Não, é claro que não! Estão mais do que contratados! Vocês…. Uau…. Tem noção de como eu era super fã de vocês? Como eu fiquei mal com o acidente? Como eu…. Eu só sou o que sou hoje porque queria ser como vocês!
-Caramba…. - Julie estava chocada, encontrando os homens a sua frente.
-Hã…. De nada? - Daniel arriscou.
-E agora vocês estão, bem aqui na minha frente, VIVOS, e querendo um emprego….É claro que podem trabalhar aqui.
- Ficamos felizes por ter ajudado você e imensamente por ter nos dado essa chance. Entende o motivo das máscaras?
-Não podem ser reconhecidos, é claro… Só se passaram 30 anos, é recente, os seus pais…
-Relaxa, eles não vão se lembrar da gente. Era parte do acordo para voltarmos.
-Acho que mereço saber como voltaram.
-Primeiro o contrato, depois a história. - Daniel negociou, trazendo à tona seu melhor sorriso cafajeste.
Se Julie achou que ele estava brincando com o perigoso, ficou aliviada por perceber que Rick estava sorrindo feito uma criança. Algo dizia que Daniel tinha agido da mesma maneira quando ele pediu o autógrafo.
-Preciso de três semanas para aprontá-lo, tudo bem para vocês?
-Estamos a sua disposição, garoto. - Daniel espremeu um pouco mais, brincando com a sorte.
-Então nos vemos em três semanas. Alguma coisa que eu precise saber?
-Eu vou começar o terceiro ano em alguns meses, então não sei se vou poder ficar aqui sempre.
-Nós trabalhamos por meio período, e no início de março faremos uma prova para conseguir nosso certificado do ensino médio. O acidente poderia ter sido depois da conclusão do ano, mas foi antes. - Daniel revirou os olhos. - Acho que podemos transferir nossos trabalhos depois que as aulas do curso terminarem no final deste mês, mas precisamos fazer a prova em março.
-Excelente, vou arrumar tudo e mandar para a equipe jurídica. Em três semanas assinamos os contratos. Julie, por ser menor de idade vou precisar que seu pai assine junto de você. Mandarei uma cópia por correio, não queremos ele na próxima reunião, certo?
E com um aperto de mão em cada integrante, os Insólitos saíram em silêncio da gravadora, voltando a respirar já na esquina.
-Essa vai ser a última pessoa que vai saber sobre a condição de vocês, não é?
-A última, eu prometo. - Daniel apertou a mão de Julie. - Ele conhecia a gente, uma hora ou outra se tocaria disso.
-Viram a cara dele quando falei sobre o autógrafo? Parecia o garoto de 12 anos de novo se tremendo pedindo nossa assinatura e fugindo do inspetor.
-Meu pai vai desmaiar quando descobrir sobre o contrato!
-Acho que hoje ele leva para os finalmentes a briga com seu vizinho.
-Vamos para a loja ou para sua casa?
-Minha casa, Bia deve estar por perto, é só pedirmos para ela ir até lá e esperarmos meu pai para comemorar.
E com aqueles planos, Os Insólitos praticamente flutuaram de volta para a edícula, sequer acreditando que eram os mais novos contratados da gravadora, não eram mais uma banda independente.
Daniel e Julie deveriam brigar mais vezes.
Chapter 25: Vinte e cinco
Notes:
Agora que temos não brasileiras aqui, me sinto na obrigação de explicar alguns pontos (pode perguntar se tiver dúvidas)
-Colírios Capricho era uma seção da antiga revista adolescente Capricho, onde votávamos nos garotos mais bonitos para eles serem destaques ao longo do ano, isso realmente era verdade.
Chapter Text
A semana tinha praticamente voado!
Assim que seu Raul soube da contratação, soltou um grito de alegria tão grande que assustou o vizinho encrenqueiro. Apavorado, ele tinha ido até a casa conferir se ele estava se sentindo bem, recebendo um abraço de urso de tanta felicidade pela banda da filha ter um contrato. Brigando em um dia, abraçando no outro. Com os votos de parabéns, o homem pediu para que não ensaiassem até tarde - já que recentemente havia tido um bebê e a bateria o acordava a qualquer hora.
Félix se sentiu extremamente triste e culpado, mas até o homem sair, quando seu Raul revelou ser uma mentira. Ele apenas queria que acabasse com o barulho.
Se ele queria menos barulho, era tudo o que não teria. Com o amplificador no máximo Martin, Daniel e Félix faziam questão de dar tudo de si, apenas para provocar o pobre homem.
Klaus havia reagido mais racionalmente, abraçando todos os três naquela noite quando voltaram para a loja, mas quando o chefe de Daniel descobriu….. Ele realmente tinha comprado bastões de confetes, não tendo a menor dó de estourar no meio da loja. Feliz como se tivessem ganhado a copa, ele se igualava muito à seu Raul no quesito animação e felicidade, querendo um show o mais rápido possível.
Mas até que os garotos estavam conseguindo conciliar tudo o melhor possível. Com o fim das aulas presenciais se aproximando, eles aproveitavam o melhor que podiam do curso, até mesmo cancelando alguns ensaios para se dedicarem o melhor possível e encontrar possíveis dúvidas antes de tudo acabar. Compreensível, ninguém reclamou, até apoiaram.
Mas o dia vinte e três de janeiro finalmente tinha chegado e com ele o primeiro aniversário deles. Era um sábado, tinham pretensões de irem até a sorveteria e congelarem o cérebro em comemoração ao décimo oitavo aniversário de Félix. Era uma situação bem esquisita passar longe dos seus pais, mas até que Félix estava lidando bem com a situação. Os três tinham combinado de passarem na casa de Julie para convidarem para sair perto das três da tarde, mas foram surpreendidos por Bia pouco depois do almoço na loja.
-Porque ainda não estão prontos?! - Bia se engasgou ao notar que eles não estavam nada arrumados.
-Porque é o nosso dia livre….? - Félix respondeu com outra pergunta.
-Marcamos alguma coisa hoje? - Martin não se lembrava de nada.
-Pedrinho não avisou a vocês? Sobre a festa surpresa para….
-Porque ele contaria para o aniversariante a surpresa? - Daniel não entendeu.
-Julie. Ele não contou a ela, Daniel. - Mas aí Bia se tocou. - Espera, algum de vocês também está fazendo aniversário hoje?!
-Félix. - Martin dedurou. - Julie também está?
-Vocês não sabiam?!
-Daniel, meu amor, COMO VOCÊ NÃO SABE O ANIVERSÁRIO DA PRÓPRIA NAMORADA?! - Martin perdeu as estribeiras, quase chacoalhando o outro loiro.
-Estava mais preocupado em voltar a vida e dar um chega pra lá em Nicolas do que pensar nisso, sabia? - Daniel revirou os olhos. - Mas para todo o caso, eu quem ajudei a organizar a festa.
-Ah, mas não ajudou mesmo! Se ela me perguntar vou dizer a verdade!
-E se o intuito é queimar minha fita não vão conseguir, porque ela também não sabe o meu aniversário! - Daniel confessou, limpando a sua barra.
-Então só para conhecimento futuro, quando é seu aniversário?
-Dezessete de maio.
-E você, Martin?
-Trinta e um de outubro.
-Você….. - Bia ficou quieta, desacreditada que ele havia beijado Shizuko em seu aniversário. - Esquece. - Ela segurou o riso, não caberia a ela contar a ele sobre seu talento.
-Ele realmente ficou com a Shizuko no aniversário dele. - Félix revirou os olhos para a informação que Bia achava que eles não soubessem.
-O que? Eu merecia um presente de aniversário!
- A festa vai ser na Shizuko, a partir das quatro. Pensei que pudessem ajudar ela a arrumar tudo, por isso vim conferir se estava tudo bem.
-Vai muita gente?
-Todo mundo que foi no Valtinho. Mas relaxa, nessa altura Nicolas já assimilou que vocês são um casal.
-E você e Valtinho? - Martin perguntou como não queria nada.
-Eu não tenho ideia. Vocês tem meia hora para ficarem prontos, eu levo vocês na Shizuko antes de ir buscar a Julie.
-Mas…. O pai dela vai estar lá? - Daniel se lembrou.
-Vai, então acho melhor não dar muita pinta caso não queira ser descoberto.
Com uma concordância, os garotos planejaram a sua mudança brusca nos planos. De banho tomado, cada um se arrumou o melhor que pode para a festa improvisada. Não era um show, mas calças justas eram bem vindas, assim como camisas de botões coloridas. Enquanto Félix terminava de armar o seu cabelo, Daniel retocava a sua barba, deixando um Martin muito esperançoso no saguão.
Eles demoraram não mais do que meia hora andando para chegar à casa da garota - que era na direção contrária a de Julie e Bia. A casa era bem grande, com a festa acontecendo no vasto quintal. Assim que Bia tocou a campainha, não demorou muito para a mãe de Shizuko atender a porta.
-Oi, tia! Eu trouxe uns amigos para ajudarem na arrumação.
-Amigos, é….? - A mais velha desconfiou da idade dos rapazes.
-É, a Shizuko também conhece eles. Eles são os melhores amigos da Julie, e um é o namorado. Ela não tem ideia que eles estão aqui.
-Se é assim…. - A mulher deixou eles entrarem, guiando os adolescentes para o quintal.
Martin foi o primeiro a notar Shizuko arrumando a mesa de doces. Por enquanto ela apenas estendia a toalha e separava os guardanapos - já que os doces derreteriam se colocados naquele horário. Assim que viu Martin, ela ficou nervosa por sua mãe estar por perto, mas o garoto sabia se comportar muito bem.
-Pensei que não viessem mais. - Shizuko reclamou da demora.
-Foi mal, esqueceram de avisar a gente sobre a festa. - Ele se desculpou.
-Você tem uma vela extra, Shizuko? - Bia perguntou. - Félix também está fazendo aniversário hoje.
-Ah, que isso, Bia…. A festa não é minha, é da….
-É sua também! Se tivessem me contado antes, também seria uma surpresa para você, mas esqueceram de avisar sobre isso. Sabia que Daniel não tinha ideia do aniversário da Julie?!
-Ela também não tem ideia do meu, não sou o único culpado!
-Acho bom que ela ache então que você ajudou aqui. Poderiam encher as bolas enquanto eu termino de organizar aqui?
Seguindo as ordens da anfitriã, Daniel, Martin e Bia passaram a encher transparentes, colocando papel picado dentro, enquanto Félix se ocupou fazendo algumas dobraduras de guardanapo e estilizando alguns copos. Quando começou a sobrar uma quantidade razoável de bolas, ele preparou algumas flores de bolas, para prender na parede. Aquilo era mais complicado do que parecia, levando um tempo considerável para ele entender como a base de sustentação de um arco de bolas se dava, de forma a não desmoronar ou parecer um conjunto de bolas praticando bungee jump. Shizuko precisou vir ao seu socorro, segurando o riso quando uma bola estourou no rosto de Martin, que caiu da cadeira pelo susto. Bia e Félix trocaram um olhar sugestivo, deixando Daniel de fora.
Ah, se Martin fosse bom de beijo….
Para evitar que adolescentes resolvessem cair na piscina, tiveram a brilhante ideia de colocar algumas bolas na água, transformando mais em um objeto de decoração do que algo utilizável naquela noite. E o efeito foi incrível! O azul celeste contra as bolas transparentes junto das lanternas subaquáticas tinha sido um conjunto mais do que perfeito. Os primeiros convidados começaram a chegar perto das quinze para as quatro, com eles decidindo que era hora de montar a mesa. Daniel ficou responsável por montar uma cascata de brigadeiros e cajuzinhos, enquanto Félix e Martin traziam a travessa com o bolo. Adolescentes comiam muito, aquela devia ser a razão para o tamanho daquilo! Sua cobertura era repleta de confetes coloridos, impossibilitando saber a massa. Shizuko apareceu com um par de velas novas, colocando o número 17 do lado esquerdo, enquanto o 18 ficava no direito.
-Shizuko, é sério, não precisa…..
-É o seu aniversário, é claro que precisa!
Félix precisava aceitar que nada do que ele fizesse mudaria o fato que ele estava tendo uma festa de aniversário.
Nicolas havia chegado um pouco de que Valtinho - que estava muito ocupado fazendo a social na festa. Ele aproveitou o tempo para dar uma olhada em tudo, sabia que Julie ainda não estava lá - tinha esbarrado em Bia quando chegou, com ela saindo para buscar a amiga naquele momento - e até que estava tudo muito bem arrumado, seus amigos estavam presentes, mas aí ele viu um rapaz loiro com o cabelo meio Justin Bieber, Meio topete passar por ele com uma garrafa de refrigerante e o estranhou.
Até que caiu a sua ficha: era óbvio que a banda de Julie estaria presente! Era aniversário dela, o que mais ele queria? Não deveriam tocar, já que supostamente estavam à paisana naquele dia - fato comprovado segundos depois ao ver o guitarrista barbudo ajudar Shizuko a terminar de montar uma caixa de som, agachado em frente aos cabos.
-Que cara feia é essa? - Valtinho perguntou quando chegou perto do amigo.
-Ele tá aqui.
-O que mais você queria? Que ele não comparecesse ao aniversário da própria namorada?!
-Seria pedir muito?
Valtinho apenas deu um tapinha em suas costas.
-Quem é?
-A única pessoa com barba daqui, para variar….
Valtinho demorou, mas quando localizou Daniel engoliu em seco.
-É.... Você perdeu feio mesmo, cara…. Mas quem sabe daqui a alguns anos?
_________
Julie estava incomodada. Tinha marcado com Bia para se encontrarem às 16 horas para irem até a casa de Shizuko, onde passariam a tarde, mas beirava às 16:20 e nada da amiga. Não era muito distante, apenas o final da rua do lado contrário da sua! Temendo ter acontecido alguma coisa, ela chegou a ligar para Bia uma vez, mas logo que sua campainha tocou, ela estava sendo abraçada fortemente pelo seu aniversário. O trajeto não demorava mais do que vinte minutos andando - era a direção contrária da loja de discos - por isso decidiram ir a pé.
Elas não pretendiam fazer nada demais, só comer pipoca e assistir um filme. Shizuko tinha quase pulado em seu pescoço assim que tinha atendido a porta, a levando até a sala. Mas aí tinha se tocado que tinha deixado sua caixinha de som no quintal, pedindo para que Julie fosse buscar para ela enquanto ela terminava de arrumar o som da sala.
“SUUUURPRESAAAA!!!!!”
Julie quase caiu para atrás ao notar a multidão no quintal, com uma faixa de FELIZ ANIVERSÁRIO pendurada na parte interior do telhado da churrasqueira. A piscina estava cheia de bolas, todos os seus amigos reunidos a parabenizando. Assim que ela se virou de volta para a cozinha abraçou mais uma vez Bia e Shizuko, sequer percebendo que talvez estivessem faltando pessoas na festa.
-Feliz aniversário, Julie. - Nicolas a abraçou e por mais que ela tenha retribuído, estava mais ocupada olhando ao seu redor.
De braços dados com Bia, elas foram até a mesa do bolo, sempre observando tudo em choque. Mas aí ela viu as velas e achou graça.
-Ué, ficaram em dúvida sobre a minha idade?
-Não, é um aniversário duplo.
-Quem está fazendo dezoito anos?
-Quem da sua banda faz aniversário hoje, Julie?
Julie arregalou os olhos constrangida.
-Félix ou Daniel?
-Eu faria questão de te avisar do meu aniversário. - Julie ouviu ser sussurrado no seu ouvido.
Virando-se com rapidez, Julie abraçou Daniel com força, se derretendo ao sentir o beijo em sua bochecha.
-Só na bochecha…?
-Foi mal, gatinha…. mas seu pai também está aqui na festa. - Daniel usou o apelido carinhoso da sua época, com seu tom cretino.
-Uiuiui…. Agora tem até apelido, Juliezinha? - Martin implicou com a garota, abraçando seus ombros. - Feliz aniversário para você e para o Félix!
-E onde está ele?
-Recebendo os parabéns do seu pai, olha lá!
E ele de fato estava recebendo um abraço de Pedrinho no momento, animado com o aniversário do amigo mais velho.
-Acho melhor não ficarem de muito grude aqui não, ou o seu sogro pode perceber. Mas Nicolas não para de olhar para cá, então não é o seu dia de sorte, Daniel. - Martin aconselhou, dando um tapinha nas costas de Daniel.
-Não vou estragar o seu dia. - Ele avisou para Julie. - E me desculpe por não ter te perguntado a data do seu aniversário, com toda essa confusão acabei me esquecendo que pessoas nascem e não brotam do nada. - Ele fez piada.
-Então você não ajudou a organizar?
-Eu enchi bolas e arrumei o som. E fiz as cascatas de docinhos, mas fomos pegos desprevenidos hoje mais cedo. Estávamos planejando passar na sua casa para convidar para um sorvete, em comemoração ao aniversário de Félix quando Bia chegou e nos contou sobre a sua festa.
-E quando é o seu aniversário mesmo? Só para não me pegar desprevenida.
-Dezessete de maio.
__________
A festa estava rendendo muito mais do que o esperado. Já era perto das sete da noite, as luzes do quintal estavam acesas mas mesmo assim proporcionava alguns cantos escuros que adolescentes não perdiam tempo de se enfiarem por lá. Seu Raul a muito tinha entrado, preferindo conversar com os pais de Shizuko do que participar da festa - visto que somente adolescentes estavam no local. Pedrinho estava dividido entre fazer companhia para seu pai e sua irmã, mas se sentindo meio deslocado por não ter ninguém da idade dele por lá.
Bia estava a algum tempo conversando com Valtinho - assuntos nada demais, basicamente se resumindo a como Nicolas estava e quais eram os seus planos para o terceiro ano. Havia muito tempo que não ficavam, sequer sabiam se ainda tinham alguma coisa, e a conversa com o colírio número 1 ainda estava em sua mente.
Na verdade, eu seu orkut.
Apesar de quase não o usar mais, Arcrebiano tinha encontrado o perfil de Bia e pedido amizade, para depois quem sabe conseguir o seu MSN ou Skype.
Mas ela não tinha respondido ainda, queria ter uma conversa muito séria com Valtinho e Martin antes de tomar a sua decisão.
-Bia, meu amor, o lance da Julie com o guitarrista é sério mesmo? - Valtinho investigava para o amigo.
-Mais sério do que você imagina, Valtinho.
-Pior que ele deixa o Nicolas no chinelo mesmo….
-Você não é o único a achar isso.
-Eu não acho, o Nicolas sabe disso. Ele teve tanta vergonha de ser visto com o traje de cavaleiro que a garota que ele gosta cansou de esperar e preferiu ficar com um cara que usa uma máscara de ovelha!
-Vendo por esse lado….
-Mas e a gente, Bia? Nunca mais nos falamos direito depois da festa do Béder.
-Falar a gente se fala, só não ficamos mais.
-E porque? Eu beijo tão mal assim?
-Acho que ficamos mais concentrados em ajudar o Nicolas e a Julie do que em nós mesmos.
-Bem, eles não parecem que precisam de ajuda agora, ao menos não no sentido de antes.
E então eles não precisaram de mais nada. Olharam um para o outro e aproximaram os seus rostos, iniciando um beijo meio atrapalhado, mas que se ajustava aos poucos. Não tinha sentimento, apenas…. amizade. Amizade misturada com o querer mais um pouco. Válter não beijava mal, até que era legalzinho - se comparado ao ex namorado idiota de Bia. Era divertido ficar com ele, porque eles tinham parado de fazer aquilo mesmo? Mas aquela noite apenas teve espaço para um beijo, com a promessa de uma despedida rápida ao final da festa.
-Ah, droga…. - Martin chutou o gramado ao notar Bia abraçando Valtinho enquanto o beijava.
-O que foi? - Shizuko estranhou a reação do mais velho, entregando para ele um copo com refrigerante.
-A Bia tá lá agarrando o Válter!
-E o que tem? Queria ficar com ela?
Martin logo se eriçou. Seriam aquilo ciúmes? Interesse?
-Eu não, mas um amigo sim.
-Sei…. Amigo? Não seria o Félix, não é?
-Se ele está interessado não comentou nada comigo! Você sabe que eu participei dos colírios da capricho, não é? Eu fiz amizade com o primeiro colocado, e bem, ele estava muito interessado nela quando saímos da entrevista.
-Primeiro colocado, primeiro coloc…. ELE TÁ INTERESSADO NELA?!
-Acha ele melhor do que o Válter? Porque eu sim.
-Você é bem suspeito, é amigo dele!
-E eu? - Ele arriscou.
-O que tem você?
-Quem você prefere? O primeiro colocado ou o sétimo?
Shizuko ficou sem saída. É sério que ele ia tentar na casa dos seus pais…?
-Martin, acho que isso já ficou para trás.
-Qual é, Shizuko…. Você reclamou que não tinha conseguido me ver na nossa troca de antes, mas eu to bem aqui na sua frente sem a máscara, e você de óculos.
-E na casa dos meus pais.
Shizuko constatou o óbvio, na esperança de conseguir um pouco de paz. Martin era bonito, ela só tinha medo de ficarem de novo e constatar que o beijo de fato era ruim. Seria muito decepcionante se isso acontecesse e ela não queria se decepcionar.
-Ih, alá gente…. - Félix se aproximou de Julie e Daniel, que estavam abraçados e recostados na pequena mureta da churrasqueira. - Martin com a Shizuko, e a cara dela não está muito boa.
-Sério mesmo que ele foi tentar ficar com ela de novo na casa dos pais dela?! Ele não se manca não? - Daniel ficou chocado, se desvencilhando de Julie para observar melhor a cena.
-Se essas são as intenções dele, ele está ferrado. - Julie não se aguentou, abraçando Daniel de lado. - Ela não vai ficar com ele.
-Ao menos esperasse outra festa ou chamasse ela para sair!
-Não, Félix. Duvido muito que ela aceite, ele conseguiu traumatizar a menina!
-Porque? Ele fez alguma coisa?
Daniel e Félix olharam para Julie, preocupados que seu amigo tivesse feito algo mal para a humana. Sabiam que Martin não faria, mas porque ela estaria traumatizada? Julie olhou bem para os dois lados antes de chamar os dois para mais perto e falar baixinho?
-Ela disse que ele beija muito mal.
Pronto. Aquilo foi o preciso para ambos rapazes chegarem a curvar o seu corpo tamanha gargalhada que deram. Julie chegou a se afastar dos dois um pouco, que procuravam apoio na mureta para conseguirem voltar a respirar de tanta risada.
-O… Martin…… HAHAHAHAHAHAHAHA!!! Eu nunca pensei que…. - Daniel não conseguia completar uma frase, caindo na risada de novo.
-Como ele conseguiu ficar com metade do colégio E ainda beijar mal?! E depois vem falar de mim! - Félix reclamava, inconformado com a fofoca.
-Olha, não sei vocês, mas a hipótese que eu e Bia levantamos foi por ele não beijar ninguém a 30 anos…
-Não é verdade, ele tinha ficado com uma antiga colega de classe nossa que também morreu, não muito tempo antes da festa. - Félix revelou com o cenho fechado.
Julie estranhou aquilo, até o restante da fofoca ser sussurrado em seu ouvido por Daniel.
-Félix tentou ficar com ela mas foi rejeitado e trocado por Martin.
E a julgar pelo pouco que conhecia do baterista, ele não era muito de dar o primeiro passo, por isso estava tão chateado.
-....Ou ela pensa que ele beija mal por na verdade ter beijado um fantasma, e não uma pessoa.
-Poxa, infelizmente não tem ninguém aqui que possa desmentir ou comprovar isso para a gente, né? - Daniel implicou, passando seu braço direito pelos ombros de Julie, bebendo seu refrigerante com a outra mão.
-A culpa não é minha!
-Ah, Julie, o que mais demos foi oportunidade para vocês ficarem sozinhos. Não passamos tanto tempo com seu irmão à toa. Gostamos muito dele, mas não queríamos ficar de vela. Na verdade, não queríamos pegar fogo! - Félix brincou, vendo com o canto do olho Seu Raul se aproximar. - Daniel ... - Ele falou entredentes.
Daniel viu quando seu sogro se aproximou, não sendo nem um pouco discreto ao tirar o braço rapidamente de Julie, entregando o abraço. Coçando a garganta, ele tomou refrigerante para mantê-la ocupada.
-Filha, vamos cantar o parabéns?!
__________
Aquilo tinha sido uma novidade para mais da metade da festa. Quem era o cara que fazia dezoito anos? Ninguém sabia, mas o parabenizaram do mesmo jeito. Com o parabéns em conjunto, foi impossível fazer piadinhas sobre um suposto com quem será, já que não sabiam com quem poderiam fazer com Félix - mesmo que Débora estivesse presente, apenas invisível - e com Julie. Julie era o grande elefante branco naquela festa. Seu namorado estava presente, e Nicolas também. Na indecisão, todos completaram com um…
”SE ALGUÉM VAI QUERER!”
Deixando a incógnita no ar.
Na hora de assoprar as velas, os dois fizeram o mesmo pedido: que os Insólitos dessem certo, e eles conseguissem formar uma carreira musical com Rick Bonadio.
Aquele tinha sido o melhor aniversário da vida dos gêmeos com 30 anos de diferença.
Chapter 26: Vinte e seis
Chapter Text
Era sexta-feira à tarde e Martin estava completamente pronto para ir trabalhar. Tinha recebido a chamada na semana anterior, o convocando para um evento de final de semana da Capricho. Seria algo simples, uma conversa e dinâmica com os novos colírios enquanto seus patrocinadores promoviam seus produtos em alguns stands, coisa de um dia só.
Mas como a Capricho queria garantir o sucesso do evento, tinha disponibilizado para cada colírio dois ingressos, para que eles levassem quem eles quisessem, - o que não foi preciso pensar muito para o garoto. Assim que tinha desligado o telefone da loja, tinha imediatamente ligado para Bia, informando que viajariam na semana seguinte, mas….. O segundo convite seria mais complicado.
-Chama a Shizuko por mim, Bia? - Martin tinha pedido ao telefone.
-E como você espera que eu faça isso?
-Diz que conseguiu dois ingressos, ué.
-Mas aí eu teria chamado Julie, não é cabeção? Até ela sabe disso.
-Mas aí a dona Helena aparece bem nesse final de semana e impossibilita ela de ir. Qual é, Bia! Me ajuda nessa!
-Só um convite, não é Martin?
-É claro, cê acha que aconteceria o que na convenção?
E Bia havia feito aquele favor para o baixista. Ainda na festa de aniversário conjunta - mais especificamente antes dela se atracar com Valtinho e indignar Martin - ela chamou Shizuko para conversar e fez sua grande proposta.
-Um encontro da Capricho? E como você conseguiu isso, Bia? Não vi anunciando na revista nem nenhum concurso.
-Olha, vou te dizer a verdade. Sabe que Martin é o novo colírio, não é?
-Sei.
-Ele foi convocado para estar lá e recebeu dois convites, e como Félix e Daniel não iriam a um evento desses sem serem convidados para tocar, ele deu para mim. E como a mãe de Julie vem no final de semana que vem, eu pensei em chamar você. Você topa?
-Sabe como seria o esquema?
-Vamos na sexta à noite e voltamos no domingo de manhã. Como é em São Paulo, tem o tempo de deslocamento, mas a revista disponibilizou um hotel para a gente. Pelo e-mail que eles enviaram querem dar conforto para os colírios e seus convidados por estarem esperançosos com a nova temporada.
-Falando assim com antecedência acho que minha mãe deixa, mas se dissermos que foi um sorteio, temos mais chances. - Shizuko sussurrou, já planejando o que faria.
E seja lá o que ela havia inventado para a sua mãe tinha dado certo, já que ela acabava de chegar até a loja de discos com sua mochila nas costas, esperando por Bia.
-Oi, Shizuko. - Félix a cumprimentou do balcão, achando graça de como ela estava sem graça.
-Oi, Félix… Bia já chegou?
-Já, está lá dentro ajudando Martin a escolher a roupa de amanhã.
- Martin, você não pode levar a jaqueta do show! Podem reconhecer você! - A voz de Bia se fez presente, indicando que as coisas não estavam muito boas.
-Estão a quanto tempo lá?
-Uns dez minutos. Pode entrar, só não repara na bagunça. - Félix indicou com a cabeça, sorrindo sadicamente por saber que Martin não esperaria ver a garota no quarto deles.
Apesar de relutante e envergonhada, Shizuko seguiu pelo corredor apenas para encontrar Bia com as mãos na cintura, olhando bem feio para o loiro que até então parecia bastante compenetrado em levar a sua jaqueta bordada com eles.
-Tudo bem por aqui? - Ela perguntou atraindo a atenção deles. - Cheguei cedo demais?
-Me ajuda aqui, Shizuko? Essa anta insiste em levar a jaqueta bordada para o encontro, não consegue perceber que pode ser reconhecido depois!
-Ei! Você está falando comigo, não com o Nicolas!
-O que o Nick tem haver com isso? - Shizuko não entendeu.
-Até você, Shizuko?! O que vêem naquele cara?! - Martin dramatizou.
-Daniel detesta o Nicolas, logo os três detestam. Anta é o apelido mais carinhoso que você vai ouvir deles. - Bia explicou rolando os olhos. - Mas voltando para o assunto, acho que ninguém mais tem uma jaqueta com um bordado IMENSO nas costas em homenagem a Apolo 81, ainda mais com uma rosa caída!
Aquele havia sido o presente que Bia, Julie e Klaus haviam dado para os garotos de natal: três jaquetas idênticas com o nome da antiga banda, junto de uma rosa caída, simbolizando o luto pelas suas antigas versões.
-Félix e Daniel também tem uma!
-E QUE POR ACASO SÃO DA MESMA BANDA!
-Sim, mas se os vissem na rua veriam que não sou o único!
-Ô gente, sem querer interromper essa discussão ridícula, mas a van acabou de estacionar aí na frente. - Félix apareceu no quarto, dando o aviso. - E Martin, faz o favor de não estragar tudo e deixa essa jaqueta aqui!
-Obrigada, Félix! Parece que só você me entende aqui! - Bia dramatizou, jogando os braços para o ar.
Convencido mas não satisfeito, Martin guardou a sua jaqueta na parte que cabia a ele do quarto, pegando sua mochila e indo em direção ao lado de fora, fazendo imitações e caretas de todos.
-Vê se liga quando chegar lá, tá? - Félix pediu a Bia, abraçando a garota rapidamente.
-Pode deixar.
A van já contava com Miguel - o nono colocado - com sua irmã mais velha e sua melhor amiga, comportando Martin Bia e Shizuko. Rafael e Arcrebiano já estavam a caminho em uma van separada, com um membro da produção em cada transporte. A viagem teriam umas duas horas de duração se o trânsito estivesse bom, com todos se distraindo naquele momento. Martin dividia um fone de ouvido com Bia, que estava mais interessada em conversar com Shizuko do que ouvir música de verdade.
-Martin, foca aqui rapidinho. - Bia chamou o loiro, tirando o fone de ouvido para ouvi-la melhor. - Você sabe o que Arcrebiano quer?
-Porque? - Ele ficou confuso. - Não falo com ele desde o dia da entrevista.
-Porque ele meio que me adicionou no orkut, e eu não sei o que isso quer dizer.
-Adicionar alguém significa alguma coisa?
-Levando em consideração que ele só me viu uma vez e ainda me deu um sorriso muito estranho? Acho que sim. E como vamos acabar nos encontrando no evento, queria ter certeza que ele não está com pretensões.
-Você tá com o Valtinho, eu sei. - Martin rolou os olhos. - Naquele dia ele me pareceu bem interessado, então se eu fosse você pensava bem. Qual é, Bia! O cara ganhou o primeiro lugar de um concurso de beleza adolescente nacional E ainda está supostamente dando em cima de você! Sério mesmo que prefere o Válter?
-Não é só o físico, Martin….
-E pode me dizer o que Válter tem além de ser o melhor amigo do Nicolas123?!
-Nicolas123? - Shizuko ouviu e comentou baixinho, mais para si mesma.
-É a senha do e-mail do Nicolas. - Bia explicou por alto, sem olhar para a amiga.
-E como ele sabe disso?
-Não queira saber…. - Bia alertou, voltando para a conversa. -Tá, ele é bonitão, mas eu não tenho ideia de como ele é! E se ele for que nem o Leo?
-Quem é Leo? - Martin não entendeu.
-Foi o cara que a Bia namorou ano passado, ele queria que ela se adequasse ao gosto dele. - Shizuko respondeu pela garota.
-E o responsável por Julie e Daniel terem se aproximado. - Bia completou. - Ele era um idiota!
-Bem, parece que você só vai descobrir se conversar com ele. Se não quiser no evento, acho que pela internet é mais fácil, não é? Qualquer coisa você fica sem sinal e ignora ele.
-E como você responderia isso?
-Bia, eu não tenho nem um número de celular, acha mesmo que ele iria até a loja só para perguntar isso?
-Eu espero que não.
-Nem eu. Aceitar ele não custa nada, não é?
E com aquele discurso Martin convenceu a amiga que o orkut nem estava mais tão na moda assim, com ela se convencendo que um amigo a mais não teria problemas. Seguindo viagem, a van chegou à São Paulo próximo das oito da noite, com todos eles fazendo o check in e indo jantar. Arcrebiano e Rafael ainda não haviam chegado - resultado de um pneu furado na Marginal Tietê, com eles comendo sozinhos. Com seus pais avisados, Bia ligou para a loja de discos para avisar Félix sobre a chegada deles - ouvindo ao fundo o som da guitarra de Daniel. Eles tinham aproveitado a sexta à noite para tentar compor alguma música inédita para a assinatura do contrato na semana seguinte, mas estavam tendo algumas dificuldades.
Conversaram por pouco tempo, já que os créditos de Bia não poderiam acabar até o final da viagem. Eles acabaram indo dormir cedo, já que teriam um dia cheio pela frente.
__________
E quando diziam cheio não sabiam que seria literalmente cheio. O evento estava marcado para início às 11h, com previsão de término às 16h, mas não contavam com o sucesso com o elenco daquela temporada entre as garotas, já que às nove e meia da manhã já tinham adolescentes acampando na porta da casa de eventos! Quando o portão foi aberto, o espaço lotou em menos de meia hora, causando tumulto no lado de fora pelas que não conseguiram entrar.
E no meio de tudo aquilo Bia e Shizuko estavam quase espremidas uma contra a outra, visitando os stands. Algumas amostras grátis dos produtos capricho foram distribuídas entre elas, com uma promoção de produtos capricho assinado pelo boticário, Melissa e Le Postiche acontecendo no interior dos stands. Tinha tudo corrido bem: oficinas de maquiagem, sessão de fotos com camarim maluco e depoimentos para a revista tinham sido feitos até as 14h, quando a verdadeira comoção começou.
Era chegada a hora da roda de conversa com os colírios capricho! Sendo praticamente toda a população masculina daquele pavilhão, era gritante como todos eles estavam acanhados e até mesmo um pouco sem graça - cabendo as hosters tentar com que eles se soltassem mais.
As garotas tinham milagrosamente conseguido ficar bem na frente deles - apenas por sorte, já que estavam de frente para o palco quando eles foram anunciados. Observando um a um, Miguel - o mais novo - era quem estava mais desconfortável com a situação, não surpreendendo a ninguém que Martin e Arcrebiano fossem os mais relaxados e obviamente grudados um no outro.
-Você tem que admitir, Bia. Ele é bonitão mesmo. - Shizuko comentou de lado, recebendo um beliscão da amiga.
-Digo o mesmo de Martin então.
Shizuko apenas fez uma careta para Bia, arrancando uma risada alta dela. Apesar de não terem percebido, Arcrebiano estava olhando diretamente para elas, muitíssimo interessado na garota que ria.
-Cara, acho melhor você desistir. - Martin alertou após ver para onde o garoto olhava. - Semana passada mesmo ela estava se agarrando com o Válter.
-E você não fez nada?
-Queria que eu interrompesse o amasso no meio de uma festa? Eu diria o que?
-Não importa, agora já é uma nova semana. Eu procurei vocês na internet mas só achei ela. Você não tem?
-Eu acabei desativando tudo no ano passado com o acidente dos meus pais e ainda não consegui voltar, foi mal. - Martin se lembrou da outra mentira que havia combinado com os garotos e Julie, para explicar sua ausência de redes sociais. - Mas algo me diz que você teve sorte com ela.
-Ela me aceitou ontem a noite.
-Me agradeça por isso então, ela estava receosa com o seu pedido, mas eu a convenci que não era nada demais. Vê se não estraga tudo, entendeu?
-Acho meio difícil agora… - Arcrebiano se preocupou.
Antes de entrarem no palco foi pedido que todos os colírios escrevessem em um papel uma ação para ser feita com alguma voluntária e, bem…. Ele tinha dado uma de Valtinho quando achou ter liberdade de beijar Julie por aí e tinha dado uma sugestão pensando em Bia. A entrevista com os rapazes tinha passado quase voando, com a dinâmica logo tendo começado. Em meio a declamações de poesia, batalhas de rima, queda de braço e jogo dos dedões - este último sendo de autoria de Martin - a vez do loiro finalmente tinha chegado. Nenhum dos colírios tinha tirado o que tinha escrito até então, mas quando o baixista tirou o papel do saquinho estendido por Mari Moon e leu, imediatamente soube o responsável.
-Ah, tá vazio… É melhor eu trocar! - Ele tentou disfarçar, mas a mulher de cabelos azuis percebeu e tomou o papel da mão dele.
-UM SELIIIIIIINHOOOOO! - Vindo com a algazarra generalizada. - Quem aí á maior de dezessete anos? - Mari se lembrou da idade de Martin, conferindo a candidata ideal.
Cerca de dez mãos se levantaram e apesar de uma olhada rápida por elas - fingindo na cara dura que escolhia uma - ele já sabia em quem iria. Não era uma questão de se aproveitar, mas ele preferia beijar alguém que ele já conhecia do que outra - ao menos naquela situação. E se a garota estivesse mentindo a idade? E se ela grudasse depois? Não. Ele preferia uma amiga.
Além do mais, era só um selinho. Mesmo que Shizuko não estivesse lá, estivessem apenas Bia e Julie, ele iria em Bia. Ela não namorava e bem, tinha o inscrito naquilo. Fora que poderiam ser profissionais, como se estivessem atuando! Ele cumpriria o desafio e de quebra Arcrebiano ficaria chateado por ter enfiado aquilo no meio da dinâmica.
Mas Shizuko estava lá, e era ela quem ele olhava.
-Ah, não….
-Só um selinho Shizuko! - Bia sussurrou alto, vendo o loiro andar na direção delas.
Quando Martin se aproximou o suficiente para sussurrar e ser ouvido, disse apenas um:
-Desculpa.
E Shizuko pôde perceber que ele estava tão desconfortável - ou até mais - quanto ela. Ela era desconhecida, mas ele como novo rosto da capricho tinha uma imagem a zelar. E se ele beijasse feio? Pior, sabendo que ele beijava mal Shizuko tinha a certeza que se fosse com qualquer outra garota a carreira dele acabaria na hora.
Mas um selinho não fazia mal a ninguém, não é?
E com aquela decisão ela viu as mais próximas se afastarem, com ele evitando que ela fosse levada até o centro do palco apenas para verem aquilo. Segurando em seu maxilar, Martin aproximou o seu corpo e baixou levemente a cabeça, ouvindo gritos ao encostar seus lábios contra os dela.
Nem Julie nem Daniel eram capazes de descrever a sensação, mas Martin sim. Beijar um fantasma era completamente diferente do que beijar um vivo. As coisas não eram tão frias nem fracas, mas sim intensas e quentes.
Forçando seu corpo a não se deixar levar, Martin se afastou três segundos depois de beijá-la, voltando para a realidade. Ele estava vermelho - já tinha beijado muitas garotas em sua antiga vida, mas nunca tinha tido platéia.
-Além de ser bonito, também beija bonito! - A voz de Arcrebiano foi ouvida, estourando o restante da bolha dos dois.
Ele queria matar aquele primeiro lugar.
__________
Depois do selinho de Martin a convenção não durou mais do que quarenta minutos, com os convidados voltando para o hotel enquanto eles passavam por mais uma entrevista antes de serem liberados. Parte deles voltariam para casa naquele mesmo dia por serem da capital, outros voltariam para o hotel para viajarem no dia seguinte.
Desde que Bia tinha sido interceptada por Arcrebiano minutos antes, Shizuko estava sentada na área externa do hotel, apenas refletindo enquanto mexia no twitter. O evento tinha sido um grande alívio nas suas férias, uma prévia de respiro antes do terceiro ano começar dali no final do mês seguinte. Tinha conseguido algumas amostras bens legais, tinha tirado fotos com sua amiga e participado de uma gincana dos colírios. Céus! Eles estavam fotografando, com certeza sairia na edição na semana seguinte!
Mas ela não podia se envergonhar, tinha um beijo fotografado mas em compensação iria ajudar na carreira do amigo. Shizuko tinha ficado com tanto medo de não gostar e fazer uma careta e estragar tudo, mas tinha sido diferente daquela vez…. Óbvio, tinha sido só um selinho, mas tinha todo um clima diferente.
Ela tinha visto seu rosto sem graça daquela vez, depois envergonhado. Ela viu e sentiu ele segurar o seu queixo e se aproximar. Achava que até tinha tido mais contato do que a vez que se beijaram para valer no aniversário de Valtinho!
Mas como era possível um selinho ser mais intenso do que um beijo de língua?
Em meio aos seus pensamentos, a garota não viu quando Martin chegou na área externa e se sentou ao seu lado, fazendo um…
-Bu. - Para chamar sua atenção.
-Martin! Não vi você chegando!
-É que sou silencioso como um fantasma.
-O ditado não é um gato?
-Se você está dizendo…. - Ele deu de ombros, tirando um sorriso envergonhado pelo flerte idiota. - Fazendo o que?
-Bia foi conversar com o Arcrebiano e eu acabei ficando sozinha aqui. Você não tem twitter?
-Já é a segunda pessoa que me pergunta isso hoje, acho que eu deveria criar um…. - Ele fez uma careta. - Mas o que Bia está fazendo com ele?
-Ah, ele apareceu aqui e começou a conversar com ela. Ela tentou fugir mas ele foi atrás, ele não se toca não?
-Definitivamente não. Desculpa por hoje, mas eu fiquei sem saber o que fazer… Foi ele quem escreveu aquilo, era para a Bia dar um selinho nele, mas as coisas não saíram como esperado.
-Eu vi como você parecia perdido e não entendi o motivo daquilo. Tinham tantas garotas querendo te beijar, porque me escolheu?
-Você era uma área segura, não tinha chances de dar nada errado. Até mesmo se só tivesse Bia ali acho que ela me ajudaria. Pode não parecer, mas eu sou um pouco envergonhado quando se trata de beijos para plateias enquanto somos fotografados. - Ele rolou os olhos. - Eu sei que você não queria ficar comigo, deixou isso bem claro na festa semana passada, mas… Desculpa.
Ele estava se mostrando bastante sem graça diante aquilo tudo. Apesar de estar temerosa sobre outro beijo ruim, aquele selinho tinha dado vontade na garota de tentar mais uma vez.
-Posso saber o que você tinha escolhido?
-Guerra de dedões, eu costumava ser muito bom nisso quando estava na escola.
Shizuko apenas respondeu esticando o seu dedão, dando a deixa para ele se juntar a ela. Coincidentemente, aquela era a tática que ele usava antes de beijar uma garota.
-Você tem quantos anos mesmo, Shizuko?
__________
-Eu já tinha me inscrito outras vezes, mas só agora na idade limite foi que consegui uma posição legal. - Arcrebiano ainda tentava conversar com Bia, não percebendo que aquela não era a melhor maneira de chegar nela.
-Acho que o primeiro lugar não seja só uma posição legal…. E não me lembro de ter te visto nos outros anos.
-Para você ter uma noção de como eu ficava…. Eu terminei a escola no ano retrasado e acabei ficando meio a toa enquanto esperava o primeiro semestre passar. Eu fui aceito para engenharia mecânica no segundo semestre, e queria ocupar minha cabeça com alguma coisa, e acabei indo para a academia.
-Engenharia mecânica? E como vai conciliar sua agenda com o curso agora? - Bia ficou repentinamente interessada.
-Pegar menos matérias enquanto o contrato está vigente, e depois ver no que dá. E você? Já sabe o que quer fazer?
-Produção Cultural. - Afinal, os Insólitos precisam se profissionalizar. Mesmo com um contrato bom, ela não queria deixar a banda. - A banda do seu amigo não pode ficar na garagem para sempre.
-Por falar nisso, como foi que conheceu ele?
-Foi pela banda, a vocalista é minha melhor amiga, Ela nos apresentou e ficamos amigos.
-Só amigos?
-Eu não deveria nem me dar ao trabalho de te responder isso, mas acho que hoje ficou bastante claro em quem ele está interessado não ´? Acha que se tivéssemos alguma coisa ele não teria me beijado? Não responda.
Arcrebiano apenas deu de ombros, rindo do pedido de não resposta.
-Acho que acredito em você. - Ele declarou, virando os ombros de Bia na direção que ele olhava.
Martin e Shizuko estavam sentados um ao lado do outro, ele com sua mão esquerda segurando o rosto dela, ela fazendo um carinho em seu pescoço. Suas bocas estavam coladas, movimentando-se vagarosamente, imersos na própria bolha. Viram o exato momento em que ele pediu passagem com a língua, aproximando-se ainda mais dela e segurando melhor sua cabeça.
-Acho que isso é íntimo demais, não devíamos estar aqui. - Bia respondeu meio em choque meio envergonhada.
Não era ele quem beijava mal? Como tinha conseguido ficar com ela de novo?
Mas assim que ela se virou rápido demais, bateu de encontro no peito de Arcrebiano, que a amparou.
-Se machucou?
Bia não respondeu, apenas saiu de perto e foi para seu quarto. Porque Julie não estava lá com ela? Ou melhor, porque Valtinho não estava lá? Ele bateria de frente com Arcrebiano até ele entender que ela não queria nada com ele, mas ela também queria alguma coisa com ele?
Não era apenas a Vida de Garoto que era complicada.
Chapter 27: Vinte e Sete
Summary:
A cantora Manu Gavassi interpretou a Débora no seriado, por isso a semelhança
As revistas capricho saíam quinzenalmente as quintas feiras, contendo fotos dos eventos e dos colírios
Chapter Text
A tão esperada terça feira finalmente tinha chegado e os Insólitos não podiam estar mais ansiosos e nervosos.
O contrato de Julie tinha chegado no dia anterior, com seu pai assinando sua parte - e apesar de ter insistido muito para acompanhá-la no dia seguinte, Julie recusou todas as suas ofertas. Rick tinha enviado o contrato pelo correio justamente para evitar que ele fosse até lá, já que tinha uma história nada convencional para ouvir.
Todos eles se encontraram na porta da gravadora às 14 horas em ponto, subindo direto para o escritório de Bonadio. Tensos e ansiosos, sequer pareciam que eram os mais velhos no ambiente - apesar de não parecerem mesmo.
-Rapazes, Julie…. Prontos para assinarem?
-Apesar de confiar em você, garoto, ficaríamos mais satisfeitos se lêssemos primeiro. - Daniel pediu, lembrando-se do conselho de Klaus.
-À vontade!
As cláusulas eram bastante simples, até. Provavelmente a maior parte dos acordos seriam feitos boca a boca, com apenas o essencial por escrito. A partir da semana seguinte eles passariam a ir para o estúdio às quartas à tarde, quintas e sextas - transferindo os empregos para segundas, terças e quartas de manhã. As aulas do supletivo acabariam naquela semana, com a prova acontecendo apenas no final do mês seguinte. Já para a parte de Julie, ela deveria cumprir os horários da tarde dos três dias citados - com exceção das semanas de provas, que deveriam ser avisadas com antecedência, para se programarem melhor. O contrato inicial era de um ano, com eles dando autorização de uso da sua imagem para programas de televisão, revistas, rádio e fotografias.
Aí que entrava o problema.
-Garoto, como vamos ceder nossa imagem se usamos máscaras?
-É o contrato padrão, o uso das máscaras está garantido. É a marca da banda.
-Vamos continuar com as máscaras de bichinhos? - Félix quis saber.
-Sim, a não ser que queiram mudar.
Não foi preciso que se olhassem para responder.
-Estamos bem sendo animais.
-Ótimo. De acordo com os termos?
E também não precisou de muito mais para eles revezarem a caneta enquanto assinavam os contratos.
-Como vocês já fizeram shows por aí e lotaram o estabelecimento, podemos continuar com o nome Insólitos e as máscaras. Não precisamos necessariamente agora de uma música inédita, podemos começar a gravar as que já tem, principalmente a do festival do Peche. Nesse mês vamos gravar a música, um clipe e disparar nas rádios e na MTV. Podemos marcar também entrevistas, dependendo de como sair.
-Somos uma banda jovem, seria muita pretensão começarmos de cara falando com a Capricho?
-Dependendo de como for feito o contato… - Rick ponderou.
-Acho que eu posso ajudar com isso, só preciso falar bem da banda quando for chamado para uma nova ação. Usamos máscaras, ninguém vai perceber que sou eu.
-Mas e a sua voz? Você fala muito na capricho. - Félix se lembrou.
-E sou a segunda voz nas músicas da Apolo, e quase não cantamos sozinhos. Ninguém vai me reconhecer, Félix.
-O que nos leva a outro ponto: não vou impedir que saiam em público, mas que evitem dar bandeira. Postar em redes sociais que estão aqui, que estão nos shows, tirar a máscara em lugares públicos…. E talvez deixar de permitir que as apresentações na loja de instrumentos sejam filmadas, entendeu, Daniel?
-Eu sou a primeira voz com Julie, mesmo com a máscara posso ser reconhecido. - Ele concordou veementemente.
-O que também é uma coisa boa! Se forem fotografados juntos, não vão estar revelando o segredo da banda. No máximo será divulgado como loiro misterioso ou apenas passado batido. Estrelas em ascensão que namoram pessoas normais normalmente não são muito noticiadas.
-Mas não seria ruim? Não termos tanto foco? - Martin estranhou.
-Depende do ponto de vista. Vocês mantêm sua privacidade e conseguem sair por aí sem serem reconhecidos, mas perdem um pouco de mídia. Daniel e Julie sei que estão juntos…. - Rick olhou para os joelhos encostados dos dois. - Mas e quanto a vocês dois?
-Solteiro. - Félix declarou.
-Totalmente solteiro. - Martin completou.
-ótimo. Não vamos impor nenhuma regra maluca sobre serem proibidos de namorarem ou terem de arrumar uma, porque não vai fazer muita diferença com as máscaras. Vocês estão começando agora, então privar de aparecer em determinadas emissoras seria loucura, a única recomendação é que não tirem a máscara em lugares visíveis. Certo?
-Anotado.
-Eu fiz a minha parte, agora é com vocês. - Rick se acomodou em sua cadeira, esperando a parte do acordo deles.
-Você sabe como morremos, não precisamos entrar em detalhes nisso. - Daniel tomou a iniciativa. - Mas acordamos alguns dias após o acidente, e passamos a vagar por aí. Estávamos muito ressentidos com toda a situação….
-Principalmente Daniel, se ele já é intragável quando é contrariado na banda imagina quando morreu um dia antes de gravarmos o disco! - Martin quis ressaltar a informação.
-Nem vem que nenhum de vocês estava contente com a situação! - Daniel se virou na cadeira, acusando o amigo.
-Mas nem por isso saí criando caos por aí!
-O que importa é que depois de algum tempo fomos considerados instáveis para vagar eternamente, e fomos condenados a passar um tempo presos, pelo menos até conseguirmos conviver fantasmagoricamente sem causar nenhum distúrbio no plano físico. - Félix traduziu tudo, terminando com a discussão.
-Fomos presos na nossa cópia do disco, por ser algo que unia nós três, e fomos esquecidos naquela edícula por trinta anos, até nossa Julie aqui se mudar para a casa e ir xeretar a casa dos fundos. Ela não só mexeu nas nossas coisas como também colocou nosso disco para tocar, e isso acabou nos libertando.
-Eu imagino o susto que ela deve ter levado. - Rick olhou para Julie, que concordou com a cabeça.
-Eles não estavam como morreram, mas brancos feito papel e com olheiras sinistras!
-E para piorar, essa belezinha aqui QUEBROU o nosso disco, achando que assim se livraria de nós! - Daniel continuou. - Não é à toa que nos recusamos a ir embora, e passamos a viver na edícula. Admito que o ressentimento ainda estava em mim, e passei a segui-la até a escola por não ter nada para fazer, até o dia que descobri que Julia compunha e cantava. Dei a sorte dela estar participando de um concurso na escola, e cheguei bem a tempo, ela estava quase desistindo, mas dei apoio a ela e cantei com ela invisível mesmo. A convidamos para nossa banda naquele mesmo dia.
-Chegamos a gravar um clipe, daí que surgiram as máscaras, quando nos recusamos a usar lençóis furados.
-Começamos a fazer alguns shows na loja de discos do centro e a fazer algum sucesso. óbvio que nesse meio tempo fomos coagidos pela polícia espectral a parar de cantar para os vivos, e até tentamos fazer isso, mas não conseguimos. Foi aí que reaparecemos no festival do Peche, com roupas de astronauta.
-E como a música para Julie entra nisso tudo? Aquilo é bem óbvio, você não estava vivo quando compôs aquilo. - Rick tinha analisado de cabo a rabo a letra, supondo coisas a respeito.
-Você é observador mesmo, cara. - Félix aprovou aquilo.
-Nesse meio tempo todo, entre a banda e a vida pessoal dela, ela cismou que gostava de um garoto na escola, e apesar de desde cedo eu já ter expressado meus sentimentos sobre ele….
-Daniel! - Julie se incomoou. -
-Qual é, Julie! O Nicolas É um panaca! Posso continuar? Obrigado. Enfim, se você for perceber metade das nossas músicas são uma indireta para ele, mas não ligamos para isso, só queremos tocar. E depois de algum tempo eles acabaram ficando amigos, mas eu…. Não tenho vergonha de dizer que me apaixonei por ela, e estava decidido a lutar por ela.
-Mesmo sendo um fantasma? - Rick se assustou.
-Garoto, ela morava e tinha uma banda com três fantasmas, o que seria namorar um? - Daniel rolou os olhos. - Mas eu não via como isso aconteceria, daí que escrevi a música.
-E o que fez vocês brigarem tão feio?
Apesar do olhar fulminante de Julie, Daniel achou melhor explicar.
-Eu meio que assombrei o idiota e falei para ele ficar longe dela, coisa boba e que já passou. Mas no meio de tudo isso ainda estávamos indo contra as regras da polícia espectral, e estávamos dando tanta dor de cabeça que o chefe deles encontrou uma alternativa para pararmos com isso. Lembra do tecladista? O Josias?
-Ele ficou arrasado depois do acidente, nunca mais foi o mesmo. Quase abandonou a escola. - Rick confidenciou, abalando os três adolescentes.
-Era para ter sido ele a receber o impacto naquele dia, acabamos indo para o lugar dele. E como forma de reparar o erro, foi nos oferecida uma oportunidade de voltar a vida, e cá estamos.
-Da mesma maneira de 1981?
-Exatamente da mesma maneira, com a diferença que nenhum dos que nos conheceram em vida se lembram de nós.
-E como temos um corpo agora, não podemos mais morar na edícula de Julie, por isso dividimos um quarto na loja de discos e trabalhamos, até conseguirmos alugar um espaço só nosso. - Martin finalizou.
Rick estava sem palavras para tudo aquilo. Não tinha ideia do quanto seus ídolos tinham sofrido e batalhado após a morte deles apenas para terem mais uma chance na música. E imaginem só! Ele é quem poderia e estava dando a segunda chance para eles!
Mais do que empolgado, enxotou todos para o estúdio de gravação, para fazer uma demo da música do festival.
______________
Uma hora e meia já tinha passado desde o momento que todos eles foram para o estúdio e até aquele momento pelo menos três versões diferentes tinham sido gravadas, mas nenhuma era a definitiva ainda. Estavam estudando a inserção de outros instrumentos e como poderiam ser colocados quando Rick deu um intervalo de vinte minutos.
Apesar de estar com os amigos, Félix estava enfrentando um início de crise de ansiedade por não terem acertado o tom ainda - e como ainda não tinha um lugar para se enrolar feito uma bola ou descontar em sua bateria até se exaurir, ele recorreu a opção mais fácil: ir jogar uma água no rosto. Deixando Daniel e Martin se alongando no estúdio enquanto Julie conversava com Rick, ele saiu pela porta e foi até o banheiro. Não era tão distante do estúdio que estavam, com ele se perdendo lá até conseguir respirar normalmente. Após jogar bastante água no seu rosto e nuca, ele se alongou e se preparou para voltar - entretanto, não contava com a figura apressada que estava tão distraída ao ponto de se chocar contra o seu peito com muita força.
-Ai! - Ele reclamou, recuperando o equilíbrio antes de cair contra o chão.
-Desculpa! Estou pensando tanto que nem te vi na minha frente! - A garota se desculpou, conferindo se ele não havia se machucado.
Mas Félix mal teve tempo para processar o pedido, estava chocado demais com o que via à sua frente. Ela também tinha voltado a vida?!
-D-Débora?! - Ele perguntou em um fio de voz, com os olhos arregalados.
Ora bolas, era só o que faltava!
-O que? Desculpa, eu me chamo Manuela. - A morena ficou sem graça.
as pessoas podiam não conhecê-la, mas confundir o seu nome tinha sido a primeira vez.
-Eu… Ah! Me desculpe, é que você se parece muito com uma pessoa que eu conheço. Tipo, muito. - Ele enfatizou.
-Acontece… - Ela estava sem graça, porém interessada no garoto super alto que ainda conversava com ela. - Você trabalha aqui?
-É o meu primeiro dia, e você?
Ele realmente não conhecia ela!
-Já estou aqui há seis meses. Sou cantora, e você?
-Baterista. - Ele sorriu, gostando de conversar com ela. - Escuta, preciso voltar para a minha reunião agora, mas gostei de falar com você. Nos vemos por aí?
-Ao menos me fala o seu nome! - Ela pediu enquanto ele já se distanciava, completamente sem tato algum, apenas focado em voltar para a sua bateria.
-É Félix!
-Manu Gavassi! - Ele respondeu de volta, o acompanhando com o olhar até ele entrar na sala que se direcionava.
Com um suspiro, Manu foi em direção ao banheiro, sorrindo para o nada.
Ele tinha deixado seu dia bem mais Félix.
______________
Se antes o moreno estava uma pilha nervos, agora ele sorria feito bobo!
-Qual é, Félix! Viu um passarinho azul no banheiro? - Martin questionou, estranhando o comportamento do amigo.
-Terra chamando Félix! - Daniel continuou a implicar.
Ele só tinha visto essa expressão no baterista uma vez na vida, e vê-la de novo só podia significar uma coisa:
-Viu Débora no corredor por acaso?
-Vi e não vi. - Ele confessou, se jogando no sofá na ante sala do estúdio. - Ela era bem viva, mas IDÊNTICA a Deby de uma forma completamente assustadora.
-Tem certeza que não é ela? Nós estamos bem vivos.
-Ela disse que se chamava Manu…. Acho que Gavas…
-VOCÊ CONHECEU A MANU GAVASSI?! - Julie teve um ataque de tiete, abandonando Rick e vindo até eles.
-Acho que sim… - Félix estranhou. - O que tem ela?
-Ela é simplesmente uma das vozes em ascensão do pop dos últimos tempos!
-E ela foi só a primeira que apareceu por aqui! - Rick ria da garota. - Você disse que tinha uma banda?
-Só disse que era baterista, não disse de qual, e fugi dela o mais rápido possível.
-E ele dizendo que tava solteiro… - Martin ria na cara dura. - Aposto como logo, logo, ele também começa a namorar!
-Você também, não é, Martin? - Julie cutucou, sentando-se ao lado de Félix.
-Como assim? - Ele não entendeu.
-Pensei que aquele beijo com Shizuko tivesse significado alguma coisa. - Julie soltou de repente, esquecendo-se que estavam em uma reunião de trabalho.
-Na festa do Valtinho? - Félix estranhou. Aquilo tinha meses!
-Que nada! Ele não contou sobre a viagem?
-Espera, você FICOU com a Shizuko no final de semana? - Félix se surpreendeu. - Como não contou para a gente?!
- Ela começou a jogar o jogo dos dedões comigo e quando dei por mim estávamos nos beijando… - Martin rolou os olhos, ciente que seus amigos sabiam da sua tática para beijos. - Não foi nada demais, mas como você sabe, Julie?!
-Alô-ô? Você levou minhas duas melhores amigas para um final de semana fora, era óbvio que eu ia saber.
-Talvez você não tenha tanta privacidade assim, Martin. - Rick constatou. - Pode ser invisível como membro dos Insólitos, mas vai chamar atenção demais pela Capricho. A propósito, está em qual departamento de lá?
-Colírio, e meio que isso já aconteceu no sábado. Eu não recomendaria que comprassem a edição de quinta-feira, já basta que tenham fotografado.
-O que você fez exatamente, Martin? - Daniel segurava o riso, curioso.
Rick já imaginava, por mais que trabalhasse na indústria musical sabia muito bem como as coisas funcionavam no mundo midiático, ainda mais o adolescente!
-Tiraram uma foto dele dando um selinho na Shizuko. - Julie dedurou.
-Ah, só isso? - Rick perguntou. - Pensei que fosse alguma coisa constrangedora.
-Já beijou alguém na frente de uma multidão te encarando e gritando? - Marin rebateu. - Foi muito estranho!
Bem, Julie não tinha beijado, mas sim rejeitado.
-Pelo menos ela não te rejeitou. - Julie foi solidária.
Até porque até onde sabia Shizuko tinha sim motivos para rejeitar um beijo de Martin.
-Porque? Você sabe de alguma coisa? - Félix e Daniel perguntaram, prestes a alfinetar o melhor amigo.
-E vocês também, ou já esqueceram de três meses atrás?
Daniel fez uma careta.
-Quando você disse que ele estava vestido de cavaleiro medieval não mencionou na frente de toda a escola! E você rejeitou ele!
-Vocês ainda vão se encontrar muito pelos corredores e Martin não vai passar vergonha na quinta feira, mas precisamos voltar para cá. O que acham de um teclado moderno no começo?
A ideia até era legal, mas infelizmente ninguém tocava teclado.
E definitivamente Josias não era uma opção.
Chapter 28: Vinte e oito
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
A segunda semana de fevereiro finalmente tinha entrado, e com ela os novos horários da banda. Três vezes por semana os Insólitos se reuniam na gravadora, trabalhando em seu primeiro single profissional. Até o presente momento já tinham decidido pela inserção de novos instrumentos - em especial o teclado - conseguindo preparar os arranjos para aquela tarde.
Apesar de Rick ter tocado no nome de Josias, os quatro negaram imediatamente. Apolo 81 estava morto, aquela era a nova fase da vida deles.
Com todo o instrumental finalizado na tarde anterior, eles somente precisavam gravar a parte do vocal naquele dia. Eles eram novatos, primeiro precisavam gravar a demo para depois ser distribuída, e uma vez feita não tinham muito mais o que fazer - ao menos não naquele dia.
Assim, Julie e Daniel tinham marcado um encontro depois do trabalho, estando mais do que ansiosos pela hora da saída.
-No três, pessoal! - Rick abriu o microfone, indicando para seus ídolos.
Daniel e Julie apenas confirmaram com a cabeça. Os dois estavam dividindo um microfone, enquanto Félix e Marton estavam ao lado, prontos para fazerem o backing vocal.
A batida do teclado e guitarra começou, atraindo a atenção de todos.
Eu sei, que o tempo não para
Mas não me esqueço de nada
Está em mim, espero que esteja em você
Tudo o que posso dizer
Julie começou, segurando o pé do microfone com um pouquinho de força. Aquilo estava mesmo acontecendo? Desde quando tinha ficado tão nervosa?
É que aprendi a sentir cada dia
Ganhar, perder, o que importa é estar viva
E desistir não é opção pra ninguém
A hora certa sempre vem
Fecho os meus olhos e ouço a sua voz
E de repente não estou sozinha, vamos nós
Não sei se é normal
Mas sei que essa é minha vida e ponto final
No meu coração
Eu ouço toques invisíveis me dizendo a direção
Naquela estrofe específica todos os quatro cantaram, dando ênfase ao que a letra passava. Se somente os garotos cantando já era algo muito agradável de se ouvir, com a inserção de Julie tinha ficado melhor ainda. Seria um sucesso, certeza!
Fingir pra quê?
Fugir da verdade
Dizer que não sinto saudade
O que passou, deixou uma história em mim
Mas que está longe do fim
Agora eu vejo as luzes no horizonte
E sei onde posso chegar
Tudo valeu sim, tudo que senti
Nada pode apagar
Mas era claro que uma das últimas estrofes teria que ser um dueto entre Daniel e Julie. Apesar de não ser uma composição sobre fantasmas, a letra também se encaixava na situação de todos eles.
Se eles não usassem máscaras, Rick não teria piedade e não gravaria um clipe no estúdio. A troca de olhares entre os adolescentes chegava a ser algo incômodo de tão intensa que era. Na verdade, ele podia apostar que se pudessem Daniel não teria ressalvas de agarrar a vocalista ali mesmo.
-Quinze minutos, pessoal! - Rick liberou, indo conversar com o assistente de som, que tratava rapidamente o áudio para corrigir eventuais falhas.
-Onde vocês vão hoje? - Félix perguntou como quem não queria nada, sentando-se no sofá da ante sala.
-Naquela sorveteria antiga, perto do San Cristóban. - Daniel respondeu, focado em seu caderninho de músicas.
-Espera, vai mesmo levar ela lá? Acha seguro? - Félix se preocupou.
-O que tem demais lá? - Julie não entendeu, sentando-se ao lado do baterista.
-A sorveteria ficava quase do lado da casa de Daniel. Está usando o encontro como uma desculpa para ir ver seus pais?
-Não, só quero tomar sorvete com a minha namorada. Se não fui lá quando estava morto, não vou agora que estou vivo.
-Mas sempre tem a possibilidade deles estarem no quintal da frente. A sua mãe adorava….
-Vamos pela rua de cima, para evitar que aconteça algo assim. - Daniel estava voltando a ser um cretino, envergonhado por ter sido pego no pulo.
Enquanto ele mergulhava de cabeça em suas letras, Félix achou melhor advertir a amiga.
-Acho bom você ficar de olho nele. Não acreditei em uma só palavra do que ele disse.
-Nem eu, mas o que eu faço se ele começar a chorar?
-Ele não vai, não na sua frente. Só se assegure que ele volte para a loja em segurança.
-Pode deixar. Mas…. Pensando bem, vocês nunca falaram sobre a vida de vocês. Voltaram para procurar os seus pais depois que saíram do disco?
-Bem, como você sabe, Daniel está planejando fazer isso hoje com a desculpa esfarrapada do sorvete.
-Não é desculpa!
-Martin não teve interesse.
-Eu acredito que eles voltaram para a Nova Escócia, isso sim. - Martin respondeu do outro lado, imerso na conversa.
-E você?
-Eu não precisei voltar para casa. - Félix abriu um sorriso cúmplice com Martin, divertido da confusão de Julie. - Meus pais já tinham partido provavelmente há muito tempo.
-E como sabe?
-Porque você estava morando lá.
Julie ficou estática. Espera, a casa dela era a casa de Félix?!
-Você disse o que eu entendi? A sua casa é a minha casa?
-Não, a sua casa era a minha casa. Como não percebeu isso antes? Nosso disco só poderia estar em uma das nossas residências. A edícula é ampla, cabem todos os nossos instrumentos lá, principalmente uma bateria. Não fazia muito barulho dentro da casa principal e todas as paredes estavam repletas de pôsteres de rock!
Obrigado por ter nos ajudado a rasgar o papel de parede antigo, a propósito. - Daniel opinou. - É muito melhor o que fizemos.
-Uau….Eu por acaso peguei o seu quarto?
-Não, Pedrinho ficou com ele. Acha mesmo que se você tivesse ficado com o meu eu deixaria você e Daniel ficarem sozinhos lá? - Félix rolou os olhos.
-Até parece que nunca ficou sozinho com nenhuma garota no seu quarto, Félix. - Daniel respondeu entediado.
-É, disse bem: no MEU quarto!
-DANIEL! - Julie corou subitamente com a menção dos dois sozinhos em um quarto. Apesar de todos ali saberem que enquanto fantasmas nunca tiveram nada, o cara do som não tinha ideia.
-O que?
_______________
-Deixa só eu passar no banheiro. - Martin pede a Félix, entrando no ambiente.
Daniel e Julie já tinham ido embora a uns dez minutos quando Félix e Martin terminaram de fechar seus instrumentos. Eles não tinham muitos planos, talvez passar na lanchonete perto da loja de discos e pegar um suco, ir para casa e dividir o computador alimentando seus twitter’s e facebook’s recém criados. Não que eles usassem muito, mas tinham como reserva caso alguém importante pedisse.
Entediado, Félix ficou esperando o amigo no corredor, perdido em pensamentos.
-Ei, você por aqui! - Uma voz feminina se fez presente, estourando a bolha do rapaz.
Atordoado, Félix procurou até encontrar Manu se aproximando com um sorriso no rosto.
-Ah, oi! - Ele ficou sem graça. - Manu, né?
-Não te vi durante essa semana, pensei que tivesse ido embora.
-Não ter me visto não é exatamente um sinônimo de ter sido mandado embora. Eu poderia estar todo esse tempo aqui, assombrando os corredores vazios. - Félix tentou fazer uma piada fantasma, mas admitia que era melhor com Martin e Daniel.
-Não acho que um fantasma fosse querer assombrar um lugar movimentado, ainda mais em uma gravadora onde não há silêncio.
De fato eles não queriam assombrar, mas gravar.
-Foi mal, acabei ficando preso com a gravação da demo.
-E conseguiu finalizar?
-Dentro de alguns dias vai ser lançado nas rádios. E você?
-Ah, estamos preparando o álbum novo. Muitas reuniões, discussões e dores de cabeça. Esteja preparado para isso, viu? Mas… Qual o nome da sua banda? Para ou ouvir a música quando for lançada.
-Eu….
-Vamos? - Martin interrompeu, saindo do banheiro. - Ah, oi1 - Ele notou Manu, que olhava para ele de forma esquisita.
-Meu Deus! Martin, não é? - Manu estava em polvorosa.
-.....Sim….? - Ele estranhou, olhando em desespero para Félix. - Você deve ser a Manu, não é?
-Me conhece!?
-Na verdade, Félix comentou sobre você…. Mas eu quem deveria perguntar como me conhece.
-Dã. Colírios Capricho! Votei em você um montão de vezes.
-Obrigado, eu acho. - Martin estava visivelmente sem graça, não reparando na expressão fechada que começava a se formar no rosto de Félix.
Primeiro Débora e agora Manu?
-Sua banda não era de garagem? O que está fazendo aqui?
Félix revirou os olhos. Foi só aquele idiota aparecer que PUF! Ele tinha sido esquecido!
-Bem….Nós conseguimos um contrato. Vamos lançar a nossa demo semana que vem.
-Vocês… Vocês são da mesma banda?
-É. - E com aquela resposta curta e grossa Martin se deu conta que talvez estivesse atrapalhando alguma coisa.
-Manu, foi um prazer te conhecer, mas eu preciso ir. Te espero lá fora, Félix!
E com aquela deixa ele desapareceu, deixando os dois sozinhos. Não que importasse alguma coisa, Manu já estava derretida e afetada pela presença do colírio.
--Você ainda está em expediente, não é? Não quero te ocupar. - Félix não sabia direito como manter uma conversa com uma garota, ainda mais uma arruinada por Martin.
-Com a produção do cd está uma loucura, acabo não tendo hora para sair!
-E não deveria voltar para o estúdio?
-Pausas sempre são bem vindas. Renovam a mente, sabe? Mas acho que seu amigo também está te esperando, então… Nos vemos por aí?
-Espero que não mais saindo do banheiro. - Félix deu um sorriso, conseguindo tirar outro dela.
-Ah! Pode me passar o seu twitter? Assim fica mais fácil da gente se falar, caso as coisas fiquem muito corridas aqui. - Manu fazia caras e bocas, indicando o quanto estava nervosa por pedir aquilo.
-Ah, isso… Eu meio que comecei a te seguir dois dias atrás, mas como a sua conta é movimentada acho que você não viu… - Félix coçou a cabeça, vermelho.
-Pode me passar o seu então? Assim fica mais fácil de te encontrar. - Ela estendeu o celular dela com o twitter aberto, indicando o que ele deveria fazer.
Félix rapidamente entrou em seu perfil e seguiu a si próprio, confuso como aquela relação de seguidores funcionava, mas gostando da sensação em seu peito.
-Manu?! - A produtora da garota a chamou no corredor, estranhando a interação dela.
-Acho melhor eu ir… A gente se fala!
Félix apenas deu um tchauzinho sorridente, indo encontrar com Martin.
-Foi mal, cara.... Não queria me meter entre vocês dois….
-Pelo menos ela pediu o meu telefone, não o seu. - Félix permitiu se gabar naquele momento, recebendo um cumprimento animado de Martin.
-Dou até de noite para já estarem se falando!
_________________
Quando Daniel falou sobre a sorveteria perto do colégio San Cristóban, Julie não tinha imaginado ser tão longe daquele jeito! Aquela era a direção completamente oposta à sua casa, precisando tomar um ônibus para chegarem até lá - o que só dava mais ênfase ao local de ensaios dos três. Fazia muito mais sentido Martin e Daniel se deslocarem com seus instrumentos do que Félix, já que ele obviamente não podia carregar sua bateria nas costas, muito menos deixar na casa de ninguém.
Desde que Daniel tinha sido descoberto mais cedo, ele estava mais quieto do que o normal - o que não podia ser boa coisa.
-Certeza que o sorvete não foi uma desculpa esfarrapada? - Julie perguntou como quem não queria nada.
-É claro que não, Julie! - Daniel se sentia ofendido por aquele pensamento.
-Você já me usou por interesse antes, eu não ia ligar nem me surpreender se fosse a questão agora também.
-São coisas diferentes, Julie. Eu prometi a você que nunca mais te magoaria e pretendo cumprir isso.
-Você não me magoaria em uma situação dessas, Dani… - Ela deixou o apelido sair, vendo o rosto dele enrubescer.
Para disfarçar, ele deu sinal no ônibus, deixando que Julie saísse primeiro. Ela nunca tinha passado por aquele lugar, estranhando como era muito mais movimentada do que a sua rua - e muito mais comercial também. Aquela era a área antiga da cidade, onde os mais renomados haviam crescido e estudado - e se Daniel morava lá deveria fazer parte deles também.
Mas ele provavelmente havia feito o que tinha comentado com Félix, já que o caminho que seguiam apenas tinham estabelecimentos comerciais. Sem problemas, no tempo dele.
-Nós costumávamos vir aqui para tentar compor alguma coisa. - Daniel confidenciou, segurando em sua mão quando entraram na sorveteria.
Ela tinha a estética de uma lanchonete dos anos 1950 - o que era bem legal, mas ao contrário dos Estados Unidos seus funcionários não usavam uniformes estilizados. O lugar não era muito amplo mas também não era pequeno, com mesinhas espalhadas por todo o seu salão. Escolhendo uma próxima janela, Daniel ficou pensativo por algum tempo, apenas voltando a realidade quando a garçonete entregou um cardápio para eles.
-Só precisam chamar quando estiverem prontos.
Mas ele ainda suspirava para o menu.
-Se suspirar mais uma vez vou começar a achar que se apaixonou pelo cardápio. - Julie fez uma piada, recebendo o olhar cretino dele.
-Não é paixão, só…. Nostalgia. Essa era a nossa mesa preferida, tentávamos compor nossas músicas aqui.
-Como humilhação e sofrimento pode ter sido composta em uma sorveteria??
-Ela não foi, essa não… Foi. Foi no meu quarto, de madrugada e no escuro após uma longa sessão de choro se você quer tanto saber.
-Na verdade eu gostaria de saber quem te fez escrever isso e porque Martin é o menos imparcial nessa história,mas…
-Talvez um dia eu te conte, mas não hoje.
-Se esse lugar era tão especial para vocês três…. Quatro… Porque não veio com Félix e Martin? Não é como se eles não estivessem aqui, sabe?
-Julie, nós vivemos na antiga casa do Félix por sete meses antes de retornarmos. Sabe como aquilo foi doloroso? Viver em uma casa que não é mais sua, relembrar os momentos que varamos a noite na edícula conversando e confidenciando coisas.... Aqui seria muito pior. Não pela sorveteria em si, mas pela nossa memória. - Ele apontou para a lateral esquerda dela, mostrando uma marca.
Apolo 81!
Josiaz Martin
Félix Daniel
-Josias achava que escrever o nome dele com z deixava mais descolado, mas só ele achava isso. - Daniel riu. - O dono daqui era quase que o Klaus para a gente, não duvido nada ter deixado isso como uma homenagem depois do acidente. Voltar aqui seria voltar para a minha casa, e por mais que eu seja o que mais vá sentir, eles também passaram bons momentos comigo. E apesar deles serem os meus melhores amigos, eu queria voltar aqui com você. Seria estranho demais segurar na mão deles em público para ter apoio.
Daniel confessou. Ele estava com medo, aquilo era mais do que perceptível, mas queria que Julie o ajudasse a passar por aquilo. Segurando em sua mão, Julie a puxou para um beijo rápido, arrancando uma risada dele.
-Ao menos o cardápio está igual?
-Esses sabores de sundae são novos, mas os milkshakes são os mesmos.
Por fim, decidiram por dois milkshakes de morango, jogando conversa fora enquanto congelavam o seu cérebro. Eles sabiam que a partir do dia seguinte começariam a pensar no conceito para o videoclipe do single gravado, e não tinham certeza como aquilo sairia, mas estavam animados.
-Está rindo do que? - Daniel estranhou a aleatória crise de riso de Julie.
-A última vez que estive em uma situação como essa você derramou suco no colo do meu acompanhante.
-A culpa não é minha se ele deu bobeira com o copo. - Daniel apontou para o seu milk shake, mostrando como ele não o parava de segurar nem por um segundo. - Além do que, eu te fiz um favor arruinando aquela espécie de encontro, né?
Julie apenas levantou a sobrancelha, desconfiando daquilo.
-Qual é? Vai dizer que a anta é uma companhia melhor do que eu?! - Daniel se indignou. - Não pode estar falando sério!
-Mas eu não disse nada!
-E nem ouse achar uma coisa dessas, Juliana!
-Ou o que? Vai derrubar o meu milkshake em mim?
-Não, vou ser obrigado a tirar essa ideia da sua cabeça de outra forma, mas estamos impossibilitados por essa mesa no momento. Vai precisar esperar.
Mas enquanto estar com Nicolas era sinônimo de ficar constantemente nervosa, com Daniel era ao contrário. Ainda tinha frio na barriga quando ele fazia coisas românticas demais, mas era o fantasma cretino não mais fantasma vocalista e guitarrista da sua banda com ela. Vergonha era uma coisa que não existia com ele - não ser quando as coisas começavam a esquentar demais quando estavam sozinhos, mas não era apenas ela a ficar corada com as investidas.
Aquilo deveria ser assunto para a próxima festa do pijama com Bia e Shizuko, isso sim. Um badboy que fica vermelho com uma mão boba? Aquilo era novidade.
Mas considerações à parte, já estava mais do que na cara a enrolação do adolescente.
-Podemos ir indo? Não quero te apressar nem nada, mas provavelmente vamos pegar o horário do rush para voltar….
Ele apenas concordou, insistindo em pagar a conta. Ele usou o argumento que se ele usaria ela, que ela ao menos o usasse para pagar o doce - o que ela não contestou em nenhum momento.
Segurando forte em sua mão, Daniel deu três passos em direção à casa vizinha antes de buscar conforto em seu rosto, querendo saber se ela estava ali mesmo com ele.
Sua casa era simples, com muitos na altura de seus olhos. Algum dia ela deveria ter sido muito bem cuidada, mas no momento atual os sinais do tempo indicavam que a manutenção não era feita regularmente.
-Minha mãe costumava cuidar muito bem do jardim da frente. - Daniel dizia mais para si mesmo, notando a ausência das plantas floridas que sua mãe tanto gostava, dando espaço apenas para folhas verdes.
-Será que ainda tem alguém morando na casa?
-Tem sim. A luz da sala está acesa, não deixariam ligada se estivesse vazia.
-Está melhor? Ou precisa de um abraço?
-Um abraço sempre é muito bem vindo. - Daniel concordou, abraçando Julie. - Mas estou bem sim. Acho que eu só estava com medo de alguma coisa acontecer e eu….
-Daniel….? - Uma voz um pouco alta veio de dentro da casa, gelando os dois adolescentes.
-É uma mulher meio baixinha, magra, com os cabelos cacheados bem parecido com o seu, só que morena. - Julie sussurrou para o adolescente, que havia cravado suas unhas em seus braços.
Julie estava se machucando, mas não se importava no momento.
-Minha mãe....
-Daniel, como você….?! - Ela se aproximou do portão, assustada.
-Desculpe, está falando com a gente? - Julie tomou iniciativa, vendo que o garoto não ia dizer uma só palavra.
-Vocês…. Me desculpem, eu acho que… Achei que tivesse visto meu filho. - A mulher não estava desolada, tinha perdido Daniel trinta anos antes, mas pensar ter o visto em sua casa tinha mexido com ela. - Vocês…. Vocês se parecem muito….Qual o seu nome, garoto?
Julie entrou em pânico. Que nome eles poderiam dar para Daniel que não fosse suspeito? Epaminondas era um bom disfarce, mas quem no século XXI se chamava Epaminondas?
-Bruno, senhora. Meu nome é Bruno. - Daniel falou com a voz firme, virando-se e ficando frente a frente com sua mãe pela primeira vez em 30 anos.
Os dois ficaram algum tempo apenas estudando um ao outro em choque.
-Até a sua voz… Como é possível serem tão iguais? Você é daqui mesmo, Bruno?
-Não, sou de Taubaté, mas me mudei para cá a alguns meses. A senhora… Me é um pouco familiar.
-Eu!? - Os olhos da mulher se encheram de esperança, com Julie querendo jogar um copo de milk shake na cabeça de Daniel.
“SOS OVELHA SEM CONTROLE” Foi a mensagem de socorro que ela enviou para Félix e Martin, na esperança que eles já tivessem conferido o twitter deles na loja, mas não obteve nenhuma resposta.
Eles precisavam urgentemente de um celular.
-O que vieram fazer neste lado da cidade? - A mãe dele continuava a perguntar, curiosa.
-Ouvimos falar da sorveteria e Da...Bruno achou familiar o nome. Paramos aqui porque ele…
-Achei que já tivesse passado por aqui antes, mas devo ter me enganado.
-NÃO! Não, pelo contrário! Quais seriam as chances, afinal? Mas…. Vocês são tão parecidos….
-Chances de que?
-Pode ser só uma loucura minha, mas… Quais seriam as chances de você ser a reencarnação do meu Daniel…?
PERIGO PERIGO PERIGO
-Eu….Reencarnação?
-Não sou louca, mas perdi meu filho 30 anos atrás em um acidente com um caminhão. Eu sei que ele não pode voltar, mas as semelhanças… E você ter achado que já tinha estado aqui…
-Bruno, o horário, lembra? - Julie tentou fugir daquela situação, mas não havia mais jeito.
-Eu não sei se acredito em reencarnação - até porque ele não havia reencarnado, apenas brotado - Mas não acho a senhora louca. - Ele deu um sorriso tímido, desmontando a sua mãe.
-Se importaria se eu te desse…. Te desse um abraço…?
-Nem um pouco.
Abrindo o portão da casa, a mulher foi para a calçada, abraçando com força Daniel, que retribuiu na mesma intensidade o abraço da sua mãe. Julie fingia que não via aquilo, incomodada com a intensidade do momento, mas respeitando os dois. O abraço durou um longo tempo, regozijando os dois.
-Passem por aqui quando quiserem! Porque não marcamos um café?
-Nossa agenda está meio cheia nas próximas semanas, mas prometo passarmos aqui quando possível.
-Vocês trabalham com o quê?
-Temos uma banda.
E aquilo foi o que bastava para a mãe dele deixar que algumas lágrimas viessem à tona - sendo rapidamente enxugadas.
-Bem, sabem onde me encontrar. Não vou ocupar mais o tempo de vocês dois. Foi muito bom te conhecer, Bruno.
-Digo o mesmo, dona Álvara.
Foi somente quando os dois já tinham ido embora e Álvara já estava em sua sala que percebeu que nunca tinha contado o seu nome para os dois.
Seria aquele mesmo o seu Daniel?
_____________
Mesmo sendo horário do rush, Daniel e Julie tinham conseguido dois lugares juntos no ônibus de volta.
-Você foi incrível hoje, apesar de ter quase se mostrado para a sua mãe.
-Eu não estava contando com aquilo, eu entrei em desespero!
-E mesmo assim lidou com tudo sozinho. Acho que não precisava tanto assim de mim, no final das contas.
-E perder um encontro com você? Não conseguimos mais ficar tão sozinhos quanto antes, principalmente quando sua escola voltar.
-Não digo que preferia quando vocês moravam lá em casa, mas pelo menos tinha você o tempo todo. - Julie fez um biquinho.
Daniel não fez cerimônias, apenas se aproximou e roubou um beijo lento da garota - que apesar de surpresa pelo ambiente, retribuiu na mesma intensidade. Com sua mão em seu queixo, Daniel angulava a cabeça de Julie, aprofundando o beijo na medida que o horário e o local permitiam, sorrindo com o carinho que recebia em sua nuca.
-Eu te amo, Julie, nunca se esqueça disso. Se eu soubesse que teria de esperar trinta anos no outro plano para te conhecer, eu teria sido muito menos rabugento.
-Meio impossível acreditar nisso, mas acho que Demétrius teria agradecido por isso. - Julie riu, ainda não conseguindo retribuir com palavras a declaração de amor.
Mesmo sob protestos, Julie convenceu o garoto a saltar na parada da loja de discos, fazendo com que ela ficasse sozinha até em casa. Ela não queria que ele ficasse sozinho por tem demais - o que aconteceria caso a deixasse em casa.
Além de usarem máscaras e mentirem sobre a cidade de origem, eles teriam que alterar os seus nomes agora?
Se Daniel era Bruno, Félix seria o que? Fábio? E Martin? Marcelo?
Julie não sabia, mas caso precisasse criar um nome falso, Mariana era a sua opção.
Notes:
Os nomes alternativos para os garotos são os nomes reais dos atores
Chapter 29: Vinte e nove
Chapter Text
A música estreou oficialmente nas rádios na sexta pela manhã, e tinha sido uma comoção. Enquanto Bia, Shizuko, Pedrinho e Julie tinham ido para a loja de discos para ouvirem o lançamento com Félix e Martin, Daniel tinha escutado na loja de instrumentos com seu chefe estourando outro confete em seus ouvidos após os elogios do apresentador. Mas…. porque o single estava tocando pela quarta vez em duas horas? Achando ter sido algum problema no disco de reprodução, Julie teve uma queda de pressão quando no final da tarde Rick ligou para o seu celular quase histérico, informando que a música tinha ficado no top 3 do dia de pelo menos CINCO ESTAÇÕES DE RÁDIO!
Martin foi mas rápido e conseguiu pegá-la antes que ela batesse com a cabeça no chão, enquanto Félix assumia o telefone - tendo a mesma queda de pressão que a garota, sendo acudido por Bia e Shizuko, que não tiveram a mesma força que o baixista e deixando ele bater com as costas no chão.
-Você tá legal, Félix?! - Bia se ajoelhou ao seu lado preocupada.
-Eu ouvi isso mesmo que eu ouvi? - Ele perguntou se apoiando na amiga para se levantar.
-Bem, eu não sei o que você ouviu, mas provavelmente sim.
Aquela posição logo na estréia era uma coisa boa, muito boa! Quando a segunda chegou, Rick apresentou os dados do final de semana e tudo indicava que precisavam produzir o clipe oficial o mais rápido possível - e enquanto ele ainda não estava disponível, as visualizações do feito independentemente só cresciam.
Eles precisaram apenas de uma rápida reunião para discutirem o conceito do clipe, já que Rick tinha passado a maior parte do final de semana imaginando tudo. Para começar, trabalhariam com a apresentação dos garotos no festival. Se eles se apresentaram como fantasmas, usariam aquele conceito, e se a própria banda fazia referência a algo que é anormal, seria aquilo.
Os Insólitos teriam caça fantasmas em seu primeiro clipe.
-Você tá de brincadeira, não é garoto? - Daniel tinha sido o primeiro a se opor. Não tinham passado por tudo para ainda serem fantasmas no final.
-A culpa não é minha se você se apresentou assim no festival do Peche. Vão lembrar automaticamente disso quando estrearem, temos as gravações de todas as apresentações, inclusive! Podemos usar isso como divulgação do antes e depois.
-E como seria isso? - Martin tentava entender o conceito.
-É bem simples! Colocamos uma casa velha, empoeirada, bem estereotipada mesmo. Julie tenta fazer contato e vocês aparecem de máscaras respondendo a ela, e temos a banda no final.
-Só tem um problema nisso tudo: o único cara que conhecemos que morava em uma casa velha e empoeirada foi quem trouxe a gente de volta, então não acho que seria uma boa brincar com ele agora. - Félix ponderou. - Porque não gravamos aqui? Faz mais sentido os músicos fantasmas assombrarem uma loja de instrumentos ou uma gravadora do que uma casa.
-Quem assombraria uma loja de instrumentos?! - Rick estranhou.
Todos apontaram para Daniel, que fazia uma cara feia.
-Cara, você leva a música a sério demais….
-O que faz de mim um bom profissional, eu acho.
No final do dia todos estavam de acordo com o roteiro do clipe, marcando a gravação para o final de tarde do dia seguinte. Por ser uma situação atípica, todos os compromissos foram cancelados, estando presentes apenas o pessoal indispensável no prédio.
Pessoal indispensável e Manu Gavassi, que insistiu em ficar para ver a gravação do clipe do seu amigo. Se ela iria ficar, teria que ajudar - logo sendo transformada em mais um fantasma, aquele que de fato assombraira o local, com os rapazes apenas salvando Julie e formando uma banda.
Mas se Ruth podia brincar, Raquel também podia!
Enquanto Félix e Martin ficavam assombrados em como Manu caracterizada ficava idêntica a Débora, a fantasma pairava no ambiente, assustando Martin quando ele se virou para o lado. Demorou, mas a antiga colega de escola entendeu que poderia interagir com eles apenas durante a gravação, mas jamais com Manu.
Eles começaram a gravar por volta das 16h, seguindo um roteiro:
Eu sei, que o tempo não para
Mas não me esqueço de nada
Está em mim, espero que esteja em você
Tudo o que posso dizer
Julie começava a percorrer os corredores escuros da gravadora, munida com uma lanterna e um gravador em suas mãos. Apesar do áudio estar cortado, ela foi instruída a simular uma tentativa de contato com o sobrenatural, o que não foi um problema para ela.
-Tem alguém aqui? Pode me falar quem são vocês e o que estão fazendo na minha casa?
-Nós somos músicos, e você nos libertou do nosso disco- Daniel não aguentou, respondendo aos apelos da garota por trás das câmeras.
Julie não esperava receber uma resposta, com sua expressão de espanto sendo genuína.
-E para onde vão agora? Vão ficar por aqui?
-Não temos outro lugar para ir.
-Mas como vou saber que não estão me olhando quando eu estiver me trocando?
-Aí você vai ter que confiar na gente.
A produção armou para os aparelhos em sua mão tocarem como se fossem respostas - ao menos achavam que tinham sido eles, quando na verdade a presença de Débora bem a frente de Julie levava à loucura os medidores.
É que aprendi a sentir cada dia
Ganhar, perder, o que importa é estar viva
E desistir não é opção pra ninguém
A hora certa sempre vem
A próxima cena estrelaria os primeiros sinais de assombração, com Manu aparecendo montada.
-Você não precisa fazer uma expressão de susto, a sua simples presença já deve ser o suficiente para causar espanto. - Félix ajudou, mas como poderia explicar para ela dicas de assombração?
A participação dela foi rápida: um jogo de luz e sombras, reflexos e muito nylon puxando e atirando coisas no chão, com Julie se assustando e correndo e sendo perseguida por ela - mas cá entre nós, os frames capturados de Débora ficaram muito mais incríveis e realistas do que a cantora.
Fecho os meus olhos e ouço a sua voz
E de repente não estou sozinha, vamos nós
Não sei se é normal
Mas sei que essa é minha vida e ponto final
No meu coração
Eu ouço toques invisíveis me dizendo a direção
E então os três mascarados surgiam! Com muitos efeitos especiais, eles brotaram bem a sua frente, com um pouco do áudio vazando - e com ele instruções para cuidar de Manu.
-EU SEGURO ELA! - A raposa gritou segurando a fantasma enquanto a ovelha e a vaca corriam com a caçadora.
-Acho que estamos fazendo um excelente trabalho. - Félix sussurrou para Manu, que tentava escapar do seu abraço.
O que não faria muito sentido, já que na edição não passaria de uma explosão de luz.
-Prefiro vocês sem as máscaras. São mesmo necessárias?
-É uma longa história, mas são a nossa marca registrada. Daniel já arrumou muita confusão com Rick sobre elas, por isso ninguém mais as questiona.
-Mas como vão fazer campanhas publicitárias assim? Vender a sua marca?
-Da mesma maneira que o comercial de Toddy faz. É tipo a Hannah Montana, temos o melhor dos dois mundos: a fama e a privacidade. - Félix disparou a tagarelar, ainda abraçando Manu, sequer percebendo que as câmeras já haviam saído do enquadramento.
Fingir pra quê?
Fugir da verdade
Dizer que não sinto saudade
O que passou, deixou uma história em mim
Mas que está longe do fim
Enquanto Félix tentava conter Manu, Daniel e Martin escondiam Julie em uma sala escura, com ela tentando contato com eles. Enquanto Martin tinha problemas de comunicação e ficava instável, Daniel era quem mais conseguia se manter visível, deixando, se comunicando mais pelos aparelhos de medição eletromagnética do que pela voz.
Quando o diretor pediu que fizessem uma cena onde eles tentavam se tocar mas não conseguiam, demoraram alguns takes para fazerem a expressão certa, já que mais riam em uma piada particular do que conseguiam se manter no personagem.
Mas ao contrário das suas lembranças, o contato foi finalizado pela aparição de Manu, fazendo com que os dois fantasmas ficassem para trás protegendo a garota enquanto ela fugia mais uma vez.
Agora eu vejo as luzes no horizonte
E sei onde posso chegar
Tudo valeu sim, tudo que senti
Nada pode apagar
Julie então conseguiu abrigo em um estúdio abandonado, que tal como a música apenas tinha suas luzes ligadas. Curiosa, ela foi até um dos microfones centrais, cantando o restante da música, com os fantasmas brotando ao seu lado e a acompanhando - assim como acontecia em um universo paralelo com a desculpa de serem hologramas.
Rick tinha decidido que durante a edição intercalariam partes do show no festival com as gravadas no estúdio, mostrando que eles tinham ido para a frente.
_____________
Trabalhando a todo vapor, a edição do MV ficou pronta na quinta à tarde, com Rick enviando por e-mail para eles primeiro, anunciando que a estreia aconteceria no dia seguinte no horário de pico da MTV e da Mix TV.
-Aquela era a Débora?! - Julie se surpreendeu ao telefone com Martin.
-E eu não sei como ninguém percebeu durante a gravação!
E aquilo era verdade, embora Manu não se lembrasse de ter gravado tantas cenas, era impossível de ter um clone seu a ajudando. Félix levou um susto ao notar as duas contracenando juntas, imerso em pensamentos e lembranças, mas logo voltando à realidade.
O lançamento tinha sido outro sucesso! Com recorde de audiência nos dois canais, as visualizações no clipe independente e no lançamento triplicaram em questão de horas! Mais e mais pedidos de direitos autorais chegavam para a gravadora, assim como permissão para uso do videoclipe e pedidos para entrevistas.
O êxito deles tinha sido tão grande que o primeiro pagamento veio mais do que gordo - um misto de direitos autorais pela composição das músicas e porcentagem em cima do que ganharam apenas naquele primeiro mês - e ainda nem tinham começado os cachês!
Embora a meta dos rapazes fosse o apartamento, os três se reuniram e fizeram o que tinham mais necessidade no momento: ficaram comunicáveis com o mundo, comprando três celulares. Não eram os mais modernos, mas tinham tecnologia o suficiente para trocarem mensagens e entrarem na internet.
Nem Julie, Shizuko ou Manu teriam sossego agora.
A Apolo 81 finalmente estava on.
Chapter 30: Trinta
Chapter Text
Ah, finalmente os refrescos!
Com o sucesso estrondoso do clipe e do single, trabalho era o que não faltava na gravadora! Em menos de uma semana eles tinham se dividido entre apresentar novas músicas para Rick, ensaiar e falar com a imprensa. A primeira entrevista deles estava marcada e isso arrepiava cada fio de cabelo deles!
O próximo single já havia sido escolhido, com a música dos garotos sendo preparada para a gravação na semana seguinte. Eles estavam apenas ajustando os últimos acordes e testando com outros instrumentos naquela manhã, apenas esperando o grande momento na parte de tarde.
Como combinado, os rapazes estariam vestidos com suas máscaras, apenas tirando quando a repórter já tivesse saído do prédio. Ao menos o plano era esse, caso Julie não tivesse se sentido mal.
Tinha começado com uma leve dor em sua barriga - que apesar de não estar em seu período de TPM, cólicas não eram tão anormais assim. Poderia ser culpa da quantidade de refrigerante que ela tinha tomado no almoço. Julie tinha aguentado bem vendo o ensaio dos garotos, mas conforme a hora chegava a pontada piorava, chegando ao ponto dela precisar se sentar no sofá e se encolher, na falha tentativa de passar.
-Julie, tá tudo bem? - Martin foi o primeiro a perceber que tinha algo de errado com a garota.
-Deve ser só nervoso. - Ela tinha dificuldades de falar, suando frio.
Não convencido, Martin se aproximou e colocou a mão em sua testa, verificando que ela estava com febre.
-Juliezinha, você não tá legal.
-É claro que eu tô-ô….
-Então levanta. - Martin fez uma cara desconfiada, ajudando a garota quando ela tentou e gritou de dor, voltando a se encolher.
-JULIE? - Daniel escutou o grito, tirando os seus fones e olhando para a sala de espera. - O que houve?
- Baseado na minha experiência, ela precisa ir para o hospital. - Martin declarou.
-Pode me dizer onde você conseguiu o seu certificado de medicina, Martin?
-Cara, a sua namorada tá suando frio, com febre e mal aguenta esticar o tronco sem berrar de dor! Acha mesmo que um dipirona vai ajudar?
-Vou avisar Rick. - Daniel deu meia volta, saindo da sala.
Ele só precisou descer um andar e bater na porta dele para que o produtor abrisse bastante contente.
-Animados?! É a grande chance de voc….
-Garoto, vamos precisar adiar.
-Porque fariam isso?
-Julie não tá nada bem. Eu e Martin vamos levá-la para o hospital.
-O que aconteceu? Crise de nervos?
Daniel apenas olhou torto para ele.
-Não. Ela está com febre e com muita dor na barriga, mal consegue se mexer.
Aquilo pareceu despertar uma lembrança muito dolorosa em Rick.
-Vou cancelar com a revista. Tem como avisar ao pai dela? Se eu estiver certo, ela não vai poder ficar lá com vocês.
-Como sabe o que é?
-Também já tive apendicite e sei como dói. Podem ir, e me avisem quando ela for atendida.
Por não terem um carro, os garotos precisaram chamar um táxi - já que a ambulância demoraria demais. Podia não parecer, mas Martin era o mais forte dos dois, sendo o responsável por carregar Julie no colo até o carro, enquanto Daniel ligava para seu Raul e informava o que tinha acontecido. Ao chegarem no hospital, Martin ficou ajudando Julie a se manter na posição de bola na sala de espera enquanto Daniel cuidava em parte da documentação inicial, passando tudo para seu sogro ao vê-lo chegar vinte minutos depois.
Apesar de Julie não ter demorado para ser atendida, o momento em que tentaram fazê-la se esticar na maca tinha sido de partir o coração e os ouvidos.
-O agudo dela é bom. - Martin não deixou de comentar, com Daniel concordando ao mesmo tempo que fazia uma careta.
Mas diante da impossibilidade de ficarem tantos acompanhantes, Martin foi o primeiro a ir embora, deixando apenas seu Raul e Daniel, que tentava ao máximo não demonstrar a sua preocupação romanticamente falando. Mas seu Raul não era burro, tinha percebido o carinho que o rapaz olhava para a sua filha sedada, vendo ele segurar discretamente em sua mão. Ora, ele estava gostando dela? Sua filha saberia? Aquela música tinha sido para ela?
Ele não perguntaria naquele momento.
Mas conforme foi ficando tarde, Daniel também tinha sido mandado embora.
-Ela vai ficar bem, cara. - Félix tentou acalmar na loja.
-Eu sei que vai, mas fico preocupado pelo tempo de sedação. Ela pode acabar acostumada com a anestesia, não é?
-Para de viajar, Daniel! Também não é tão rápido assim.
Raul: Ela acabou de entrar em cirurgia, disseram que em meia hora termina.
Raul: Eu aviso assim que ela sair, mas provavelmente deve só acordar pela manhã.
Raul: Descanse, rapaz. As apendicites são rápidas na recuperação depois, essa não é a primeira na família.
-Seu Raul disse que ela acabou de entrar em cirurgia. - Daniel avisou aos dois amigos - Disse que em até meia hora acaba.
-E você está fazendo o que aqui então? Tem meia hora para tirar uma soneca! - Martin exigiu, tomando o telefone da mão do amigo e o enxotando para o quarto.
Manu: Como foi a entrevista?
Félix sentiu o seu celular vibrar, contente com a mensagem no twitter. Ele não veria Manu por algum tempo, já que ela tinha voltado para a casa dos seus avós na capital de São Paulo, onde estudava e gravava - vez ou outra voltando para a casa dos seus pais e usando o estúdio da cidade.
Félix: Não teve, precisamos adiar
Félix: Julie teve uma crise de apendicite e precisou ir para o hospital
Manu: Nossa… Que barra. E como vocês estão?
Félix: Preocupados e chateados, mas isso não foi culpa dela, não tinha como saber que teria isso e justamente hoje. E você? Suas aulas já começaram?
Manu: Eu deveria estar fazendo uma redação sobre as minhas férias, mas conversar com você é mais legal. A propósito, peguei algumas patty hoje vendo o clipe de vocês, eu alternaria o estilo para elas não se apropriarem.
Félix: Patty?
Manu: É, patricinha, nariz em pé, aquelas que se acham e tomam propriedade de alguma música e você não pode escutar sem se lembrar delas.
Félix: Tá tudo bem, Manu?
Ele riu com aquilo. Patty ouvindo os Insólitos? Ou aquilo mudaria com o próximo single ou pioraria.
Manu: tudo sim, ué.
Ainda bem que ele não estava mais na escola.
_______________
Apesar de ter corrido tudo bem na cirurgia, não tinha sido apenas a entrevista cancelada nos eventos sociais de Julie. Ela estaria se recuperando até a próxima quinta feira, voltando à escola somente na sexta - perdendo os quatro primeiros dias do seu último ano.
Mas a culpa não era dela, e sim do seu não mais apêndice!
O que não significava que soubessem da sua situação. Logo após o incidente, Bia tinha ficado responsável por avisar seus professores sobre o motivo das suas faltas - mas somente eles e mais ninguém.
-Eu não achava que Julie era dessas, sabia? - Nicolas comentou como quem não queria nada perto de Talita e Valtinho.
-Dessas quem? - Talita estranhou o assunto repentino. Eles não estavam só tomando um guaravita no recreio?
-Desapareceu depois que estourou nas rádios. Isso tem o quê? Três semanas? E só por isso não vem mais à aula?
-Vai ver ela mudou de escola. - A garota opinou.
-Mudou de escola e não deram baixa na lista de chamada? - Valtinho estranhou. - Acho que não esqueceriam disso. Você tentou falar com ela?
-Tentei, mas ela nem se dá ao trabalho de me responder. E para que teria mesmo, não é? Com tantas coisas mais importantes e interessantes para fazer. - Nicolas revirou os olhos.
-Se quer a minha opinião, ela quem está perdendo, Nick. - Talita piscou para ele, sendo ignorada.
Mas ele estava mais interessado em descobrir o que tinha acontecido. Abandonando os dois amigos, Nicolas seguiu em direção à Bia, que conversava no canto com Shizuko e seu celular.
-Bia, Julie não vai voltar não? - Ele perguntou afoito.
-Como é?
-Já é quinta feira e ela não apareceu na escola. Ela vai prejudicar o último ano com a banda?
-Nicolas! - Valtinho puxou o braço dele.
-O que? Se ela for fazer isso, ninguém vai alertar o pai dela sobre aquele namorado? Ele também está na banda e se ele não se importa com a educação dela….
-Ela teve uma apendicite na semana passada, Nicolas. - Bia cuspiu, revirando os olhos. - Não veio porque está se recuperando da cirurgia. Isso tudo são ciúmes?
Nicolas não respondeu nada, apenas ficou de olhos arregalados, chocado.
-Porque se for, sinto em te dizer, mas não tem a menor chance. O relacionamento dela com Daniel vem de outro plano, ele conseguiu conquistar ela muito antes que você a notasse de verdade.
Nicolas focou no outro plano. Outro plano? Mas ele parecia bem vivo para ele na loja.
-Teve três anos para a enxergar, mas só a viu quando não dava mais tempo. Está feio já os seus ciúmes exagerados, Nicolas. - Bia soltou. - Deveria ajudar o seu amigo, Valtinho, ou as coisas esse ano vão ser complicadas.
-Quer conversar sobre isso mais tarde? - Valtinho tentou chamá-la para sair.
-Não, tô de boa.
Bia queria mesmo era saber o que Arcrebiano faria para tirar alguém do pé dele, já que Valtinho não estava tendo muito sucesso com o amigo. Não que é ele era uma boa companhia e conversa? Não era à toa que ela e Shizuko conversavam conjuntamente no recreio pelo celular até serem interrompidos pela crise de ciúmes atrasada.
Eles que se cuidassem, ao que tudo indicava Valtinho tinha acabado de levar um fora.
Pelo menos Nicolas tinha com o que se ocupar agora: ajudar a catar os poucos cacos do coração (ou ego) de Válter.
Chapter 31: Trinta e um
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Tão logo a segunda chegou, junto dela vinha o retorno de Julie para a gravadora assim como a sua entrevista remarcada. Querendo ou não, aquela semana sem a garota presente tinha contribuído para outro aspecto na banda: a gravação da música solo dos garotos apresentada no dia do teste, assim como o videoclipe. Fariam uma tentativa diferente daquela vez, lançando primeiro o clipe na MTV para depois lançarem a música nas rádios.
Por não ter a presença de Julie, apostaram no conceito de rock nacional clássico: a gravação em estúdio! Eles tinham um especial na gravadora preparado para situações como aquela, já que todo artista tinha pelo menos um clipe ao vivo. Munido de tons terrosos e o vermelho vivo, os rapazes se vestiam de maneira a dar foto para seus antebraços, ombros e máscaras, com os holofotes ajudando a dar todo o clima e ambientação.
O pessoal da câmera se fez com todos os ângulos possíveis! Focando em Daniel, Félix e Martin, closes das suas máscaras, mãos e braços. Instrumentos, plano aberto, plano fechado, Daniel e Martin dividindo o microfone, Daniel agarrando o pedestal como se impedisse o seu afastamento, Martin pulando e girando com o baixo e por fim o truque do giro de guitarra no próprio corpo!
O clipe tinha tido exatamente o resultado que Rick tinha proposto aos meninos: mais público masculino (que vinha pelo tipo de batida e clipe) como também feminino (vindas pelos closes em seus braços e mãos).
-Me senti como um pedaço de carne! - Martin reclamou.
-Martin, você é um colírio. Recebeu esse título justamente pelo seu corpo; - Félix precisou lembrar.
-E isso nunca foi um problema para você, não é? - Daniel implicou, referindo-se a época de escola.
-HA, HA. Fala tanto, mas não se incomoda por Julie? Você foi a estrela do clipe, apareceu mais do que a gente.
-Ela não liga. Se isso dá visibilidade para a banda, por que não? Fora que foram só nossas mãos, antebraços e ombros, não é como se tivéssemos sem camisa.
-E mesmo se estivéssemos, temos máscaras. - Félix completou.
O lançamento tinha sido outro sucesso, com a música sendo liberada no dia seguinte para as rádios e no mesmo dia para os sites piratas. Se continuasse naquele ritmo o primeiro álbum não demoraria muito.
-Certeza que consegue andar direito? - Daniel perguntou já de máscara, vendo Julie sair da maquiagem dando pequenos passos.
-É claro que consigo, Daniel! Só não posso fazer nenhum esforço muito grande.
O que a livrara de pelo menos mais duas semanas de educação física.
-Só estou preocupado com você. - E apesar dela não poder ver sua expressão de cachorro que caiu da mudança, sua voz denunciava.
-Soube que o clipe de vocês fez muito sucesso.
-Até com você? - A voz dele estava com uma curiosidade esquisita.
Ele nunca tinha tentado seduzir Julie antes.
-Principalmente comigo. Confesso que nunca tinha reparado como você tocava.... Bem.
E percebendo a frase dúbia, Julie corou da cabeça aos pés, se atrapalhando nos próprios pés para sair de perto, apenas escutando a risada cretina de Daniel atrás de si.
-Tá tudo bem, Julie? - Félix estranhou o rosto da vocalista, batendo no sofá ao lado dele para ela se sentar.
-Tudo ótimo!
E embora Julie tivesse evitado olhar para o namorado o restante do tempo, a repórter não demorou muito para chegar. Alta, bonita e da Capricho, fez com que Martin se sentisse não fragmentado, mas como um agente duplo. Com a adrenalina no pico, os quatro ficaram o mais confortáveis possíveis para a entrevista, mas ainda sim precisando serem acalmados pela repórter.
-Não precisam ficar nervosos. - Ela achava graça da maneira como se portavam.
-Nervoso? Quem está nervoso? - Félix começou a tagarelar, se contendo quando Julie segurou com força em sua mão.
-Bem, prometo não demorar ou exagerar. - Ela brincou. - Nossa entrevista precisou ser remarcada por um contratempo na semana passada, aconteceu alguma coisa?
Apesar de se entreolharem confusos, não teria nada demais responder aquilo.
-Eu tive uma crise de apendicite algumas horas antes da entrevista. - Julie levantou a mão. - Precisei operar ele no mesmo dia.
-Ai. Mas você está melhor?
-Só dói quando eu rio, mas vai passar.
-Isso te afetou em alguma coisa na produtora?
-Sim e não. Algumas entrevistas foram canceladas, mas os meninos puderam adiantar a gravação do segundo clipe. Como era um solo deles, eu estar fora não teve muita importância.
-E que música foi aquela, hein? Vocês que escreveram?
-Eu, mais especificamente. - Daniel se pronunciou. - Estava à toa durante os intervalos das aulas, e acabei me inspirando.
-Vocês ainda estão na escola?
-Não, só a Julie. - Martin respondeu. Se falassem sobre o supletivo ficaria fácil descobrir sobre a identidade de Martin. - Nós terminamos no ano passado.
-Acha que vai ser complicado conciliar a banda com a escola? Vocês estrearam a menos de um mês e já são um sucesso.
-Acho que vai ser mais um desafio. Estou no terceiro ano, então metade da minha semana vai ser aqui e a outra metade estudando para o vestibular.
-Tem medo de se arrepender de perder a diversão do terceirão?
-Não estamos sozinhos nessa, nossos amigos estão junto da gente. Até o Natal éramos uma banda independente, não é só porque estamos com um contrato que eles vão deixar de ajudar. Isso é o que importa.
-Vocês lançaram duas músicas com uma diferença de duas semanas e meia, podemos acreditar que uma nova virá em breve?
-Bem… Isso ainda é incerto. - Martin revelou, já que ainda não tinham discutido. - Mas sei que nosso álbum pode estar a caminho.
-Isso seria maravilhoso! Cá entre nós, já viram os números que apresentaram? É insano!
Bem, Demétrius e Eneida já tinham avisado que exatamente aquilo teria acontecido trinta anos antes, eles só estavam meio atrasados.
-É assustador e empolgante ao mesmo tempo! - Félix confidenciou.
-Mas voltando para o que interessa agora: depois do último clipe de vocês, é impossível fugir dessa pergunta. Meninos, estão solteiros? Lembrem-se que uma multidão de garotas lêem a Capricho, isso pode impulsionar vocês. - A repórter insinuou.
-Então quer dizer que mesmo que um de nós namore, o melhor é dizer que estamos solteiros nesse primeiro momento? - Daniel estranhou.
-Me surpreende não terem orientado vocês a isso, mas é. Eu vi como segurou a mão dele, então peguem essa dica como uma recompensa por um de vocês estar em um pós operatório, e por terem futuro. - A repórter se referiu a Julie e Félix, fazendo a raposa ter uma crise de tosse.
-O que?! É claro que não! Não estamos juntos!
-Todos nós estamos solteiros. - Daniel respondeu.
-Bom, bom… Vão gostar de saber disso. Se importariam se eu fizesse uma fichinha técnica sobre vocês?
E após coletar o primeiro nome, idade e hobby de cada um, eles fizeram uma pequena sessão de fotos no estúdio - evitando poses elaboradas para evitar um desgaste de Julie. Mesmo tentando evitar, era óbvio que Julie tinha alguma coisa com alguém da banda, fazendo a repórter sorrir ao notar a atenção exagerada daquela vaca quando Julie se esforçou demais no contorcionismo.
Aparentemente o namorado dela sabia o que estava fazendo, já que ele quem havia confirmado sobre o não relacionamento de ninguém.
____________________
Era quase tarde da noite quando Félix sentiu o seu telefone vibrar com as notificações de mensagens no twitter.
Manu: Conseguiram dar a entrevista?
Félix: Sim, e acho que deu tudo certo.
Manu: Acha? Aconteceu alguma coisa?
Félix: Meio que sim. A repórter achou que eu e Julie éramos um casal e insinuou que se fôssemos espertos, diríamos que não tínhamos nada, para atrair a atenção das garotas.
Manu: Ela foi mesmo boazinha assim? Uau. Daniel ficou de boas com isso?
Félix: Ele na verdade foi quem disse que todos na banda estavam solteiros.
Manu: Admito que essa tática possa ser uma boa. Talvez não funcione muito bem comigo e com Julie, mas definitivamente com vocês sim. Principalmente depois de um clipe de estreia solo daqueles.... Não sabia que precisava fazer tanta força para a bateria.
Félix: Ah, isso. Até que precisa um pouco, mas admito que exageramos mesmo, ideia do Rick. Você gostou?
Félix quis se esconder depois do que percebeu que havia falado. Ele tinha mesmo cantado Manu Gavassi?! Abandonando o celular em cima do colchão, ele foi até a copa beber um grande copo de água, levemente vermelho. Tinha tanto tempo desde que ele tivera aquela cara de pau!
-Tá tudo bem, Félix? - Martin estranhou, terminando de lavar a louça.
-Eu acho que acabei de flertar com alguém. - Ele confessou em um sussurro.
-Isso é uma coisa boa, não é?
-Não se ela é a cara da garota que eu gostava no ensino médio.
-Acha que fez isso só porque ela lembra a Débora?
-Não sei. A Manu é completamente oposto da Debby. A Débora não gostava de mim, não fazia questão de me responder quando eu tentava puxar assunto, mas Manu… é o contrário.
-Tentar não custa nada. O máximo que pode acontecer é você receber outro não de outra Débora.
E com aquelas palavras de incentivo Félix voltou para o quarto, apenas para olhar estranho para seu celular.
Manu: Isso me lembra que no final de semana vou voltar para aí. Vou gravar o clipe da minha nova música, e queria te convidar para participar. Eu já participei de um seu, então negar não é uma opção. Como ainda estou na escola, seria no final de semana mesmo a gravação.
Félix: Só me dizer o lugar e o horário que eu apareço. Vai ser um prazer contracenar com você ;)
Manu: Igualmente ;P
Félix dormiu naquela noite se perguntando o que raios um ;P sigificava, mas infelizmente não teve uma resposta, já que sua consultora de assuntos atuais apenas tinha respondido…
Bia: Vai dormir, Félix!
Chapter 32: Trinta e dois
Chapter Text
E muito embora Julie já tivesse voltado à escola desde a segunda-feira, foi somente na sexta que Nicolas teve coragem de se aproximar e pedir desculpas sobre seu comportamento na semana anterior.
-É… Julie? - Ele tentou completamente sem graça durante o intervalo, invadindo o espaço pessoal dela no momento que ela ia morder uma coxinha de frango.
Julie não respondeu, apenas olhou para Nicolas com a boca aberta, ainda esperando pelo salgado.
-Foi mal te interromper…. Ouvi vocês na rádio, tá bem legal a banda. - Ele não sabia onde se esconder.
-Mesmo? Acho que é a primeira pessoa que fala isso sem ser por interesse. - Julie finalmente deu a primeira mordida, fazendo Nicolas se distrair com seus lábios por alguns segundos;
-Não vi tantas pessoas falando com você.
-Falar, falar é pesado demais. São mais uns comentários aqui e ali, e as caretas de Talita.
-Ah, ela. Acho que em algum momento ela vai tentar se reaproximar de você, viu?
-Problema dela. Sei bem o que ela faz, não vou cair na lábia dela de novo. Você também, viu? Se é capaz de tentar voltar a falar comigo também é capaz de tentar voltar a ficar com você.
-Eu tenho minhas dúvidas. Não acabamos bem, e ela sabe como eu gosto de você.
Julie não conseguiu evitar se engasgar com a coxinha, tomando longos goles de guaravita para conseguir voltar a respirar. Oras, depois do beijo aquela era a primeira vez que ele falava abertamente sobre seus sentimentos!
-Foi mal, foi mal! - Ele se desculpou, temendo que fosse preciso uma respiração boca a boca. - Droga, eu só queria me desculpar pela semana passada, não te fazer ficar sem ar!
-Se desculpar pelo o que? - Julie não entendeu, fazendo Nicolas compreender que seus ciúmes tinham sido tão irrelevantes que Bia sequer tinha repassado para a amiga.
-Nada…. Você tá legal? Não só por isso, pela cirurgia. Bia contou pra gente.
-Tô melhorando…. - Julie desconfiou daquilo. - Obrigada pela preocupação, e por ouvir as nossas músicas.
Nicolas apenas sorriu, querendo se matar internamente por curtir o som solo dos rapazes.
Ele odiava Daniel, mas adorava a sua voz.
Odiava ainda mais ter a música em seu celular.
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E muito apesar de Bia ter comunicado todos os professores e ter copiado a matéria para Julie, ela infelizmente tinha se atrasado em uma semana com a matéria. Tentando correr atrás do tempo perdido, ela convocou Bia e Shizuko para a sua casa na tarde seguinte, a fim de lhe explicarem o máximo possível para que não começasse o ano tão mal.
Só que eles não estavam sozinhos naquela tarde.
Daniel e Martin tinham chegado a quase uma hora, querendo mudar os ares da loja de discos. Félix estava na gravação do clipe de Manu, Daniel queria inspiração para uma música nova enquanto Martin sentia falta de Pedrinho. Desde que chegaram o loiro estava gastando o seu tempo com o mais novo, contando dos bastidores da gravadora e vendo Pedrinho quebrar a cabeça com os cálculos de uma nova invenção - ao mesmo tempo que Daniel tinha se trancado com Julie na edícula, trocando um ou dois beijos lentos antes de se lembrar que tinha ido até lá tentar compor alguma coisa.
Mas quem disse que ele conseguia largar da namorada? Com os braços muito bem presos ao redor da cintura de Julie, Daniel investia contra a sua boca lentamente, procurando apoio na parede mais próxima. Sabiam que era início de tarde, que a casa estava cheia mas o clima da edícula tinha esquentado repentinamente. No momento que apoiou o corpo da garota na parede próxima a porta, Daniel se arrepiou ao sentir seu corpo ser puxado para mais perto, com seu lábio inferior sendo sugado pela mais nova.
-Julie…. - Ele sussurrou, perdido no beijo.
No momento que ela perdeu suas mãos pelo seu cabelo, Daniel ficou sem fôlego e pela primeira vez traçou uma linha de beijos até o seu pescoço, raspando seus lábios delicadamente pela pele branca até sentir a namorada tensionar o corpo de uma maneira não muito agradável.
Certo, certo. Rápido demais.
Afastando-se como se nada tivesse acontecido, Daniel deu um beijo rápido na bochecha corada de Julie, a soltando do aperto.
-Não vou ter mesmo a sua ajuda hoje? - Ele fez um biquinho, tomando consciência do próprio corpo e ficando nervoso.
Ela não podia focar sua atenção em suas calças de maneira nenhuma! Ao menos não quando se assustou com beijos no pescoço.
Envergonhado, Daniel se jogou no sofá e tratou de cruzar as pernas de uma maneira que disfarçasse, puxando sua guitarra do estojo e a colocando no colo, suspirando de alívio por ela não ter notado nada demais.
-Preciso ficar em dia com algumas matérias se quiser ir bem na escola esse ano, já que não vou ter ninguém lá para me ajudar a colar, sabe?
-Você é famosa agora, precisa dar o bom exemplo. Não ia ser nada legal se falassem por aí que você só cola.
-Sei, sei. Acha que vocês vão sofrer assédio pela declaração na capricho?
-Não acho que vão dar em cima de alguém que usa uma máscara 100% do tempo, mas se isso te preocupa, eu só tenho olhos para você. - Daniel sorriu descaradamente.
-Bonitinho, mas se eu fosse você, eu quem ficaria preocupado. - Bia entrou na edícula com Shizuko, tendo ouvido a última parte. - Seu pai abriu a porta.
-E porque eu me preocuparia?
-Julie é a única a mostrar o rosto, e da mesma forma que garotas escutam a sua banda, garotos também. Inclusive, ouvi quando Nicolas recebeu por bluetooth o solo de vocês na semana passada.
-O que tem a nossa música? - Martin chegou por último. - Ah, oi Shizuko… - Ele a cumprimentou envergonhado.
-Oi, Martin.. - Ela também não sabia muito o que fazer.
Eles não tinham conversado depois do beijo na capital.
-O panaca gosta dela, só isso. - Daniel sorriu prepotente.
-Por falar nisso, porque contou a ele sobre a cirurgia? - Julie se lembrou.
-Ah, isso? - Shizuko riu. - Ele estava tendo um ataque de ciúmes, dizendo algo sobre seu pai precisar ficar de olho em você e suas notas, que Daniel não podia atrapalhar seu rendimento na escola.
Julie imediatamente encarou o garoto, que segurava o riso. Tinha sido ele a ajudá-la na escola, não o contrário.
-Eu não entendo essa fixação dele comigo! Eu não fiz nada!
-Só ficou com a garota que ele gostava. - Martin disse como quem não queria nada, se sentando ao lado do guitarrista e puxando o seu caderno de composições.
-Martin! - Shizuko ficou envergonhada.
-O que? Eu só disse a verdade! O garoto até dá chilique de ciúmes!
-Não querendo interromper, mas vocês não tinham que estudar? Quanto mais cedo terminarem, mais cedo voltamos a fofocar. - Daniel lembrou as garotas com um sorriso no rosto, que prontamente se isolaram no quarto de Julie.
-Você gostou disso, não é? - Martin implicou.
-Ele pode ser um idiota, mas tem bom gosto musical.
E apesar de precisarem estudar, as garotas somente conseguiram se concentrar após quinze minutos debatendo o que tinha sido a interação de Shizuko com Martin.
-Eu já disse, não foi nada meninas! Só nos cumprimentamos!
-De maneira bem sem graça, não é?
-O que você esperava que eu fizesse depois do último beijo?
-Falasse normalmente? Se ele beija tão mal assim, porque beijou de novo?
-Queria tirar a contraprova. Não foi tão ruim quanto o primeiro, mas ainda foi meio estranho.
-Mas estranho ao ponto de beijá-lo uma terceira vez? - Julie não se aguentou.
-Daqui a muito tempo, quem sabe. - Shizuko deu de ombros. - Mas a matemática não vai se aprender sozinha, viu?
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Seguindo o combinado no dia anterior com a produtora do clipe, Félix chegou bem cedo ao parque onde seria gravado o videoclipe. Não demorou muito para encontrar a produção, tendo apresentado o seu nome e sendo encaminhado para o cabelo e maquiagem - e apesar dele preferir a sua boa e velha camisa de botão, o tinham enfiado em uma camisa polo listrada que ele gostaria de passar longe se a situação permitisse. Pelo o que ele tinha entendido, Manu já tinha gravado pela manhã metade das cenas, focando a tarde nas gravações externas.
-Oi, Manu! - Ele a cumprimentou, sendo recebido com um abraço empolgado.
Ela estava aprontando alguma coisa, embora ele não soubesse o que.
Não tendo muito tempo para conversa fiada, os adolescentes foram logo enfiados em uma bicicleta, sendo instruídos a pedalarem em uma linha reta.
-Eu não sei bem como isso vai funcionar, mas vou tentar não deixar você cair no chão. - Ele tinha brincado após perceber a garota se sentar junto dele no banco da bicicleta.
-Eu agradeceria.
E após alguns metros pedalando, os dois casais nas bicicletas pararam lado a lado, com os rapazes se encarando e concordando que tinha sido uma boa corrida. Bem, se não tinham idade para fazerem um racha em carros e motos, que fosse em bicicletas, não é? O restante das cenas de grupo que Félix participou foram nada mais que uma pequena fogueira com Manu tocando alguma coisa no violão e uma pequena festa onde todos dançavam e pulavam, quando uma máscara de coelho gigante foi colocada na sua cabeça.
-É sério? - Ele estava desacreditado.
Manu apenas deu de ombros, o puxando para dançar desajeitadamente.
Mas foi quando o restante dos adolescentes foi dispensado que ele começou a ficar nervoso. O diretor tinha instruído que os dois passeassem pela clareira conversando, de mãos dadas. Qual era a participação dele mesmo? Mas vendo como o garoto estava confuso e nervoso, Manu decidiu ajudá-lo a relaxar.
-Como está sendo o primeiro clipe com o seu rosto?
-Estranho, bem estranho. Não é por nada não, mas eu meio que me acostumei com a máscara. - Ele apertou a sua mão.
-Foi por isso que coloquei ela em você, pensei que fosse se sentir melhor. - Manu tentou se afastar, sendo imediatamente impedida por Félix, que a puxou de volta, a girou e a abraçou por trás, recebendo um olhar inacreditável dela.
-O que? Aparentemente estou fazendo seu par romântico, não é?
-Você acha?
-Porque mais nos mandariam passear de mãos dadas e flertar?
A diferença de altura era gritante, mas apenas complementava o plano e deixava toda a angulação mais bonita.
-Mas precisava ser uma camisa polo de listras? - Ele sussurrou no ouvido dela. - Até minha máscara combina mais comigo!
E rindo, Manu se desvencilhou e começou a correr dele, sendo seguida e segurada pela cintura, sendo jogada como um saco de batatas nas costas de Félix, que ria das reações da garota.
-FÉLIX! HAHAHAHA!!!
Ele estava se sentindo tão leve! Podia demonstrar tudo o que queria fazer com ela naquele momento que não seria julgado, estava sendo pago para aquilo, afinal. Sem delongas, no momento que Mani colocou os pés no chão novamente, ele localizou uma árvore próxima e teve uma ideia.
-Anda para trás devagar, Manu. - Com ela seguindo o que ele dizia cegamente.
Assim que estava em uma distância boa, ele impulsionou o seu corpo para frente e a prendeu contra o tronco, com seus dois braços ao lado da sua cabeça. Manu estava extasiada, com os olhos brilhando e respiração acelerada!
-Acho que um beijo iria bem, não é? -O diretor ponderou, pedindo para que eles avançassem mais um passo.
-Me desculpa. - Félix pediu um momento antes de baixar a sua cabeça e bater seus lábios contra os de Manu, sentindo seus cabelos serem puxados afoitamente.
Apesar de terem uma grande diferença de altura, Félix não ficaria com dor nas costas mais tarde - graças a posição que tinha encontrado curvado na árvore - mas com certeza o beijo ficaria marcado em sua memória. Lembrando-se do desejo de beijar Débora trinta e dois anos antes e da vontade de ficar com Manu, ele a beijou como se não houvesse amanhã, a engolindo de uma maneira que Daniel só se permitia após os shows com Julie. E surpreendentemente estava sendo retribuído da mesma maneira, transformando tudo em algo cinematográfico!
Apesar de querer continuar a beijando por mais tempo (e ter fôlego para isso), ele se lembrou que estavam sendo filmados, se separando com um selar de lábios e colando suas testas, rindo envergonhado da boca inchada de Manu.
-Não se desculpe. - Ela disse meio sem ar.
-Lindo, rapazes. Foi realmente lindo, mas se isso fosse para uma novela das nove. É um clipe adolescente, lembrem-se disso! - O diretor riu, pedindo que refizessem a cena.
Corado da cabeça aos pés, Félix riu de si mesmo, desistindo daquela árvore. Em uma rápida conversa tinham decidido que o melhor seria se beijarem em um plano mais aberto, apenas os dois. Algo breve e curto, com Manu o abandonando em seguida.
Ele não entendia muito bem o conceito, apenas que a beijaria de novo.
Então novamente posicionados, Félix se aproximou de Manu, baixou a cabeça e abraçou a sua cintura, selando seus lábios por apenas três ou quatro segundos antes de senti-la o empurrar e sair andando rindo, com ele fazendo a sua melhor interpretação de confusão.
Ele não tinha a menor ideia sobre o que a música falava, apenas que aparecer com o seu rosto de fora não era uma coisa tão ruim assim.
Débora ele não sabia, mas beijar Manu tinha sido incrivelmente satisfatório.
Chapter 33: Trinta e três
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Por mais que Félix tenha sido bombardeado com perguntas no sábado a noite, ele conseguiu manter a expressão neutra e não demonstrar nada demais, apenas dizendo que tinha sido algo agradável. Naquele dia mesmo Manu voltou para a capital, com a data de estreia do clipe marcada para a próxima terça-feira. Com uma rápida ligação, Martin foi chamado para estar presente na MTV, para comentar a estreia do clipe que tinha sido produzido pela Capricho.
-Não vou ter papas na língua para falar mal da sua atuação, Félix! - Ele tinha advertido, arrancando uma risada do moreno.
-Você iria preferir as cenas deletadas, já te aviso.
Mas apesar disso, ele não tinha dito mais nada. Martin não iria fazer uma análise? Ele que tirasse suas próprias conclusões então! Com a estreia marcada para às 16h, Martin conseguiu passar a manhã na gravadora, revezando com Julie - indo embora quando ela chegou da escola. O caminho da gravadora até o estúdio escolhido era um pouco demorado, mas como os comentaristas eram de Campinas, não fazia os levarem até São Paulo justamente para isso - fora que as chamadas de vídeo existiam para isso.
Martin e Arcrebiano eram os que mais regulavam a idade com o público participante do clipe - além de serem de longe os mais carismáticos e bonitos, apesar do sétimo lugar. Se a Capricho queria atenção para a sua produção, eles definitivamente eram a escolha ideal.
-E aí, cara. - Arcrebiano apertou a mão de Martin, batendo em suas costas. - Eles também te pegaram desprevenido?
Os dois tinham acabado de se encontrarem no camarim, recebendo uma boa dose de maquiagem para ficarem bonitos em frente a câmera e não brilhando de suor.
-É, eu não esperava precisar sair de casa hoje. Planejava passar o dia estudando para a prova de certificação que está chegando.
-Nem me fale em prova, tinha uma de cálculo hoje mas precisei faltar. A sorte é que além da declaração que a revista vai dar de trabalho, a minha professora tem uma filha que é fã tanto da Manu como dos Colírios. Ela disse que não tinha problema em fazer a segunda chamada, mas você quer saber uma coisa? Eu desconfio seriamente que não é só a filha dela que votou nos colírios.
-Então sendo o primeiro colocado você já tem uma boa nota garantida. - Martin piscou para ele. - Já pensou em mandar um beijo para ela na transmissão?
-Eu posso ter amor as minhas notas de cálculo mas tenho ainda mais a minha sanidade mental. Fazer isso significa ser sacaneado pelo restante da graduação.
-E você já não seria por ser um colírio?
-Não, porque é um trabalho que é remunerado com publicidade e visibilidade para o meu curso, então é passável. Falando em visibilidade, como anda a sua banda? Conseguiram sair da garagem?
-Ah, nós…. Nós estamos muito ocupados estudando para a certificação, temo que ela vá ficar estacionada por mais algumas semanas.
O que era uma mentira deslavada já que eles decolavam cada vez mais rápido.
-Meninos, dez minutos.
-Bem, é hora do show! - Martin declarou antes de seguir a produtora até uma sala com dois banquinhos, uma câmera, uma televisão e um fundo verde.
Seguindo as instruções, os dois deveriam ficar sentados e comentarem o que viam, enquanto o clipe seria transmitido atrás deles, mas se quisessem tinha espaço suficiente para se movimentarem pelo cenário.
-E AI PESSOAL, como é que vocês estão?! Hoje eu e o Bill aqui, eu posso te chamar de Bill, não é?
-É mais fácil do que Arcrebiano para lá e para cá. - Bill concordou.
-Eu e o Bill aqui viemos exclusivamente para acompanhar de pertinho a estreia do mais novo clipe da Capricho! - Martin jogou a bola para Arcrebiano, que imediatamente tocou ela.
-”Garoto errado” é o mais novo single da super Mano Gavassi!
-Mano, cara? - Martin riu.
-É, não viu a primeira temporada de Vida de Garoto? Se o Caíque Nogueira a chama assim, porque nós também não?
Ah, aquilo tinha sido lenha na fogueira para Martin sacanear Manu na gravadora mais tarde.
-É o mais novo single de Manu, que está em seu próximo álbum, ainda sem data de lançamento. Martin, agora que passamos as informações técnicas, podemos começar a ver logo?
-Simone, pode soltar! - Martin gritou para uma pessoa imaginária, vendo a contagem regressiva na tela.
Completamente eufórico, Martin quase não se segurava na cadeira.
-Certo, certo, começamos bem Roupa bonito, ambiente legal. - Bill tinha começado a narrar, com Martin já deixando o riso escapar após notar Félix andando na mesma bicicleta que Manu.
-Um cara maneiro… - Martin completou com sua voz afetada, vendo os dois andando de mãos dadas. - E que sabe se vestir. Já levou garotas para passear em um parque vestindo uma polo listrada, Bill?
-Não, nunca. E você, Martin?
-Também não, mas esse cara sabe o que está fazendo.
Mas enquanto colocava a auto estima de Félix lá no alto, Martin percebeu do que a letra se tratava, não conseguindo segurar mais a sua empolgação.
-Você já fez uma rodinha de violão com os amigos em um parque Martin?
-Olha, em um parque não, mas já fiz várias vezes na escola, e confesso que o pessoal era mais animado que…. Olha sóóóó!!!! Perseguição no campo! Que bonitinho esses dois!
-E é um cara de atitude, viu só? Até puxou ela para um abraço! Como que ela não ia se apaixonar, não é? Até eu estou caindo nas graças dele! - Bill ajudou.
-E QUE ATITUDE! ELE PRESSIONOU ELA CONTRA UMA ÁRVORE? PRESSIONOU ELA CONTRA UMA ÁRVORE! - Aquele foi o momento em que Martin se lembrou vagamente sobre a declaração de Félix sobre ele gostar mais dos cortes.
O que ele teria feito que não foi ao ar?!
-É, uma racha de bicicletas entre casais era o que faltava.
-E tá vendo aquele cara com uma cabeça de coelho ali? É uma referência direta aos Insólitos, aquela banda que estourou há menos de um mês. Está tudo conectado! ESPERA, ISSO FOI UM BEIJO?! FOI UM BEIJO?
-É CLARO QUE FOI UM BEIJO! O QUE MAIS SERIA?!
-Aquele safado! Eu não esperava por isso!
-Bem, eu sim! E vocês aí de casa? Comentem aqui embaixo, usem a nossa tag no twitter e nos digam o que acharam do novo clipe da Manu Gavassi! Eu sou Arcrebiano, e esse aqui é Martin, nós ficamos por aqui! Até a próxima! - E quando a câmera desligou, ele não pode deixar de perguntar. - Você beija alguém no evento dos colírios e tem esse chilique todo por um beijinho?
-Não é só um beijinho, eu conheço esse cara. Ele me falou que gravou um clipe com ela mas não me disse o que tinha acontecido! Aquele safado!
Não cabia a ele explicar sobre a paixão de três décadas por uma garota que já havia morrido, cuja Manu era a sósia e um beijo significaria muito para ele.
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A tarde foi bastante movimentada para os três que haviam ficado no estúdio. Gravando, compondo ou ensaiando? Antes fosse. O sucesso estava batendo a porta dos Insólitos, o que colocava uma questão muito importante para eles: a agenda. Normalmente isso ficaria por conta do empresário, mas como se tratava de uma integrante ainda em período escolar, ele precisava discutir com toda a banda para pensar em possibilidades.
-A entrevista com a Capricho rendeu bastante frutos para vocÊs, rapazes. Isso e o clipe solo também. - Rick comentou ao se sentar com eles eu seu estúdio, com algumas anotações em suas mãos. - Mas isso nos leva a um ponto: outras revistas estão nos procurando pedindo por entrevistas e sessões de fotos, ainda todas adolescentes, não se animem muito, e uma ou duas rádios pediram por uma palhinha. Ah, um pequeno acústico no Caldeirão do Huck também foi pedido. Como está a sua agenda, Julie?
-Em duas semanas minhas primeiras provas começam, então acho que se conseguirmos marcar a maioria dos eventos para a semana que vem eu consigo, mas quanto ao Caldeirão…. Quando eles gravam?
-Não tem importância, podemos acertar com eles em uma videoconferência. Você tem aula, estará em semana de provas e no terceiro ano, fazer viagens não é o melhor momento agora mesmo.
-Nós também temos a prova do ENCCEJA daqui a duas semanas. - Daniel se lembrou. - Depois disso ficamos completamente livres, além dos nossos empregos.
-Então estão todos liberados durante essa semana. Estudem e consigam os seus certificados para que possamos trabalhar no sucesso de vocês.
-Porque acho que você está mais ansioso do que a gente, garoto? - Daniel implicou com o tom sonhador de Rick.
-Impressão sua, Daniel. impressão sua.
Manu: E então? Está acompanhando a estreia do clipe?
O celular de Félix apitou com a notificação, com ele tendo se esquecido do clipe com toda aquela situação.
Félix: Martin está fazendo a cobertura para a Capricho, mas o restante de nós está no estúdio discutindo a agenda das próximas semanas. Aparentemente Luciano Huck quer a gente no Caldeirão.
Félix: Espero que aquela cabeça de coelho não tenha atrapalhado muito as cenas, mas sinceramente se tiver alguma coisa errada eu culpo aquela camisa Polo. Eu vou assistir assim que chegar em casa.
Deixando o telefone de lado, Félix voltou a se concentrar nos planos para as próximas semanas, completamente empolgado com o que estava por vir. Um programa de rádio e um de televisão? Aquilo já era muito mais do que ele podia imaginar e desejar em 1981! Não demorou muito mais para o expediente terminar, com Daniel e Félix levando Julie até seu ponto e a esperando ir embora para que finalmente voltassem a atravessar a rua e irem até o ponto deles, não demorando muito para pegarem o ônibus. Eles estavam entretidos demais pensando em novas composições para notarem o sorriso divertido de Klaus quando entraram na loja de discos, ainda mais para perceberem o estado caótico de Martin - que praticamente prendeu o amigo contra a parede e gritou com ele.
-VOCÊ BEIJOU ELA! BEIJOU ELA!
-Você já beijou a Débora e eu não vi nenhum escândalo desse. - Félix acusou, se desvencilhando dos braços ansiosos de Martin.
-Mas Manuela não é Débora. - Daniel lembrou. - E eu estou junto do Martin nessa. Você beijou alguém depois de trinta e um anos, Félix!
-Eu teria beijado a prima do Valtinho na festa dele se eu não tivesse tanto medo de palhaços… - Félix lembrou, fazendo Daniel jogar um travesseiro em sua direção. Aparentemente ele tinha sido o único fantasma azarado naquela banda.
-Você ao menos escutou a música? Como está tão calmo assim sobre isso?
-Por dois motivos: o primeiro é que o que foi para o ar não foi nem metade do que aconteceu de verdade, o diretor precisou chamar a nossa atenção porque estávamos dando um espetáculo de novela das nove e não seria apropriado um beijo daqueles em um clipe adolescente, e segundo e o mais importante: era só atuação.
-Primeiro: acho que nunca te vi beijar ninguém nesse nível, Félix! - Daniel riu - Mas é, se ela te convidou e você precisou seguir um roteiro, certamente é atuação.
-Viu só, Martin? Você se emociona demais com as cois…. - Félix interrompeu a frase ao tirar o telefone do bolso e notar aquela mensagem brilhando no cursor, enviada cinquenta e dois minutos antes.
Manu: Eu escrevi a música pensando em você ;*
-O que a música falava mesmo, Martin? - Félix perguntou com a voz vacilando, sentindo o coração acelerar.
-Escuta você mesmo!
Curioso, Félix imediatamente entrou pelo youtube no celular, dando graças a Deus que eles tinham upado com a versão suportada em dispositivos móveis. Daniel se aproximou, a fim de ver a atuação do amigo, curioso com o beijo em questão, mas quase segurando o telefone para o mais alto quando ele entrou em choque pela letra.
Alguém pode me explicar o que eu faço
Pra não me sentir assim
Eu já comecei a perceber
O efeito que você tem sobre mim
Meu coração começa a disparar
Será que eu tô pirando ou você quer me provocar?
Você me olha e eu começo a rir
Será que são mesmo reais
Os sinais que eu percebi?
Talvez eu esteja me iludindo
E você não esteja nem ai
Mesmo assim eu continuo a imaginar
Eu e você pra mim parece combinar
Eu sou a letra e você a melodia
Com você cantaria todo dia
Eu já notei que eu tenho que tomar cuidado
Porque você é o tipo certo de garoto errado
É só você aparecer
Pra eu perder a fala e a confusão acontecer
Então me diz o que eu faço
Pra tentar te esquecer
E me diz porque eu gosto
Tanto tanto de você
Foi seu sorriso é o seu jeitinho
De tentar me irritar
Se tiver uma maneira vou tentar evitar
-Até que a letra é bem bonitinha, mas isso não te faria quase desmaiar. O que houve, Félix? - Daniel perguntou divertido, ainda arrepiado por ver o amigo de forma tão descontraída interagindo com a cópia de Débora.
-Ela disse que escreveu essa música para mim. Que nem você escreveu aquela para Julie, antes do Natal? Aquela era bem expressiva.
-E essa também é. Acho que ela gosta de você.
-Você ACHA? DANIEL, NÃO PODE SER TÃO LERDO ASSIM! - Martin estava eufórico.
-Não sou lerdo, só não quero dar falsas esperanças! Ele já foi rejeitado por Débora duas vezes, como acha que se sentiria sendo uma terceira!?
-MAS ELA NÃO É DÉBORA! - Martin se exaltou.
Félix estava absorto de tudo, digitando sem coragem alguma.
Félix: O que é um ;* ?
Manu: É aquilo que você me deu na árvore e precisamos regravar.
Manu: Desculpe por estar sendo tão cara de pau e atirada, eu só tô bem nervosa. É mais fácil me declarar para alguém em uma música do que informar a ele diretamente.
Félix: Eu acabei de escutar e ver o clipe. É sério isso?
Manu: Depende de como você vai responder e me tratar depois, então é melhor ter sido só um mal entendido. Só esquece isso.
Félix: Eu também gosto de você, Manu.
-Ah, não! Você falou, não falou?! - Martin acusou o amigo após interromper sua discussão com Daniel e notar o sorriso no rosto de Félix. - Passa o telefone para cá!
Félix achou melhor eles lerem do que ele falar, sendo recebido por uma enxurrada de gritos e tapinhas nas costas depois disso.
Pela primeira vez em muito tempo ele tinha tomado coragem para se declarar para uma garota, e aparentemente tinha dado certo dessa vez. Eles não o deixariam em paz por um bom tempo.
Chapter 34: Trinta e quatro
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Aquelas três semanas tinham passado incrivelmente rápido! Em um momento estavam terminando de fechar a agenda do próximo mês e no outro estavam de recesso, estudando para as suas provas. Enquanto Julie se fechava em seu mundo com interferência apenas de Bia e eventuais perguntas de Nicolas, Daniel Martin e Félix revezavam o seu tempo entre as apostilas e seus empregos, se preparando o máximo possível para o grande sábado. Enquanto Julie desfrutava de uma tarde relaxante na piscina de Shizuko, os três se dedicavam ao máximo resolvendo as questões - com Daniel saindo por último por conta das questões de educação artística.
Ah, as malditas questões de artes!
Mas no final tinha dado tudo certo, com os três recebendo seus diplomas com honras! Quando Rick descobriu, não controlou as lágrimas, abraçando seus veteranos com carinho e emoção. Eles finalmente tinham conseguido aquilo que tinha sido arrancado faltando tão pouco tempo para conseguirem trinta e um anos antes, e depois de ter chorado tanto a morte dos seus ídolos, os ver ter pelo menos o certificado do ensino médio e com a carreira estourando já significava muito.
Entretanto…. As coisas não andavam muito boas para Julie. Ela tinha conseguido manter uma boa média em todas as disciplinas, menos em física. Seu antigo professor tinha sido readmitido, descontando toda a sua humilhação na pobre cantora - Demétrius não podia aparecer e dar um jeito?
A sua nota não tinha sido o suficiente para ser proibida de ir até a gravadora, mas tinha rendido um olhar muito feio de Daniel, ao mesmo tempo que se oferecia para ajudá-la a estudar. Se aquilo significava mais da sua caligrafia em seu caderno, ela topava imediatamente!
Mas se por um lado um namoro estava se transformando em uma tutoria, no outro um estava começando de uma forma bem ... cibernética. Logo depois de Félix também ter se confessado para Manu, eles passaram bons dez minutos em completo silêncio, até ele voltar a escrever dizendo que Martin estava ameaçando tomar o telefone dele e conversar com ela ele mesmo se não se resolvessem logo, e tendo isso como um incentivo a garota arriscou propor um relacionamento, sendo imediatamente aceito por ele.
Eles só não contavam com um web namoro… Com Manuela morando a duas horas de distância dele seria bastante complicado para se verem, mas porque não tentar? A casa dos seus pais era em Campinas, eles podiam muito bem se verem durante as férias e nos eventos das gravadoras! Se ela precisava vir até Campinas os Insólitos certamente em algum momento deveriam ir até a São Paulo.
Mas até então apenas ficavam com a saudade e a vontade de repetir o beijo daquela árvore.
Félix: O que teria acontecido se eu tivesse negado o convite para o clipe?
Manu: Teriam encontrado algum ator para fazer o seu papel, mas se está perguntando sobre o beijo, não teria. Aquilo foi algo combinado entre o diretor e eu ;)
Félix: E como você sabia que eu gostava de você?
Manu: Eu não sabia, mas te beijar seria uma desculpa plausível com o clipe. Eu só não contava que você me beijaria daquela forma intensa. Na verdade eu nem ia te contar, mas depois daquele beijo…. Eu meio que perdi a minha capacidade de raciocínio e de avisos que poderia não ser uma boa ideia me confessar.
Manu: Exatamente como agora. Você beija bem, muito bem. Pensei que Taubaté só criasse grávidas falsas, e não ensinasse a beijar tão bem assim.
-O que aconteceu para estar tão vermelho assim, Félix? - Bia perguntou, vendo o garoto escorado no arcade da loja de discos encarando o celular envergonhado.
-Nada, nada! - Ele escondeu rapidamente o aparelho, deixando a namorada sem resposta. -Você não tinha um encontro para ir? O que está fazendo aqui?
-Ah, o Arcrebiano achou melhor nos encontramos aqui na loja, onde Martin também está. Para não ficar um clima estranho no começo, sabe?
-Aqui pode até ser, mas não acha que não vai ficar assim que saírem por aquela porta?
-Talvez, mas pelo menos já teremos algum assunto recente para conversarmos. Eu soube que vocês conseguiram o certificado de conclusão! Como se sentem finalmente formados? - Bia perguntou, se pendurando no pescoço do baterista e o abraçando com força, feliz pela conquista.
-É uma sensação de alívio misturada com um pouco de desespero. Queria que meus pais estivessem aqui para ver isso, mas eu não tenho a menor ideia de onde estão. - Félix respondeu ainda abraçado a garota, sentindo falta daquele contato físico.
Ele podia beijar Manu, mas era Bia que tinha os abraços mais reconfortantes que ele já tinha recebido.
-Caham. -Um arranhar de voz foi ouvido, com os dois se separando no mesmo momento. - Cheguei cedo demais? - Arcrebiano perguntou inocentemente.
-Não, teve pontualidade britânica. - Bia respondeu. - Arcrebiano…
-Bill.
-Bill, esse aqui é o Félix, ele…
-Ah, é o cara do clipe da Manu Gavassi! Martin disse que você era amigo dele, mas não tinha contado sobre aquele beijo.
-Eu soube do faniquito que ele teve, até parece que nunca viu um beijo antes. - Félix rolou os olhos.
-Da Julie e Daniel o tempo todo, Bia com Valter também, mas de você nunca. - Martin respondeu o amigo, saindo do corredor e cumprimentando Bill. - Nem em Taubaté.
-Você não ver não significa que eu nunca tenha beijado.
-Eu não disse isso.
-É claro que não. - Félix rolou os olhos. - Se me derem licença, tenho uma partitura para ajustar lá no dormitório.
-Ele faz parte da minha banda de garagem. - Martin explicou para o colírio, que estava confuso. - Vocês não tem hora não?
-Fico feliz pela parte que me toca, Martin! Nunca me expulsou daqui, na verdade, você não pode me expulsar daqui. - Bia estava desacreditada.
-Não é por nada não, mas quanto antes eu voltar lá para dentro vou poder descobrir o que Félix está escondendo no celular e irritar ele com isso.
-Fofoqueiro.
-Eu vejo mais como um conselheiro de relacionamentos. Agora, xispa! - Martin os enxotou para fora da loja de discos, fazendo aquele clima constrangedor cair sobre os dois.
-Ele é sempre assim?
-Não. Deve estar bastante entediado para querer fazer fofoca ou ele sabe alguma coisa sobre Félix e não quer dizer. Reparou que ele disse ser conselheiro de relacionamentos? Daniel e Julie não estão aí, então só pode ser alguma coisa com Félix!
-Ele é importante para você?
-Ele é ansioso e hipocondríaco. A morte dos pais deles o afetaram além da conta, e estar conseguindo agora tentar alguma coisa com alguém é surpreendentemente bom. Se for verdade, fico muito feliz por ele!
-As vezes me esqueço dessa parte do acidente… - Bill se sentiu culpado. - Acha que Martin está lidando bem com isso?
Pelo o que Bia se lembrava da época fantasmagórica, Martin era o mais relaxado com tudo. Como deve ter sido depois do acidente?
-Eu não tenho a menor ideia. Pelo o que eles falaram, isso aconteceu no final do ano passado, por isso não estão tão atrasados na escola, mas conhecemos ele muito tempo depois disso, então não tenho um parâmetro, só que Martin parece lidar com tudo muito melhor do que Félix e Daniel. Ele é o mais velho deles, pode ter se colocado em uma posição forte para dar apoio aos dois, mas…. - Bia se interrompeu, acreditando na própria história. - O clima ficou pesado, não é?
-Não era a minha intenção tocar nesse assunto, me desculpe.
-Soube que você precisou cancelar um compromisso para trabalhar na estreia do clipe com Martin. Já conseguiu reaver? - Bia perguntou com um sorriso no rosto, enquanto caminhava lado a lado com ele.
-Já, era uma prova de cálculo, consegui a segunda chamada naquela semana mesmo, mas provavelmente está perguntando isso porque Martin deve ter aberto a boca sobre a minha professora, não é? Vai lá, pode me zoar!
-Ei! Eu não quero te zoar, mas esses votos a mais da sua professora te fizeram ganhar o primeiro lugar.
-E os seus não?
-Quase todos eles foram para Martin. - Bia jogou os braços para o alto, em rendição.
-Sei….
Não demorou muito mais para eles chegarem até o shopping, com um único destino em mente: o cinema. Quando Arcrebiano tinha proposto essa saída cinco dias antes, Bia ficou temerosa com o que significaria, apesar dele ter jurado de pés juntos que apenas queria assistir ao filme. Desconfiada, Bia aceitou, mas se surpreendeu quando durante toda a saída ele se portou como um dos garotos da banda - e não tentando alguma coisa. Não insistiu em pagar o ingresso dela, não explicou algo que ela já sabia, não disse que estava com frio na sala de cinema, não tentou abraçá-la nem pegar em sua mão. Sua boca ficou bem longe do seu rosto ou de qualquer parte do seu corpo!
Ao que parecia o colírio capricho número 1 não era idiota como o Léo, ou atirado como Valtinho! E nem era uma questão de idade com maturidade, já que ele só era dois anos mais velho que ela.
Mas Arcrebiano tinha prometido apenas o filme e tinha cumprido isso. Assim que o cinema acabou, ele a acompanhou de volta até a loja de discos, onde ela pegaria a sua mochila com suas roupas e iria para a casa de Shizuko, onde Julie também iria para uma festa do pijama. Bia tinha decidido deixar a mochila na loja para não ser um estorvo no… Encontro? Não, além de ser um local seguro para correr caso as coisas começassem a dar errado. Quando eles chegaram na loja, Martin sequer disfarçou a curiosidade, indo falar diretamente com Bill enquanto ela ia até o dormitório pegar a sua bolsa. Não foi surpresa nenhuma encontrar Daniel enfurnado na sua caderneta de composições, com sua guitarra no colo fazendo Félix anotar em uma folha a cifra que ele tentava montar.
-Voltou inspirado do encontro, Daniel? - Bia implicou.
-Você não voltou cedo do seu encontro, Bia? - Daniel replicou, interessado em um acorde complicado, olhando para ela apenas para mostrar que estava brincando.
-Não era um encontro, apenas um filme.
-Sei… E você não ficou com frio ou com medo?
-Eu sou muito corajosa para filmes de terror, para o seu governo!
-Corajosa para os filmes mas gritou feito um bebê quando viu uma barata na gravação do nosso clipe. - Félix se referia a gravação ainda fantasma, onde eles apenas puderam ficar rindo enquanto Pedrinho tomava coragem e fazia CHÔ, CHÔ para o inseto com as mãos.
Pedrinho também tinha medo de baratas cascudas voadoras.
-Você ri disso porque não tinha um corpo para ela pousar!
-Vantagens de ser invisível.
-Você não tinha que responder uma mensagem não? - Bia desviou o assunto.
-Ah, eu já respondi. Agora tenho todo o meu tempo para implicar com você E ajudar com a cifra. Tem certeza do ré maior, Daniel?
-Não, vocês me distraíram. Vai mesmo deixar o bonitão fofocando com Martin, Bia? Eu acho meio arriscado, considerando o tamanho da boca dele.
-Ele não tem nada para saber, e mesmo que tivesse, acidentalmente poderia escapar da minha boca a qualidade de beijo que ele acha que tem… Julie já está na Shizuko?
-Já, eu deixei ela lá depois que voltamos da sorveteria.
-Ótimo. Até semana que vem então, rapazes!
Os dois apenas acenaram distraidamente, voltando a atenção para a composição. Quando ela voltou para a loja, nenhum dos dois rapazes estava presente, mas como já tinham se despedido, não fazia muita diferença. Rindo da brincadeira dos dois ex fantasmas, Bia seguiu a sua caminhada de forma lenta até a casa de Shizuko, demorando todo o tempo necessário para que o sol estivesse se pondo no momento em que tocou a campainha da garota, sendo atendida por Julie.
-Novidades?
-Seu namorado me perguntou a mesma coisa.
-Você não contou nada para ele antes de mim! - Julie brincou.
-Eu teria, se tivesse alguma coisa. Na verdade, provavelmente Martin seria o primeiro a saber, já que aqueles dois mais parecessem duas vizinhas fofoqueiras do que colírios capricho. Acredita que eles desapareceram da loja no meio tempo que fui pegar a minha mochila? Ah, oi Shizuko!
-Nem pense em ficar parada nessa porta a noite toda! Você tem muita coisa para me contar, viu?!
-É tão ilógico eu ter saído com um cara e não ter tido nada?
-É! - as duas concordaram, ansiosas com a hora da fofoca.
Sem muitas opções de escolha, Bia apenas entrou na casa e entregou a sua mochila para Julie, que levou até o quarto de Shizuko enquanto ela ia até a cozinha, fazendo a social com a mãe da garota. Perguntas sobre a família, escola e planos para o futuro haviam sido feitas antes da mais velha se retirar para a sala, tendo uma noção que as garotas se entocariam no quarto o mais rápido possível. Ainda era cedo, por isso gastaram o seu tempo mexendo na internet. Vendo clipes, rindo da reação de Martin com o beijo de Félix e ajudando Julie a twittar alguma coisa para gerar engajamento.
“Em uma festa do pijama ou apenas edificando minha noite com fofocas dos colírios capricho?”
Ainda era uma coisa totalmente nova para a garota ter quase 1k de retweets e curtidas em suas mensagens que nem eram tão engraçadas ou informativas, apenas desabafos pessoais com leves toques de humor. O telefone dela não parou de apitar pelos próximos quinze minutos, deixando a foto da nova cifra que Félix tinha encaminhado a pedido de Daniel perdida no meio de tudo aquilo.
Jantando pizza congelada, as garotas finalmente colocaram os seus pijamas e ligaram Meninas Malvadas na televisão, se acomodando no tapete felpudo de Shizuko para fingirem que assistiam enquanto se edificavam de verdade. Foi em meio ao boato sobre Regina George trai Aaron Samuels toda quarta feira na cabine do auditório que elas enfim voltaram a perturbar o juízo de Bia.
-É sério, o que aconteceu?
-Eu juro, nada! Ele me chamou para ver um filme e foi só isso, ficou completamente longe de mim o tempo todo.
-Mas não falou ou fez nada estranho?
-Bem, se você considerar que assim que ele chegou na loja do Klaus me viu abraçar Félix e depois me perguntar se ele era importante para mim, então sim. Mas isso não seria ciúmes, não é? A gente mal conversou direito.
-E Félix? - Julie jogou verde. - Estava confortável com tanto toque?
-Ele só me pareceu nervoso com alguma coisa no celular, provavelmente recebeu alguma mensagem que o deixou fora de órbita. Mas Martin disse que iria importuná lo sendo um conselheiro de relacionamentos assim que saíssemos, você sabe de alguma coisa Julie?
-Me surpreende ele ser tão próximo a você e não ter te contado, sério. Ele está namorando.
-Namorando!? - Bia exaltou a voz, completamente desacreditada. - Quem?!
-Manu Gavassi. - Julie falou eufórica.
-VOCÊ SÓ PODE ESTAR BRINCANDO! - Shizuko teve um ataque de fangirl. - É sério isso?!
-Aham. Os dois se conheceram na gravadora, eu estava no dia em que ele comentou que tinha esbarrado com alguém saindo do banheiro, mas pelo o que Martin me contou ele estava gostando dela a um tempinho quando foi chamado para gravar o clipe.
-E foi o beijo que fez ela gostar dele?
-É melhor do que isso. Ela escreveu a música para ele.
-Uau… Compositores deveriam ser proibidos de se relacionarem, sempre tem alguma coisa tão incrível acontecendo com as músicas.... - Shizuko falou baixinho. - Bia, Arcrebiano é o colírio número 1. Se vocês continuarem a sair mesmo que apenas como amigos, não acha que eventualmente vão descobrir e falar?
-E o que tem?
-Valtinho. Não que eu esteja fazendo uma chantagem psicológica ou tendo pena dele, apenas lembrando do poder dramático que ele tem.
-Bem, ele não poderia impedir que eu conhecesse outro colírio, então Nicolas que aguente o drama dele. Falando em Nicolas, como foi o seu encontro hoje, Julie?
-Ei, espera lá! Eu saí com Daniel, não com Nicolas!
Daniel: A anta do Nicolas comentou de novo no site da banda, Julie. Não que eu esteja monitorando ele, mas ele continua me comparando a um tocador de cavaquinho! E logo depois elogiar a nossa música. O que você viu mesmo nele, Juliana?
Julie apenas ignorou a mensagem do anmorado, voltando para a conversa.
-Nós fomos para uma sorveteria do outro lado da cidade. Já tínhamos ido lá uma vez e coincidentemente encontramos uma senhora que jurava que Daniel era o filho dela, mas ele tinha falecido trinta anos atrás, com a nossa idade. Ele se sentiu tocado e manteve contato com ela, e quis dar um olá.
-Ele deve sentir falta dos pais, não é? - Shizuko perguntou retoricamente.
-Todos eles.
Com o clima pesando, todas elas voltaram a atenção para o filme pelas próximas horas, até que o sono falou mais forte e resolveram se deitar. Bia e Julie deitaram na cama de casal do Shizuko, enquanto ela fez sua cama no tapete. Com as luzes apagadas, elas estavam prontas para dormir, se Bia não tivesse aberto a boca mais uma vez.
-Julie, você e Daniel já estão a seis meses juntos, não é?
-É. Porque?
-Ele não tentou nada? - Shizuko foi mais rápida, perguntando do chão.
-....O que vocês querem dizer especificamente com não tentou nada?
-Você sabe muito bem, Juliana!
Julie ficou alguns segundos em silêncio antes de esconder o rosto no travesseiro, despejando tudo de uma vez.
-Nada mais do que uns amassos e uma tentativa de beijo no pescoço.
-Só isso?! Julie!
-O que eu posso fazer? Não temos tanta privacidade assim, vocês sabem disso!
-Mas não quer dizer que não possam tentar! Pelo menos é bom?!
-Muito. - Julie respondeu, ouvindo os gritinhos esganiçados das amigas. - E eu quero continuar, beijar mais, mas sempre tenho a consciência que não estamos sozinhos, nem invisíveis.
-Vocês precisam urgentemente de uma festa, mas a declaração de solteirice atrapalha tudo. - Shizuko ponderou.
Bia e Julie apenas concordaram com o fato.
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Exata uma semana depois da constatação de necessidade de uma festa, Os Insólitos tinham a sua primeira apresentação ao vivo marcada. Não era algo pequeno, mas também não era grande. Coincidentemente o Nx Zero estava de passagem por Campinas, convidando a banda jovem para fazer a abertura do seu show no sábado a noite, sendo imediatamente aceitos.
-Olha só, você de novo! - Tinha sido o comprimento de Di Ferrero para Julie logo após ele a reconhecer de meses antes.
Mas não tinham tido muito mais contato verbal até então. De certa forma estavam muito empolgados, mas ao mesmo tempo em pânico por ser a primeira vez que teriam um público tão extenso. Se antes sua capacidade máxima tinha sido para 60 pessoas, pular para quase 900 foi um surto! Com o ingresso extra que tinham conseguido, convidaram Bia para a área VIP, deixando claro para seu Raul que ficaria tudo bem, eles se apresentariam, assistiriam o restante do show e voltariam para casa, não passando mais do que três horas fora.
Era uma festa de certa forma e ter o pai de Julie lá só atrapalharia tudo - não que os rapazes estivessem conscientes disso.
Assim que as luzes acenderam, o coração de Félix parecia querer sair do peito de tão forte que batia, assim como as mãos de Julie tremiam desesperadamente.
-Segura com força no pedestal, ele vai te dar mais equilíbrio. - A ovelha tinha sussurrado contra o seu ouvido enquanto arrumava a guitarra, lembrando-se da vez que precisou contar com ela para que não desistisse de iniciar a carreira musical.
Seguindo o que Daniel indicou, Julie segurou com força no microfone, conseguindo se concentrar o suficiente para não se esquecer das letras, tomando confiança conforme o tempo passava. Não demorou muito tempo para todos os quatro estarem infinitamente mais relaxados e a vontade, passeando pelo palco da maneira que podiam e interagindo um com os outros - mas apenas da forte química e cumplicidade do baixista e guitarrista com Julie, eles ainda não tinham muitas músicas gravadas - o que encurtava significantemente o tempo da apresentação. Com apenas vinte minutos de show, eles agradeceram fortemente o público e se retiraram para os bastidores para trocarem de roupa e se camuflarem na multidão.
Não que tivesse siso uma perda de tempo, mas eles estavam TÃO hypados que até mesmo uma única música já teria sido o suficiente para preparar o público para o grande show da noite. Os Insólitos eram a mais nova tendência, isso era certo.
-Ei, vocês! - Bia acenou de onde estava. - Foi ótima a apresentação! Quase não dava para notar a sua tremedeira, Félix!
-Eu estava mais para ter um ataque cardíaco, a tremedeira era Julie. Mas ainda bem que sobrevivemos ao nosso primeiro show, isso já é uma coisa boa!
-Contanto que fiquemos bem longe de fotos no meio da rua, eu topo qualquer coisa. - Daniel falou, achando que não seria escutado.
-Fotos? Mas não estavam salvando criancinhas? - Julie jogou verde.
-Eu não disse nada, como consegue ouvir alguma coisa com todo esse barulho?!
Mas a muito Bia e Julie já sabiam o que tinha acontecido graças a Josias.
-Ah, Félix! Fiquei sabendo do seu namoro, não graças a você, mas fiquei imensamente feliz por isso. - Bia desconversava, distraindo os garotos para o desaparecimento do casal não ser percebido.
-A ideia de eu ter uma namorada é tão estranha assim?
-Não por isso, mas por ela ser famosa!
-Bem, tecnicamente nós também somos, então não é tão estranho assim.
-Não, a raposa baterista é famosa, você agora é só o atendente da loja de discos. - Martin o corrigiu. - Ao contrário de mim, que sou colírio e um pouco conhecido por isso. Então vendo por esse ângulo, é bem estranho sim, mas isso não é ruim, cara!
-É só que você namora uma das sensações do momento e isso é… UAU!
-Se você começar a sair sério com o Bill vai ser a mesma coisa, Bia!
-Não sei se isso daria certo, Martin. Ele é bonitão, mas não sei se é meu tipo.
-E qual é? - Félix se interessou. - Caras implicantes que nem o Válter?
-É, implicantes e magrelos, o completo oposto do Arcrebiano.
-Mas ele é o colírio número 1, e está interessado! Me ajude a te ajudar, Bia!
E por mais que Martin estivesse tentando com todas as suas forças convencer Bia a tirar leite de pedra e não percebendo o tipo ideal dela parado bem a sua esquerda tirando uma foto da apresentação, Julie e Daniel estavam muito mais entretidos afastados dali. Daniel não era burro, assim que tinha percebido o clima escuro e distração dos amigos tinha planejado dar um perdido com Julie, ele só não esperava que ela estivesse pensando justamente o mesmo.
-Você vem sempre aqui? - Ele escutou a namorada gritar em seu ouvido, rindo da cantada.
-Só quando tem garotas bonitas cantando. - Ele gritou de volta, segurando a lateral do seu rosto com força e puxando de encontro a boca dele, tomando seus lábios em um beijo agitado e quente.
Julie imediatamente abraçou com o braço direito o seu pescoço, se apoiando em seu peito com o esquerdo, Embrenhando seus dedos na nuca e pé do cabelo do guitarrista, Julie imitava os movimentos que o namorado fazia com fervor, sendo totalmente levada pela batida rápida da bateria, se perdendo no meio de todo aquele rock e escuridão. Suas línguas a muito travavam uma batalha com o propósito de descobrirem quem dominava a situação. Se estivessem apenas conversando, poderia ser traduzido como uma grande troca de farpas entre o fantasma cretino e inconformado com a moradora assombrada e revoltada - mas como suas bocas e línguas estavam muito ocupadas no momento quase se matando, era visto como um senhor amasso.
Quando Julie embrenhou seus dedos nos cachos de Daniel e os puxou com força, ele instantaneamente enlaçou sua cintura com o braço livre a trazendo para mais perto e colando seus corpos, imobilizando seu rosto na posição que ele queria, beijando ainda mais furiosamente seus lábios com uma fome nunca antes sentida. Mas ele era um ser vivo, e como um adolescente que tinha passado o último minuto beijando tão intensamente que tinha esquecido de inspirar um pouco de ar, ele precisava respirar. Afastando suficiente para mover seus lábios pela sua bochecha, Daniel empurrou levemente a garota para trás, a recostando na parede para enfim seguir traçando uma trilha de beijos pelo seu rosto até encontrar o seu pescoço, tomando liberdade e distribuindo beijos molhados pela sua pele alva, mordiscando e sentindo Julie se mexer contra seu corpo.
Ele só não esperava que Juliana estivesse se colocando na ponta dos pés para beijar o seu maxilar, subindo direção ao seu ouvido onde em um rompante de coragem misturado ao solo da bateria com guitarra capturou seu lóbulo direito com a boca, brincando rapidamente com sua língua até sentir um grunhido contra seu pescoço, como uma dor média onde seus lábios estavam. Segurando sua cintura com força, Daniel sem perceber tinha deixado um pequeno chupão no caminho para o seu ombro e se Julie continuasse a brincar com sua orelha daquele jeito, ele perderia o restante da compostura e faria mais marcas mais escuras do que ela já tinha. Sentindo uma mordida ainda em seu lóbulo, ele decidiu ocupar sua boca para evitar problemas futuros.
O olhar intenso que ele tinha em seu rosto dizia tudo o que Julie poderia - e também não gostaria - de saber. Eles tinham ultrapassado um limite que certamente renderia uma conversa profunda em algum momento depois, mas ela sinceramente não estava nem um pouco afim de pensar em qualquer coisa no momento, apenas queria mais um pouco da sua boca. O puxando com força, eles voltaram a se beijar ainda mais intensamente do que antes, se fosse possível. A barba que arranhava o seu rosto era despedida, assim como as unhas que amassavam a sua camisa onde ainda está apoiada. As coisas estavam praticamente pegando fogo e eles precisavam urgentemente se separar antes que fizessem alguma besteira ou jogassem o restante dos seus limites não conversados para o ar. Mas para que servem os amigos se não ajudar?
-VÃO PROCURAR UM QUARTO! - A voz de Martin foi difícil de ouvir pelo barulho tanto da música quanto pela platéia, mas foi o suficiente para eles se afastarem e corarem como nunca antes, encostando suas testas e passando os próximos minutos normalizando as suas respirações com cuidado.
-Que cara é essa, Martin? - Félix perguntou depois de ver o amigo voltar do banheiro branco feito papel. - Você não morreu e voltou como fantasma para nos avisar, não é?
-Olha, eu não tenho ideia de como foi o seu beijo no clipe para ele ser cortado, mas eu acabei de ver um agora que eu não queria ver. Talvez meses atrás sim, mas agora não mais. O que eu to fazendo aqui? Eu só tenho seis anos!
-Eu prefiro não perguntar.
-Não precisa, ele certamente vai voltar a falar disso quando Daniel voltar. - Bia piscou para Félix, que finalmente entendeu o que ele tinha visto, rindo junto da amiga.
Eles precisavam urgentemente conseguir um apartamento.
Chapter 35: Trinta e cinco
Chapter Text
É incrível como o tempo passa rápido quando se tem muitas coisas para fazer. Maio tinha passado correndo, com o dia dezessete sendo comemorado na casa de Julie, com um bolo de aniversário feito por seu Raul. Seu Raul gostava de verdade dos garotos, e depois de notar como Daniel possivelmente gostava da sua filha no hospital, decidiu que ele seria um bom genro - e mesmo que não conseguisse nada com Julie, ele o trataria como um assim mesmo - o que rendeu diversas implicâncias com o guitarrista pelo restante da noite. Em um piscar de olhos junho tinha entrado, trazendo consigo talvez o primeiro grande desafio dos Insólitos.
-O sucesso do primeiro encontro foi tão grande que eles decidiram fazer um ainda maior agora no meio do ano! - A produtora responsável pelos colírios disse animada naquele dia no estúdio.
Martin tinha viajado para São Paulo junto dos outros garotos para fazer uma sessão de fotos e gravar alguns comerciais com os colírios mais antigos - algo como a primeira e segunda geração, recebendo a notícia por lá mesmo.
-Vamos precisar fazer aquela roda de conversa e desafios de novo? - Arcrebiano perguntou como quem não queria nada.
-Bill, se você quer tanto beijar a Bia, por favor não invente isso no evento de novo! - Martin pediu exasperado.
-Da última vez você gostou do que tirou no papel....
-É, mas eu gostaria muito se a próxima vez que eu ficar com a Shizuko não fosse um público!
-Está saindo com alguém, Martin? - A produtora perguntou interessada.
-Não, não temos tanta intimidade assim. Além do quê, ela é amiga da minha amiga, então não sei se posso de fato sair com ela. Mas eu precisava beijar alguém graça o Microbiano aqui, né?
A produtora apenas riu.
-Vamos manter suas bocas intocadas durante o evento, mas vamos precisar da participação de vocês sim. Serão dois dias de conferência, com muito mais stands e dinâmicas do que a outra vez. E por termos tido uma visibilidade tão boa, conseguimos mais patrocinadores e com isso poderemos bancar alguns shows exclusivos.
-Sério? Tipo quais? - Caíque Nogueira perguntou repentinamente interessado.
-Manu Gavassi já está confirmadíssima pelo último clipe feito pela gente, Restart também já está confirmado, mas a Banda Hori ainda está em negociação com o agente.
-Poxa, não querendo ser chato nem nada…. Mas vocês bem que podiam ter convidado Os Insólitos. - Caique disse chateado - Eles estão bombando de verdade, e ter eles aqui seria uma boa, ainda mais engajamento.
-Vocês acham? Eles tem andado com tanta dificuldade pela agenda da vocalista que sequer consideramos.
-Eles são muito bons! - Arcrebiano se empolgou - É um tipo de rock envolvente, que tanto garotos como garotas gostam, vocês mesmos fizeram uma entrevista com eles, não é?
-O que acha, Martin?
-Eu… É…. Eles são ótimos! Mas teria tempo para encaixar eles? Não seria melhor deixar para uma próxima?
-Qual é, cara? O que tem contra eles?
-Nada, não tenho nada! Mas…
-Sabem o que as garotas dizem pelo twitter e pelas cartas, não é? - A produtora alfinetou. - É muita coincidência você ter uma banda de garagem, ter a mesma idade e mesmo nome que o baixista dos Insólitos. Por acaso é ele debaixo daquela máscara e não quer estragar o disfarce?
-É O QUE?! PFFFF….!!! É claro que não. Me sinto honrado por ser comparado a eles, mas a minha banda é horrível, sinceramente. Por isso somos de garagem, e não passamos naquele teste.
-Mesmo? Porque as semelhanças são muitas.
-A começar que você e os Insólitos nunca estão juntos no mesmo lugar. - Acrebiano implicou.
-Isso não é problema nenhum! Chamem eles para o encontro que eu até tiro uma foto ao lado do baixista para provar que não sou eu!
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-VOCÊ O QUE, MARTIN?! - Julie perdeu as estribeiras ao ouvir da boca do próprio o desafio que fizera a Capricho.
-ERA A MINHA, A NOSSA IDENTIDADE QUE ESTAVA EM JOGO, JULIANA! O QUE QUERIA QUE EU FIZESSE?!
-E o que você espera fazer agora? Voce É o nosso baixista!
-Eu também sei disso, Juliana! Não estou caquético!
-Ainda. - Félix completou, recebendo um dedo muito feio do mais velho.
Eles estavam no estúdio deles, debatendo o que fariam a seguir. Rick tentava atrasar uma resposta definitiva, mas não podia esperar muito mais tempo.
-Rapazes, não posso continuar a dizer que estou com suspeita de intoxicação alimentar e não posso responder ao telefone. Precisamos de uma resposta. - Rick entrou no ambiente, preocupado.
-Se negarmos, as suspeitas vão aumentar e podem acabar nos descobrindo. - Daniel ponderava. - Mas Martin não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo… A não ser que…. - Daniel olhou para Rick, com seu sorriso zombeteiro no rosto. - Garoto, o que acha de fazer uma participação especial na nossa banda?
-O que? Porque está me oferecendo isso?
-Martin precisa provar que não é ele, e os únicos que sabem a nossa identidade são você, nosso senhorio, Bia, Pedrinho, Shizuko e o pai de Julie. Você é o que mais aparenta corpo com ele, só é um pouco mais alto. Se evitarmos cantar músicas solo, ninguém vai perceber.
-E como pretende enganar a altura e a tatuagem no braço?
-A nossa figurinista pode cuidar disso, todos usamos botas nesse dia e camisas de mangas compridas. Ou você se machucou feio e precisou colocar um curativo no braço. Qual é, Você vai até tirar uma foto com ele para provar que não são a mesma pessoa, e o garoto vai poder tocar com a gente!
-Essa pode ser uma solução temporária, mas acho que precisaremos criar nomes artísticos. Ainda dá tempo, Rick? - Félix se preocupou.
-Podemos começar a chamar apenas vocês pelos nomes, mas um bom momento é durante a convenção. Martin, você vai precisar perguntar os nomes de todo mundo e dizer que devido a confusão, decidiram revelar os verdadeiros nomes. A ideia de ainda estarem trabalhando com o cover da Apolo 81 é uma boa, e caso um dia se revelem podem rir dessa história. O que acham?
-Que precisamos pensar em nomes urgentemente. - Félix foi enfático.
-Quanto a isso, eu tenho uma ideia. Não deve ser surpresa para vocês o porque Daniel gosta de ir até a sorveteria do outro lado da cidade, mas ele inventou uma identidade nova para a mãe dele.
-DANIEL!
-Daniel não, Bruno. E se eu fosse vocês começaria a pensar em nomes também. Você topa, garoto?
-Não precisa nem perguntar de novo. Já disse que tudo que estiver ao meu alcance para ajudar vocês, vou fazer.
-Ótimo. Agora, vá confirmar a nossa presença e volte para a cabine de som. Precisamos treinar um novo Martin.
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Aquela semana foi bastante agitada e corrida para todos eles. Eles tinham apenas alguns dias para treinarem Rick o minimamente possível, pensar em nomes e confirmarem presença no primeiro Festival NoCapricho na semana seguinte. Martin viajaria primeiro com Arcrebiano, já que participaria dos três dias de evento, com Julie, os garotos, Bia e Shizuko apenas indo na sexta à tarde. O show deles tinha sido agendado para o sábado, tendo tempo suficiente para se acomodarem e prepararem o melhor possível.
O primeiro dia de evento tinha sido marcado pelos shows solo de Chay Suede e Fiuk, com stands e oficinas de maquiagem e penteado fervilhando. Alguns desfiles da nova coleção de inverno tinham sido feitos - e propositalmente marcando a abertura do Festival, com os colírios atuais e antigos na passarela.
Martin deveria aprender a desfilar melhor, aquilo era um fato.
Mas com a chegada do sábado, tudo ficou muito mais intenso. Os insólitos já tinham chegado mascarados aos bastidores e ignorado veementemente Martin para manter as aparências. A equipe de figurino estava trabalhando duro para encontrar um visual que escondesse a identidade de Rick, mas que ao mesmo tempo não fosse contra todo o visual despojado que tentavam passar em suas aparições públicas.
Ao mesmo tempo em que Martin embranquecia de nervoso no palco e os Insólitos se arrumavam no camarim, Bia e Shizuko tinham um ataque de tiete na plateia. Elas tinham conseguido mais uma vez estar bem pertinho do palco, na primeira fileira e no atual momento surtavam por verem em primeira mão Manu Gavassi cantar a música de Félix.
-Será que eles conseguem um autógrafo dela para a gente? - Shizuko perguntou animadíssima.
-Você se contenta com um autógrafo? Eu tô pensando mais é em uma foto mesmo! - Bia revelou.
-É sempre um prazer te rever, Mano Gavassi! - Caíque Nogueira cumprimentou a garota assim que acabou a sua apresentação. - Senta aqui um pouquinho, para a gente conversar!
-O prazer é todo meu, Caíque! Martin! - Manu abriu um sorriso, fazendo o garoto quase desmaiar de preocupação. FÉLIX NÃO TINHA AVISADO A PRÓPRIA NAMORADA?
ALIÁS, O QUE ESSES NAMORADOS TEM, EM? Primeiro Daniel ESQUECE de perguntar a data de aniversário de Julie, e agora Félix ESQUECE de mencionar o plano maluco? Por isso Martin não namorava, ele gostava de se lembrar de assuntos importantes.
-Manu! Espero que eu não tenha te assustado com minha reação ao seu clipe.
-Na verdade, você teve a mesma reação que basicamente todas as minhas amigas tem quando beijo alguém profissionalmente, então não foi nada demais. - Bem, tinha sido demais quando ela havia encaminhado para Félix as cenas cortadas do clipe e Martin tinha visto, olhando em choque e horrorizado tanto para ele quanto para Daniel.
“ O que eu to fazendo aqui, eu só tenho 6 anos!”
-Mas é muito bom finalmente te conhecer pessoalmente! - Ela emendou, ciente que deveria contribuir para a farsa.
-Espero que nos encontremos mais vezes para outros trabalhos…. Um passarinho está enlouquecidamente me pedindo para te perguntar uma coisa. - Martin falou segurando o ponto na orelha.
-O seu mais novo sucesso, “Garoto errado”, teve alguma inspiração específica? Sabendo que é você mesma quem compõe suas músicas. - Caíque se adiantou, vendo o colega em um misto de risada e desmaio.
-Ah… - Manu ficou vermelha, fazendo a plateia vibrar de emoção. - É, foi inspirada e dedicada a alguém sim.
-Manu, eu A-DO-RO fofocas assim. - Martin desviou o assunto, se sentando ao lado dela. - Me diz, ele estava no clipe?
Manu apenas voltou a corar furiosamente, fuzilando ele com o olhar, que sorria zombeteiramente.
-Acho que você já sabe a resposta, não é?
-Ah, eu sei, mas o público não!
-Tem certeza que vocês se conheceram agora, pessoal? - Caíque estava perdido.
-Como ela disse, pessoalmente sim, mas….
-Respondendo a sua pergunta, Martin, é. Ele estava no clipe. - Manu pretendia estrangular o loiro quando estivesse a sós, mas entendia o que ele estava fazendo.
Colocar foco na persona real deles tirava a atenção dos Insólitos.
-Deixa que eu assumo, Martin ou você vai fazer a garota explodir de tanta vergonha! Disse que foi dedicada a ele, mas onde o conheceu? Qual o nome dele? Informações relevantes, mulher!
-Bem, eu passo as minhas férias em Campinas, na casa dos meus pais. E nas últimas vezes que eu fui lá, encontrei uma lojinha de discos bem antiga, e quando entrei dei de cara com ele. Trocamos contato, começamos a conversar e voi-lá. Agora tenho descontos em discos de vinil e um colírio chato que deu um xilique em rede nacional quando viu o melhor amigo me beijando no clipe. - Ela apontou para Martin.
-Não posso fazer nada quanto a isso! Era a primeira vez que ele conversava e ficava com alguém desde o acidente dos nossos pais, meu surto foi totalmente compreensível.
E com aquela declaração final de que o moreno misterioso também era órfão de um terrível acidente, nada mais foi dito, prestando as homenagens aos pais de Taubaté.
-Mas vocês sabiam que foi ela quem pediu ele em namoro? - Martin não se aguentou.
-Também precisamos tomar a iniciativa, né? Não podemos esperar e deixar que eles façam tudo!
-Até porque se fosse esperar ele fazer alguma coisa, estava até agora esperando uma resposta. Manu Gavassi, pessoal! - Martin encerrou a entrevista com uma abraço na cantora, trocando a vez com Acrebiano enquanto ia ao banheiro.
Naquele espaço de tempo teria uma pequena conversa entre os colírios que já estavam na faculdade, para dar uma perspectiva de futuro para as garotas. Os Insólitos viriam a seguir. Eles estavam totalmente prontos, aquecendo a voz e tentando não surtar quando Martin apareceu no camarim e fingiu ser uma tiete - apenas para conferir se estava tudo bem.
-Ah, tudo sim, só nosso baterista que misteriosamente desapareceu quando Manu Gavassi saiu do palco. - Rick rolou os olhos por debaixo daquela máscara.
Félix não tinha culpa, não via a namorada há quase dois meses, e aquela seria a primeira vez que se encontrariam de fato após o início do namoro. Estavam nervosos, mas nada que não pudesse ser mascarado com um belo solo de bateria vinte minutos mais tarde. Não se aguentando de ansiedade, a raposa saiu sorrateiramente do camarim, interceptando Manu no corredor e a puxando um canto mais vazio, desprovido de atenção e iluminação.
-Quer dizer então que você recebe descontos em discos de vinil?- Ele perguntou baixinho em seu ouvido, a segurando contra a parede que nem no dia da gravação.
-E tenho um colírio tiete no meu caminho. - Manu respondeu de volta, levantando a máscara de raposa na altura do seu nariz, deixando apenas seus lábios de fora.
Félix não teve dúvidas antes de colar seus lábios expostos nos da garota a sua frente, iniciando um beijo tímido, mas que logo se transformou em algo afoito. Os braços de Manu estavam muito bem enganchados em seu pescoço, segurando a máscara e touca no lugar para que não se desarruma-se muito, enquanto a mão direita da raposa estava apertando firmemente a cintura da cantora, apoiando seu peso no braço recostado na parede. Eles não tinham muito tempo - e a saudade era grande - por isso beijavam-se com uma confusão de lábios e línguas, sentindo arrepios subirem por suas espinhas. Se não fossem mais cautelosos, seriam entregues pelos barulhos de beijo que aumentavam gradativamente e das duas uma aconteceria:
Ou Manu teria sua reputação manchada por acabar de dizer que estava namorando e beijando outro nos bastidores ou todo o disfarce iria ralo abaixo.
-AH, EU NÃO ACREDITO NISSO! - Uma voz desesperada soou do corredor principal. - Não é só porque você tinha a coleção quase completa dos quadrinhos do homem aranha que você pode se dar ao luxo de beijar com uma máscara! Você não é o Peter Parker, e ela tem namorado, esqueceu?! - Martin estava desesperado.
-Bem, a Mary Jane também tinha e mesmo assim beijou o Peter disfarçado. - Félix brincou, colocando a máscara de volta no lugar. - Mas estou no camarim 7. Fábio, ao seu dispor. - Ele comentou com Manu, desaparecendo dali e indo encontrar com o restante da banda.
-Me lembre de nunca sair com vocês dois, sério. - Martin fez drama, voltando para o palco.
Por Arcrebiano ter tido a brilhante ideia de chamar os Insólitos, ele estaria no palco apresentando a banda, apenas esperando para conseguir provar que Martin era sim o baixista disfarçado.
Bem, ele de fato era, mas não naquele dia!
As luzes do palco se abaixaram apenas para que eles pudessem entrar e se acomodar com os instrumentos, ficando arrepiados assim que elas se acenderam novamente e a gritaria generalizada começou - a maior parte vinda de Bia e Shizuko, dando apoio moral. Julie acabou soltando uma risada empolgada no microfone antes de começar a cantar, sendo guiada pelos acordes de Daniel e Rick, começando de fato o show. Depois do fiasco de presença de palco na abertura no NxZero, aulas de movimentação foram feitas ao longo daquele tempo, com todos os três se soltando mais e sabendo o que fazer para não ficarem tão parados - menos Félix, era impossível para ele se movimentar.
Todos os quatro estavam muito bem vestidos com paletós e botinhas de salto, evitando cantarem músicas que dessem destaque às vozes dos rapazes. Ao total foram quatro músicas cantadas - basicamente todas as que eles tinham lançado até o presente momento, com as inéditas sendo guardadas para o primeiro álbum que ainda estava na fase de produção - e apesar do público ter ficado triste por não terem tido um solo masculino, se contentaram com todo aquele pop-rock nacional.
-Boa tarde galeraaa!!! - Julie cumprimentou após terminar de cantar, sem fôlego.
-É um prazer estar com vocês aqui, pessoal! - Arcrebiano começou. - Sério, muito bom mesmo! Sabe, não era para eu estar aqui com vocês sozinho, mas o meu amigo desapareceu misteriosamente agora. Existe algum motivo para vocês não terem tido um solo masculino? Para não reconhecermos alguma voz?
Tinham dito para tocar naquele assunto e Arcrebiano estava fazendo aquilo.
-Nosso baixista e baterista tiveram um pequeno problema com a garganta, e não estão conseguindo cantar. - E para comprovar, os dois deram um oi no microfone, mostrando vozes completamente roucas e graves.
-Sei....Por algum acaso….
-Desculpa a demora, Bill, mas sem querer fui parar na passarela ali do lado. - Martin apareceu no palco, ficando frente a frente dos Insólitos. - Eu sou muito fã de vocês, vocês tocam muito! Sério, na minha banda de garagem bem que tentamos nos inspirar no estilo que vocês lançaram, mas foi só humilhação e sofrimento, uma coisa horrorosa.
-Bem, a não ser que você tenha uma máquina do tempo, é impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo! - Arcrebiano olhava para a banda e para o colírio.
-Eu disse que eu não era da banda deles, mas ninguém acreditou em mim! - Martin foi até o lado de Rick e abraçou seus ombros, levando um microfone até a sua boca. - Eu e o….
-Marcelo.
-Eu e o Marcelo aqui definitivamente não somos a mesma pessoa.
-Marcelo? Eu jurava que os nomes de vocês eram outros….
-Não foi só o nosso colega aqui que ficou ouvindo sobre fazer parte da banda. Por isso entramos em comum acordo sobre revelar nossos nomes verdadeiros. Eu sou o Bruno, o Marcelo é nosso baixista e o Fábio é o baterista.
-Você se chama mesmo Julie?
-Chamo, chamo.
-Então, Julie, Bruno, foi um prazer conhecer vocês pessoalmente! Podem tirar uma foto aqui? - Martin pediu, abraçando os amigos e fingindo na cara de pau. - Muito obrigado!
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Mais tarde, no hotel, Martin estava histérico com Félix e Manu, que se preparavam para sair em um encontro.
-Eu to falando sério, acham que vão esquecer disso agora?
-É claro que vão, Martin! Só vamos precisar nos explicar muito no dia que decidirmos tirar as máscaras.
-Pode deixar que eu prometo te perturbar da mesma maneira que fez hoje comigo, Martin. - Manu ameaçou. - Agora, podemos ir? Não posso chegar em casa muito tarde.
-Deixa eu só.... Bia? Shizuko? Não sabia que também estavam hospedadas aqui.
-Privilégios de convites dos colírios. - Bia soltou. - A gente estava passando por aqui, vimos vocês parados aí e decidimos vir aqui conhecer pessoalmente a sua namorada. Não vai nos apresentar?
-Pensei que fossem fãs dela.
-Da mesma forma que somos fãs do Fábio e do Marcelo, mas também conhecemos o Martin e o Félix. E já que ela é a sua namorada, também é nossa amiga.
Félix sorriu com aquela aceitação.
-Manu, essas são Beatriz e Shizuko, melhores amigas da Julie e da banda. Ela quem inscreveu Martin nos colírios, a propósito.
-E dei a ideia das máscaras.
-Preciso agradecer você por isso, eles ficam uma gracinha misteriosos daquele jeito. - Manu falou sem jeito, ainda tímida diante da extroversão de Bia.
-Você precisa avisar quando for para Campinas de novo, precisamos muito marcar de sairmos para falar desses aqui.
-Se você estiver incluindo um colírio de nome estranho no meio, ele está vindo para cá. - Shizuko alertou, vendo a garota imediatamente puxar o telefone e fingir falar com sua mãe, se distanciando deles.
-Aconteceu alguma coisa? - Bill estranhou.
-Ah, nada não. Só a mãe dela que ligou. - Shizuko mentiu, se aproximando de Martin.
-Eu fiz alguma coisa? Tentei dar o meu convite a ela, mas ela disse que já tinha comprado o ingresso e por isso não precisava, e agora está fugindo de mim. - Mentira, ela e Shizuko ainda estavam com os convites de Martin, mas como Félix iria estar lá inventaram que ele seria o convidado do garoto apenas para ver a sua namorada.
-Não é por nada não, cara, mas acho que ela estar com você nesse ambiente agora seria um indicativo de outra coisa…- Félix se intrometeu, mostrando as mãos dadas dele com Manu, e os olhares constrangidos entre Martin e Shizuko.
-Ah… - Arcrebiano entendeu, soltando uma risadinha. - Bem, é, tem uma explicação.
-Eu já falei para você, se quer tanto ficar com ela, tente bem longe desses eventos! Vocês não saíram uma vez?
-Não vou tentar nada se ela não der nenhum indício que também está a fim.
-Ela pode não estar a fim, mas também não tem mais nada com o Valtinho. - Félix comentou, vendo Shizuko olhar para ele exasperada.
Manu entendeu que o drama que poderia virar, se despedindo de todo mundo e arrastando Félix para fora do hotel, deixando o último casal e um clima desconfortável.
-Éééé…. - Martin coçou a cabeça. - A gente devia procurar a Bia, não é?
-Conhecendo ela, é bem capaz de estar escondida na última cabine do banheiro mais próx…. - Shizuko, que estava olhando na direção da saída, se virou na direção de Martin enquanto falava, não esperando que eles estivessem tão perto de fato. - próximo…
Os dois tinham os olhos arregalados, corações acelerados e respirações confusas. Sem saber quem tinha se inclinado, sentiram seus lábios se tocarem brevemente, mais parecendo um beijo de série adolescente do que um tutorial de como beijar bem que a própria Capricho vez ou outra publicava.
Não havia passado de um selinho, no final das contas.
-É, procurar a Bia. - Shizuko se afastou, achando graça da maneira como as bochechas do garoto à sua frente estavam rosadas.
-Isso, encontrar Bia e deixá-la bem longe do Bill hoje.
Se eles ficassem sozinhos mais uma vez corria o risco de se beijarem de novo, e não que Martin não quisesse isso - já que ele vinha tentando isso desde o ano anterior - mas da mesma maneira que ele tinha aconselhado Arcrebiano, ele não queria ficar com ela apenas nos eventos da Capricho.
Encontrar a Bia era a solução.
Chapter 36: Trinta e seis
Chapter Text
A apresentação dos Insólitos no evento da Capricho tinha acabado com as teorias sobre as identidades dos integrantes nas revistas de fofoca, mas tinha piorado o assédio físico. Tinham só três semanas desde a revelação do verdadeiro nome falso e pelo menos duas vezes Valtinho tinha precisado ajudar a escoltar Julie para fora da escola, que estava cercada de fotógrafos e jornalistas, na esperança de uma palavrinha ou duas.
-É por isso que a Hannah Montana usa uma peruca. Deveria ter aderido as máscaras também, Julie. Ou tentado a tática da mudança de nome. - Ele aconselhou a escoltando para casa, com Nicolas ao seu lado quieto.
-Seria meio impossível trocar o meu nome, Talita seria a primeira a desmentir. Pelo menos assim não tem como ela fazer nada, já que nunca conheceu Daniel ou os meninos pessoalmente para saber que eles não se chamam Bruno, Marcelo e Fábio.
-É, é. Jogada esperta essa a de vocês. - Nicolas comentou. - Mas acha que vai funcionar? É só eles te seguirem que facilmente encontram registros na gravadora ou escutam alguma coisa.
-Apesar disso ser bem estranho, não acho que estejamos no nível de fama de perseguição. Acho que está sendo algo bem saudável até agora, pelo menos comigo. Eles que precisam ouvir e ler comentários sobre supostas namoradas depois daquele clipe cheio de braços e músculos forçados. - Julie riu.
-E isso não te incomoda? - Valtinho jogava pelo amigo. - Todo esse assédio em cima do seu namorado, ou em cima da banda, mas uma hora pode acabar respingando em você, não é?
-Nenhum pouco na verdade, quase todos eles estão namorando, só Marcelo que… Bem, é complicado para ele. E por mais que fosse mais interessante Fábio revelar que namora e a identidade da namorada dele, poderiam alegar ser jogada de marketing. Fora que conhecendo ele, ele não gostaria nada dessa exposição. Mas também sei que uma hora ou outra vai sobrar para mim, se continuarmos seguindo a estratégia de imagem que propôram.
-Um visual roqueiro sexy? - Nicolas opinou. - Foi isso que passaram no último clipe solo deles.
-Achou eles sexy, Nicolas? - Valtinho alfinetou, fazendo Julie anotar a informação para mais tarde.
-É, algo assim. Mas querem esperar eu sair da escola para me incluírem nesta imagem. Ainda sou menor de idade, por isso acharam melhor eu pelo menos me formar para passar a imagem mais madura. Pelo menos não é aquele personagem festeiro da primeira vez que tentei ir para a gravadora.
-Eu não tenho a menor curiosidade de ter fantasiada de Talita, Juliezinha. - Valtinho chiou, horrorizado.
-Nunca aceite uma coisa dessas, Julie, por todo amor que já sentiu por mim algum dia! - Nicolas se desesperou com a imagem.
-Meio tarde para usar esse argumento, mas pode deixar. Eu recusei da primeira vez e provavelmente recusaria uma segunda.
Uma banda poderia ter diversas fases, mas ela duvida de que um pop-rock poderia evoluir para algo festeiro, sinceramente.
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O sábado à tarde tinha chegado com tudo, e com ele um encontro marcado com Daniel na praça próxima a casa deles. Com a correria da escola, Daniel não tinha muito mais tempo para ver a própria namorada fora da gravadora - e aquilo estava deixando o guitarrista bem chateado. Cretino, mais especificamente. Quando tinha mandado a mensagem chamando Julie para sair na noite anterior, tinha praticamente acordado os dois garotos tamanho era o brilho em seu sorriso após ser aceito!
Mas uma vez juntos, eles não se separariam tão cedo. E já que a única opção viável eram carinhos aceitos socialmente em público, Daniel não teve respaldos em deitar-se nas coxas de Julie, uma vez em que esta tinha se acomodado na grama.
-Alguém já te disse o quanto você é folgado? - Ela brincou, enfiando a mão nos cachos do garoto, fazendo um cafuné e notando como sua pele se arrepiava pelo contato.
-Tenho uma vaga lembrança de você falando isso quando deitei na sua cama pela primeira vez.
-Para alguém que detestava tanto a minha presença, deitar na minha cama era no mínimo questionável, não acha?
-Não quando fiz isso só depois de te convidar para a banda.
-Interesseiro.
-Um pouco, eu admito. Como foi a sua semana?
-Bem intensa, para falar a verdade. Sabia que Nicolas e Valtinho precisaram me escoltar até em casa para fugir da imprensa? Perguntaram se ainda dava tempo de mudar o nome ou usar uma peruca.
-Não sei se uma peruca combinaria com você… Mas alguém precisava aparecer para dar credibilidade a banda, e olha só! Você foi a escolhida!
-Não se importa com o assédio que eu sofri?
-Não disse isso, disse que se eu pudesse, eu teria me oferecido para ser o rosto da banda e evitar que você sofresse isso, mas estando em condições não corpóreas isso era impossível.
Julie demorou alguns segundos para compreender a extensão daquilo tudo.
-Queria mesmo era aparecer, não é?
-As máscaras foram uma sacada legal, melhor que os lençóis, mas é. Eu queria muito aparecer de novo.
-Sempre pensei que fosse Martin a gostar de se exibir, nunca cogitei a possibilidade que fosse você. A sua personalidade inicial não deixou muito para imaginar, sabe?
-Ah, é? Então precisava ver em 1979 quando montamos a banda. Se me achava insuportável ano passado, não queria mesmo ter me conhecido antes. Martin gosta de se exibir com garotas, eu estava num nível muito mais profissional. Se bem que… Eu admito ter gostado muito daquelas marcas que fiz na noite do show do NxZero. - Daniel confessou, passando sua mão pelo pescoço de Julie, que se interessou pelo assunto.- Na verdade, eu sinto falta delas.
-Quer dizer então que não foram marcas acidentais?
-E por acaso alguém acidentalmente tropeça e te dá um chupão, Julie?
-Bem, foi o que precisei dizer para a minha professora de Educação Física quando a maquiagem escorreu e o vermelho apareceu. Que durante o show de sábado tinha esbarrado com força no sistema de som e tinha ficado marcado.
-Só ela viu? - Daniel perguntou com um sorriso cretino.
-Por mais que eu tenha apreciado o seu gesto, vê se da próxima vez não faz em um lugar tão aparente, é difícil esconder. - Julie ignorou a pergunta óbvia.
-Julie, meu amor, para deixar um chupão em um lugar escondido eu precisaria ter acesso a mais partes do seu corpo. É meio impossível deixar um na sua barriga no meio de uma multidão, sabia? - Daniel perguntou retoricamente.
-Bem, eu não me importo com isso. Em ter acesso a mais partes, eu digo.
Daniel a encarou pensativo e sugestivo, tentando desvendar o significado por trás daquelas palavras.
-Acho que seria mais seguro se fôssemos mais claros aqui, Julie.
-Eu quis dizer, Daniel, que eu não me importaria de avançar as coisas.
-Qualquer coisa? Mais do que beijos?
Julie conformou com a cabeça, achando graça do estado vermelho das bochechas do namorado, assim como seu sorriso se abrindo desacreditadamente. Daniel se levantou na mesma hora, estando mais interessado em beijar a namorada do que pensar racionalmente. Céus, eles precisavam urgentemente conseguirem se mudar! Por mais que Julie gostasse da loja de discos de Klaus, ele não seria insensível ao ponto de tentar alguma coisa lá.
Não seria surpresa alguma caso na semana seguinte ele fizesse de tudo para saírem na mídia.
E apesar dos momentos românticos do casal, eles precisavam voltar para casa. Daniel tinha prometido ajudar Julie com algumas questões de geometria ainda naquele dia, e se se apressassem, ele ainda seria convidado por seu Raul para assistir o jogo do Corinthians X São Paulo daquela tarde e quando recusasse, ouviria os gritos do sogro o avisando dos gols e faltas sofridos pelo time.
Era bom ter um homem adulto frequentemente em sua casa, seu Raul gostava daquilo.
Entretanto, apesar de Daniel não ser conhecido, Julie era. Uma tarde juntos e mágicamente tinham se esquecido de todo o assédio sofrido por ela nos dois últimos dias - o que por um lado era bom, mas por outro não. Foi com grandes risadas que na segunda de manhã Rick recepcionou os rapazes no estúdio, trazendo consigo a mais nova edição da Atrevida, estampando na página de cliques Julie de mãos dadas com um rapaz alto, loiro e de cabelos cacheados - que graças a Deus estava de óculos escuros. Não seria nada demais, mas a foto seguinte os capturava trocando um beijo rápido repleto de sorrisos, com olha só! A foto do momento exato em que ela falou estar pronta para ir para a terceira base. Nessa ele não estava de óculos escuros, mas tinham capturado o momento exato em que ele se levantava e a beijava.
-Julie Spinelli, vocalista dos Insólitos, foi vista no final de semana passeando e trocando beijos com loiro misterioso. Alguém aí também queria estar no lugar dela :( ? - Rick leu as gargalhadas, levando o estúdio as piadas constantes.
-Pelo menos não me reconheceram, e eu sou misterioso.
-É, para os outros é, mas certamente não é para o Seu Raul. - Félix o lembrou.
-Parece que o seu plano de esperar um ano e meio para revelar o namoro foi por água abaixo, Daniel. - Martin constatou dando um tapinha no ombro do vocalista.
-Pfff…. Não é como se o seu Raul lesse uma revista para adolescentes. - Daniel desdenhou.
-Não se esqueça que ele é um pai babão que compra tudo o que sai sobre a banda da filha para ajudar. - Rick alertou. - E se ele te conhece tão bem…. Não rola a desculpa de ter sido a gravação de um clipe profissional, vocês usam máscaras.
-Para todos os efeitos esse foi o nosso primeiro encontro, e o beijo foi…
-Qual é cara, não precisa ficar com tanto medo assim. Ele não é o pai da Carla, é o pai da Julie. - Félix o lembrou.
Não tinha sido apenas o namoro com Carla que havia sido tóxico e péssimo, a relação com seus sogros o tinha traumatizado a um nível de temer Seu Raul, o homem que o adorava ter por perto - tanto para fazer strogonoff quanto para comentar sobre música e futebol.
-Ainda bem que não é, se não eu te faria mudar o gosto de garotas à força! - Martin resmungou.
-Carla não era aquela garota que andava pendurada no seu pescoço, Daniel? - Rick se lembrava vagamente daquela imagem, ligo depois do início da banda enquanto os boatos de uma banda juvenil se espalhavam pela escola
-Não era no meu pescoço que ela andava pendurada. - Daniel comentou, se arrependendo no instante que pareceu malicioso demais.- também andava pendurada na minha guitarra. Ela praticamente me fez abandonar a música por ela
-Fico feliz que tenha encontrado alguém que o ajude na música, não o afaste
-Não precisa ser tão educado, Rick. - Martin advertiu. - Nós gostamos de ressaltar sempre que podemos como detestamos a Carla
- Ótimo, então eu também assino embaixo.
Se eles continuassem a falar da sua ex daquele jeito, não demoraria muito para Julie ficasse curiosa e perguntasse o que a tal da Carla tinha feito.
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Não foi surpresa nenhuma para os garotos o súbito afastamento de Daniel da namorada no restante da semana. Não ia a ensaios extras na casa dela, não aparecia para dar um olá nem nada. Até mesmo quase não respondia as mensagens dela!
-Aconteceu alguma coisa na loja de instrumentos? Daniel disse que precisaria fazer turnos extras no sábado e no domingo, e a loja nem funciona do domingo. - Julie perguntou na tarde daquele sábado, quando Félix e Martin foram até a sua casa passar um tempo com Pedrinho. Enquanto Félix se interessava pela nova pesquisa de estática do garoto, Martin se acomodava no sofá preparado para debater o futebol com seu Raul.
Muito embora Martin achasse vôlei um esporte mais emocionante.
-Ah, isso. - Félix riu. - Ele está com medo de colocar os pés aqui e precisar ter aquela conversa com seu pai.
-Pelas fotos? Acho que ele nem viu, e se viu está se fazendo de desentendido. Ele gosta tanto de Daniel que sinceramente acho que nem se importaria se o namoro fosse real.
-Não precisa falar desse jeito, o papai está lá embaixo com Martin. - Pedrinho avisou, rolando os olhos. - Ele trata seu namorado melhor até que eu! - Ele tinha puxado o lado dramático da sua mãe, isso sim.
-Além do mais, eles já se conhecem há bons meses, não seria estranho. Ao contrário da visita que recebi na quinta feira na loja. - Félix torceu o nariz. - Percebi na hora que tinha alguma coisa errada com aquele cara quando ele me perguntou se o disco de Demétrius estava à venda e qual era a minha opinião sobre ele.
-O pai de Manu foi lá?
-Foi, e me fez uma série de questionamentos achando que eu não sabia quem ele era, e depois de ocupar uma boa parte da minha tarde, me convidou para jantar na próxima vez que ela viesse para cá. Não foi tão estranho, mas talvez eu preferisse estar preparado.
-Félix, você teria um ataque de ansiedade se soubesse. - Julie foi enfática. - Manu sabe sobre isso, não é?
-Não… Não achei importante mencionar, uma vez que estou sempre com vocês e ela tão longe.
-Pensei que contar pontos importantes sobre sua personalidade fazia parte de um namoro. Se não conversam, o que fazem? - Pedrinho estranhou.
-Eu poderia dizer que se beijam, mas eles só se viram uma vez desde que começaram a namorar. - Julie respondeu pelo amigo. - É sério, você precisa falar com ela, senão qual o sentido de ficar com alguém que não te conhece? Isso só vai acarretar dor algum dia.
E com um grande grito de GOOOLLL vindo do andar debaixo, o assunto se encerrou, deixando o sentimento de angústia instalado no peito da raposa.
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As semanas tinham se passado intensamente, com a chegada das últimas provas antes das férias do meio ano, mas se por um lado estavam atolados de trabalho com a gravação do primeiro álbum, por outro estavam exultantes com a oportunidade. A maior parte das faixas já estava gravada, mas seguindo a língua de raciocínio das músicas, precisaria de uma música romântica para compor o repertório.
-Eu queria muito que fosse a sua, Daniel, mas isso estragaria o disfarce. - Rick declarou. - Ela é tão intensa que faria vocês decolarem ainda mais alto e mais rápido.
-Para quando que precisamos dela gravada?
-Até semana que vem. Conseguem compor algo até lá? Algo daquele nível?
-Bem…- Daniel não sabia se conseguiria mexer com seus sentimentos daquela forma, uma vez que estavam bem.
-Temos dois casais aqui, quem está disposto a brigar pelo bem maior? - Martin brincou.
-Isso! - Félix abriu a boca. - Não precisamos brigar, Julie tem uma música.
-FÉLIX! - Ela ficou horrorizada.
-O que? Você ouviu a música que Daniel fez para você.
-Mas ouvir é bem diferente de gravar ela!
-Qual é, Julie! Ninguém vai saber que foi para ele. Anda, não custa nada mostrar, apenas economiza nosso tempo e emocional.
-Porque tanta vergonha? - Rick estranhou.
-Não é vergonha, só… Me passa o seu violão, Martin? - Julie não resistiu mais.
-Quer que eu toque para você? - Ele ofereceu.
-Não, se vamos mesmo gravar ela, é melhor que eu toque primeiro.
Ela demorou algum tempo se lembrando da letra e entrando em sua bolha particular antes de começar a cantar.
Quando a Lua tentar me encontrar
Diga a ela que eu me perdi
Na neblina que cobre o mar
Mas me deixa te ver partir
Félix abriu um grande sorriso, feliz que a amiga estivesse conseguindo colocar seus sentimentos tardiamente para fora. Ele a tinha forçado a fazer aquilo, mas eles precisavam de uma música!
Um instante, um olhar
Vi o Sol acordar
Por de trás do seu sorriso
Me fazendo lembrar
Que eu posso tentar te esquecer
Mas você sempre será
A onda que me arrasta
Que me leva pro teu mar
Rick e Daniel estavam boquiabertos. Aquelas metáforas, sentimentos, era assim que ela se sentia? Aquilo tudo era muito intenso para alguém com apenas dezessete anos! Na verdade, o que eram as letras dedicadas a Nicolas se comparadas a magnitude daquilo?
Martin podia dizer: bobagem! Brincadeira de criança! Ele e Félix já estavam tão certos sobre o acerto da composição que mentalmente já faziam arranjos para substituir o violão, gostando do que imaginavam, embora provavelmente a bateria não se encaixasse naquela música.
Sinto a calma em volta de mim
O teu vento vem me perturbar
Me envolve me leva daqui
Me afoga de novo no mar
Laia larara iá larara iá
Me envolve e me leva
Pra longe daqui
Me perco nos teus olhos
E mergulho sem pensar
Se voltarei
Se voltarei
Rick, Martin e Félix imediatamente puxaram uma salva de palmas fazendo Julie se assustar. Era boa mesmo?
-Isso é incrível! Eu pedi algo tão bom quando a música de Daniel e você já tinha uma reserva!
-Não era bem uma reserva, ela foi escrita na mesma época da briga. Eles são intensos quando resolvem se desentender, quase entram em combustão e se você não tomar cuidado, é queimado junto. - Félix alertou, recebendo um olhar feio da garota.
-Não sei se gosto ou não que briguem. - Rick estava indeciso. - Daniel? O que acha? A música é para você, temos a permissão para colocar no álbum?
Entretanto, quando todos olharam para ele, apenas o encontraram olhando em choque para Julie, com seus olhos fixos no dele e…. uma torrente de lágrimas escapando pelos seus olhos. Ele não estava soluçando, fazendo cara de choro nem nada, apenas tendo as lágrimas caindo pelo seu rosto.
-Daniel…?
-Rick, acho melhor darmos um tempo para eles. - Martin sugeriu. - Eles não parecem que vão nos escutar mesmo.
Concordado, os três resolveram fazer uma pausa de meia hora, deixando o casal sozinho.
-Julie… - Daniel se aproximou da namorada. - Você queria mesmo terminar comigo? - Ele estava arrasado.
-Félix me perguntou a mesma coisa quando escutou a música pela primeira vez, e eu não consegui responder. Eu só estava muito magoada com vocês, mas sabia que se ficasse perto você me afogaria. Eu gosto muito, muito de você, mas acho que eu nunca conseguiria te esquecer. Você é um fenômeno da natureza por onde passa, Daniel. É um mar que eu me afogaria com todo prazer.
Ele estava profundamente tocado pelas suas palavras, acabando com a distância entre eles e a abraçando fortemente, escondendo seu rosto em seu pescoço.
-Você também é como um sol depois da tempestade para mim, Juliana. - Ele confidenciou a ela. - Eu te amo.
-Eu também te amo.
Daniel tinha deixado de ser um fenômeno paranormal na vida de Julie para se tornar um fenômeno da natureza em seu coração, e sinceramente? Ele gostava das duas opções.
Chapter 37: Trinta e sete
Chapter Text
Apesar de ser uma música bem direta e especial para Daniel, ele não se importou de gravá-la. Se era pelo bem da banda, ele topava, mesmo que isso significasse mostrar ao público a grande briga que tiveram. Bem, talvez não agora mas quando tirassem as máscaras.
E Rick não poderia estar mais certo: o lançamento do álbum foi um estouro! Eles tinham conseguido aposentar tudo em tempo recorde de duas semanas, a gravação e divulgação, sendo surpreendidos pela ligação de Rick no final do expediente alarmado de terem vendido quase mil cópias físicas só nas primeiras horas, com as cópias digitais ainda engatinhando, mas indo na direção certa. Entretanto, a loja de discos e de instrumentos quase decretou feriado ao serem confiemos que meio milhão de cópias tinha sido vendida no final daquela semana e meia
Era quase impossível que uma banda iniciante vendesse aquela quantidade de discos em seu débito, mas estava lá. Estava acontecendo. Estava acontecendo exatamente o que Eneida tinha narrado para os garotos em seu último dia de morte.
Eles estavam reconquistando o que os havia sido tomado trinta e um anos antes
Como ainda estava em período letivo, os shows precisaram ser adiados por uma semana ou duas, mas em contrapartida as entrevistas estavam a todo vapor. Rádios, televisão, revistas os convidavam para falar e dar uma palhinha do novo álbum sendo agraciados com a presença deles, menos nos dias de provas. Naqueles eles pediam desculpas e desejavam boa sorte para Julie, que infelizmente precisava lidar com o assédio na porta da escola na hora da saída
E depois daquela foto na Atrevida, ter a escolta de Nicolas e Valtinho não era mais uma opção, não quando confundiram Nicolas com Daniel. Enquanto um ficou de peito estufado tal qual um pombo por saber que o tocador de cavaquinho não iria gostar nem um pouco, Daniel criou um bico de pato no seu rosto, resmungando que era muito mais bonito e diferente de Nicolas, como poderiam tê-lo confundido?
Mas o sucesso iminente tinha finalmente trago resultado. Ah, os refrescos!
Foi com enorme prazer que Rick distribuiu a folha de pagamento naquele mês, rindo da expressão de espanto dos quatro.
-Poderia traduzir o que estamos olhando, garoto?
-Esse é o valor acordado no contrato, com os direitos autorais pelas composições de vocês, lucro da venda de discos, uma pequena parte dos direitos autorais de imagem pelos clipes reproduzidos na tv e um adiantamento pelos ingressos já vendidos para o primeiro grande show de vocês em duas semanas.
-Daniel… -Martin o chamou desacreditado. - Acho que temos o suficiente para alugarmos um apartamento, pelo menos por uns meses.
-Meses? - Rick interviu- Rapazes, a tendência é receberem valores ainda mais altos do que esse, acho que se esperarem um pouco conseguem comprar o apartamento. Não precisam se preocupar com os próximos meses.
Mas cautela nunca era demais. Cada um tinha recebido uma quantia exorbitante de dinheiro, aquilo seria mais do que suficiente para os três juntarem os salários e pagarem por um apartamento na cidade.
-Bem, quando começamos a visitar imobiliárias? -Felix perguntou feliz.
-Assim que sairmos daqui, se não se importar. - Daniel falou aliviado.
E muito embora Julie não pudesse ter os acompanhado - as provas começariam no dia seguinte, ela tinha ido à gravadora apenas para receber- ela pediu para que os mantivesse informada sobre o andamento da grande escolha.
Não era para ser algo complicado, eles queriam algo simples, três quartos já era o suficiente, mas aparentemente todo apartamento ou parecia um cenário de cativeiro disfarçado ou um cruzeiro de luxo. Já tinham passado por avisos de proibido trazer convidados, quartos que visivelmente eram a antiga despensa com uma janelinha apenas para refrescar - ou até mesmo sem ela, mal cabendo uma cama de solteiro no pequeno cômodo - até por apartamentos com piscinas internas, salões de jogos, cinema particular e até mesmo um pequeno salão de dança.
Eram luxos bastante divertidos, mas seriam muito melhores aproveitados quando eles tivessem condição financeira e mental para aquilo. No momento, estavam totalmente focados o trabalho, o que os impediria de aproveitar bem todos os atributos do apartamento. Eles já estavam exaustos, mas enfim tinham encontrado um loft no centro, no décimo quinto andar de um prédio novo, um pouco mais afastado da loja de discos e mais perto da casa de Shizuko, mas que atendia a todos os seus requisitos. Três suítes, um banheiro comunal, uma sala de estar, cozinha ampla, varanda com vista para o jardim e um escritório que certamente seria adaptado para um estúdio caseiro. E tudo isso por apenas R$2.500 mensais! Eles ainda precisariam mobiliar grande parte do apartamento - já que os poucos móveis que existiam lá seriam temporariamente usados, sendo acordado com o proprietário a devolução em até três meses.
O contrato surpreendentemente foi assinado em apenas dois dias, com eles fazendo cópias das chaves naquela quarta de manhã. Apesar do loft estar semi mobilado, eles precisariam de um mínimo para sobreviverem. Com o dinheiro que sobrou do primeiro pagamento, eles compraram três colchões de casal - com o box incluso - e suprimentos para o primeiro mês, desde produtos de limpeza até vegetais (por mais que Félix fosse totalmente contra a esse último).
Quando o grande dia da mudança chegou, tanto Klaus quanto seu Raul e Pedrinho se dispuseram a ajudar os garotos, passando todo aquele sábado e primeiro dia de férias do meio do ano enfurnados no apartamento, limpando e lavando de cima para baixo. Foram longas e longas horas de limpeza, mas enfim tudo estava terminado próximo das 19h da noite.
-Martin, acabaram de interfonar da portaria, eu vou precisar ir lá. Você consegue vigiar o strogonoff? - Daniel perguntou, temendo já estar recebendo uma multa.
-Eu já vi você fazer isso vezes o suficiente para saber o que fazer. Vai lá.
Mas Martin era péssimo na cozinha - e para sua defesa, a culpa não era sua se Daniel estava preparando a sua especialidade naquela noite: strogonoff e brigadeiro. Muito menos que as embalagens de leite condensado e creme de leite fossem do mesmo tamanho e cores! Ele não era tão desatento assim, mas Pedrinho o tinha chamado na hora que ele iria pegar o complemento, resultando em uma quase catástrofe.
-MARTIN! - Daniel berrou no segundo que pisou na cozinha, conseguindo evitar que o amigo despejasse leite condensado no jantar. - Francamente!
-PEDRINHO! - Martin desviou a culpa para o menor. - Quando me pediu para me ajudar na cozinha não era para estragar o jantar!
-Mas eu nunca te pedi para ajudar, eu vim te perguntar onde era para colocar todas aquelas tralhas que recebeu da capricho!
-Primeiro, aquilo são patrocínios e cartas de fãs, não são tralhas! E você decidiu me ajudar no segundo que colocou o pé nessa cozinha comigo no fogão!
-Acho que foi uma boa eu ter trago comida, então. - Uma voz humorada falou do hall, rindo da situação que Martin armava.
-Rick? O que faz aqui?
-Vocês comentaram sobre a mudança hoje e eu resolvi passar aqui para ajudar em alguma coisa, mas acho que cheguei tarde demais. Pelo menos trouxe comida, caso você não tenha estragado o jantar.
-Foi por pouco, quase não deu para salvar. - Daniel bufou. - O resto do pessoal está pelo apartamento.
-Ihh… Daniel vai ficar irritado até o jantar pronto. - Martin previu. - Vem, Rick. Vou te dar um tour pelo apartamento mais assombrado de toda a Campinas!
-O que? O corretor disse a vocês que o apartamento é assombrado? - seu Raul se intrometeu. - Besteira! O prédio é bastante novo para ser mal assombrado.
De fato, o único local mal assombrado atualmente em Campinas era o antigo casarão onde Demétrius vivia, uma vez que sua edícula estava a bons meses livre de fantasmas - mas aquilo não significava que eles não soubessem como assombrar mais. O Halloween que os esperasse!
A sala de estar seria divida com a sala de jantar e tinha cum conceito bem aberto. As portas de vidro davam para uma varanda relativamente grande, com janelas ao lado. Eles tinham se apaixonado pelos raios de sol que inundavam todo o ambiente pela manhã, trazendo o ar de conforto que tanto buscavam. Atualmente, a sala estava composta por um tapete, um sofá e uma televisão de tubo que funcionava a duras penas, mas que daria conta do recado até o próximo mês. A mesa de jantar também não existia ainda, deixando muito espaço para a imaginação, na verdade. O banheiro no final do corredor ainda estava sendo limpo por Julie, que apenas deu um tchauzinho para Rick enquanto eles passavam. Da sala, saía a porta do quarto de Félix, que terminava de colocar as suas roupas no guarda roupa embutido - todos os três quartos possuem um guarda roupa e um banheiro, o que facilitava e muito para eles. Entrando pelo corredor ao lado, estava o escritório, perfeitamente limpo com apenas a guitarra e o baixo, já que ainda não tinham conseguido montar a bateria de Félix. Ao lado, ficava o quarto de Martin, sendo seguido pelo o de Daniel.
-Ainda precisamos fazer muita coisa, mobiliar tudo, mas pelo menos é um recomeço. - O baixista falou orgulhoso.
-E do jeito que vocês estão fazendo sucesso e tem talento, não dou três meses para estarem com tudo pronto.
Enquanto isso, Félix estava satisfeito guardando a roupa que tinha renascido e passado os últimos 31 anos vestindo no canto mais escuro do armário. Não que ele tivesse horror ao traje, mas era uma nova fase da sua morte, da sua vida, e ele gostaria muito de ter novas experiências - muito embora calças coloridas estivessem de volta na moda. O antigo macacão e máscara também estavam definitivamente aposentados, já que a nova figurinista tinha preparado máscaras mais realísticas, trazendo para os garotos todo um ar de sensualidade - principalmente se pensarmos nas raposas orientais com olhos bastante marcados.
Ele somente parou com o trabalho após ouvir o seu telefone apitar insistentemente.
Manu: Acabei de chegar na casa dos meus pais, acha que podemos sair hoje? Ou nesse final de semana?
Félix: Hoje fica complicado, estamos terminando a mudança agora. Mas acho que talvez amanhã dê alguma coisa.
Manu: Ainda Precisam de ajuda? Posso falar com meus pais.
Félix: Eu agradeço, mas depois que seu pai se passou por um cliente na loja apenas para me testar eu preferia ter uma certa distância dele, ao menos até pensar em como contar que o genro dele não é um vendedor de discos, mas tem uma banda de rock.
Félix: O pai da Julie está aqui com o irmão dela, junto com o dono da loja de discos. E… é, acabei de ouvir a voz de Rick aqui. Terminamos de limpar tudo não tem muito tempo, agora estamos terminando de montar e guardar o pouco que temos, acho que conseguimos lidar com o resto sozinhos.
-Mas amanhã ... - Félix teve uma ideia, indo imediatamente falar com os outros. -Porque não fazemos uma festa de inauguração amanhã? - Ele soltou para Daniel e Martin, os encontrando na cozinha.
-Festa de inauguração?
-É, só Julie está aqui hoje, mas Bia, Shizuko e Manu não conhecem o apartamento ainda e considerando que elas sabem de toda a nossa trajetória, eu acho justo.
-Olha, é algo que eu gosto. - Daniel opinou. - Julie, pode vir aqui rapidinho?!
-Eu espero que ninguém queira usar o banheiro agora, acabei de limpar. O que aconteceu?
-O que acha de uma festa aqui, amanhã? Chamamos você, Bia, Shizuko, Manu e o outro colírio lá.
-Porque Bill está convidado? Ele não tem a menor ideia de quem somos.
-E é exatamente por isso que eu estou chamando, para evitar que ele fale demais no futuro e nos coloque em outra situação, como a criação de nomes falsos. Além do que, se ele vai mesmo tentar algo com Bia precisa estar ciente de todos nós, não é? Valtinho e o panaca sabem sobre a gente.
-Vendo por esse lado… Mas precisa ser amanhã?
-Amanhã é perfeito, na verdade. - Julie opinou. - Todos nós estamos de férias, além de partimos para o Rio na terça.
Eles estavam indo em sua primeira pequena turnê, passando pelo Rio de Janeiro e São Paulo naquela semana e meia de férias escolares - perfeitamente compreensível para os gerentes de casa de show.
Entretanto, quando comentaram com seu Raul sobre a ideia, a preocupação do mais velho veio à tona.
-Mas domingo as ruas ficam muito desertas para quatro adolescentes voltarem para casa sozinhas!
-Não tem problema, seu Raul! Elas podem dormir aqui, espaço é que não falta. - Martin comentou, já que não seria Daniel a propor um absurdo daqueles, não depois das fotos na revista.
-Tem certeza?
-Não é como se fosse a nossa primeira vez dormindo no chão, pai. Fazemos isso quando dormimos na casa uma das outras, sabia? Não tem problema, todos nós somos amigos aqui.
Seu Raul sabia que aquilo não era verdade, mas se eles não o tinham contado ainda, não seria ele a contar.
Chapter 38: Trinta e oito
Chapter Text
Convencer Arcrebiano que uma resenha no domingo à noite era uma boa ideia tinha sido fácil, o complicado foi convencer os pais de Bia e Shizuko sobre aquilo. Elas não conheciam os garotos, então a solução tinha sido mudar um pouco a situação e dizer que estavam dormindo na casa de Julie. Não seria algo grandioso, mas tinha bebida e comida o suficiente para uma boa noite.
As garotas tinham chegado por volta das cinco horas, recebendo o tour pela casa e ficando com a tarefa de tentarem fazer funcionar o pequeno rádio na sala para ao menos terem algum fundo musical - tendo sido preciso ficarem um Bombril na ponta da antena para ele parar de criar. De fantasmas naquela casa já bastavam os da televisão.
-Félix, sua namorada acabou de chegar. - Bia anunciou após abrir a porta para Manu, vendo em primeira mão os olhos do baterista se iluminarem de felicidade, se aproximando e trocando um breve beijo em seus lábios.
-Foi muito difícil convencer seus pais? Ou você também está dormindo na casa de Julie hoje? -Eles perguntou.
-Sobre isso… Eu meio que precisei contar a eles a identidade de vocês…
-Daqui A pouco até para o carteiro vocês contam. - Boa brincou, deixando Félix de cara feia.
-E como ele reagiu? Preciso me preocupar por ter criado uma identidade falsa em rede nacional?
-Bem… Ele não acreditou, até eu contar que te conheci na gravadora e que tinha participado do clipe de vocês. Eu nunca pensei que fosse ver o meu pai tendo ataque de tiete, mas é. Vocês são a revelação musical do ano, segundo ele.
-Então ele não viu problema em você dormir aqui?
-Precisei prometer que dormiria com Julie e as amigas dela.
-É você não vai se arrepender por isso, Manu. Se vai estar com a gente, precisa se inteirar das fofocas.
Ela tentaria ao máximo fazer aquilo por Félix, na o comentário anterior de Bia ainda estava incomodando.
Provisoriamente, o quarto de Martin estava servindo como depósito para todas as coisas das garotas - inclusive as de Julie, que estava lá no momento em que Arcrebiano chegou uma hora mais tarde.
-Fala aí, cara! - Martin o cumprimentou abrindo a porta, batendo suas mãos. - Foi fácil de achar?
-Só me perdi umas três vezes dentro do elevador. - Ele brincou. - Mas não sabia que o sétimo colírio estava recebendo mais patrocínio que o primeiro. Oi, Manu.
-Oi… microbiano, não é?
-Errou na disciplina, Manu. É geografia, não biologia. - Martin avisou, segurando o máximo que podia a risada.
-A culpa não é minha, Marcelo. - Ela alfinetou propositalmente.
-Pensei que seu nome fosse Martin, ou a namorada de seu amigo não tem uma memória boa?
-Ah, ela tem. E meu nome é Martin. Quer conhecer a casa?
-Martin, você viu o carregador do meu celular? Deixei ele na sua cama, mas…- Julie perguntou saindo do quarto, não vendo a expressão de espanto no rosto do convidado.
-Ju- Julie Spinelli. -Arcrebiano estava boquiaberto. - Cara, porque tem uma famosa no seu apartamento?
-Manu é namorada de Félix,ué.
-E Julie? Ela não é a sua.
-Não, é a de Daniel, meu outro melhor amigo e colega de apartamento. A propósito, eu nunca disse que era patrocínio da capricho o apartamento, e meu nome é Martin, não Marcelo.
Levou algum tempo para Arcrebiano processar a informação, precisando perguntar para ter certeza absoluta.
-Está me dizendo que você magicamente estava em dois lugares ao mesmo tempo no evento da capricho? Mas você não estava tocando!
-Aquilo foi graças a sua boca grande, insistindo para nos apresentarmos enquanto Martin estaria ocupado. - Daniel apareceu, se apresentando. - Precisamos inventar os nomes para tentar disfarçar, mas ele faz parte dos Insólitos desde o começo.
-E só te contamos isso para evitar gafes futuras, certo? Todo mundo aqui sabe sobre a gente, e ninguém fala sobre isso. Na verdade, somos tipo o clube da luta: todo mundo conhece, mas ninguém fala sobre ele.
-Entendido, entendido.
-Se der um pio sobre isso com alguém, falamos mal de você para Bia. - Daniel ameaçou de cara feia.
-Só te avisando, Daniel tem um histórico de ameaças com garotos pretendentes indesejados, e que costumam funcionar.
-Pode deixar, minha boca é um túmulo. Vocês estão bem trancados lá.
-Ah, com certeza estamos… - Daniel comentou baixinho. -Divirta se na nossa festa de inauguração!
Não havia muito o que fazer por enquanto, a verdade era aquela. Com muito esforço, tinham conseguido sinal na rádio, ouvindo de muito bom grado o que ela tinha a oferecer. Eles não faziam o tipo dançarinos, preferindo apenas curtir o som da música do que se mexer de fato. Mas no momento em que a música solo deles começou a tocar, todos eles sorriram e não se aguentaram, cantando a capella - que ninguém nos apartamentos vizinhos tivesse escutado, senão precisariam colocar as garotas e Arcrebiano com o tom desafinado para disfarçarem. Mas quando menos perceberam, todos estavam relativamente entrosados, com o colírio mais velho dando uma pequena aula sobre química para Bia, tendo Manu e Julie ao lado escutando atentamente, completamente captadas pela didática dele.
-Decorar a tabela periódica é de suma importância, tanto para o vestibular quanto para as aulas normais. Não apenas pelas notas, mas ter conhecimento sobre os elementos pode gerar interações sociais muito boas.
-Como? - Manu estranhou.
-Por exemplo: os Insólitos tem uma música chamada reação química, onde poderiam usar algum trocadilho em um clipe futuro, mas também poderiam utilizar como puxador de conversa. Bia, se eu chegar em você e perguntar sódio molibdênio rádio carbono magnésio, você responde sódio oxigênio ou…
Martin que até então estava passando por eles, olhou espantado para Arcrebiano, que apenas sorriu sem entender muito bem o que estava fazendo. Rindo do constrangimento do colega, Martin continuou com o seu objetivo: ir até a sacada onde coincidentemente Shizuko estava.
-Está gostando da vista? - Ele perguntou após entrar no ambiente, se recostando no parapeito.
-Acho que foi uma boa escolha vocês não terem pego o apartamento de frente para a rua, dá mais tranquilidade e silêncio. Mas a vista do jardim do prédio é bem bonita, principalmente com essa iluminação noturna.
-Foi uma escolha, ou pegávamos o que tinha uma piscina, ou esse com paisagismo.
-E qual foi o critério de seleção?
-Nenhum de nós sabe nadar. - Martin falou em tom de segredo. - Eu agradeceria se você não contasse para ninguém sobre isso, ainda tem chances de ter outra temporada do Vida de Garoto e não gostaria que eu fosse cortado pelo fator piscina.
-Ah, pode deixar. O segredo de vocês está bem seguro comigo. - Shizuko riu. - Mas o que te trouxe aqui? Eu sei que a casa é sua, mas também precisava respirar?
-Eu diria que sim. Daniel está com Félix na cozinha, e as garotas estão bastante ocupadas ouvindo atentamente Bill falar sobre tabela periódica com elas. Eu não era muito bom em química, mas tenho quase certeza que ele perguntar para Bia sódio molibdênio rádio carbono magnésio significa alguma coisa.
Shizuko apenas arregalou os olhos, tossindo enquanto ria.
-Ele acabou de perguntar se ela namoraria com ele.
-E como ela é em química? Pergunto porque não ouvimos nenhum grito, então acha que ela entendeu o que ele quis dizer?
-Ah, ela entendeu, mas provavelmente fingir ignorância é a resposta dela.
-E você? - Martin virou seu corpo na direção de Shizuko, abrindo o melhor sorriso que conseguiu. - Eu não me lembro muito de química, mas o que diria se eu dissesse que você é feita de gálio e tântalo? - Martin foi direto, chamando Shizuko de Ga
-Bem, eu diria para me chamar de potássio e vir K. - Shizuko riu, ciente de como estavam sozinhos em uma sacada iluminada apenas pela luz vinda da sala de estar, consumida pela escuridão da noite.
-Acho que nunca fui tão agradecido por conseguir me lembrar dos elementos, da última vez que precisei pensar por pressão acabar chamando magnésio de manga. - Martin confessou, aproximando seu corpo e encostando Shizuko na lateral do parapeito.
De onde eles estavam, ninguém os conseguia ver da sala. Totalmente camuflados pelo ângulo e escuro, Martin e Shizuko entraram em sua própria bolha particular, construída desde o último evento da capricho, onde trocaram um selinho demorado. Prendendo-a no parapeito da sacada, Martin levou sua mão direita até o seu rosto, colocando uma mecha de cabelo atrás da sua orelha, olhando em seus olhos e sorrindo genuinamente ao segurar delicadamente sua cintura com a mão livre. Aproximando-se vagarosamente, suas bocas se encontraram mais uma vez em um beijo saudoso. Seus lábios se moviam carinhosamente, estando mais preocupados em apenas existir um para o outro naquele momento. Embebidos pela escuridão e pela lenta música ambiente, Shizuko abraçou o pescoço de Martin, perdendo sua mão pelo seu cabelo, traçando carinhos e arranhões em seu couro cabeludo - sendo retribuída com apertões em sua cintura e um pedido de aprofundamento do beijo. Quando Martin forçou sua língua contra a sua boca, ele sentiu-a sorrir, acariciando sua clavícula e o puxando para mais perto, se perdendo em seus braços e boca.
Quando o fôlego clamou por atenção, eles se separaram, apenas para colarem suas testas ainda imersos naquela bolha íntima. De todas as vezes que tinham ficado, aquela estava sendo a mais significativa e intensa - já que daquela vez no primeiro festival da capricho eles tinham ido embora quase que imediatamente após terminarem de se beijar, constrangidos.
-Me sinto na obrigação de dizer que as festas com você são diferentes. - Martin sussurrou contra a boca da mais nova, a fazendo se arrepiar e corar.
-De uma maneira boa ou ruim?
-Definitivamente boa - Martin sussurrou, voltando a colar seus lábios nos dela, tentado a passar o restante da festa no escuro com ela.
Apesar de ninguém ter os visto de fato, todos sabiam que provavelmente estariam ficando em algum lugar - já que todos, com exceção de Manu, sabiam do histórico deles. Mas com a promessa de se inteirar nos assuntos do grupo, a orelha de Martin ficaria bem vermelha naquela noite, já que certamente contariam para a garota nova toda a saga dos dois.
Félix e Manu há muito estavam sentados no sofá conversando sobre amenidades, Julie e Daniel tinham ido colocar o celular para carregar no quarto dele a quase oito minutos e não tinham voltado ainda, mas Bia estava com sede. Toda aquela conversa com Arcrebiano a tinha feito dar várias risadas, e fingir que não tinham entendido a cantada dele tinha desgastado o seu psicológico, já que precisou ouvir um mansplaining sobre o assunto - mas sinceramente, ela mais uma vez fingiu que não ligou. Se dissesse uma negativa a sua pergunta, quebraria o clima entre eles que ela pretendia quebrar só depois de pelo menos um beijo.
A cozinha não dava visão para a sala, sendo uma bolha particular, por isso não foi surpresa para ela ao colocar o copo de água na pia e perceber que Arcrebiano a tinha seguido. Com apenas um olhar questionador da sua parte, ele abriu um sorriso cretino - o mesmo que ela já havia visto em Daniel para Julie - acabando com o espaço entre eles e grudando sua boca na dela, segurando com força a sua cintura. Bia imediatamente enlaçou o seu pescoço, ficando na ponta dos pés, respirando fundo e acompanhando o seu ritmo afoito. Não era algo fofo, romântico ou apaixonado. Não, era apenas uma ficada.
Uma ficada que Arcrebiano demorou meses para conseguir.
Ele estava descontando toda a frustração e desejo daquele tempo de espera naquele momento, a agarrando como se não houvesse amanhã e sendo correspondido da mesma forma. Aquilo era tão diferente do beijo de Valtinho! Ele era legal, mas o colírio era… Muito mais cru.
Tanto que quando Bia sentiu o ritmo desacelerar pensou que ele estivesse ficando emocionado demais, mas quando percebeu Arcrebiano passar delicadamente a bala que estava chupando anteriormente com sua língua para ela, ela quase desfaleceu em seus braços.
Ela estava ficando com o colírio capricho número um!
-Ah! Desculpem, eu não sabia… - Manu ficou constrangida por ter interrompido um amasso daqueles.
-Não, que isso. - Bill falou sem graça.
Completamente roxa de vergonha, Manu voltou para a sala, se sentando ao lado do namorado e querendo esconder o rosto em uma almofada.
-Eu não sabia que essa festa tinha segundas intenções.
-Bem, quando propôs ontem a eles as minhas intenções eram única e exclusivamente de te ver antes de viajar na terça, mas tirando isso, não tem segundas intenções. Martine e Shizuko são um caso complicado, eles fingem que não tem nada um com o outro mas toda festa que vão, ficam. Julie e Daniel mesmo namorando a quase um ano sempre que podem dão um perdido na gente, é muito amor para um casal só. E Bia e o colírio…. Pelo o que sei, ele vem tentando pegar ela desde o anúncio dos colírios do ano passado, mas como ela estava com outra pessoa ele não conseguiu, só agora. Mas não se preocupe, ELES QUE SÃO PÉSSIMOS AMIGOS E NÃO PERCEBERAM QUE HOJE SOMOS SÓ AMIGOS. - Félix falou alto, rindo internamente quando os três casais quase imediatamente voltaram para a sala como se nada tivesse acontecido.
-Apenas amigos! Só isso, não é? - Martin perguntou a Shizuko e Arcrebiano, que concordaram veementemente de maneira dramática.
-Falem por vocês. - Daniel decretou, abraçando Julie por trás e escondendo seu rosto em seu pescoço rapidamente. - Por mais que Julie seja a minha melhor amiga, eu fico muito mais do que satisfeito por ela ter parado de me ver como um amigo.
-Nós também, Daniel. - Félix concordou. - Você não queira ver como ele fica insuportável quando estão brigados ou sendo colocado na friendzone. - Ele explicou para Manu.
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Por ser domingo, Arcrebiano não demorou muito mais no apartamento, já que o caminho para a sua casa era relativamente distante. Não eram nem dez da noite ainda, mas todos começaram a se prepararem para dormir - eles teriam uma sequência de shows dois dias depois, precisavam estar descansados.Os garotos tomaram banho primeiro, deixando as garotas arrumarem o espaço delas na sala. Uma ves todos banhados e devidamente vestidos com seus pijamas, Martin fez uma última oferta.
-Garotas, tem certeza que não preferem dormir no meu quarto? Eu fico com o sofá, sem problemas.
-Martin, mesmo que fossemos dormir no seu quarto, não ficaríamos na cama.
-E porque não? Julie não vai ficar com Daniel e Manu com Félix? Vocês duas dividem a minha cama, eu fico com o sofá.
-Que? Não, a gente vai ficar na sala mesmo, Martin. - Julie riu da suposição.
-Eu estou desacreditado. Pensei que fosse só uam desculpa esfarrapada para o seu pai.
-Até pode ser outro dia, mas hoje vai ser a nossa última noite juntas nas férias, e no seu quarto as paredes são finas e vocês são fofoqueiros.
Não tinha como eles rebaterem aquela informação na presença de Shizuko e Manu, por isso apenas assentiram.
Daniel e Félix já tinham ido deitar, as garotas estavam terminando de colocar os cobertores no chão para afofar o tapete e preparando seus travesseiros quando a voz de Martin cruzou o apartamento, chamando pro Shizuko.
-SHIZUKO, SEU TELEFONE ESTÁ TOCANDO SEM PARA. EU POSSO ATENDER?
Pelo horário apenas poderia ser seus pais, exatamente como tinha sido. Apenas uma checagem rápida, se estava tudo bem - o que ela respondeu encarando Martin pedindo silêncio.
-Tudo bem? Já são quase onze e meia da noite. - Ele ficou preocupado, se aproximando significativamente dela.
-Só queriam conferir se estava tudo bem, como eu não respondi as mensagens deles, ficaram preocupados. Se voce não tivesse me avisado, teriam ligado para a casa de Julie, e a coisa ficaria complicada para o meu lado.
-Ah, vocês estão passando a noite com ela. - Ele compreendeu a mentira.
-Isso tecnicamente é verdade, só não na casa dela.
Mas então ela se tornou ciente da figura de pijama a sua frente. Era início de julho, o inverno estava presente e com ele o frio. Vestindo um pijama de calças e mangas compridas totalmente fora do usual de estilo, Martin também estava com o seu cabelo desarrumado, levemente úmido pelo banho quente - o que chamou a atenção de Shizuko, junto do fato de estar bem perto dela.
Em um ato ousado, Martin segurou em sua mão e puxou seu queixo delicadamente, plantando um selar de lábios em sua boca distraidamente.
-Boa noite, Shizuko.
O que significava aquilo? Ela deve ter feito uma expressão muito confusa, já que Martin apenas sorriu.
-Seria estranho se eu não me despedisse de você, já que está passando a noite na minha casa. E já que nos beijamos de novo - ele frisou aquela parte - eu achei que você não se importaria.
Mas Martin já estava confuso, se condenando por ter extrapolado algum limite. Mas aquele gesto não significava que dali para frente passariam a se cumprimentar com beijinhos ou desenvolverem um relacionamento romântico, apenas era mais um beijo em um dia que ainda não havia terminado, onde eles haviam se beijado duas vezes de forma bastante reconfortante.
E se beijaram duas, podiam muito bem se beijar mais uma vez.
Ficando na ponta dos pés, Shizuko capturou os lábios de Martin mais uma vez por tempo suficiente para que ele percebesse que estava tudo bem, e se despedisse apropriadamente.
Eles só não perceberam que durante aquele último beijo suas mãos não estavam no pescoço muito menos na cintura, mas sim juntas de maneira firme, não querendo se separar.
-Boa noite, Martin.
-Se tiver um pesadelo ou não conseguir dormir, a minha oferta ainda está de pé. E antes que interprete mal, minha cama tem espaço suficiente para quase vocês três, eu seria só uma companhia física.
-Eu agradeço, mas eu vou passar. - Shizuko riu da cara de pau dele, voltando para a sala como se nada tivesse acontecido, absorta da expressão de felicidade que o baixista tinha em seu rosto.
-Eu disse que ela tinha ido fazer alguma coisa a mais do que atender o telefone! Olhem o rosto corado dela! - Bia apontou do chão, recebendo uma almofada no rosto.
-Olha só quem fala, a garota que recebeu um pedido de namoro pela tabela periódica.
-Como soube disso?
-Ela passou a maior parte da festa perdida com Martin, o maior fofoqueiro que conheço. - Julie riu. Era óbvio que ele contaria para ela.
-Na verdade, me parecia mais como um pedido de ajuda para traduzir o que ele tinha dito, já que ele achou muito estranho vocês quatro estarem falando sobre química em uma festa.
-E você explicou direitinho, não é? Ou acabou pedindo ele em namoro sem querer?
-Não, na verdade me chamei de potássio e pedi para ele parar de enrolação e ficar comigo logo. - Ela falou baixinho para que nenhum deles ouvisse.
-Qual é, Shizuko! Até quando vão ficar nessa? - Bia se preocupou;
-Os dois ficaram pela primeira vez no ano passado, e outra no primeiro evento dos colírios. - Julie explicou para Manu.
-Eu vi, foi um selinho na frente de todo mundo.
-Não, foi um selinho e um beijo no hotel mais tarde quando estavam sozinhos. - Bia corrigiu.
-E outro no último evento da capricho. Shizuko confessou. Sabe, quando você e Félix saíram e Bia estava se escondendo no banheiro. Foi só um selinho sem querer, mas….
-O problema, Manu, é que Martin beija mal - Julie sussurrou em seu ouvido - E aparentemente Shizuko gosta de tirar a prova toda vez que tem a oportunidade.
-E é óbvio que ela tentou mais uma vez hoje.
-Três, e mais um beijo de boa noite.
-E ele melhorou ? - Manu se atreveu a perguntar.
-A situação mudou, eu acho. Eu não sei mais se ele começou a beijar melhor ou se eu simplesmente não me importo mais. Aquele beijo na festa do Valtinho foi tão, tão diferente de todos os outros.
Bia e Julie apenas se entreolharam, cientes que deveriam prestar atenção dali para frente.
-Bem, mas se um está em um campo onde não sabemos as habilidades direito, como está o primeiro colocado, Bia? - Manu tentou se enturmar. - Eu não queria ver aquilo, me desculpe.
-Você ficou com ele?! - Shizuko e Julie perguntaram alto, entregando para todos da casa sobre o que falavam.
-Meio que sim.
-E então?!
-Se Manu não tivesse chegado, a esse momento vocês estariam me aspirando do chão porque eu já tinha virado uma poça a muito tempo. Mas eu duvido que aconteça de novo, sinceramente.
-Porque?
-Uma coisa é Martin declarar que todos são apenas amigos, outra coisa é ele concordar com ele. Eu cedi o que ele queria a muito tempo, então duvido que queira de novo. E outra, ele já está na faculdade, o que iria querer com alguém que está terminando o ensino médio?
-Então Valtinho é uma opção de novo?
-Nicolas foi uma opção de novo depois de você ficar com Daniel e quase terminarem?
-Você tem um ponto.
-E Félix, Manu?
Aquela seria uma longa, longa noite. Apesar de ter tentado fugir de perguntas constrangedoras sobre o namorado e seus relacionamentos anteriores, Manu não conseguia dormir. Ela estava ao lado de Julie, quem tinha mais intimidade, mas o sono simplesmente não vinha de maneira nenhuma. Chegava até dar raiva a maneira como elas dormiam tranquilamente, espalhadas por aquele tapete.
Seria muita ousadia procurar por quem era mais confortável?
Decidida a arriscar, Manu se levantou e pegou seu travesseiro, andando na ponta dos pés e entrando com cuidado no quarto de Félix. Por ter o sono leve, ele despertou no momento que a porta foi aberta, chegando para o lado no colchão e puxando a coberta para que a namorada se deitasse com ele quando viu seu travesseiro na mão.
-Não conseguiu dormir? Julie tem a tendência de roncar às vezes. - Ele comentou sua lembrança fantasma, mas Manu não sabia daquilo.
Ainda bem que ela interpretou como intimidade de camarim.
-Não me sinto totalmente confortável com elas em um ambiente estranho. Elas são suas amigas, me desculpe, mas…
-Shhh… Posso contar uma coisa? Nem eu estou acostumado com aqui ainda, não precisa se desculpar. Ficar longe dos garotos depois de tanto tempo é… estranho.
Tinham sido trinta e um anos estando juntos 24 horas por dia.
Com um beijinho em sua cabeça, Félix enlaçou a cintura da namorada, trazendo-a para mais perto e aconchegando em seu corpo. Apesar das boas intenções, nenhum dos dois conseguiu relaxar o suficiente para dormir naquela noite, já que era a primeira vez que dividiam a cama com alguém.
Chapter 39: Trinta e nove
Chapter Text
Assim como o previsto, dois dias depois os Insólitos saíram para a primeira sequência de shows deles. Tendo as férias escolares como fator bônus e não podendo perder muito tempo de estrada, os destinos principais escolhidos haviam sido o Rio de Janeiro e São Paulo capital, com pelo menos três noites em cada cidade. Era o que podiam proporcionar momentaneamente, já que as férias do meio do ano apenas tinham a duração de quinze dias, e pelo menos quatro já haviam se passado.
Sabiam que naquela altura do campeonato não tinha como fazer um estudo para identificarem o polo central de fãs, mas precisavam expandir os seus horizontes - mesmo que isso significasse em estados vizinhos, de fácil volta e que não fosse tão cansativo para a vestibulanda.
É, o fator ENEM também estava sendo acrescentado naquela reta final, com um plano sendo traçado na gravadora: com o álbum produzido, o certo seria sair em turnê, mas com o vestibular chegando era totalmente impossível, então eles focariam na gravação do restante dos clipes, principalmente nos solos masculinos - uma forma de redenção para a Apolo 81, tendo o foco que um dia não tiveram. Mas de qualquer forma as entrevistas e alguns merchan, Julie continuaria participando.
-Presença de palco, Julie. Não se esqueça da presença de palco. - Daniel lembrou a namorada antes do primeiro show começar na cidade maravilhosa.
Eles vinham ensaiando com frequência para as apresentações, mas a presença de palco de Julie ainda deixava um pouco a desejar, sendo movida pelas lembranças de quase um ano antes após o festival do Peche. Martin e Daniel conseguiam ajudar de vez em quando, mas por estarem conectados por cabos aos amplificadores não tinham como fazer muita coisa.
Ora, se Harry Styles tinha conseguido ser arremessado pelo palco só por segurar um pedestal de microfone, imagine eles com guitarras e baixos! Seria algo desastroso, isso sim!
-Mas com certeza um cavaquinho não faria isso. - Félix brincou após Marin e Daniel descreverem o pior dos cenários, resultando na morte catastrófica dos dois, DE NOVO, resultando em uma corrida pelo palco na passagem de som pela menção ao cavaquinho.
-Eu sou uma piada para vocês?! - Daniel esganiçou, tentando alcançar o amigo, desviando dos instrumentos de apoio.
-Só admita que perdeu a sua moral a muito tempo, Bruno! - Martin berrou, usando o nome falso em público.
Mas apesar de tudo, o show correu maravilhosamente bem. Pela segunda vez eles precisaram voltar ao palco para um bis e foi simplesmente mágico.
Os dias no Rio tinham passado muito rápido, assim como na capital de São Paulo- onde deram mais uma entrevista, dessa vez para a Atrevida, deixando o colírio muito mais relação. Por Manu estar em Campinas, a única distração de Félix foi sair com os amigos no pouco tempo livre.
-Se já está essa loucura de correria agora, imaginem quando começa a nossa turnê.
Aquilo não era nem de perto comparado ao cansaço de uma turnê, mas já era um preparativo do que viria, e eles não se importavam nem um pouco.
No final daquelas duas semanas, Julie apenas teve de fato mais dois dias de férias muito bem aproveitadas com as garotas e agarrando Daniel pelos cantos, já que durante a viagem não tinham conseguido privacidade o suficiente para um mísero beijinho.
Consequências de namorar escondido.
Mas enquanto ela estava se engolindo com o namorado, Martin fazia muito melhor: fofocava com o outro colírio. Tendo se provado um perfeito adepto a histórias que edificariam ou não a sua vida, Arcrebiano o tinha chamado para ir ao shopping naquele sábado à noite para entender tudo o que tinha acontecido duas semanas antes.
Mas era óbvio que dois colírios passeando juntos num sábado à noite atrairia atenção o suficiente para que alguns fãs os interrompessem e pedissem fotos - e um pequeno shipp fosse criado, claro.
Macrobiano só podia ser real, a propósito.
-Quer dizer então que todo esse tempo eu estava sendo feito de otário?! - Arcrebiano questionou, brincalhão.
-Eu não diria sendo feito, já que você já é um . - Martin brincou com o amigo - Mas tecnicamente não, já que você nunca perguntou de fato sobre a minha banda. Você só insinuou que eu e os Insólito nunca estávamos juntos no mesmo lugar, então não tinha como eu te contar. Fora que tecnicamente você era o único de fora da panela que não sabia.
-Mas e Manu?
-Nós a conhecemos na gravadora, então ela estava com a gente desde a terceira semana de contrato, basicamente. Costumamos usar as máscaras agora só para entrevistas e contato com o público, no estúdio já sabem sobre a gente.
-E não tem medo de acabaram contando?
-O que iriam ganhar com isso? Para que acabar com a surpresa justo na melhor parte? Eventualmente vamos acabar aparecendo de verdade, mas até lá… Foi bem divertido aparecer no palco do evento quando todos achavam que eu estava tocando, admito.
-Certo, certo. Mas agora que a Miley aqui já me contou que é Hannah Montana com meses de atraso, o que friso que isso é um péssimo amigo…
-Em minha defesa, até mesmo a Miley demorou meses para contar a Lilly! - Martin jogou os braços para o alto, em rendição.
Bia, como consulta de personagem deles e uma das criadoras da identidade falsa, os tinha feito assistirem todo conteúdo possível sobre perucas e personalidades falsas: Hannah Montana, as cenas de Miguel Arango fingindo ser outra pessoa para Franco Colucci, o dorama You’re beautiful com a pequena noviça se disfarçando de garoto para compor uma banda de rock no lugar do irmão gêmeo, e até mesmo composições de Bruce Wayne e Clark Kent (o que Félix levou mais para o lado do Peter Parker, sabendo exatamente como agir).
-...Eu preciso saber de mais alguma coisa? Algo inédito que todo mundo sabe menos eu?
-Tem. Na verdade eu tenho 47 anos. - Martin falou convicto, totalmente sério. - Teria, se eu estivesse vivo.
-Acho que você errou um pouco na idade, a Samara tinha dez anos quando morreu.
-É, mas eu me chamo Marcelo, e vim da Nova Escócia, não de Cascavel no Paraná.
-Por um segundo eu quase caí nessa piada, mas recebi essa corrente no orkut vezes o suficiente para saber bem onde a bicicleta e o arame farpado vão dar. Mas sério, não tem mais nada?
-Não, é só isso. Fomos descobertos por um vídeo do Daniel cantando uma música super triste para a Julie, e desde então estamos fixos na gravadora, não tem muito o que falar. - Se ele não tinha aceitado a brecha do ex fantasma, não seria ele a insistir. - Ao contrário de você, o que aconteceu na festa naquele dia?
-Até onde eu sei, você e a sua namorada ficaram se engolindo na varanda achando que ninguém sabia.
-A Shizuko não é minha namorada, e a julgar pelos gritas das garotas quando foram dormir, todo mundo sabia sim o que estávamos fazendo.
-Ficou ouvindo a fofoca alheia, Martin?
-É meio impossível dormir quando quatro garotas estão dando gritos histéricos e desacreditados na sala, sabe? O que me faz dizer que se o que eu ouvi está certo, você finalmente ficou com a Bia. - Martin afirmou, não dando escapatória para o amigo.
-É, fiquei.
-E só me conta duas semanas depois?! Qual é, cara! Eu quem te apresentei para ela!
-Não achei que fosse uma boa ideia falar sobre ela com você enquanto você estava em turnê com a melhor amiga dela.
-O quê? foi tão ruim assim?
-Não, foi bom. Muito bom. Mas depois ela mal falou comigo.
-Se me lembro bem foi você quem foi embora logo em seguida, já estava tarde.
-O que há com você? Por acaso se esqueceu que a nossa vida social não se resume mais ao cara a cara? Eu mandei mensagem para ela, mas não era mais a mesma coisa.
-Ela ou você?
-Acho que nós dois, na verdade.
-Eu não acredito que você perturbou o juízo da garota por todos esses meses para desaparecer logo depois da primeira ficada. - Martin imediatamente ficou sem paciência.
-Eu não disse que queria nada sério, nenhum de nós dois disse isso, na verdade. E eu não vou desaparecer, mas acho que se ficar em cima dela como você fica com a Shizuko…
-Eu não fico em cima dela, eu sou amigo dela, e temos amigos em comum!
-Certeza que é amigo dela? Ela disse isso em algum momento?
-Não, mas….
-Até onde eu sei, amigos não se beijam.
-Mas…
-E se isso acontece, ou a amizade acaba ou acabam se tornando algo a mais. Quantas vezes vocês já ficaram mesmo?
Martin fez as contas mentalmente e notou como em toda vez após terminarem de se beijar o clima ficava estranho e eles paravam de se falar por alguns muitos dias - apenas tendo a última vez sendo completamente diferente, visto que os dois se falaram normalmente na segunda de manhã e se despediram com um abraço, interação inédita entre eles que rendeu sobrancelhas arqueadas de todas as garotas presentes.
-Isso não importa! Eu e Shizuko não temos absolutamente nada de parecido com você e Bia!
Arcrebiano apenas fez uma cara de quem fingia que concordava, entendendo que tinha construído um duplex na mente do amigo.
-Acho que se eu ficasse em cima dela depois de domingo, ela poderia entender errado a situação. Não vou parar de falar com ela, mas talvez de um tempo antes de tentar ficar mais uma vez.
-Eu não sei o que você pensa dela, mas se eu conheço a Bia como a conheço, se demorar demais você pode acabar rodando.
“Se é que já não rodou nessa altura do campeonato, na verdade” - Martin pensou, acreditando mais em seu pensamento do que o que havia saído da sua boca.
Macrobiano era mais real do que Bia com Bill, isso sim.
Chapter 40: Quarenta
Chapter Text
Daniel: O que acha de passar a noite aqui, no sábado?
Daniel: Podemos aproveitar para resolvermos o problema daquela composição da semana passada, ou estudar geometria, se você quiser.
Julie apenas olhava para o seu celular, com certo rubor subindo pelas suas bochechas. Céus, Daniel não poderia ter perguntado a ela a noite? Ela estava bem no meio do intervalo da aula, com Bia ao seu lado, encarando o desconforto de Nicolas ao lado de Valtinho e uma garota do segundo ano.
-Julie? Parece que você dormiu no sol. - Bia finalmente notou, estranhando.
-Não é bem no sol que eu fui convidada para dormir.
-Hm?
-Tem como me dar cobertura no sábado? - Julie mostrou o seu celular para a amiga, que leu as mensagens e soltou uma risada nervosa.
-Vamos precisar da Shizuko, e uma boa desculpa. - Bia sorriu cumplicimente.
Aparentemente aquilo iria acontecer
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Daniel poderia ter comunicado aos amigos no instante que Julie confirmou a festa do pijama na casa de Shizuko no sábado a noite, mas preferiu esperar até o último minuto, sabendo que certamente ouviria dos mais velhos. Por isso, foi somente quando chegou da loja de instrumentos na sexta à noite e lavou a louça do jantar por Martin - “Daniel é um gentleman, Félix!” - que ele enfim tomou coragem de pedir aquele favor.
-Félix, espera um pouco. - Ele impediu o amigo que fosse até o estúdio improvisado, chamando a atenção dos amigos. - Eu preciso falar uma coisa com vocês dois.
-Ah, qual é, Daniel! A banda começou a ter sucesso agora, por favor não me diga que está pedindo para sair! - Martin se preocupou.
-O que? É claro que não! De onde tirou isso?
-Você se ofereceu para lavar a louça no meu lugar, está inquieto desde que chegou e agora precisa falar com nós dois!
-Martin está certo, você quer alguma coisa. - Félix assinou em baixo.
-Eu quero, mas não é sair da banda, muito longe disso!
-O que, então? Quer se mudar para longe da gente?
-Não, é claro não! Mas admito que gostaria que vocês desaparecessem amanhã.
-Se você chamou Julie para cá, não vejo problema em ficarmos aqui, sempre respeitamos o espaço de voc…. - Félix não entendeu bem, precisando ser cortado.
-É, mas ela vem à noite. - Daniel confessou com as orelhas e bochechas ficando vermelhas.
-Ah, seu safado! - Martin abriu um sorriso gigantesco. - É claro que a gente desaparece, não é, Félix?! - O loiro deu tapinha no braço do baterista, que ria pelo desconforto do mais novo.
-É só dizer a hora que ela vai chegar.
-O pai dela acha que vai ser uma festa do pijama na Shizuko, então acho que umas seis, sete horas da noite.
-Ih, Martin! Sobrou até para a sua….
-Você quer que a gente passe a noite fora ou só volte tarde? - Martin interrompeu Félix, não querendo tocar naquele assunto.
-O que for melhor para vocês dois, sério. - Daniel realmente não sabia como se sentir sobre aquilo.
-Vou chamar o Bill então para sair. Quer ir com a gente, Félix?
-Não, Manu está na cidade esse final de semana, mas acho que consigo ingressos para o show dela amanhã. Querem ir?
-Não vou escapar de ser vela no apartamento para ser no show, eu dispenso. Aliás, Daniel, você está bem com tudo isso, não é?
-E porque eu não estaria? Ela é a minha namorada. - Daniel fez uma careta, não entendo o ponto onde Martin queria chegar.
-E se bem me lembro, a sua última namorada também tentou fazer o mesmo com você, e ainda bem que você não cometeu a besteira de aceitar.
-Acho que Martin quer te lembrar que você nunca fez isso, e se minha linha de pensamento estiver certa, ele quer saber se nós dois podemos te aconselhar em alguma coisa. - Félix traduziu, se recostando na parede mais próxima.
-Eu não preciso que me lembrem disso! - Daniel ficou muito constrangido diante aquela fala.
Não que fosse uma vergonha para ele ser virgem - até porque todos naquela sala já tinham sido um dia - mas ser o líder da banda a trinta e dois anos e seu baixista e baterista serem mais experientes (mas nem tanto assim) do que ele o incomodava um pouco, muito embora trinta anos não tivessem sido de fato contados.
-Não precisa ter vergonha nenhuma, aliás, deveria agradecer por eu e Josias termos colocado juízo na sua cabeça e ter terminado com a Carla antes que o pior acontecesse! Na verdade, falando sério agora, porque você escutou o Josias e não eu?!
-Martin, isso já tem trinta e dois anos! - Félix estava desacreditado. - Vê se supera isso!
-Mas eu tenho o direito de saber, ele ignorou a mim e ao próprio pai, mas escutou o Josias! O JOSIAS!
Martin nunca tinha tido muita afinidade com o tecladista, a verdade era aquela.
-Tudo bem, Martin! Você estava certo sobre a Carla, eu deveria ter te escutado! Ficar com ela foi um erro que não pretendo cometer novamente, e caso cometa, prometo escutar cada conselho e alerta seu! - Daniel perdeu a paciência.
-OBRIGADO PELO RECONHECIMENTO!
-Daniel, não é querendo te colocar mais uma preocupação para amanhã, mas você já falou com Julie sobre a Carla? - Félix se lembrou. - Ela me perguntou sobre ela na época que vocês estavam quase terminando, mas eu disse apenas que ela não tinha sido boa para você, e que Martin era totalmente contra o namoro de vocês. Se vocês nunca conversaram sobre isso, acho que seria interessante, até ́ para ela entender o seu lado.
-Ela pode ter uma ideia errada sobre você, na verdade. - Martin percebeu.
-Ideia errada?
-Falando abertamente? Era mais provável que o líder de uma banda de rock cretino como você já tivesse dormido com alguém a muito tempo, e Félix do jeito que é, não. E é justamente o contrário aqui, não é?
Félix não tinha orgulho daquela noite trinta e três anos antes, quando foi levado pela pressão dos antigos colegas de escola e acabou perdendo a virgindade em um banheiro com uma garota igualmente assustada e também pressionada, resultando em uma experiência horrorosa para ambos.
Depois daquele ano ele trocou de escola, conhecendo Martin e Daniel e ficando mil vezes mais aliviado pela amizade deles ser tão, mas TÃO mais leve! Eles o respeitavam, não abusavam da sua ansiedade e hipocondria!
Será que ela sabia que ele tinha morrido?
-A propósito, você tem camisinha, não tem?
-Martin, já chega!
-O que? Perguntar não ofende!
__________________________
Eram seis da tarde quando Julie tocou a campainha do apartamento. Naquela altura do campeonato, os garotos já haviam avisado aos porteiros sobre a sua frequência visitando o prédio, liberando a garota de esperar pelo interfone. Aquilo estava mesmo acontecendo? Parecia que sim, ela esperava que tivesse conseguido disfarçar bem ao sair de casa. Bia a tinha acompanhado até a metade do caminho, onde precisaram se separar.
-Você chegou. - Daniel estava sem jeito, odiando ter perdido o controle da fala.
-É isso que acontece quando liberam alguém só interfone. - Julie brincou, beijando sua bochecha e entrando no apartamento. - Não era para ter pelo menos um músico brincando com um instrumento ou vendo televisão?
-Terão dois se você escolher resolvermos o problema da composição, mas se está se referindo aos garotos, eles saíram. Félix conseguiu ingressos para o show da Manu hoje e Martin foi convidado para jogar vídeo game com o outro colírio. Como ele é fascinado por isso, quis ver como é jogar um mais atual.
-Mas ele é péssimo no arcade, que é da época de vocês!
-Eu disse que ele era fascinado, não que era bom. Na verdade, ele é horrível, péssimo. Não me surpreenderia se o amigo dele entregasse um joystick desligado e Martin acreditasse estar funcionando.
-Sei… foi bem conveniente a saída deles, não é?
-Foi pura coincidência, eu juro! - Daniel cruzou seus dedos atrás da costas cortando a mentira. - Mas decidiu o que vamos fazer? Geometria ou música?
-Apesar de eu preferir estudar, Martin não está aqui para me salvar do tédio que você fica quando dá uma de professor particular. Então eu escolho a música.
-Eu não sou chato, sou profissional!
-Tão profissional que me passou cola de um período inteiro de provas.
-Eram medidas desesperadas para uma situação crítica!
Eles não discutiram por muito mais tempo, passando para o estúdio improvisado - ainda estavam aplicando um isolante acústico - e lendo, relendo e cantando a música nova, decidindo como seria a melodia, testando tanto em um ritmo calmo quanto acelerado. Talvez o que faltasse fosse um violino junto de um triângulo, Félix tinha opinado, mas eles estavam bastante em dúvida quanto ao último. Tentando uma nova abordagem, Daniel improvisou batidas em cima da mesa de madeira, pensando que talvez um cajón - aquele instrumento que o tocador senta em cima dele e batuca com as mãos - fosse a solução.
Eles não demoraram muito, já que os vizinhos podiam reclamar pelo barulho - o que eles não se importavam, já que não havia sido nem uma nem duas vezes que eles ouviram uma caixa de som quase estourar de tão alta no apartamento de cima, não reclamando apenas porque parecia alguém aprendendo os acordes de Daniel na música triste para Julie. Precisavam estimular os músicos do prédio, ora bolas!
Decido a agradar Julie, Daniel preparou o jantar preferido dela: miojo de galinha caipira, tentando ao máximo não demonstrar o quão esforçado e preparado ele estava - totalmente ciente de como ela gostava do seu lado exibido e cretino. Se ela reparou em alguma coisa, não comentou absolutamente nada. Entretanto, eles não podiam ficar acordados a noite toda, eventualmente tomaram banho e quando menos perceberam já estavam deitados lado a lado na extensa cama do guitarrista, no total escuro.
Daniel encarava Julie totalmente maravilhado.
-Eu quero testar uma coisa. - Daniel declarou, segurando delicadamente na mão da namorada.
Julie sorriu com a lembrança, ela se lembrava perfeitamente dele fazendo o mesmo quase um ano antes.
“Ela sentia frieza em sua mão, com leves arrepios passando pelo seu corpo conforme Daniel mexia os dedos com matéria o suficiente para se tornarem levemente tangíveis. Não eram translúcidos, mas não existia um corpo..
Daniel passando a sua mão pelo braço direito dela levemente, satisfazendo-se com sua pele arrepiada apenas para passar para seu cabelo, fazendo um carinho antes de se acomodar em seu maxilar, aproximando seus rostos lentamente.
Seu coração batendo tão forte que ela desconfiava estar batendo por ela e por Daniel.
Seu estômago se embrulhando de ansiedade quando viu o fantasma aproximar seu rosto e colar suas testas, com seu corpo ondulando para frente ao sentir sua presença em seu nariz.….”
Querendo saber o que teria acontecido caso um dos dois tivesse tomado uma iniciativa e tomada pelo desejo por estar tão perto, Julie impulsionou seu corpo para frente e tomou um lábios de Daniel com afinco, o pegando de surpresa. Ele pretendia ir com bastante calma, mas não recusaria um beijo daqueles. A tomando nos braços com a mesma vontade que ela atacava sua boca, Daniel praticamente a engoliu, deixando que a sua fome a muito tempo contida fosse solta. Embrenhando os dedos em seus cabelos, Julie sentiu sua cintura ser apertada com uma força nunca antes sentida, assim como sua pélvis ser puxada com força contra o corpo a sua frente.
Apertando seu corpo contra o dela, Daniel conseguiu se acalmar o suficiente para que não a assustasse, nem a si próprio. Precisando respirar, ele afastou seus lábios, beijando pesadamente um caminho até o seu pescoço, roçando a sua barba e dentes pela pele disponível e lembrando da última vez que fizera aquilo, querendo ser racional. Empurrando Julie para o lado, ele a deitou de costas, ficando com metade do seu corpo em cima do dela, mas o suficiente para beijá-la mais calmamente dessa vez. Apoiando o seu peso nos seus antebraços, ele baixou mais uma vez o seu rosto, capturando seus lábios com delicadeza daquela vez, sorrindo ao sentir os braços dela abraçarem o seu corpo e arranharem a sua nuca.
Então era assim que teria sido se ela não tivesse dormido naquela noite? Julie gostava do que estava acontecendo, gostava muito. Ondulando o seu corpo, ela repentinamente começou a ficar muito incomodada com a temperatura do quarto e quando menos percebeu tinha suas mãos na barra da camisa do pijama de Daniel, brincando com elas e subindo apenas para que colocasse suas mãos na pele da cintura dele, mas se surpreendeu ao vê-lo se afastar o suficiente para arrancar a camisa e atirá-la para longe, dando rapidamente a visão dos seus poucos músculos vindos das sessões de corrida e flexões que todos eles se dispuseram a fazer após o sucessos com seus antebraços e mãos naquele videoclipe - com Martin tendo o extra pela Capricho.
Apesar de estar exalando tranquilidade e segurança, aquilo era tudo o que Daniel não era. Ter escutado o suspiro de Julie após ele tirar sua camisa tinha sido como música para seus ouvidos, mas sentir suas mãos passeando pelo seu peito podiam facilmente se tornar o seu inferno pessoal - tentador e impróprio para se lembrar em público. Ele sabia que as coisas estavam se encaminhando para um caminho onde não tinha mais volta e apesar dela estar totalmente de acordo com aquilo, ele precisava esclarecer algumas coisas primeiro.
-Julie… - Daniel gemeu o seu nome, arrepiando todo o seu corpo. - Espera. Eu preciso te contar uma coisa. Na verdade, nós precisamos falar de uma coisa. - Ele pediu, se afastando relutantemente.
-Hm? Precisa ser agora? - Ele achou graça da maneira distraída que ela estava.
-Precisa. Eu sei que você disse não se importar em avançarmos mais alguns passos, mas eu preciso te contar uma coisa antes, sobre mim.
-O que é tão importante para te fazer…
-É sobre a minha ex namorada.
Aquilo tinha atraído a atenção dela.
-É uma história que eu sempre quis ouvir. - Julie se acomodou ao lado dele, preparada para o que viesse. - O que aconteceu para Martin a odiar com tanta vontade?
-Ela entrou no colégio. Foi no nosso último ano, especificamente na segunda semana de aula…
“Era uma quarta feira entediante, tão monótona que fazia Daniel considerar se se distraísse da aula de artes definitivamente e começaria a tentar compor alguma coisa - música também era arte, não era? - quando a coordenadora pedagógica bateu na porta da sala, trazendo uma garota nova.
-Com licença, turma, professora. Desculpe interromper, mas uma aluna nova acabou de chegar, e achamos melhor arrancar o curativo de vez! Srta. Schrute, por favor...
Desinteressado, ele olhou para a porta, parando de respirar no exato segundo em que a viu. Nem tão alta, mas nem tão baixa, a garota era simplesmente ... linda. Seus cabelos eram curtos, da cor azul royal - o que por si só já chamava toda atenção para ela. Seus olhos eram claros, seus lábios cheios e pelo menos um piercing na sobrancelha direita e outro no lábio. Suas orelhas eram repletas de brincos, com uma maquiagem extremamente forte em seu rosto. Ela estava com o uniforme da escola, entretanto suas unhas eram pintadas de rosa shock, pulseiras de tachas e um casaco largo, escondendo o restante do seu corpo.
-Daniel, você tá bem? - Félix perguntou rindo da expressão do amigo.
Ele estava com os olhos arregalados, boca aberta e pulso extremamente acelerado.
-Ele parece um peixe assim. - Josias brincou.
-Ele não vai te responder por um bom tempo, Félix. - Martin riu, se virando na carteira e cutucando o guitarrista.
Ele apenas voltou ao normal ao vê-la passar por eles e se dirigir até a última carteira, uma diferença de três lugares deles. Desde o ano anterior eles tinham a mesma disposição da sala de aula: ficavam no meio da sala (para que Martin conseguisse enxergar sem problemas, já que era o mais baixo deles), Martin sentando na frente, Daniel atrás dele. Josias variava entre estar à esquerda ou direita de Martin, com Félix atrás dele, preferindo sempre o canto da sala. Mas naquele dia não foi surpresa para ninguém ao notarem Daniel quase girar em sua carteira apenas para olhar melhor a novata.
A música tinha ido para o ar, isso sim. Forçando-se a se concentrar na sala, Daniel quase gritou de felicidade ao tocar o sinal do intervalo, quase tropeçando na própria mochila ao correr para se apresentar a ela - já que misteriosamente ninguém tinha se aproximado, sequer olhado senão torto para a garota.
-Eu pensei que ele não ia levar a sério a garota. - Josias comentou, estranhando a atitude do amigo. - Ela nem é tão bonita.
-Beleza não importa para Daniel, mas o estilo dela. É a primeira garota punk que vemos pessoalmente, e a primeira que ele se interessa depois do desastre do primeiro ano do científico! - Martin comentou animado.
Félix tinha chegado somente no ano anterior, não tendo ideia de que desastre tinha sido, mas bastante ciente do seu, se arrepiando de nervoso.
-Oi…. - Daniel fez uma expressão perdida ao lado da garota. - Desculpe, acabei não prestando atenção no seu primeiro nome…
-Carla, Carla Schrute.
-Oi, Carla. Eu sou o Daniel. - Ele estendeu a mão. - Acho que todos os outros ficaram ocupados demais para te mostrarem a escola, ou se apresentarem.
-Não precisa inventar formalidades, eles ficaram assustados com o meu rosto, isso sim.
-Bem, eu e meus amigos ali. - Ele apontou para os três, que estavam escorados nas carteiras apenas esperando o galã de meia tigela, acenando para eles. - Não nos importamos nem um pouco. Na verdade, nós temos uma banda.
-Sertanejo ou MPB? - Carla perguntou interessada.
-Rock, uma banda de rock. - Daniel falou, abrindo o famoso sorriso cretino dele
Depois disso não tinha demorado muito, cerca de no máximo três semanas para eles começarem a ficar - e dois dias para Carla decidir que estavam namorando. Apesar de Martin e Josias terem estranhado, Daniel não podia estar mais feliz. Ele estava indo bem na escola, sua banda dando certo e namorando uma garota incrivelmente exótica e bonita, que estava mais do que disposta a agarrá-lo onde bem entendesse.
Março se transformou em abril, que virou maio e enfim junho. Na altura do dia dos namorados, mas nenhum dos garotos reconhecia Daniel, isso sim! Aquele garoto desprendido, cretino e que se importava mais com a música do que com a própria saúde morria bem à frente deles e eles nada podiam fazer.
-Daniel, pelo amor de DEUS! NÃO ENXERGA O QUE ELA ESTÁ FAZENDO COM VOCÊ?! - Martin tinha se descompensado um dia, após ele ter desmarcado o ensaio pela terceira vez seguida na semana.
-É dia dos namorados, Martin! É natural que a Carla queira passar o dia comigo!
-Cara, mas ela já fica grudada em você quase todo minuto na escola, e quando não estamos ensaiando. - Josias ajudou.
-Não é verdade.
-Daniel, você trocou de lugar com a Jussara só para ficar ao lado dela. - Félix o lembrou. - Você sabe como a Jussara gosta do Martin? É completamente insustentável ela ficar guinchando e corando cada vez que ele se mexe na carteira ou fala com a gente.
-A Carla disse que isso poderia ajudar a Jussara. - Ele respondeu em um tom bobo, completamente diferente de seu tom normal.
-E desde quando você escuta mais aquela sanguessuga do que seus melhores amigos?! - Martin não tinha mais paciência nenhuma para ela.
-MARTIN! EU NÃO ADMITO QUE FALE ASSIM DA MINHA NAMORADA!
-E EU NÃO ADMITO QUE CANCELE MAIS UM ENSAIO! A APOLO 81 NÃO É MAIS NADA PARA VOCÊ!?
-Olha só, porque não fazemos assim? Ensaiamos no dia 12 e você traz ela. Todo mundo fica feliz e não arrumamos mais nenhum problema com isso. - Félix apaziguou a situação.
Mas o que era para ser algo que agradaria gregos e troianos, tornou-se um completo desastre. A garota fazia questão de se intrometer a cada chance que podia, inventando, criticando e aconselhando o namorado do que seria melhor - e ele surpreendentemente a escutava, ignorando os alertas cheios de fogo nos olhos do baixista. Carla nunca mais colocou os pés em um ensaio, mas também não deixava o namorado praticar - o ligava sempre que ele pegava na guitarra e estendendo o assunto até o cansar o suficiente.
Julho chegou e a Apolo 81 praticamente não existia mais, mas a vida de Daniel tinha um agravante a mais: a desconfiança do pai da sua namorada de que ele fosse o responsável pelo comportamento da garota - que naquela altura já estava no possessivo abusivo sem que ele percebesse, estando de quatro e cabeça baixa em sua mão. Daniel não era nada bem tratado na casa dela, mas ainda sim ia apenas por pedido da sua garota, chegando em casa mais sugado do que uma embalagem à vácuo conseguia ficar. O pai dele tentou intervir de todas as maneiras possíveis, mas ele estava preso demais para notar alguma coisa.
Foi somente quando Carla começou a pressioná-lo por sexo que ele finalmente se sentiu incomodado o suficiente para passaru m intervalo com seus amigos, completamente sem saber o que fazer.
-Ah, agora lembrou que tem amigos?! - Martin não conseguia engolir as atitudes do ex guitarrista, a Apolo tinha sido esquecida naquele momento, com ele saindo de perto, precisando Félix ir impedir que ele se aproximasse da sanguessuga, a maneira íntima e carinhosa como os três se referiam a Carlinha.
-Eu sei que fui péssimo com vocês, mas ela gosta da minha companhia, e Martin não a trata bem, não tem como dividirmos o mesmo espaço… - Josias sabia que aquelas palavras não eram dele.
-E o que aconteceu para você vir aqui sem ela? Ele te deu autorização para isso? - Ele implicou.
-Ela…. Ela está reclamando que não transamos ainda, mas…. Eu não quero isso, Josias. - Daniel tinha resquícios em seus olhos do garoto que era cinco meses antes, pedindo socorro para fugir da situação antes que fizesse algo que não quisesse.
-E porque não fala isso para ela?
-Eu falei, mas ela ameaça terminar comigo se não fizermos. Diz que já está grande o suficiente para um namoro de criança, mas eu não quero. Não com ela, nem agora.
-Fazer uma chantagem dessa não parece algo que alguém que te ama faria, cara. O que você ganha com isso? Continua com a presença dela, mas em troca é forçado a fazer uma coisa provavelmente de forma constante que não quer? Isso é abuso, Daniel.
-E é melhor ficar sozinho então? Perder a garota mais bonita….
-Ela pode ser bonita por fora, mas é completamente podre por dentro, cara. Daniel, você adoeceu nesse tempo de namoro, não fala nem anda mais com a gente, abandonou a banda que você mesmo criou, parou de comer e mais parece um zumbi. É vantagem mesmo continuar com isso? Você pode ficar sem uma garota, mas sozinho nunca. Pode ter se esquecido, mas nós três estamos aqui para te apoiar.
Demorou mais um mês, mas na segunda semana de agosto Josias finalmente convenceu Daniel a terminar com Carla. Tinha sido feio, muito feio, com ele saindo da casa dela com uma bela marca de mão vermelha no rosto, mas ele tinha conseguido. Ele não voltou imediatamente para casa, mas ido para a casa de Félix, encontrando os seus três amigos jogados na edícula falando mal da sanguessuga e dele. Completamente acabado, Daniel só se jogou no meio dos três e desatou a chorar, adormecendo no colo de Martin - sendo aquela a única maneira de impedir o baixista de ir atrás da ex do amigo para brigar pelo tapa que ele havia recebido.
Tinha sido doloroso, mas aos poucos a banda tinha voltado com tudo, com todos muito mais animados. Eles tinham futuro, todos sabiam daquilo, e estavam mais do que dispostos a recuperarem o tempo perdido…"
-E aí Martin fez dezoito anos e decidimos fotografar a capa do nosso disco. Ele mal completou três dias de maioridade quando morremos. - Daniel tinha lágrimas nos olhos, encolhendo-se em uma sua própria bolha. - Eu nunca vou saber como me desculpar com eles, foi minha culpa ter me envolvido com a sanguessuga, e ter deixado a banda de lado. Podíamos ter estourado muito, muito antes se eu não estivesse tão cego, e provavelmente não teríamos morrido. Ao menos não no meio do ano. Talvez só Josias sofresse o acidente, mas ter sido justamente nós três…
-Daniel, vocês já estão tendo mais uma chance de voltar para a música, e estamos dando certo. Eles devem ter te perdoado, eles são seus amigos e viam como você estava…
-As vezes eu penso em convidar o Josias, só para dar outra oportunidade a ele também…. - Ele confessou baixinho, mais para si mesmo. - Foi por isso que agi tão mal com você quando nos conhecemos. Fiquei com medo do que outra garota bonita pudesse fazer conosco, mas ter você na banda…. Foi difícil tomar aquela decisão.
-Isso explica o porquê foi tão rude e mal educado.
-E também porque Martin foi tão contra quando eu disse que iria ficar com você. Ele te conhecia, mas tinha medo do que podia acontecer. Mas a nossa situação era tão trágica que ele sequer precisou se importar muito.
-E o que ele acha da gente agora? - Ela estranhou.
-Quando quase terminamos no ano passado, ele toda hora voltava a falar da Carla, mas como um exemplo a não ser seguido. Eu estava sofrendo mas não era nada comparado daquela vez. Ele queria desesperadamente que eu falasse com você e nos resolvêssemos.
Não tinha mais clima algum no quarto. Daniel estava mais aliviado de ter contado a Julie sobre a sua história, mas ao mesmo tempo pálido e imerso em uma onda de lembranças e sentimentos nada legais. Julie tinha pena dele, entendendo como deve ter sido difícil para ele aceitar a sua amizade e compreendendo a profundidade dos seus sentimentos.
-Então se eu não fui claro o suficiente, eu terminei com ela antes que ela pudesse ter mais um controle sobre mim. Você também se importa por um líder de uma banda nunca ter feito nada?
-Me desculpe o que vou falar, mas se ela achava isso, era pior do que você descreveu. Eu por acaso sou de me importar com isso?
-Só checando.
Segurando em sua mão, Daniel puxou Julie para o seu peito, abraçando ela com força como se fosse a sua tábua de salvação, impedindo que ela saísse ou se mexesse, cheirando seu cabelo até que se acalmasse o suficiente. Era Julie em seus braços, a sua garota de verdade, que o amava e respeitava. A garota que só o fazia bem. Com aqueles pensamentos em mente, não demorou muito para que ele adormecesse, com seu nariz enfiado em seus cabelos.
Julie estava quase adormecendo quando ouviu o barulho da porta da frente, ficando em alerta.
-Shhh… Deve ser só Martin voltando para casa.
-Como sabe que é ele?
-Ele sempre tropeça na cadeira da sala de jantar.
“AI!”
-Félix também faz isso às vezes. - Daniel se corrigiu.
_______________________________
-Shizuko, como as coisas ficaram com Martin depois da última festa? - Bia soltou logo depois delas terem apago as luzes para dormir.
-Ah, ele de vez em quando me manda alguma piada por mensagem, ou pede ajuda quando o assédio pelos colírios fica grande demais.
-Ajuda com isso? Pensei que ele adorasse ser o centro das atenções.
-Eu também, mas aparentemente algumas garotas acabam perdendo a linha e lotando a caixa de mensagens do twitter dele. Mas não é em tom de reclamação, é mais do tipo…. “Eu sempre tive toda a atenção que queria, mas isso está exagerado até para os meus padrões!”
-Ele falou isso mesmo?
-Não com essas exatas palavras, mas algo assim. - Shizuko riu.
-E você se sente incomodada com isso?
-Sinceramente? Nem um pouco. Foi o que eu disse naquela noite, eu não sei se ele aprendeu a beijar melhor ou se eu simplesmente não me importo mais com isso, mas também não me importo se ele é sufocado de atenção feminina. Ele é um garoto legal, divertido mas que eu provavelmente não namoraria.
-Mas ficaria em toda festa e oportunidade que tivesse, não é? - Bia riu.
-....Com certeza. - Shizuko confessou.
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Julie acordou cedo na manhã seguinte, ainda sentindo Daniel enrolado feito uma bola em seu corpo. Por mais adorável que fosse esperá-lo acordar, ela não tinha ideia de quando isso seria, preferindo se levantar e ir em busca do café da manhã. Passando no banheiro e dando um jeito em seu cabelo, ela foi em direção à cozinha, se surpreendendo ao notar o baterista preparando uma xícara de café ainda em seu pijama.
-Bom dia. - Ele a cumprimentou em tom sugestivo, passando sua xícara para ela e preparando outra.
-Como foi o show ontem?
-Bem legal. E aqui?
-Foi uma… Montanha russa de emoções.
Félix a estudou por um longo tempo antes de perguntar:
-Ele te contou sobre a nossa espécie de Yoko Ono, não foi?
-Foi… Mas a Yoko não foi a responsável pelo fim dos Beatles, e ela claramente foi a de vocês. Na verdade, pelo o que ele falou ela me pareceu mais uma groupie psicótica.
-Não, mas quando nós nos separamos por uma namorada louca e controladora e logo depois decidimos imitar os Beatles e morremos, podemos dizer que ela foi a nossa. Na verdade, metade daquele ano ela de fato foi a nossa Yoko, comparecendo aos ensaios e ajudando, até que tudo desandou.
-Eu nem a conheço, mas também quero a chamar de sanguessuga.
-Fique à vontade, Martin vai adorar saber disso.
-O que tem Martin? - Daniel apareceu coçando os olhos na cozinha, beijando a têmpora de Julie.
-Ele tem agido muito estranho com a Shizuko. - Julie mudou de assunto, tendo uma ideia brilhante. - Sabiam que eles ficaram de novo na festa de inauguração do apartamento?
-Isso era meio óbvio que ia acontecer.- Daniel resmungou, indo em busca de café.
-É, mas sabia que foram três vezes só em uma noite? Com direito a beijinho na boca de boa noite?
Daniel e Félix se entreolharam, estranhando aquilo.
-Agora entendo os gritos de vocês naquele dia. Então ele resolveu dar uma de beijoqueiro, é?
-E como isso é bastante incomum para ele, eu queria pedir um favor a vocês. Shizuko está ótima, não se importa com isso, mas teriam como vocês descobrirem a extensão dos sentimentos dele? Não quero que nossas amizades fiquem estranhas…
-Pode falar a verdade, Julie. Vocês três só estão curiosíssimas sobre onde tudo isso vai dar.
-Quatro, Manu também está. Por favor? Por favorzinho?
Eles apenas se entreolharam de novo, sabendo que boa coisa não vinha dali.
Martin nunca namorava.
Chapter 41: Quarenta e um
Chapter Text
Félix não ficou muito mais tempo no apartamento - ao menos não a tempo de ver Martin chegar completamente derrotado pela noite de videogames. Aproveitando que sua namorada estava na cidade ele estava decidido a passar a maior parte do tempo com ela, já que não tinha ideia de quando a veria novamente.
Assim, não foi surpresa nenhuma a sua mensagem a convidando para sair no início daquela manhã. Sem um destino certo em mente, eles marcaram no parque em que haviam gravado o clipe juntos, às 11h, e pontualmente apareceram.
-Desculpa, não queria te acordar cedo. - Félix cumprimentou Manu com um selar de lábios, feliz por estar em sua presença.
-Aquele foi um show relativamente cedo, não fiquei tão cansada assim.
-Mesmo? Porque eu fiquei me sentindo mal por te deixar acordada até as duas e meia da manhã.
-Se isso te faz ficar melhor, confesso que dei uma ou duas cochiladas quando você demorava a responder.
-Na verdade só me deixa pior. Não precisava ter me dado atenção se estava tão cansada. - Félix fez um biquinho chateado, fazendo um carinho no rosto de Manu.
-Gosto de conversar com você. Durante a semana nenhum de nós dois tem tempo o suficiente para ficar muito tempo falando.
-E como vão as coisas em São Paulo? - Ele perguntou, puxando suavemente sua mão, a entrelaçando enquanto começava a caminhar pela área.
-Eu diria que normais. Consegui concentrar a produção do álbum no início do ano, e minhas aparições estão se resumindo em eventos e revistas, nada que atrapalhe muito a escola.
-Aqui já é um pouco diferente. Montamos todo um planejamento para Julie ser o mínimo afetada o possível, mas as notas dela estão caindo um pouco.
-Ela vai ser proibida de continuar na banda se diminuírem demais?
-Não, isso não, mas vai descobrir que o namorado dela pode ser chato o suficiente quando cisma que é professor particular de alguém. Na verdade, me pergunto como ela conseguiu desviar a atenção dele ontem a noite.
-Ontem a noite? - Manu desconfiou.
-Hã…. - Félix engoliu em seco, ciente que talvez tivesse dito demais. - Eles marcaram de estudar ontem.
-Estudar em um sábado à noite? - Ela abriu um sorriso zombeteiro.
-Bem, eu não fiquei no apartamento para saber o que fizeram, não foi? Estava mais ocupado te vendo cantar.
-E Martin em um encontro com o colírio preferido dele. Isso não me cheira a estudo, Félix.
E ele sabia que tinha sido mais intenso, mas Manu não estava pronta para o assunto fantasmagórico.
-Nem a mim, mas não sei se quero pensar muito nisso. É a minha vocalista!
-Não fica tão estranho quando uma das técnicas para tirar o nervosismo é imaginar todo mundo a sua frente pelado.
-Acha mesmo que isso funciona?
-Não tenho a menor ideia, nunca cheguei nesse nível de nervoso. Quando vou poder te ver em São Paulo de novo?
-No final do ano, eu prometo. Só mais três meses, e não vamos ter mais a escola de Julie prendendo a nossa agenda.
-Eu sinto a sua falta, é tão chato ter um namorado e só vê-lo de fato de tempos em tempos…
-Não é a única que sente isso… As vezes eu sinto muita inveja de Martin e Daniel, apesar dele insistir que não tem nada com a Shizuku. Mas às vezes estar perto era só o que eu precisava…
Félix se referia a suas crises de ansiedade, que ele ainda NÃO tinha contado a Manu. Quando acontecia, era sempre Bia e Martin que ficavam ao seu lado, tentando o tranquilizar da melhor maneira que podiam, mas nem sempre Martin tinha paciência para a cabeça dura do amigo de não contar para a namorada sobre sua doença - restando apenas Bia ao seu lado.
-Eu tenho meus amigos, mas eles não são minha namorada.- Félix declarou, aproximando seu corpo do de Manu, mas ficando tenso pela rápida imagem da amiga passar pela sua mente.
Era Manoela que estava à sua frente, não Beatriz.
Tenso, ele se sentiu relaxado ao capturar os lábios da namorada com vontade, a fim de esquecer o que achava que tinha visto.
_________________________________________
Eles infelizmente não tinham muito tempo juntos naquele domingo, já que Manu precisaria pegar o ônibus das seis para voltar para a capital. Por isso, não tardaram em desperdiçar o precioso tempo, atracando-se onde quer que fosse escondido o suficiente, desfrutando da natureza e tranquilidade que o parque passava.
Tão tranquilos que Félix quase adormeceu nas pernas de Manu, o que deu a oportunidade da garota de observar atentamente o seu corpo, despertando fortemente sua curiosidade.
E não, não era pela cicatriz quase imperceptível acima da sua sobrancelha. Se ela o questionasse, nem ele saberia responder, já que ele, Martin e Daniel não tinham nenhuma marca em seu rosto antes do acidente trinta e dois anos antes. A aparência deles podia ser a mesma em morte, mas tinham percebido que a passagem para a vida corpórea tinha trago resquícios do acidente, todas em forma de cicatrizes quase invisíveis.
Félix tinha uma acima da sua sobrancelha, Martin uma cruzando as suas costas e Daniel, no seu antebraço direito - todos derivados da falha tentativa de se protegerem do caminhão.
Mas não, Manu estava muitíssimo mais interessada no desenho cravado no antebraço esquerdo do garoto.
-Você também toca teclado? - Ela perguntou, contornando os traços das teclas com a ponta dos seus dedos.
-O que? - Ele perguntou sonolento.
-A sua tatuagem. Você também toca teclado?
-Não, só bateria e vocal.
-Então porque tatuou um?
Félix suspirou fundo, incomodado com as lembranças que a tatuagem traziam.
-Não foi uma escolha. Quer dizer, foi, mas eu não queria ter feito de verdade.
-Os outros quiseram fazer uma tatuagem de banda? De amizade?
-Não, os garotos não tem absolutamente nada a ver com isso. É só que.... Quando eu a fiz… eu não os tinha conhecido ainda, foi no meu… Primeiro ano do Ensino Médio.
-E seus pais te deixaram fazer uma tatuagem com quinze anos?
-Dezesseis, e não. Eu estudava em um colégio onde as minhas influências não eram nada agradáveis. Eu basicamente precisava fazer o que mnadavam para ter um pouco de paz, já que implicar com o esquisito super alto parecia ser a tarefa de vida deles. Tanta coisa que me submeti só para ficar quieto por alguns dias…
-E como a tatuagem se encaixa nisso?
-Era fazer ou ter a minha vida um inferno.
Tinha sido logo após ele ter perdido a virgindade com a garota no banheiro de uma festa, mais precisamente algumas horas mais tarde, tornando aquele dia um horror para a sua memória. Apesar de gostar do desenho em sua pele, te-lo feito havia sido um símbolo da sua fraqueza perante a valentão, quando deixou seu corpo ser usado e comandado por terceiros, não tendo poder e força de vontade de dizer não.
-Mas não precisa ter autorização de responsáveis quando se é menor de idade?
-Não quando o tatuador é primo de um dos valentões que te acuam. Ainda fui sacaneado pelo desenho, mas há de convir que é mais melódico que uma bateria ou notas musicais.
-É bem bonita, eu gosto…
-Eu não. Precisei passar duas semanas vestindo blusas de mangas compridas e moletons em pleno verão para os meus pais não descobrirem, mas o calor foi tanto naquele ano que eu precisei ser hospitalizado por desidratação, e o meu casaco foi cortado…. Os médicos achavam um absurdo alguém de tão pouca idade já ter apele tatuada, e quando foram chamar a atenção dos meus pais por isso perceberam que eles não tinham ideia do que eu tinha feito.
“Precisaram chamar dois seguranças para conter os gritos do meu pai comigo, já que uma tatuagem naquela época era… Ter feito algo desse tamanho escondido era terrível. E se eu pegasse uma infecção e perdesse o braço? Ou morresse? Eles seriam os responsáveis por não terem tido cuidado e vigilância o suficiente com o próprio filho, mas quando se permitiram ouvir o que eu tinha a dizer sobre a tatuagem… Eles de fato precisaram ser contidos, mas para não irem atrás dos garotos. Fui obrigado a contar tudo para eles, desde as gozações na escola, até os eventos daquela noite…
Manu, antes fosse só a tatuagem. Eu tinha ido a uma festa da escola naquela noite, e eles forçaram tanto eu quanto uma garota a… A… Nenhum de nós dois queria ter ficado naquela noite, muito menos no banheiro do vestiário com um deles vigiando a porta… E horas depois a tatuagem..
Eles ficaram com raiva de não terem prestado atenção aos sinais que eu supostamente estaria dando, e me trocaram de escola na mesma semana, para a mesma dos meninos. Quando os conheci, admito que estava apavorado. Daniel não passa a imagem de não valentão, sabia? Eles me arrastaram para o grupo deles, sem opção de escolha e por alguns dias pensei que sofreria a mesma coisa, mas não. Eles eram o total oposto dos valentões, e quando perguntaram sobre a tatuagem, também ficaram com raiva. Na verdade, eles passaram a me proteger depois disso, o que chega a ser meio cômico, o mais alto de todos precisar da proteção deles.”
-Se eu pudesse, eu cobriria esse teclado, mas ao mesmo tempo ele significa o momento que conheci meus amigos de verdade, e o início da nossa banda.
-Uma relação de amor e ódio, então?
-Exatamente como me sinto. Mas ainda bem que tudo isso já passou há muito tempo. - Ele beijou delicadamente a sua mão. - Quer ir tomar sorvete?
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Foi de muito bom grado que Manu aceitou tomar aquele sorvete, ciente que congelaram até seu cérebro caso ajudasse o namorado a sair daquela fossa que ele tinha se colocado, apenas por uma pergunta sua.
A conversa tinha sido esclarecedora para alguns pontos que não precisaria de perguntas constrangedoras mais constrangedores depois, ficando subentendido - e dito em meias palavras - que muito provavelmente seus pais não precisariam se preocupar com ele tentando avançar a relação tão rapidamente. Do jeito que Félix tinha falado, ele não queria naquela época e nem agora.
Mas não precisavam pensar aquilo naquele momento! Precisavam era correr para a rodoviária, isso sim. Com seus milk shakes em mãos, eles não tardaram para sair da sorveteria de mãos dadas, mas logo sendo interceptados.
-Err… Manu Gavassi? - Uma garota mais nova do que eles chamou a atenção dos dois.
Ela devia ter os seus catorze anos e provavelmente era bem fã de Manu, já que estava tremendo dos pés a cabeça, com a voz incompleta.
-Oi! Sou eu, e você?
-Mar-Marcela…
-Quer tirar uma foto comigo, Marcela? - Manu pergunto, vendo que a garota não conseguiria falar mais nada..
-Deixa que eu tiro. - Félix se ofereceu, pegando o celular da garota e se distanciando o suficiente para isso. - Manu, chega um pouquinho mais perto! Isso, perfeito.
Mas se eles achavam que as fotos tinham acabado por ali, se enganaram muito feio, já que pelo menos mais cinco garotas e dois garotos apareceram, pedindo autógrafos, fotos e declamando como eram seus fãs e que seguiam no twitter. Félix não se importou em ser alugado como fotógrafo por quase meia hora, mas quando perguntaram se podiam tirar uma foto com ele, seu sentido aranha alertou para o perigo.
Teriam reconhecido ele da Apolo 81? Daniel ou Martin tinham deixado escapar alguma coisa? Sabiam que ele era a raposa dos Insólitos? Ele tinha se deixado ser visto quando fantasma e assombrado sem querer algum deles?!
-É que eu sempre passo pela loja de discos no centro, e sempre te via lá. Você mudou de emprego? Não te vejo mais... - Nada disso, só era alguém com uma paixãozinha por ele.
Sem saber como reagir, Félix apenas disse que tinha mudado seus dias na loja. Manu certamente não o deixaria em paz depois daquilo, principalmente quando insistiu em tirarem uma foto em grupo - agradando todo mundo: teriam sua foto com ela e com o seu namorado, por mais que ele quisesse cavar um buraco e se esconder como um avestruz, envergonhado por aquilo.
Mas ele não tinha ficado chateado, até tinha rido depois! Quer dizer então que ele era a paixonite de pré-adolescentes agora? Como aquilo tinha acontecido? A sua nova chance estava saindo muito melhor do que a encomenda, sem nenhum resquício de tudo o que tinha vivido antes.
Até que os dois notaram uma lente fotográfica apontada para eles. O grupo já tinha se distanciado, eram só os dois indo até a rodoviária, mas a sensação constante de serem seguidos já incomodava Félix a cada instante. Sabia que não era nenhum fantasma, não estava frio nem arrepiado, mas não se sentia mais confortável na rua.
-Acho que são fotógrafos. - Manu confidenciou. - Eles costumam estar presentes em São Paulo, mas aqui quase nunca. Acho que querem uma foto de nós dois.
-Porque? Eu não sou famoso.
-Porque é meu namorado, ué. Acho que só aquele clipe não é mais o suficiente para a mídia… Mas não se preocupe, eu não devo voltar para cá por um bom tempo, e você tem a sua identidade secreta para se esconder dos papparazzi’s. - Manu completou com uma piscadela, se pondo na ponta dos pés e roubando um beijo.
-A minha preocupação é essa, Não quero que o Fábio seja descoberto.
-Não vai, se Miley Stuart nunca foi descoberta, vocês também não vão.
E com a promessa da garota, Félix a puxou para mais perto para um beijo de tirar o fôlego antes de permitir que ela entrasse no ônibus, torcendo para que não fosse seguido até em casa.
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Não tinha sequer levado uma semana desde que Julie tinha feito o pedido para Félix e Daniel, quando os dois decidiram dar uma dura no baixista. Os três tinham acabado de chegar do estúdio - não tinham tido a presença de Julie naquele dia, ela precisou ficar na escola para fazer um simulado do ENEM, o que dava a desculpa perfeita para perguntarem, já que sem ela não tinha a chance de terem sido coagidos a perguntar durante uma ida ao banheiro.
Sequer tinham dado tempo para o mais velho se espreguiçar ou se enfiar dentro do seu quarto, começando o interrogatório na cozinha mesmo.
-Martin, precisamos falar com você. - Daniel começou.
-Vão me expulsar da banda?
-Não,mas se continuar a insistir nessa pergunta vamos começar a considerar.
-É sério. O que tá rolando entre você e a Shizuko? - Félix começou, indo atrás do amigo ao vê-lo fugir para a sala. - Não adianta fugir!
-Não tá rolando nada, ué….
-Martin, nem adianta. Nós dois te conhecemos há trinta e dois anos…
-Diga por você, eu conheço ele desde o jardim de infância. - Daniel corrigiu.
-E sabemos que você não está agindo normalmente com ela. Qual é, cara? Você nunca ficou mais de duas vezes com a mesma garota!
Martin apenas bagunçou os cabelos de forma nervosa, jogando-se no sofá e cobrindo o rosto com as mãos.
-Porque vocês ficam insistindo nisso?! Eu só a acho legal, inteligente e bonita…. Amigos não podem achar os outros bonitos?! Félix, você mesmo acha a Bia bonita e nem por isso está interessado nela! - Martin acusou, tentando fugir do assunto.
-Isso não tem nada a ver com o seu caso, Martin! - Félix se exaltou - Olha, se bem me lembro você tinha se gabado sobre as orientais não resistirem a você, mas o que estamos vendo é bem o contrário.
-O que? Sabem de alguma coisa? Ela não quer mais? - Ele perguntou de forma preocupada, se assustando e tentando voltar para o comportamento despretensioso de antes.
-Não sabemos de nada. - Os dois cruzaram seus dedos, mentindo descaradamente - Mas também não sabemos onde você quer chegar.
-Eu não sei! Eu gosto da presença dela, mas quase nunca vamos a uma festa, então não ficamos com frequência. Isso não se caracteriza como um relacionamento.
-Certeza que não? Vocês meio que criaram uma rotina, ao que parece.
-Rotina de beijos a cada dois meses, mesmo nos vendo com mais frequência? Acho que não.
-Martin, você tem certeza disso? A Shizuku é amiga de todo mundo na banda, não queremos que fique um clima estranho caso você decida trocar de ficantes. - Daniel alertou.
-E quem disse que pretendo trocar? - Ele mais uma vez deixou escapar, se arrependendo em seguida, ao notar os sorrisos zombeteiros dos amigos.
Eles estavam armando para ele, e Martin caía feito um patinho. Amigos da onça.
-Podem ficar tranquilos, quanto a isso. Se minha relação com a Shizuko preocupa tanto vocês, podem deixar que assim que eu a ver de novo, vou deixar bem claro o que somos. Tomara que assim todos vocês parem de pegar no meu pé! Já disse que não estou apaixonado por ela!
-Não para a gente. - Félix considerou.
-Então estou informando agora: não estou apaixonado pela Shizuko, nem mesmo gosto dela dessa maneira! Somos só amigos.
Félix e Daniel apenas se olharam, rindo silenciosamente. Martin tinha ficado nervoso demais, feito rodeios demais para negar algo que era mentira.
Ele podia não estar apaixonado, mas completamente encantado estava.
Que Shizuku tivesse piedade dos sentimentos do baixista, isso sim.
Chapter 42: Quarenta e dois
Summary:
Martin toma uma decisão muito importante sobre o seu relacionamento
Chapter Text
-Martin? Você teria mais alguma opção além dos Insólitos para a festa? Falei com o agente deles e metade da banda não vai estar disponível na data, então o show deles não vai rolar. - Uma das produtoras da Capricho perguntou ao colírio, durante a reunião semanal do próximo evento.
-Poxa, que pena…. Eu gosto tanto deles…. Eles tem uma pegada pop rock, porque não chamam o Charlie Brown, Nx Zero e a Manu Gavassi?
-A Manu? Não sei se a agenda dela vai estar livre, ela não costuma ir a eventos no final do ano escolar…
-Mas é final de outubro ainda! Qual é, tenta falar com o agente dela, é para ajudar um amigo meu.
-Um amigo? Mas ela namora…
-Não se lembra do escândalo que ele deu na estreia do clipe dela? Ele conhece o namorado dela, é amigo dele. - Arcrebiano confessou, ajudando na situação.
-E eles não se veem a um tempão… - Martin continuou a colocar lenha na fogueira. - E como é meu aniversário, queria reforçar a minha amizade com ele.
Uma das estagiárias da Capricho tinha tido uma ideia excelente na reunião semanal de duas semanas antes: unir um evento de Halloween com o aniversário do sétimo colírio, tanto por ser no dia 31 de outubro quanto por ele ser um dos mais comentados a web e na revista. Desde a primeira atividade mediada por Mari Moon e o selinho quase forçado, os holofotes tinham se voltado para ele - ele era tão fofinho pedindo desculpas à menina antes de encostar seus lábios nos dela! - e triplicado a atenção quando os rumores sobre ele fazer parte dos Insólitos começaram, não terminando quando ele apareceu no palco e tirou uma foto abraçado com o baixista de vaca, na edição do No Capricho no meio do ano. Ter ele em alguma campanha publicitária era sinônimo de sucesso, então porque não fazer uma festa onde ele seria o centro das atenções?
O plano era simples: uma festa só para convidados - pessoais dele e alguns famosos - onde algumas leitoras seriam sorteadas, convidadas a participarem. Ele seria inteiramente fotografado e filmado, com partes sendo publicadas nas redes e outra publicada na revista na semana seguinte.
Era óbvio que ele tinha aceitado a primeira sugestão, e desde então sua participação nas reuniões semanais eram obrigatórias. Duas vezes por semana ele precisava ir até a sede da Capricho na cidade para uma conferência sobre os preparativos. Tinham o local, a comida e a decoração, mas ainda faltavam fechar os convidados e apresentações.
-Alguma chance de conseguir uma exclusiva com ele? - A estagiária perguntou do final da mesa.
-Nenhuma, gatinha. - Martin sorriu, vendo a garota se derreter pelo apelido e se esquecendo da sugestão.
Ele flertaria com outras garotas se isso significasse fazê-las esquecer da menção do seu amigo. Um sacrifício honrável, claro….
-O salão suporta cerca de trezentos convidados, decidimos que cinco serão sorteadas pela revista. Os requisitos para participar são ter mais de dezesseis anos e morar aqui em Campinas, concordar?
-Sim - Todos no ambiente concordaram.
-Quanto aos outros convites, deixamos cinquenta para convidados pessoais de Martin e cem para convidados da Capricho.
-Não pode aumentar os meus convites não? Posso não ter muitos amigos na cidade, mas meus amigos tem, e se queremos que a festa seja um sucesso com o tema de aniversário, acho importante dar essa visibilidade e acesso aos outros.
-Sessenta está bom para você?
-Acho que sim.
-Ótimo. Quanto aos famosos, temos a presença confirmada de Fiuk, Mari Moon, Titi Muller e Tata Werneck, mas….
-Escuta, o que eles disseram mesmo sobre os Insólitos? - Martin interveio mais uma vez.
-Que mais da metade da banda estaria indisponível, por que?
-Eles especificaram quem? Seria bem legal ter ao menos um integrante na festa, e mais legal ainda se fizesse um cover com a Manu. A Julie e ela são amigas.
-Como sabe disso?
-É… O meu amigo disse, o que namora a Manu.
E o que namorava Julie também, mas ele não podia dizer aquilo, nem colocar Julie de supetão na festa.
-Anotado, vamos entrar em contato com a gravadora de novo. Mais alguma coisa?
-Tenho. Vocês por acaso pensaram em cantos para casais? - Martin abriu o seu melhor sorriso, arrancando risadinhas nervosas da estagiária e levantando pontos nos produtores. Era adequando pontos escuros em uma festa com menores de idade próximos a maioridade?
Eles discutiriam para dali a dois dias.
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- Então, Martin, como está se sentindo? Uma festa inteirinha só para você, hein? - uma das produtoras perguntou por trás das câmeras, apenas pegando o falatório dos convidados e Marrom quase gritando para ser ouvido.
Uma técnica para dar a impressão que estava explodindo de cheiro, quando na verdade mal tinha trinta pessoas ainda. Não que todos fossem furar, mas ainda era muito cedo!
-Eu tô muito feliz, sério! Só posso agradecer a vocês e a minha amiga Bia. Se ela não tivesse me inscrito no concurso, acho que eu nunca teria uma oportunidade dessas.
-Vai comemorar muito então?
-É claro! Não é todo dia que se faz dezenove! Principalmente depois do ano passado…
-Deve ter sido bem triste passar uma data tão esperada sem os seus pais, não é?
-Foi uma nova fase que eles infelizmente não puderam ver…
A história geral era que o fatídico acidente dos pais dos três tinha acontecido no início do ano anterior, com eles indo logo em seguida para o suposto concurso de bandas em Campinas e ficando por lá mesmo. - o que na verdade, o suposto acidente nada mais era do que a data que eles foram libertos do disco de vinil, isso sim.
-Mas hoje é um dia para comemorar, não ficar nesse clima de enterro! - Ele fez o trocadilho com uma risada anasalada. - Já viram o bolo? Ele tem mais andares que o Empire State Building!
Aquilo era um exagero, mas era MUITO bolo de aniversário.
-Excelente, Martin. Por que não anda por aí socializando enquanto filmamos um pouco suas interações?
-É melhor só jogar papo fora? Sem revelações bombásticas?
-Eu apenas ficaria no cordial. Você vai ter muito tempo para aproveitar a noite ainda.
Sem perder tempo, o garoto imediatamente foi para o lugar mais óbvio da festa: o canto onde Félix e Daniel estavam. Os três tinham vindo juntos, obviamente, mas nenhum sinal das suas namoradas até então.
-A Bia já tá chegando?
-A última vez que falei com ela, elas estavam a caminho da casa da Shizuko. E Pedrinho estava chateado por não ter sido convidado.
-Ele foi, mas é menor de 16 anos, e não seria justo vetar as leitoras dessa idade mas…
-Você vai precisar arrumar uma desculpa esfarrapada então, ele também está vindo. -Daniel avisou, guardando o celular no bolso da fantasia.
Ao contrário do ano anterior, eles tinham passado bem, bem longe de máscaras esse ano. Félix estava felicíssimo com sua roupa de corsário do século XVIII - ou como gostavam de simplificar, um pirata. Daniel, porventura, ainda usava a mesma capa do ano anterior, só que ao invés de vampiro, tinha recorrido ao prático mágico, enquanto Martin…
Bem, ele não estava perdendo o poder do trocadilho e piada, estando tão fantasmagórico quanto um ano antes.
- Pelo menos ele vai poder fazer companhia para você Félix.
-Não é como se Manu fosse ficar o tempo inteiro cantando, sabe? E caso não tenha percebido, eu sou o único aqui que tem liberdade de engolir minha namorada em público.
-Bom, porque eu não tenho namorada. - Martin disse nervoso, mas não ligando para o comentário.
-Você sabe o que ele quis dizer, Martin. Pode se fazer de desentendido com a Shizuko, mas pode conversar com ela como se não fosse nada demais. Até onde planejamos, eu e Julie nos conheceremos hoje, na festa.
O plano era simples: interação social limitada com Daniel, fingindo que Manu os tinha apresentado e torcer para que não se lembrassem da foto publicada. Mas caso isso acontecesse, apenas inverteriam os fatos e diriam que Manu os tinham apresentado semanas antes.
-É mas acho que seus planos vão ir água abaixo agora. As câmeras estão filmando a gente e elas acabaram de entrar. -Félix soltou uma risada alta disfarçando a conversa. - Martin, é melhor você ir receber elas e tirar o foco da gente.
-Desse jeito nem parece que é você quem namora uma famosa e sai de cara lavada com ela por aí… - Martin resmungou, ignorando o dedo feio de Félix e indo até às na garotas.
-Meninas! - Ele puxou as três para um abraço em grupo - Provavelmente estão filmando a gente agora, então temos instruções: vou ficar longe de vocês para não estragar nenhum casal, mas disseram que alguma hora eu vou ter um descanso. - Ele se direcionou para Julie e Shizuko na cara de pau.
-E para mim? Nenhum aviso? - Bia fez beicinho.
-O Bill já chegou, acho que Félix não vai se importar de te fazer companhia enquanto a festa não enche mais.
-Que maravilha, resumida a companhia enquanto o cônjuge dos outros não chega… - Bia bufou.
-Não se preocupe, o Valtinho disse que vinha. -Julie implicou, fazendo Martin se engasgar.
-Você… você… você voltou com ele?!
-Para voltar implica termos tido um relacionamento antes, o que não tivemos.
-Mas….
-Martin, estão te chamando para tirar fotos com as ganhadoras do sorteio. - alguém da produção o chamou.
- Isso não terminou por aqui, dona Beatriz!
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Não demorou muito mais para que o restante dos convidados chegassem, entupindo o lugar. Durante as últimas reuniões de planejamento, Marin tinha dado um jeito de convencer as produtoras a colocar o Nx Zero como grande evento da noite, o que trazia Manu Gavassi para a primeira apresentação (se ela fosse a última, seu pobre amigo Félix não teria a companhia da namorada, tadinho).
Surpreendentemente, tinham topado, mas ele desconfiava que era mais para ter conteúdo do casal para revista do que outra coisa, já que aquela seria uma realidade para eles - e mesmo Félix ciente disso, estava desconfortável com a atenção em cima dele.
E mais surpreendente ainda, tinha levado em consideração a ideia dele sobre o dueto entre Julie e Manu. Tinham sido algumas chamadas de vídeo naquela semana para ensaiarem, assim como um estudo aprofundado das duas músicas de mais sucesso atualmente das duas para encontrar a linha de mesclagem perfeita, a fim de fazerem um Mashup das duas de forma inédita.
Uma homenagem aos seus namorados, isso sim, embora uma falasse sobre se apaixonar e a outra terminar.
-Oi gente. - Manu cumprimentou de cima do pequeno tablado. - Soube que estamos comemorando o aniversário de uma pessoa muito especial hoje.
-Valtinho, parabéns pelo seu dia! - Manu, piscando para os rapazes escondidos no canto do palco, rindo da expressão de descrença de Martin. - Brincadeiras à parte, eu fiquei chocada quando soube que minha presença foi tão requisitada assim pelo nosso colírio.
-É que os Insólitos estavam indisponíveis, fazer o que? - Martin revidou em alto e bom som, tirando um sorriso cúmplice da garota
-Bem, se você queria tanto assim que eles cantassem parabéns para você, não se preocupe, eu convidei alguém para me ajudar na sua homenagem. Julie?
Não era surpresa para parte da festa a presença de Julie - Já que Martin a fizera convidar todo o terceiro ano, o que incluía a presença de Valter, Nicolas e até mesmo Talita na festa - mas mesmo assim o barulho dos aplausos e gritarias a tinha assustado.
Por que raios Daniel e Nicolas competiam quem a gritava mais alto?
-Quem diria que passar tantas horas botando em você no site me trariam para cantar no seu aniversário? - Julie brincou no microfone.
-Foi uma honra ter sido escolhido por você, Julie.
-Ah, mas eu não te escolho, foram pelo menos uns vinte sete garotos que votei. Mas você ganhou, não foi?
De fato, quem ela tinha escolhido estava no canto rindo pelas escolhas de palavras deles.
Mas eles não podiam ficar de papinho para sempre.
Alguém pode me explicar o que eu faço
Pra não me sentir assim
Eu já comecei a perceber
O efeito que você tem sobre mim
Meu coração começa a disparar
Será que eu tô pirando ou você quer me provocar?
Você me olha e eu começo a rir
A primeira estrofe foi inteiramente de Manu, com Julie apenas fazendo a sua participação em um vocal ou outro.
Será que são mesmo reais
Os sinais que eu percebi?
Talvez eu esteja me iludindo
E você não esteja nem ai
Mesmo assim eu continuo a imaginar
Eu e você pra mim parece combinar
Eu sou a letra e você a melodia
Com você cantaria todo dia
Mas quando menos perceberam, Julie também estava lá, cantando a música para Félix, mas que coincidentemente tinha tudo a ver tanto com ela quanto Daniel.
Eu já notei que eu tenho que tomar cuidado
Porque você é o tipo certo de garoto errado
É só você aparecer
Pra eu perder a fala e a confusão acontecer
E então… a banda mudou significativamente de ritmo, dano a deixa para enfim a música de Daniel. Não dando tanto aquele tom triste a sua voz, Julie tentou deixar melódica a música, apenas uma continuação da outra.
Um instante, um olhar
Vi o Sol acordar
Por de trás do seu sorriso
Me fazendo lembrar
Que eu posso tentar te esquecer
Mas você sempre será
A onda que me arrasta
Que me leva pro teu mar
Porque você é o tipo certo de garoto errado
Manu, apesar de ajudar no vocal, também colocava trechos da própria música, ajudando a compor aquilo que seria uma continuação para o relacionamento fictício.
Sinto a calma em volta de mim
O teu vento vem me perturbar
Me envolve me leva daqui
Me afoga de novo no mar
Laia larara iá larara iá
Me envolve e me leva
Pra longe daqui
Me perco nos teus olhos
E mergulho sem pensar
Se voltarei
Se voltarei
Apesar de ter sido apenas uma música, tinha criado clima o suficiente para que a próxima música fosse lenta - uma questão de conectividade musical, apenas. Enquanto Manu cantava uma das suas músicas lentas, Julie tentava descer do tablado, sendo impedida por uma mão estendida a sua frente de
-Porque está curvado dessa maneira, Martin? - Ela estranhou.
-Estou te tirando para dançar, não percebeu?
- Porque?
- Já que não tive a minha festa de quinze anos, achei uma excelente ideia ter a minha primeira dança com uma princesa nos dezenove. Fora que a sua fantasia se encaixa perfeitamente nisso. - Ele se referia a roupa de época que Julie vestia.
Nada mais era do que algo mais elaborado e bem feito que o figurino de Talita na peça da escola do ano anterior, confeccionado exclusivamente para ela pela produtora (assim como o restante da banda, embora ninguém mais soubesse disso).
-E se pararmos para pensar, dançarmos dá um significado a mais a isso tudo. - Ele continuou a tagarelar. - Quer dizer, eu estou vestido de fantasma, e você com essa roupa podemos remeter facilmente ao fantasma da ópera!
--É, você só se esqueceu da parte que o fantasma usava uma máscara e não estava morto. - Julie riu, deixando-se levar pelos passos desengonçados de Martin.
-Eu era um fantasma com máscara, posso muito bem fingir ser um agora sem ela.
-Não, porque se você abrir a boca e começar a cantar vai estragar todo o disfarce.
As pessoas tinham aberto um espaço considerável ao redor deles, com os fotógrafos e operadores de câmera desesperados para capturarem cada movimento dos dois - exceto pela parte em que ele tropeçou na ponta do vestido de Julie e quase a levou para o chão, conseguindo evitar um desastre ao impulsionar o seu corpo para a frente e rapidamente se jogar para o lado na tentativa de recuperar o equilíbrio - o que de fato funcionou, mas precisou de todo o apoio do corpo de Julie para isso, o que resultou em um…
“OOOHHHH…..!!!!”
Sua mão direita estava apertando firmemente a cintura dela, com seus corpos muito próximos, assim como seus narizes. Olhando assustados um para o outro, os dois desataram a rir, se afastando o máximo possível um do outro.
Mas já tinha assunto para a próxima edição da revista.
-Acho que você acabou de conseguir algumas sessões de fotos com garotas.- Julie implicou, sentindo seus pés serem esmagados. - E não ser chamado para ser príncipe em nenhuma festa de quinze anos. Meu pé, Martin!
-Josias sempre foi o melhor dançarino, eu admito, mas não me interessa as garotas, mas sim aquilo. - Martin a girou, mostrando um Daniel bufando com a cena.
-É? Pois eu prefiro mais como a Shizuko…. - Julie não conseguiu terminar de falar, rindo da reação exagerada de Martin ao perceber que a garota…. Ria e fazia um coração com os dedos para o suposto casal.
Ela não se importava com aquilo?
Confuso, ele não demorou para se separar de Julie, sendo puxado pela produção da festa para mais entrevistas.
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Martin já estava perdido a pelo menos uma hora, todos os convidados tinham chegado, Manu já tinha terminado o seu show e se encontrava agarrada (e agarrando) Félix a muito tempo Arcrebiano decidiu que seria o momento perfeito para fazer um movimento.
Andando em direção ao pequeno grupo que conversava animadamente perto da mesa do bolo, ele não teve pompas em chamar Beatriz para uma conversa em particular.
-Desculpe? - Ela estranhou, parando de conversar brevemente para dar atenção a ele.
-Pode vir comigo, um instantinho?
-Para que?
-Queria conversar com você.
-Mas eu estou conversando agora.
-Não esse tipo de conversa, Bia…
-Ah, então o tipo de conversa que você nem se deu ao trabalho de ter nesses meses todos? Não, obrigada.
Arcrebiano ficou atônito, em choque.
-Como é que é?! - Sua voz levemente alterada não era um sinal de agressão, mas de incredulidade. Ele tinha sido chutado?
-Você não escutou da primeira vez não, cara!? Ela não quer ir com você! - Valtinho se exaltou, com Nicolas ao seu lado sem saber muito o que fazer.
Se os dois resolvessem sair no soco, Válter perderia feio, muito feio.
-Isso eu escutei, mas ela pode muito bem me encontrar sozinha, não precisa de um…
-Um o que!? - Valtinho se aproximou e empinou seu peito como um pombo. - Só porque sou menor, mais baixo e mais fraco não significa que não consiga te encarar!
-Hã…. Significa sim, Valtinho… - Nicolas se pronunciou.
Bill não se moveu para nada, apenas encarou mortalmente Válter, que o correspondia com intensidade.
-Por favor, podemos conversar depois:? - Bia tentou mais uma vez.
-Depois quando?
-Só… Depois…
Arcrebiano estava desacreditado. Ele sabia que aquele depois nunca chegaria, e tinha acabado de ser trocado por alguém chamado Válter. Ele provavelmente deveria beijar muito mal ou ser muito desinteressante para conseguir fazer a garota voltar a se interessar pelo ex ficante, cujo ele tinha conseguido fazê-los parar de ficar.
-Posso não ser um cavaleiro com armadura medieval que nem o Nicolas, mas eu também sei te defender, Biazinha, meu amor! - Valtinho se divertiu, vendo as expressões de descrença tanto da garota quanto de Nicolas.
-Na verdade, ela se defendeu sozinha, cara.
-Isso não me torna menos cavaleiro do que você.
-Você seria um cavalheiro, não cavaleiro.
-Tanto faz. Bia, não vou deixar mais que esses colírios insuportáveis cheguem perto de você!
Em desespero, Bia foi atrás de Martin - já que aquele era o único que seus outros dois amigos suportavam - para ter um pouco de paz das promessas de Valtinho.
Como ela tinha dado um gelo nele por tanto tempo?
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Tinha sido com gosto quando Martin finalmente conseguiu fazer uma pausa para tomar um refrigerante e comer um croquete de carne. Quando que ele ia detestar câmeras e atenção?! Céus, ele não queria de jeito maneira ter um reality show, não mesmo! Aquela era enfim a pausa prometida antes de cantarem o parabéns, e não era surpresa para absolutamente ninguém para onde e com quem Martin iria dar o prazer da sua atenção.
Quer dizer, aquela seria a primeira vez que ele e Shizuko poderia conversar de fato, e se todos bem se lembravam, ele tinha feito uma promessa semanas antes.
Mas aparentemente ele mesmo tinha se esquecido daquilo, já que a procurava com afinco, sorrindo de alívio ao vê-la parada próximo às bebidas, ouvindo um papo furado do colírio de quinze anos.
-E aí, Miguel! Como vai? Gostando da festa?
-Um pouco, mas não tem tanta gente assim da minha idade…
-É claro que tem! Tá cheio de garota de quinze…
-É, mas para elas eu sou só um garotinho ainda… Elas preferem vocês.
-Ah, não fica assim não. Escuta, porque não procura o Bill e fica um tempo com ele? Tenho certeza que vão te notar.
-Você viu ele?
-Ele tinha ido naquela direção. - Shizuko apontou, contrária a Bia.
-Se ele perguntar, é só dizer que eu pedi.
Foi com grande alívio que Martin viu Miguel se distanciar deles, os deixando sozinhos.
-pensei que ele nunca fosse embora - Com um sorriso imenso no rosto, Martin não teve dúvidas nem ressalvas antes de se aproximar perigosamente de Shizuko, abraçando seu corpo e indo em direção aos seus lábios a fim de cumprimentá-la.
Mas não contava que ela fosse ficar na ponta dos pés e beijar sua bochecha primeiro.
- Só na bochecha? - Ele perguntou tristonho, fazendo beicinho (e ainda abraçando a sua cintura).
-Tem câmeras demais aqui. - Shizuko não era boba e não estava a fim de estampar aproxima capricho, de novo. Uma coisa era um selinho em uma dinâmica, outra era meses depois ainda estar ficando com ele.
Há um ano, exatamente.
Olhando para os lados, Martin constatou que ninguém estava prestando atenção neles. Com um sorriso travesso, ele soltou sua cintura e enroscou suas mãos, a puxando para a área mais afastada que tinha encontrado.
-Vem comigo.
A produção não tinha concordado com o canto escuro para casais, o que fez o aniversariante ser muito mais criativo. Fugindo para a área externa do salão, ele constatou que ninguém iria para lá, já que além de não ter festa alguma do lado de fora, não era uma área para eventos. As paredes tinham nichos, de onde saíam janelas, mas que quando fechadas cabiam perfeitamente quatro pessoas sentadas lado a lado. O chão era de piso frio, mas que muito provavelmente apenas tinha sido coberto para que a terra não invadisse o salão durante chuvas, além de ser muito mal iluminado.
Ainda segurando em sua mão, Martin a levou para um canto nem tão afastado, que dava privacidade mas ao mesmo tempo impedia de acharem que ele tinha sido sequestrado na própria festa de aniversário. Recostando ele mesmo no parapeito do nicho, Martin puxou Shizuko para a sua frente, abraçando a sua cintura fortemente, quando tirava o cabelo dela do rosto com sua mão direita. Sorrindo, ele não precisou pedir permissão ou jogar uma cantada mal dada, apenas aproximou seus rostos, plantou um beijo casto em sua testa, seguido de outro em seus olhos fechados. Um na sua bochecha direita, um na sua bochecha esquerda. Um na ponta do seu nariz e um no seu queixo. Sorrindo de orelha a orelha, Martin segurou o rosto de Shizuko com carinho, finalmente acabando com a distância entre suas bocas. Sentindo um braço rodear o seu pescoço, ele se sentiu feliz quando uma mão começou a fazer carinho em sua nuca e couro cabeludo. De maneira calma e preguiçosa, ele movia seus lábios contra os de Shizuko, que naquela altura do campeonato sequer se lembrava do desastre exato um ano antes. Aquele beijo no apartamento tinha mudado muita coisa, exatamente como agora.
Aquela era a primeira vez que não havia tido clima tenso entre os dois, já que os dois tinham a certeza que queriam ficar, e que não precisavam mais de muito rodeio para isso.
Quando o ar se fez necessário, Shizuko se afastou, corada pelo momento. Querendo evitar um silêncio constrangedor, ela não tardou em abrir a boca e perguntar:
-Martin, seu aniversário é mesmo hoje?
-Eu pensei que tivesse decorado todas as bios que a Capricho tinha publicado sobre mim. - Ele brincou. - E que o bolo fosse um grande indicativo.
-Eu não preciso ficar lendo isso, quando posso te perguntar pessoalmente. - Ele gostou do que aquilo implicava. - Mas se é mesmo seu aniversário,porque não falou no halloween passado?
-Aquele era o dia do Válter, e por mais que ele não seja o meu amigo, eu ter dito aquilo antes de pedir para ficar com você talvez não fosse uma boa ideia. Você provavelmente acharia que era só uma cantada muito, muito ruim.
-E seria, com certeza. E se bem lembro, você nunca pediu para ficar comigo, só me chamou para fora da festa.
-Que nem eu fiz agora? - Ele sorriu, rindo. Ele não precisava pedir com palavras concretas, sabia disso. - Mas você foi o meu melhor presente em muito tempo, Shizuko. Desde a morte dos meus pais no ano anterior… Eu pensei que nunca fosse conseguir comemorar meu aniversário mais uma vez, mas você me fez muito feliz naquela noite, e…
-Eles morreram no seu aniversário?
-Três dias depois.
-Eu sinto muito…. - Shizuko ficou com o coração na boca, morrendo de pena do garoto vestido de fantasma a sua frente.
Será que ela teria tido pena do fantasma de verdade no ano anterior?
-Não sinta, isso tudo já passou. Ter você aqui comigo já é o suficiente, mas….Tem uma coisa que eu queria muito ter feito no seu aniversário.
Ele se referia a festa três semanas depois do beijo no apartamento, festa essa que eles não chegaram perto da boca um do outro por ter sido na casa de Shizuko, com seus pais presentes.
-O que? - Ela não entendeu, já que estavam falando de uma coisa triste segundos antes.
-Isso. - Ele não perdeu tempo, virando os dois e a prendendo no parapeito. - Feliz aniversário, Shizuko. - Martin sussurrou contra o seu rosto, encarando fixamente os seus olhos.
-Feliz aniversário, Martin. - Apesar de envergonhada, Shizuko correspondeu na mesma intensidade, sabendo que seria totalmente diferente dos outros beijos.
Imediatamente, ele grudou seus lábios em um beijo faminto, não dando tempo para ela raciocinar antes de pedir passagem com a sua língua, sendo correspondido imediatamente. Com fome, Martin engolia da melhor maneira que podia a garota, se empenhando ao máximo para dar um dos seus melhores beijos nela, para ela, com ela. Completamente levada pelo colírio, Shizuko não teve outra alternativa senão seguir o seu ritmo, surpreendendo a si própria e ao aniversariante.
Aquilo mudava tudo mais uma vez. Seus beijos até então tinham sido ruins, constrangedores, íntimos e agora quentes. Aquele era o total oposto de um ano antes, quando jurava que ele era péssimo beijando - mas também não o estava enquadrando na categoria melhor beijo do ano, não mesmo.
Joe Jonas certamente beijava muito melhor, ela fantasiava.
Mas não tinha como ela saber a diferença entre beijar um fantasma e um cara vestido de fantasma. A não ser que ele contasse um dia.
Mas o espaço já não era mais suficiente - muito embora não existisse quase nenhum entre os dois. Tomado pelo desejo, Martin não pensou antes de segurar com força na cintura de Shizuko e impulsionar seu corpo para cima, sentando-a no parapeito do nicho. Entretanto, ele se manteve afastado todo o tempo, com suas mãos brincando em seu joelho e pescoço. Ele só estava cansado de ficar com o pescoço virado para baixo, ora bolas!
Mas se estava na chuva era pra se molhar. Tecnicamente, aquele beijo marcava os dezoito anos de Shizuko e os dezenove de Martin, e o caminho que se seguia não era tão inocente assim. Munida de coragem, Shizuko arranhou o ombro de Martin, o puxando para mais perto - o que o fez morder seu lábio inferior e se acomodar entre as suas pernas, apertando com força sua coxa e cintura. Aprofundando ainda mais o beijo, Shizuko encaixou melhor a sua boca, puxando com força o cabelo do fantasma e o mantendo por perto - o que resultou em um suspiro estrangulado do rapaz, seguido da perda de controle sobre suas mãos.
Em um segundo elas estavam comportadamente em sua coxa, e no outro apertavam com força o quadril de Shizuko - mais precisamente do que era possível apertar do seu bumbum - com seu corpo querendo muito se fundir ao dela.
Mas a compreensão do que estava fazendo, onde e com quem caiu sobre o colírio, o fazendo pular para longe da ficante, pálido como o fantasma que interpretava, com os olhos arregalados e vergonha súbita.
-Shizuko! Eu…. Eu… Me desculpe, eu não queria… - Ele ficou nervoso, olhando para os lados e considerando sair correndo.
Ele não queria estragar as coisas com ela, mas antes que ele interpretasse a noiva em fuga, Shizuko conseguiu atrair a sua atenção de volta.
-Ei, tá tudo bem, Martin. - Ela segurou em sua mão e o puxou de volta para perto dela.
Sentindo como ele estava tenso, Shizuko não viu outra alternativa a não ser segurar em seu rosto carinhosamente e distribuir beijos da mesma maneira que ele mais cedo. Um beijinho em sua bochecha, outro mais rápido em sua têmpora, outro em seu nariz, um em seus olhos e mais uma sequência de beijos até que ele estivesse visivelmente mais relaxado. Sorrindo pela intimidade, Martin abraçou a sua cintura e se aproximou de novo, mas desviando o rosto e o encostando em seu ombro. Ele apenas queria abraçá-la um pouco, sentir seu corpo vivo próximo ao dela sem a interferência de nada nem ninguém.
E com aquele cafuné no seu pescoço, ele não queria soltá-la tão cedo, isso sim.
Aquilo já estava rondando a sua mente há algum tempo, desde a sua conversa com Bill semanas antes, e tinha piorado com a prensa que Félix e Daniel tinham dado nele. Shizuko para ele era mais do que uma amiga e uma simples ficante, e o que tinha começado apenas como um capricho de ficar com uma oriental tinha se transformado em algo um pouco maior - ao ponto dele estar a um ano ficando com ela. Ela tinha se tornado importante para ele, o surpreendendo em como não sentia mais a vontade de ficar com mais ninguém.
Céus, a sugestão que ela queria terminar tinha mexido demais com ele!
Mas ao mesmo tempo…. Namorar era uma palavra, uma responsabilidade muito forte para ele. Em contrapartida, ele não aguentava mais esperar meses apenas para terem uma festa e se beijarem.
-Shizuko… - Martin quebrou o longo silêncio que havia se instalado entre eles. Um silêncio apenas de apreciação mútua. - Eu não aguento mais esperar uma festa para te beijar. - Ele disse em um fio de voz, abraçando seu corpo com mais força.
-Ah, é? - Shizuko estranhou, não sabendo onde aquilo daria, parando com o carinho em seu pescoço.
-É…- Ele se afastou, procurando os seus olhos. - Eu queria muito ficar com você no ano passado, e estamos ficando a um ano agora… Eu não quero só isso. São poucas festas que vamos.
-E o que você quer? - Shizuko temeu a resposta.
-O que acha de ficarmos regularmente?
-Como? - Shizuko não conseguiu esconder a sua confusão.
-É, não precisamos mais esperar algum evento, podemos nos beijar quando e onde bem entendermos. Mas antes que se assuste, de forma alguma isso é um pedido de namoro!
Ela não entendia bem a diferença entre ficar sério e namorar, mas queria ver até onde aquilo ia dar.
-E como seria isso? Incluiria exclusividade ou não? - Martin novamente se assustou com a possibilidade dela ficar com outros, e odiou o que sentiu e como reagiu. - Pergunto isso porque você tem o seu trabalho na Capricho, e até onde eu sei eventualmente podem te pedir para beijar outra garota para algum trabalho. - Ela disfarçou bem a curiosidade.
-Acho que tirando eventuais trabalhos… Poderíamos tentar… Pelo menos ver até onde vai dar. Quer dizer, ano que vem saímos em turnê e você vai para a faculdade, então….
-Pode me prometer que não vai fazer nada na frente dos meus pais nem das câmeras lá dentro?
Ele apenas respondeu acenando freneticamente com a cabeça.
-Então acho que podemos ver até onde isso vai…
Ela não conseguiu terminar de falar, já que Martin já tinha voltado a grudar seus lábios mais uma vez, completamente aliviado pela oficialidade do relacionamento deles.
Apenas para ele, já que todos os seus amigos estavam cansados de saber o que eles tinham.
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Daniel não aguentava mais todo aquele fingimento na festa, ele precisava urgentemente grudar sua boca na de Julie, ou acabaria estragando todo o disfarce deles.
-Pelo amor de Deus, Julie. Vem comigo! - Ele sussurrou o pedido em seu ouvido, agarrando a sua mão e a puxando para fora da maneira mais discreta possível.
-Pensei que conseguisse manter o controle. - Julie riu.
-Não quando é o primeiro Halloween que eu posso te beijar de verdade.
-Ainda acha que eu sou a monstra mais bonita da festa?
-Dizer isso hoje seria quase um insulto, já que você está linda como uma princesa. Mas por mais que me doa…
-Foi o Nicolas, não foi?
-Mas eu posso dizer com firmeza que a maquiagem conseguiu igualar os seus olhos e a sua boca. Vem.
Andando para um canto mais afastado, eles enfim conseguiram a privacidade e escuro que queriam, mas infelizmente Julie olhou para o lado.
-Espera, aquele não é Martin? - Julie afastou o rosto de Daniel, que já ensaiava um beijo.
-Filho da mãe…. - Daniel riu - Eu tô vendo bem o relacionamento que vocês tem….
-Como assim?
-Ele fez questão de dizer, quando perguntamos a ele o que você pediu, que assim que visse Shizuko de novo deixaria bem claro o relacionamento dos dois, para evitar confusões e corações partidos, e olha lá onde a língua dele está enfiada… - Daniel se referia ao beijo intenso trocado pelos dois, mas ao verem se separar e rasparem seus nariz um no outro em um beijo de esquimó, suas sobrancelhas quase desapareceram do seu rosto. - Não gosta dela desse jeito, sei…
-Ele falou isso?
-Vai precisar sondar a sua amiga mais tarde, já que ele está agindo totalmente ao contrário do que disse para a gente, mas pelo visto ela conseguiu enfeitiçar ele bonito. - Daniel fez piada sobre a fantasia de Shizuko. - Você se importa se eu te beijar também? Te escondo com a minha capa.
-Pensei que só eu podia beijar o nada.
-Podia, mas foi a sua amiga ali do lado que fez isso, não você. Por favor?
E antes que Daniel precisasse implorar mais, Julie já tinha alcançado os seus lábios, torcendo para que não precisasse usar a mentira sobre se conhecerem na festa.
Chapter 43: Quarenta e três
Chapter Text
-E com vocês, os Insólitos! - O radialista anunciou naquela manhã com emoção demais, despertando tanto os ouvintes quanto os integrantes da banda. - Certeza que estão acordados por trás dessas máscaras, rapazes?
-Eu não tenho muita certeza, sinceramente…. - Daniel resmungou, tirando uma risada do apresentador.
-Não é muito costume entrevistas às sete da manhã, realmente…. Algum motivo específico para a escolha desse horário?
-Esse é nosso último compromisso oficial antes do ENEM. - Julie explicou. - Tecnicamente, eu nem deveria estar trabalhando mais essa semana, então assim que sairmos daqui, vou estar totalmente dedicada a escola e a prova até a semana que vem.
-Veio escondida, então?
-Meio difícil quando o seu pai é um dos maiores fãs da banda. Não, mas se não viesse pela manhã, a entrevista precisaria ser adiada.
-E não queríamos isso. - Martin completou. - Meio que nos acostumamos com a sensação de estar bastante presente na mídia, sabe?
-É? Mas fiquei sabendo que declinaram a participação na festa da última sexta da Capricho. E se alguém não gosta de estar fora da mídia, deveria ir a qualquer custo, não?
-Não declinamos totalmente, enviamos Julie para ser a nossa representante oficial. - Martin replicou.
-E ela até que fez uma excelente participação com a Manu Gavassi. - Félix exaltou a namorada. - Ouvimos as duas ensaiando o feat durante a semana e estava muito bom.
-A ideia de misturar uma canção sobre início de relacionamento com uma sobre um possível término foi…. Sensacional. Eu não teria feito melhor.
-Como sabe que era sobre término, Bruno? - O apresentador fez a pegadinha.
-Bem… A letra era bastante clara, não é? Fora que precisávamos estar cheio de lencinhos sempre que ensaiávamos a música, porque a Julie sempre chorava pelo…
-Pelo panaca?
-Não, definitivamente não! Ele podia ser um idiota mas panaca…
Félix e Martin já gargalhavam no estúdio, tentando abafar as risadas do microfone. Não era Julie quem chorava, mas sim Daniel, se sentindo idiota por tê-la magoado. E as músicas dedicadas ao panaca eram as sobre amor, não sobre o término, e por favor! Ele acabaria se entregando agindo daquela maneira!
-O que foi?
-Ter comparado o Bruno com esse cara foi uma das piores coisas que você poderia ter feito, cara. - Martin ainda ria. - Eles se odeiam desde que começamos a banda.
-E ainda precisavam cantar sobre ele? - O radialista riu.
-Tem uma faixa em específico do nosso álbum que não é segredo nenhum para Julie o quanto odiamos tocar. - Daniel continuou. - Tentamos convencê-la a não colocar na edição final, já que não estavam juntos, mas ela foi irredutível.
-Faz parte da nossa história! Tanto a da banda quanto a minha! Não podíamos deixar de fora a nossa primeira música juntos.
-Mas Julie, é sobre o panaca…!
-E nem por isso deixei de fora a que cantei com Manu, não?
O radialista via bem a sua frente a tensão se formando entre os dois, chocado como os dois pareciam ter muita química. Se não tinham nada, certamente em algum momento teriam, ele esperava! Mas ficaria quieto, não comentaria nada daquilo no microfone.
-Mas sobre o feat com a Manu, pretendem gravá-lo?
-O quanto antes! Provavelmente sairá duplamente nos álbuns, mas tendo em vista que eles devem demorar um pouco, provavelmente só teremos por enquanto o single.
-Ela canta muito bem, não é? Não digo isso porque é a minha filha, claro, mas porque tem talento!
Naquele momento todos os três encararam Félix, que se encolheu na cadeira. Era óbvio que ele sabia que o entrevistador a sua frente era seu sogro, ele já o tinha visitado na loja de discos e falado com ele, além de Manu ter revelado a sua identidade apenas para ter autorização de ir até a festa de inauguração do apartamento, mas aquela era de fato a primeira vez que se viam na forma de Fábio.
-Ah, é a sua filha…? - Julie tentou arrumar o silêncio. - Vou comentar com ela mais tarde que viemos no seu programa.
-São amigas, não são?
-Claro…!
-Foi uma excelente apresentação, segundo ela, mas se me permitem: porque precisaram enviar uma representante à festa e não irem por vocês mesmos? - Ele fez a pergunta ensaiada.
-Bem, Zé, acho que não é surpresa para ninguém como formamos a nossa banda…. - Daniel começou.
-Sim, vocês se conheceram em uma loja de discos no centro da cidade após perderem a hora para uma audição.
-É, mas só viemos para cá para tentar uma vida nova, depois que nossos pais morreram no ano anterior. Não pudemos ir porque precisamos voltar para Taubaté para prestarmos as homenagens a eles, pelos dois anos de falecimento.
-Acaba sendo algo meio melodramático eles terem morrido no dia das bruxas e tão perto do dia de todos os santos e finados, mas não poderíamos ignorar essa data, ao menos não esse ano. - A melodramaticidade dita por Félix nada mais era do que a deles próprios, mas ninguém precisava saber disso.
-Tenho certeza que eles estão muito orgulhosos de vocês, rapazes… - O radialista comentou. - Vocês estão crescendo cada vez mais, e tenho certeza absoluta que ainda vão muito longe.
-Obrigada, de verdade. - Julie agradeceu por todos.
-E então, a pergunta que todos querem saber! E é verdade, não paramos de receber isso desde que anunciamos a vinda de vocês ao programa: como anda o coraçãozinho dos Insólitos? Solteiros? Casados? Namorando?
-Hã…Solteiro. - Fábio respondeu, seguido de uma concordância de Bruno e Julie.
-Eu… Tenho alguém. - Martin revelou, fazendo Félix e Daniel arregalaram os olhos por trás das máscaras. - Não estamos namorando, mas ela é especial demais para mim.
-Bem, um Insólito a menos no mercado então, garotas!
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-E ficamos por aqui com os Insólitos! - Zé finalizou o programa e cortou o som. - Vocês foram ótimos, rapazes! O microfone já está desligado, podem falar normalmente. Manu não me contou sobre essa parte, vocês tinham mesmo ido viajar no dia 31?
-Não, precisávamos só de uma desculpa para estarmos lá e não sermos reconhecidos. - Félix falou por todos. - Não tinha como o aniversariante subir no palco para cantar e ainda manter o disfarce de Marcelo.
-Então a história sobre os pais de vocês é falsa?
-Não senhor, hoje é o aniversário de morte deles. Apenas…. adiantamos por três dias.
-Meus sentimentos… Mas como eu disse antes, vocês ainda vão longe, rapazes. E você, Félix, ainda espero encontrar por aí, principalmente em um jantar com a minha filha, para sermos apresentados oficialmente.
-Pensei que já tivéssemos sido na loja de discos.
-Aquilo foi só uma vistoria, mas agora quero conhecer você melhor e entender como se conheceram, já que ainda está confuso para mim e para a minha esposa…
-Pode deixar que assim que Manu voltar eles marcam, Zé. - Martin se intrometeu. - Mas se não formos agora, Julie vai se atrasar ainda mais para a escola e vamos perder o ônibus para Taubaté.
Eles não iam a Taubaté coisa nenhuma, mas de fato prestariam homenagens naquele dia.
Homenagens a eles mesmos.
Assim que chegaram na van, rapidamente se desfizeram das máscaras, com Julie tirando a camisa de flanela e ficando apenas com a blusa do uniforme da escola. Se corressem, conseguiram deixá-la na escola a tempo da segunda aula.
-Tem certeza que não querem que eu vá com vocês…? - Julie perguntou pouco antes de sair da van.
-Absoluta, gatinha. - Daniel falou, se aproximando o suficiente para dar um beijo rápido em seus lábios, não se importando dos amigos estarem vendo.
-É, Juliezinha. Vamos ficar bem, não é nada demais. - Martin ajudava. - Vai acabar perdendo aula se for, e não queremos que o seu pai brigue conosco.
-De qualquer forma, nós vamos para a sua casa depois. Fomos convidados para passar a noite, se lembra?
Seu Raul sabia parcialmente sobre a data, tendo se compadecido tanto com os garotos que pediu que passassem a noite com eles, na nova família deles, para que não ficassem sozinhos em uma data como aquela. Mas enquanto a noite não chegava, eles gastariam o seu tempo visitando a si próprios.
Na realidade, eles não tinham a menor ideia de onde estavam enterrados, já que obviamente não tinham tido a curiosidade de visitar enquanto fantasmas, entretanto, Rick sabia muito bem onde, não se opondo em passar a informação para eles. Em pé na porta do cemitério, eles perceberam o quão estranho era aquilo.
-Devíamos levar flores? - Martin perguntou, incerto.
-Não sei, você gostaria de receber flores? - Daniel replicou a pergunta.
-Sinceramente? Eu preferia uma pamonha…
-Então sem flores.
Com passos confiantes, os três adentraram o cemitério e vagaram pelas ruas até enfim encontrarem o pequeno memorial descrito por Rick, sentindo seus corações apertarem diante do que viam. Não, não era a consciência sobre outros eles estarem descansando naquela sepultura conjunta ou sobre como de fato haviam morrido e voltado a vida. Não, era a consciência e visão sobre como a sepultura deles estava ... limpa. Sem nenhum musgo, mofo, sujeira ou teia de aranha.
-Eu soube que algumas pessoas gostam de limpar lápides de cemitérios, vai ver esse foi o nosso caso. - Félix sugeriu, totalmente incerto.
-E a pessoa gosta de limpar especificamente a nossa? Olha em volta, Félix! A nossa… Essa é a única limpa! - Daniel era racional.
-E a única com flores. Flores frescas.
-E pamonha, Martin… - Félix olhou mais de perto.
Enquanto Félix e Daniel haviam recebido ofertas de flores, Martin havia recebido o seu doce favorito.
-Daniel, quais as chances da sua mãe já ter passado por aqui? - Ele perguntou, levemente triste. - Ela era a única que gostava de mimar a gente assim….Que ao menos sabia o quanto eu trocava qualquer coisa por pamonha.
Dona Álvara tinha conhecido Martin ainda no jardim da infância, tendo dado muita pamonha para o melhor amigo do seu filho ao longo da sua vida.
-Acho que todas, Martin. - Daniel respondeu sem emoção na voz.
Ele não precisava perder a compostura, não quando de vez em quando sua persona Bruno ia visitá-la. Se ela o encontrasse lá, poderia dizer que tinha ficado curioso quando ela mencionou o aniversário (o que ela não tinha feito), mas se visse Martin e Félix provavelmente não teria como sustentar a mentira deslavada.
-Acha que ela pode voltar?
-Eu não tenho a menor ideia, mas não estou a fim de sair agora.
“Apolo 81
Martin Félix Daniel
(1963 - 1981) (1964 - 1981) (1964- 1981)
Amados filhos e artistas”
-Acha que só dona Álvara vem aqui hoje? - Félix perguntou, preso no amados filhos e artistas.
Aquela tatuagem pesava como nunca em seu braço - desta vez, como símbolo da união entre os dois amigos. Por mais que tivesse sido arrancado da sua vida e da sua família aos dezessete anos, ela o tinha unido a outra, proporcionando a mudança de perspectiva sobre paz e amizades.
-Eu tenho certeza que seus pais não deixariam de vir te visitar, Félix… Da mesma forma que supostamente fomos a Taubaté, eles também viriam até aqui, mesmo depois de 32 anos.
-Acho que até Rick viria aqui, se não tivéssemos trabalhando com ele. - Martin riu levemente. - Quais as chances de recebermos uma folga da gravadora hoje?
-Nenhuma, se estamos vivos, precisamos conquistar aquilo que Demétrius nos disse que teríamos anos atrás. E acho que estamos quase lá. Algo me diz que ano que vem vai ser totalmente diferente.
-Um novo marco para o renascimento da Apolo 81, mais insólita do que nunca.
-Acham que ainda tem alguma coisa aí dentro? Ou se desfez quando renascemos? - Martin não se aguentou. - Não somos zumbis, Demétrius deixou isso claro, mas podemos coexistir em um universo duas vezes ao mesmo tempo?
-Bem, considerando que estamos mortos a tempo suficiente para não sermos mais reconhecidos… Acho que não tem problema nenhum. - Félix ponderou. - Teria se tivéssemos voltados dois anos depois do acidente, seria impossível explicar como estávamos andando e respirando sem nenhuma cicatriz, ou como saímos daqui, mas depois de tanto tempo? As únicas pessoas que se lembram da gente são nossos pais e Rick.
-E que por falar nele, já está perguntando onde estamos. - Daniel conferiu o celular. - Anda, Martin. Voltamos no ano que vem.
-Com a Julie? Sabe, é meio sem noção você não querer que ela veja isso aqui quando ela te conheceu como um fantasma.
-Exatamente, me ver como fantasma é bem diferente do que olhar para o meu túmulo. Agora, podemos ir?
Félix só se esqueceu de um pequeno detalhe: os únicos que ainda se lembravam deles, mesmo após três décadas do acidente desastroso, não eram apenas seus pais e Rick, mas o quarto integrante da banda, o mesmo que havia conseguido fugir do desastre destinado a ele naquele 03 de novembro de 1981.
Josias estava parado a sete lápides de distância deles, observando atentamente aos seus três antigos amigos discutirem em frente à morada deles. Céus, eles estavam exatamente como ele se lembrava (péssimo dia para Daniel resolver tirar a barba, claro), exultantes como sempre. Daniel continuaria mal humorado onde quer que estivesse? E Félix, ainda apertava a tatuagem sempre que estivesse nervoso? É claro que sim, eles faziam aquilo bem a sua frente!
Josias chegou a considerar se aproximar e tentar contato, mas temeu interferir no plano que permitia a volta dos seus espíritos e complicar as coisas para o lado deles. Assim, ele ficou quase quatro minutos os observando de longe, até que saíram caminhando em um cortejo para fora do cemitério, o deixando sozinho com suas lembranças.
Apesar de estar sem barba, era óbvio que eles não vestiam mais as mesmas roupas do acidente, mas Josias sequer reparou naquele pequeno fato. Não, para ele, o que ele tinha acabado de ver eram os seus fantasmas fazendo uma pequena visita, não seus amigos de volta à vida!
-Apolo 81, caras…. Apolo 81. - Josias declarou, deixando mais flores para seus amigos, além de um par de baquetas, palhetas e pamonha. - Para vocês continuarem com o nosso sonho onde quer que vocês estejam.
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-Julie, você está afastada da gravadora, será que não consegue ficar quieta por cinco minutos?! - Bia ralhou com a amiga, que não conseguia se concentrar na revisão de geografia que faziam na Edícula.
-Bia, eles foram… No cemitério sozinhos!
-E daí? Já são todos grandinhos o suficiente para irem sozinhos.
-Pode até ser, mas não acha que foi emotivo demais? São os pais deles… - Shizuko opinou.
-Ah… - Bia lembrou rapidamente que a amiga também acreditava na história falsa. - Mas eles não vão ficar sozinhos, daqui a pouco eles chegam aqui.
-O que me lembra de uma coisa: Daniel não quis me dizer muito bem o que Martin disse a ele quando conversaram…
-Eles conversaram?
-E disse que eu precisaria perguntar a você, Shizuko. Qual é a de vocês? Porque ele falar hoje na rádio que tinha alguém foi no mínimo surpreendente.
-E eu só não reclamo com ele porque não tem como saber quem eu sou. Na sexta ele disse algo sobre eu ter sido a coisa boa depois do acidente dos pais dele, então provavelmente foi por isso que ele resolveu mencionar na rádio, mas…
-Fala logo, Shizuko! Ele disse que não era um namoro, mas ficar só em festas não significa que é alguém especial.
-É. Acreditam que ele pediu para regularizar as ficadas? Deixou claro que não é um namoro, mas quer agir exatamente como um namorado!
-Eu acho que ele tem é medo de compromisso, e não está sabendo como agir. Ficar de quatro que nem Daniel pela Julie certamente não é algo que ele quer.
-E o Félix pela Manu?
-Ah, francamente, Julie! Você realmente acha que ele está apaixonado por ela? Ele gosta dela, mas duvido muito que chegue a esse ponto, sinceramente.
-Você acha? Acho que nunca parei de verdade para perceber…
-Bem, se eu que quase não passo tempo com ele…
-Não passa tempo, mas conversa bastante. - Shizuko implicou.
-Conversa bastante com quem? - O próprio Félix passou pela porta aberta da edícula, curioso.
-Com o Valtinho. - Bia mentiu na cara dura. - Como foi a viagem?
-Emocionalmente cansativa, principalmente para o Daniel.
-Ele ficou por lá? - Julie estranhou.
-Não, está com o seu pai na sala. Aparentemente seu Raul gosta mais dele do que da gente.
-Ainda bem que ele é o genro, então. - Shizuko riu.
-Eu vou lá ver como ele tá. - Julie avisou, praticamente correndo do ambiente.
-VOCÊ QUER É FUGIR DA REVISÃO, ISSO SIM! - Bia gritou de volta. - Félix, você escolhe: quer ficar de vela aqui ou na sala?
-Olha, eu prefiro aqui. Ainda não consegui entender a dinâmica desse relacionamento dos dois, e eu tô bem curioso por isso. - Ele falou baixinho em seu ouvido se sentando ao seu lado, não querendo assustar Martin, mas apenas atentando ao casal que não era um casal para a interação dos dois.
Shizuko e Martin apenas se entreolharam, cúmplices de alguma coisa ainda não dita. Se Félix e Bia perceberam algo, foi disfarçado com um abraço caloroso dos dois, seguidos de um beijo na bochecha de Shizuko de maneira muito carinhosa - que fez a mesma corar. Sentado no sofá ao lado de Shizuko, Martin não tardou em passar seu braço pelos ombros dela, totalmente à vontade com a situação deles.
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-É sério, seu Raul, eu tô legal. - Daniel tentava convencer o sogro que não estava tão abalado pelo dia.
-Ainda é uma perda recente, Daniel. Você pode tentar se enganar, mas isso não é legal. Não é legal segurar os sentimentos. Se precisar chorar, chore, mas não fique fingindo que está tudo bem. Principalmente quando tem a nós agora. Sei que não é o ideal, principalmente porque vi como olha para a minha filha naquele dia no hospital e não sei se os jovens de hoje em dia se sentem bem sendo tão apreciados pelos pais das namoradas…
-COF COF COF! - Daniel teve uma crise de tosse. Como aquilo tinha chegado naquele ponto?!
-Ora, não fique assim, rapaz! Vi a sua preocupação com ela e como ficou nervoso! Meu conselho também vale para isso, se gosta dela, deixe ela saber. Mas cá entre nós, pode esperar as provas finais passarem? Julie precisa se focar nessa reta final….
-Pai! - Julie reclamou, tendo escutado o final da conversa.
Observando os dois vermelhos até o último fio de cabelo, Seu Raul teve a confirmação que algo acontecia entre eles, e se não, estava prestes a acontecer.
Ainda bem que ele não tinha visto as fotos dos dois se beijando!
-E eu disse alguma mentira, Juliana?! Ano passado suas notas não foram muito boas, e esse sendo o último ano, precisa de concentração.
-Seu Raul, por favor… - Daniel suplicou, fazendo o mais velho criar uma teoria sobre muito provavelmente ele ter colocado os dois em uma situação constrangedora - o que de fato tinha, mas não como ele achava.
Não, eles não se pediriam em namoro assim que ele saísse da sala, mas sim…
-Acho que não precisamos esconder mais. - Daniel respirou aliviado quando se viram sozinhos. - Seu pai parecia bastante animado pela ideia de namorarmos.
-Fazer o que? Você é o filho mais velho que ele nunca teve, acho que ele gosta mais de você do que de mim, na verdade.
-Que caras são essas? - Félix estranhou as expressões assustadas dos dois, quando fugiu da edícula.
-Aparentemente meu sogro sabe que é meu sogro, ou espera se tornar em breve.
-Bem, você disse que queria esperar no mínimo um ano para contar a ele, e na semana que vem vocês completam um ano de namoro. - O baterista lembrou.
-Eu disse que seria o tempo suficiente para conquistar ele.
-Pensei que tivesse que me conquistar, não o meu pai, Daniel.
-Ah, mas você eu já tinha conseguido quando ainda sequer podia aparecer para os outros. Acho que a ideia de ter um namorado secreto te atrai, não é?
-Se eu fosse você, não ficava implicando com isso não, principalmente quando temos um casal secreto não tão secreto lá na edícula. Julie, que droga é aquela? Martin está ABRAÇADO com a Shizuko, dando BEIJINHOS NA BOCHECHA dela!
-Você ficou surpreso com isso? Eu fiquei hoje cedo, com ele declarando publicamente que tinha alguém!
-Ele disse que esclareceria tudo com a Shizuko, mas achávamos que ele terminaria com ela por birra, não…
-Ele pediu para regularizarem as ficadas. Se beijarem quando e onde bem entenderem, com exclusividade, mas sem namorar.
-Ele quer namorar com ela, mas não sabe como pedir. - Daniel massageou as têmporas. - Julie, Martin nunca namorou na vida, sempre fugiu disso na verdade. Esse certamente será o único relacionamento que a Shizuko vai conseguir dele.
-Sempre fugiu disso, mas está sendo mais carinhoso com ela lá dentro do que você ou eu já fui com Manu.
-Posso garantir para vocês que Shizuko está igualmente confusa como todos nós. Eu pensei que eu nunca viveria para ver Martin apaixonado desse jeito.
-Nem nós. - Os dois disseram juntos. - E olha que precisamos morrer e viver de novo para ver uma coisa dessas acontecer.
Chapter 44: Quarenta e quatro
Chapter Text
-Ensaio de fotos? Beleza. Chego aí em meia hora.
Não tinha sido a intenção da Capricho chamar para um trabalho de última hora, mas também não tinham culpa se o Lucas, colírio de 15 anos, tinha sido internado na madrugada anterior com apendicite e os pais demorado a avisar. A campanha publicitária precisava ser feita naquela manhã - tanto para a publicação na edição de quinta quanto para ser entregue ao fornecedor. Cancelar definitivamente não era uma possibilidade.
Martin precisaria faltar aquela manhã na gravadora, mas Rick estava a par da dupla identidade do baixista mais famoso da idade deles no momento.
O briefing não tinha sido passado por inteiro para Martin, mas ele havia jurado que se garantia, que ele aguentava qualquer coisa. O que de tão impossível poderia ser cobrado para um ensaio fotográfico para uma marca de jeans? De fato, nada. Ele tinha contracenando com mais dois garotos e duas garotos, todos com jeans até às veias: calças, cintos, camisetas, pochetes e até me biquínis jeans tinham sido propostos - com esse último tendo ele passado tempo demais olhando para a garota loira que o vestia, intrigado com a funcionalidade daquilo, mas sendo interpretado de maneira errônea por todos os demais
Era tudo o que eles precisavam, de verdade. Ele ter demonstrado o mínimo de interesse na modelo facilitaria demais o próximo trabalho.
-Martin, querido… - A produtora o chamou para um canto - Esse não era o único trabalho do Lucas hoje. Precisamos que você ajude com a matéria da revista também.
-É claro que eu ajudo. O que eu preciso fazer?
-Primeiro, vá tirar todo esse jeans e depois vá para o estúdio 13.
No camarim, a única peça de jeans que Marin continuou a usar foi a jaqueta estilizada com tecido metálico e grafite, substituindo o restante das roupas por uma calça de couro preta e camisa estampada. Seu cabelo foi alinhado em um topete, com o mínimo de maquiagem sendo distribuído pelo seu rosto. Deixando o seu celular no bolso da sua calça de verdade no camarim, ele seguiu até o lugar indicado, achando bastante fofa a cenografia montada.
Muitos balões coloridos espalhados pelo lugar, fitilhos metálicos formando um imenso tapete na parede, sendo uma explosão de cor por onde quer que ele olhasse.
-Oi, quer uma bala? - A garota do biquíni jeans de antes surgiu ao lado dele, oferecendo uma Halls de melancia.
-Opa. - Ele aceitou de bom grado, com os dois colocando na boca.
Ela também estava bastante diferente, ele não pôde deixar de notar: o cabelo preso em um rabo de cavalo no alto da cabeça,a maquiagem dando uma ar meigo ao seu rosto, que antes ostentava. Uma pintura muito mais pesada. Com um vestido rosa claro rodado e com enchimento leve na saia, suas pernas ficavam à mostra, com uma camisa jeans clara permanecendo em seu tronco, a fazendo parecer mais uma Barbie do que a mesma garota rainha do jeans de antes.
-Você já sabe o que vamos fotografar?
-Eles não te passaram o briefing?
-Não, fui chamado de emergência para substituir outro garoto.
-Eu também, mas… - Ela decidiu parar de se explicar- Tudo o que sei é que é uma matéria sobre beijo.
Aquilo dava uma abertura ampla para fotos, Martin pensou. Mas provavelmente seriam apenas fotos com insinuação, nada que ele pudesse se preocupar.
-Ah, ótimo! Já estão prontos para ficar com a boca inchada? - A estagiária que deu a ideia sobre a festa de Martin perguntou despretensiosamente, o fazendo engasgar com a bala e ter uma crise de tosse violenta. - O que? Vai dizer que nunca beijou antes? - Ela brincou.
-Beijar?! Ninguém me falou sobre isso! - Ele estava corado e alterado.
-Isso é um problema para você? -Ela continuou a indagar, o deixando mais nervoso.
-Geovana! - A produtora chefe chamou atenção da estagiária. - Não é assim que se informa alguém sobre uma situação!
-Mas ele recebeu o briefing!
-Não recebi nada!
-Eu sei, Martin, e isso foi uma falha nossa, nos desculpe por isso. Mas você é o único que pode nos ajudar agora! Todos os outros colírios ou são jovens demais ou estão na aula nesse momento, e precisamos muito que seja um de vocês a estampar a matéria para fechar o ciclo de colírios deste ano.
-Mas…
-Precisamos substituir a sua colega para alguém que regulasse idade com você, já que o… era mais novo, e já que vocês dois demostraram certo interesse um no outro no ensaio anterior, pensamos que talvez…
-Não, não! Não foi interesse, eu só estava…
-Tem alguma coisa errada? - A modelo perguntou.
-Tem! - Martin fez uma careta, jogando os braços para o alto mas se impedindo de estragar o cabelo. - Olha só, não é que eu não tenha te achado bonita, mas eu tenho alguém, e mesmo que ela entenda situações assim, eu não pude avisar com antecedência! Já foi bastante difícil ficar com ela, se ela terminar comigo por isso… - Ele tagarelava sem parar, com seus olhos perdendo o foco.
Não podia perder Shizuko agora!
-Martin, calma! - A produtora pediu. - Não sabíamos que você namorava, mas não precisa ficar assim.
-Ela não é minha namorada, é alguém muito especial para mim!
- E entendemos como você é dedicado com o relacionamento e está preocupado, mas você mesmo disse que ela entende que é o seu trabalho. São só algumas fotos, nada muito escandaloso.
-A matéria é sobre o que mesmo? - A modelo perguntou, mais encantada pelo seu colega de trabalho.
-Sobre dicas de como beijar melhor, e não ter tantas expectativas para o primeiro beijo perfeito. Decidimos fazer uma matéria ilustrativa depois de tantos e-mails e cartas que recebemos após a primeira aparição sua, Martin. As leitoras acharam tão fofo o seu beijo com aquela garota da plateia que nos encheram de perguntas de como não fazer feio.
-Mas foi só um selinho. - Ele estranhou.
-Não foi só isso, a maneira como você olhou para ela, segurou no queixo dela… Foi apaixonante. - A colega de cena defendeu o ponto das leitoras. - O que? Eu também leio a revista.
-Não vai ser nada demais, então? - Ele confirmou.
-Só alguns flertes e um ou dois beijos, prometemos.
Martin suspirou fundo, concordando aquilo.
-Só… Vamos acabar logo com isso.
Posicionados em frente à decoração, os dois foram instruídos a relaxarem, conversar de perto e sorrirem. Uma foto para a bala sendo tocada, outra para ele sorrindo surrando alguma coisa em seu ouvido, outra para eles se aproximando.
-Eu peço desculpas se te fiz entender mal toda essa situação. É só que eu gosto muito dela.
-Deu para perceber isso, e é extremamente fofa a maneira como você quer cultivar esse relacionamento. - Ela alisava a jaqueta jeans dele, sentindo sua cintura ser enlaçada delicadamente. - Mas te deixaria melhor saber o meu nome?
-Não mesmo. Se você tiver um nome, vou me sentir culpado. - Ele fez uma careta ao beijar o canto da sua boca, torcendo para não precisar repetir a foto
-Martin, porque você não pensa na sua garota quando me beijar? Se não ficarem boas as fotos vamos precisar fazer isso o dia todo, o que não é nenhum problema para mim, mas a tendência é você ficar mais desconfortável.
-Isso não seria traição?
-Só se fosse comigo. Vamos lá, poderíamos fazer as fotos ficarem bonitas que nem aquela do evento. Na verdade, só estamos fazendo isso porque você beijou bonito antes.
Martin ponderou por alguns segundos, sendo fotografado como charme, apenas para aceitar tudo aquilo.
-Promete guardar um segredo? - Ele perguntou, segurando no seu rosto com delicadeza, levantando o queixo dela e olhando para os seus olhos. - Aquela garota do beijo é a minha garota.
-Isso explica muita coisa. - A garota sussurrou, sentindo os lábios de Martin se juntarem aos dela em uma pressão suave.
Eles não poderiam ficar naquilo, era óbvio, mas se ele se sentia confortável indo com calma, ninguém iria o apressar. Tomando confiança e imaginando Shizuko em seus braços, Martin movimentou de leve os seus lábios ao mesmo tempo que a loira fazia carinho em seu ombro na falha tentativa de relaxá-lo, mas só conseguindo o deixar mais incomodado. Não era o cheiro de Shizuko, o gosto, a altura dela! Ele estava se esforçando o máximo que podia, mas não era a sua garota trocando um beijo com ele naquela manhã.
O que o deixava angustiado e assustado, já que onde poderia imaginar estar tão envolvido com alguém ao ponto de querer praticamente fugir de um beijo com uma garota bonita? Ela não era a sua namorada, ele tinha deixado isso mais do que claro no dia da sua festa de aniversário, e ela tinha concordado com beijos hipotéticos no trabalho dele. Ele não precisava e nem queria ficar naquela neura toda!
Sentindo a garota mordiscar o seu lábio inferior e puxá-lo, eles ouviram outro clique da máquina, com Martin perdendo toda a vergonha de antes. Decidido a só aproveitar o momento, ele moveu sua mão de lugar e segurou melhor no maxilar dela aproveitando para puxar sua cintura para mais perto e abraçando seu corpo por completo. Em seu segundo ele já estava pedindo no passa hj em com a sua língua, passando a bala que estava em sua boca para a garota que suspirou e se arrepiou, corando imediatamente.
Mas a exploração e carinhos com suas línguas durou pouco, já que a produtora resolveu impedir que as coisas continuassem antes que eles perdessem um colírio para a vergonha.
-Você deve gostar mesmo dela… Garota de sorte. - A modelo sussurrou quando se separaram, mas não teve jeito.
Martin se sentia pior do que antes.
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Não demorou muito para eles serem liberados após aquilo, com Martin sequer mesmo cogitando tomar outro rumo: o banheiro munido da sua escova de dentes que deixava em sua mochila. Escovou seus dentes e língua quatro vezes apenas para ter certeza que gosto nenhum estava lá, para pegar o primeiro ônibus que passasse indo em direção ao colégio Pandora.
Era final de ano, eles já estavam saindo mais cedo - mas um trabalho em grupo passado de última hora prendia metade da turma em sala. Ele não se importava, ficaria em frente a escola esperando o tempo que precisasse para se resolver com Shizuko ainda naquele dia.
Recostado na mesa de xadrez mais próxima, ele puxou seu celular e saiu mandando mensagens para Arcrebiano, que apenas ria da sua cara.
"Acertei em te desafiar com aquele beijo no início do ano, hein?"
Ele não respondeu, apenas bufou em resposta e se perdeu no twitter querendo se distrair um pouco. Mas ele sendo um vagalume naquele meio de uniformes do colégio era claro e óbvio que não conseguiria.
Ele sentia os olhares, sussurros e fotos anéis tiradas dele, mas ficou perplexo quando sentiu uma presença ao seu lado, puxando conversa e grudando seus braços.
-Oi. Feliz aniversário atrasado.
Martin apenas ergueu a sobrancelha em descrença.
-Talita? Você não devia estar em aula?
-Ah, você me conhece?
-É claro, Talita Albuquerque,a …
-Meu sobrenome não é Albuquerque.
-Bem, então não é tão conhecida assim. - Martin gemeu internamente, ele era péssimo com sobrenomes. - Mas só jeito que era agarrada ao Nicolas já podia praticamente pegar o sobrenome dele.
-O Nicolas é passado. - Ela achou melhor enfatizar.
-Eu sei bem disso. - E apesar dele se referir a Julie, a frase dúbia foi mal interpretada, com a garota achando que se referia a ela.
-Parte da minha turma já foi liberada. Trabalho em grupo de matemática, sabe?
-A Julie ainda está lá dentro?
-Eu estou aqui fora
-Eu tô vendo, mas eu quero saber da Julie.
-Porque quer saber dela? Ela tem namorado.
-Eu sei.
Talita apenas revirou os olhos.
-Está, fazendo trabalho com Nicolas, a propósito.
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-Valtinho, não tem como você trocar as respostas com o outro grupo! - Shizuko sussurrou, alarmada. -Nicolas, controla o seu amigo!
-Qual é, cara! Ainda dá tempo da gente tentar resolver essas questões… Não precisa disso. - Nicolas tentou argumentar, envergonhado pelo papel que o amigo prestava na frente de Julie.
-A gente sim, mas acha que o Lucas e a Renata conseguem? Aqui todo mundo já passou de ano, mas eles….
-Todo mundo mesmo, Valtinho? - Bia perguntou.
-Se você me ajudasse que nem no final do ano passado, todo mundo sim. Mas ao invés disso você quis me deixar de lado por um cara chamado micróbio…
-Acre, Valtinho. - Nicolas corrigiu.
-Eu sei, Nicolas. - Valtinho bufou. - Meu problema é com a matéria, não com nomes.
-Isso são ciúmes, Valtinho? - Julie riu.
-É claro! Como você se sentiria se do nada fosse trocado por um cara muito mais alto, com barba e fortão?!
-Não é nada legal. - Nicolas teve a cara de pau de responder, apenas para se tocar que a pergunta não tinha sido direcionada a ele. - Não vou negar, não é legal, Julie.
-Isso te faz pensar, sabe? Ele só é dois anos mais velho do que a gente, e se até agora nosso rosto ainda parece bumbum de bebê, não vamos ter barba nunca? Sempre seremos trocados por um barbudo rockeiro?
-O Bill não era roqueiro. - Bia riu, já sabendo onde ia dar.
-É, mas o tal do Daniel sim. - Valtinho saiu em defesa do amigo. - Sabia que o Nicolas precisou começar a passar uma loção capilar no rosto para se recuperar dessa decepção?
-VALTINHO! - Nicolas ficou constrangido pela revelação. - É só um autocuidado! Uma garantia que isso não vai acontecer de novo!
-Aham, de maneira nenhuma que não é uma tentativa de chamar a atenção de Julie.- Valtinho desdenhou
-Você já olhou para o namorado dela? Mesmo que eu ficasse com uma barba de papai noel ela não olharia para mim!
-Vocês se esqueceram que eu estou bem aqui? - Julie perguntou. - E esse é o tipo de conversa que vocês têm quando estão sozinhos?
-Sobre o que mais falaríamos se as garotas das nossas vidas nos deram um toco?!
-Valtinho, não é para tanto. - Nicolas advertiu.
-O que? Agora vai ficar com vergonha de dizer isso só porque a Julie está ouvindo isso?
-Não, mas porque se você continuar desse jeito não vamos terminar o trabalho nunca!
-Então você não nega a afirmação dele. - Shizuko sussurrou para Bia, mas sendo ouvida por todos na roda.
-Isso não vem ao caso. - Nicolas tentou mais uma vez. - Mas Beatriz, se você tem amor aos meus ouvidos, poderia por favor parar de ignorar o Válter?
-Desculpa, Nick, mas eu prezo mais pelos meus. - Ela riu.
-EI! - Valtinho se sentiu ofendidísismo. - Ele te livrei daquele chato de galochas naquela festa!
-Não foi bem você, mas a sua presença ajudou. - Bia ponderou. - Você com certeza construiu um apartamento na mente dele.
-Você contrariou o sistema, Valtinho. Um magrelo sem barba conseguiu tirar a atenção no primeiro colírio capricho. - Julie incentivou. - Aposto que ele deve pensar em tirar a barba e parar de fazer exercícios depois disso.
Niclas sorriu para Julie, satisfeito com as palavras dela. Não por ele, mas por ajudar o amigo na sua autodepreciação.
-Obrigado. - Nicolas movimentou a sua boca para ela, se contentando com o grande sorriso que recebeu em resposta.
-Consegui, gente! - Shizuko alertou sobre as questões não resolvidas. - E sem precisar trocar com ninguém.
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-Olha, eu espera de tudo desses últimos dias de escola, menos que o Nicolas fosse falar em voz alta e na sua frente sobre os sentimentos dele. - Bia ria da situação, andando com as garotas em direção a saída do colégio.
-Já faz um ano e ele ainda gosta de você. - Shizuko se lembrou.
-Eu gostei dele por quase três anos, então não me choca isso. E não estou sendo prepotente, é só que se eu sofri vendo ele com a Talita e com outras garotas, porque ele precisaria me superar tão rápido?
-Ele até está tentando ter barba para te conquistar! - Shizuko riu daquele fato. - Ei, vocês sabem se Martin e Félix também tem uma barba que nem a de Daniel? Nicolas e Valtinho podem só estar se baseando em pessoas específicas e não…
-Olha, se ele tem barba eu não sei, mas que está conversando com a Talita, está. - Julie apontou para a frente, mostrando Talita perto até demais de um Martin falante.
-E ele tá bonitão. - Bia completou. - Vamos só passar por eles?
Mas Martin não estava tão falante quanto parecia, mais desejando desaparecer de lá do que outra coisa.
-Eu preciso agradecer pelo convite para a sua festa, de verdade. Ter podido estar em contato com todas aquelas subcelebridades e ainda sair Capricho foi algo único, sério.
-É? De nada então.
Foi com alívio que Martin identificou a silhueta das três, não tardando em ir na direção delas.
-Garotas! - Ele cumprimentou, indo até Shizuko e segurando seu rosto para um beijo rápido em seus lábios, passando seu braço pelos ombros dela e segurando na sua mão.
-O que estava fazendo com a Talita? - Julie fez a pergunta de um milhão.
-Além de cometer a gafe de chamá-la pelo nome errado? Nada, só esperando vocês. Ela quem quis ficar de conversa. - Ele declarou, deixando um beijo estalado na bochecha de Shizuko ao passar por ela.
-Escuta, tudo isso são saudades ou…?
-Mostrando para a amiga de vocês que eu tenho alguém e não quero ficar com ela.
Martin não dizia que não estava solteiro, mas sim que tinha alguém, voltando com a dubiedade.
-Aliás, querem bala? - Ele não deu opção de escolha a elas, praticamente enfiando o doce em suas bocas, seguido da própria.
-Foram os garotos que te mandaram vir nos buscar? Eu estou de licença essa semana ainda.
-Porque o Félix me mandaria escoltar vocês até em casa? Não, eu quem fui ser um colírio hoje e resolvi buscar vocês. - Martin declarou, passando o braço livre pelos ombro de Julie, andando abraçado com duas garotas pela calçada.
-Olha, não é querendo estragar o momento bonitinho de vocês não, mas vai acabar chamando atenção para a gente se ficar de muito grude com…
-Ah, Bia! Deixa de ciúmes! Vem cá! - E tirando o braço de Shizuko, ele abraçou Bia pelos ombros, com as duas tentando fugir dele.
Antes mesmo que tivessem percebido, Shizuko tinha tirado uma foto deles, alegando que seria perfeita para Martin conseguir atenção em seu twitter.
-Você sempre fala da sua amiga Bia, e dançou com Julie no seu aniversário. Faz mais sentido com elas do que comigo.
-Não vai ficar com ciúmes, Shizuko? - Julie brincou.
-Para que? Eu acredito que Macrobiano é real. - Ela implicou, rindo ao receber cosquinhas dele.
-Deixo esse sacrifício para a Bia.
-Sai para lá! Pretendo ficar um bom tempo solteira depois daquela festa no seu apartamento.
-Bom saber disso. - Martin sussurrou para Shizuko, que concordou com a cabeça.
-Mas péssimo para Valtinho. Sabia que eles estão passando loção para a barba crescer e ficar igual a de Daniel e Arcrebiano? - Julie riu.
-Deixa só o seu namorado saber disso, é capaz de querer fazer um penteado nela só para implicar com o panaca.
E naquele clima de humor e piadas, não demorou muito para que eles chegassem até a rua de Julie, com Bia e a vocalista sendo deixadas devidamente em casa antes da postura de Martin mudar mais uma vez, ficando mais íntima e preocupada com Shizuko. Segurando apertado em sua mão, ele preferiu se distanciar da casa das amigas antes de entrar no assunto que ele queria.
-Você está um verdadeiro colírio hoje. - Sizuko o elogiou, estranhando o comportamento dele.
-É sobre isso que eu preciso conversar com você. Não era nem para eu ir para a Capricho hoje, mas me chamaram de emergência hoje de manhã. Um dos colírios foi internado com apendicite e precisavam fotografar para a matéria da edição de quinta.
-E o que isso tem a ver comigo?
-Eu não consegui te avisar com antecedência por que nem eu fui avisado, mas eu precisei beijar uma garota hoje. Eu tentei argumentar, mas não teve jeito! Me desculpa, Shi….- Martin beijou em seus dedos, a surpreendendo com o apelido.
-Você se preocupou com a minha reação? Foi por isso que veio me buscar agora?
-Eu precisava falar com você o mais rápido possível, e queria me desculpar pessoalmente.
-Não tem problema, Martin. É o seu trabalho, esse foi um dos nossos acordos daquele dia. Só espero que da próxima vez eles te avisem antes, para eu não levar nenhum susto com a revista.
-Eu sinceramente espero que não tenha uma próxima vez. - Ele rolou os olhos. - Você pode me dar um beijo, só para eu esquecer o de mais cedo?
-Você beijar outra garota e depois vem pedir para me beijar? - Ela brincou.
-Eu escovei minha boca quatro vezes, e chupei cinco balas nesse meio tempo, não tem mais nenhum resquício dela na minha…
-Isso explica porque está tão agitado desse jeito.
-Talvez, mas eu estou desesperado para te beijar de verdade. Podemos nos beijar onde e quando quisermos, lembra?
-É, mas não no meio da calçada atrapalhando a passagem dos outros!
Martin precisou esperar chegar até a porta de Shizuko para enfim beijá-la da maneira como ele queria, limpando qualquer registro daquele beijo de antes e constatando que sim, agora era a sua Shizuko em seus braços, não uma imaginação fajuta.
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-Você comprou a Capricho de hoje? - Bia perguntou a Shizuko na manhã daquela quinta feira, enquanto esperavam pelas provas começarem.
-Aham, mas quis esperar para ver com vocês.
-E o que estamos procurando, exatamente? - Julie coçou os olhos.
-Ele disse que precisava beijar alguém, então provavelmente alguma campanha publicitária.
-Shizuko… Acho que é melhor do que isso. - Bia apontou para a chamada no sumário.
“BEIJO PERFEITO! 10 jeitos de surpreender e conquistar o coração do seu fofo e deixas a hora do beijo mais gostosa”
As três apenas se entreolharam, pulando para a página 42 e tendo dificuldades em segurar a risada.
-Pelo menos agora você não vai poder reclamar mais que ele beija mal. - Bia se referia a sequência de fotos dele e uma garota se beijando e flertando.
-Se ele não aprendeu depois disso, eu desisto. Tadinho, ele ficou mesmo preocupado com a minha reação.
-E aposto como as suas risadas não foram o que ele esperava.
-E eu por acaso tenho poder de impedir ele de fazer alguma coisa? Nem namorada eu sou.
-Olha, ele pode não beijar bem, mas beija bonitinho. - Julie comentou. - Se importa de eu mandar essa foto para Daniel?
-Quer que ele melhore o beijo?
-Não, mas a piada de beijo ruim também chegou nele e em Félix.
Martin seria sacaneado sem saber e entender pelo restante do dia, isso sim.
Chapter 45: Quarenta e cinco
Summary:
A banda precisa passar por mudanças, e nem todos estão tentados a aceitá-las
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Quando menos esperavam, finalmente a segunda semana de dezembro tinha chegado, e com ela o dia em que Julie e todos os garotos passavam a ser exclusivamente da gravadora, em tempo integral. Com a formatura, a única vez que Julie precisaria voltar na escola seria dali a duas semanas, para a festa de formatura - onde a sua banda tinha sido convidada a se apresentar em um show particular, em homenagem aos primeiros shows deles no ano anterior.
Mas passando tempo integral no estúdio, uma questão muito importante precisava ser levantada - o que já tinha sido protelado por bastante tempo.
-Eu preciso que vocês pensem na possibilidade de outro integrante, rapazes. - Rick tinha levantado a pauta no primeiro dia. - É uma nova era de vocês, e é totalmente inviável continuarmos a terceirizar os outros instrumentais sem que eles conheçam vocês. Os shows serão mais frequentes a partir de agora e precisaremos de pelo menos mais um com vocês no palco.
-Mas acrescentar outro mascarado? Não iriam dizer que perdemos a nossa essência? - Félix foi o primeiro a se pronunciar.
-Fora que o lance das máscaras é sobre ser um significado, não um capricho. Se existir outro fantasma disposto a enfrentar Demétrius apenas para tocar na banda, beleza, mas… - Daniel tinha ficado nervoso, na verdade, enciumado.
-Não necessariamente mais um mascarado, isso é com vocês, mas Julie também está no palco e apenas usa pintura facial. Olha, não estou dizendo para colocar a nova pessoa em evidência junto com vocês, mas ter outro instrumentista facilitaria muito as samples exibidas ao vivo. E ele não precisa necessariamente conhecer vocês agora, podem se acostumar com a sua presença….
-Acho que eu tenho uma ideia. - Julie se pronunciou. - Precisamos de mais um instrumentista, certo?
-Exatamente.
-E o requisito é ser um fantasma, certo?
-Julie, Demétrius não…. - Martin tentou avisar, mas foi cortado.
-Não Demétrius, mas Josias. Ele é tecladista, fez parte da banda original e era para ele ter sido o fantasma, não vocês. Ele cumpre todos os requisitos.
-Julie…. - Daniel alertou a namorada, com temor e cautela nos olhos.
-Demétrius mesmo prometeu que nada aconteceria com ele, e não vai ser a presença dele que vai matar vocês de novo. Qual é, gente! O maior sucesso dele foi no final dos anos 80, ele merece mais uma chance, assim como vocês.
-Mas Julie, entenda…- Martin tentou se explicar. - Nós três morremos juntos, no lugar dele, e permanecemos juntos por trinta anos. A Apolo 81 continuou viva na gente, mas para ele não.
-Justamente, não somos a Apolo, mas os Insólitos. Se vocês puderam tentar mais uma vez aqui, eu voto para que ele também possa. Metade dessa banda estava morta até o final do ano passado, porque estão implicando tanto com isso? Ele também era amigo de vocês, não era?
Aquilo fez Félix ficar pensativo, acertando em cheio o seu ponto fraco. Josias, Daniel e Martin tinham sido a sua tábua de salvação em forma de melhores amigos, e se eles tinham tido uma segunda chance, nada mais justo do que compartilhar o mesmo com o amigo a tanto esquecido pelo tempo, que também compartilhou do mesmo sonho que eles nos momentos bons e ruins de antes. Olhando para Daniel, Félix perguntou silenciosamente o que ele achava de tudo aquilo, percebendo que o mais novo sentia o mesmo.
-Ah, gente… É sério? Não é que eu não goste dele, mas ele não vai ter a menor ideia de quem a gente é, se esqueceram? Não acham que vai ser doloroso demais? - Martin usou os últimos argumentos que tinha, sendo completamente ignorado.
-Martin… - Daniel olhou para o mais velho, com a pergunta silenciosa.
O baixista não teve muito o que fazer, já que todos pareciam a favor daquilo.
-Eu só espero que se você e Julie brigarem de novo, você ouça os meus conselhos desta vez. - Ele falou bastante sério. - Mas vamos trazer Josias de volta para a Apolo.
-Insólitos. - Julie e Rick corrigiram.
-Apolo 81 - Sendo corrigidos pelos outros três, que agora tinham um sorriso de satisfação no rosto, mas não maior do que o de Daniel.
-Obrigado … - Ele sussurrou para Julie, sabendo que ela só tinha feito aquilo por ele ter dito que queria aquilo meses antes, quando tentaram ter a primeira vez e foram atropelados por lembranças de Carla, com perdão ao trocadilho .
-O que nos leva a outro ponto: como chamamos alguém para uma vaga que ele sequer se candidatou? - Félix se lembrou do ponto principal.
-Isso pode deixar comigo, consigo usar a cartada de ter o conhecido na Apolo e lembrar de Laura Maria para fazer o convite. - Rick anunciou. - Mas se ele não quiser, vou precisar que vocês deem uma ajudinha.
-A Bia já conversou com ele, eu acho que ele topa. - Julie se lembrou. - A propósito, ela disse que as imagens do acidente não são nada legais.
-A Bia viu isso?! - Daniel ficou horrorizado e constrangido, já que tinham tido todo um trabalho de inventarem um contexto da sua morte antes.
-Não pode culpá-lo por guardar isso, era a última lembrança dele com vocês.
-O que chega a ser um pouco irônico, não?
-Martin….. - Daniel alertou de novo, sendo o termômetro do amigo de infância.
-Mas é a verdade!
-Eu preferia quando eu tinha a doce ilusão que todos eles eram melhores amigos… - Rick sussurrou para Julie, que apenas riu.
-Só vamos descobrir isso quando Josias chegar, não é?
Naquele dia mesmo Rick entrou em contato com o tecladista, se apresentando, relembrando do tempo de escola, sobre como era fã da Apolo 81 e comentando sobre a produção da mais nova sensação do momento. E ele, como bom oportunista, tinha pensando em Josias para compor o teclado, dando uma nova chance para ele.
-Pense como uma homenagem aos outros componentes…
-É uma autorização para as letras ou….
-Não, não precisamos da autorização, apenas de um tecladista. Josias, eu sei como vocês tinham potencial e sinto muitíssimo que isso tenha sido arrancado tão cedo de voces, mas essa é uma oportunidade única. Eles podem estar onde quer que estejam torcendo por você, cara. Pode vir aqui ao menos conversar e conhecer a banda?
Josias ficou muito tempo em silêncio no telefone, deixando Daniel inquieto - todos eles escutavam pelo viva voz - mas quando voltou a falar, deu a esperança que todos precisavam naquele momento.
-Amanhã é bom para vocês?
Eles não tinham tempo a perder! Com a turnê se aproximando, precisavam o mais urgentemente possível de um novo integrante, com todos se preparando o melhor possível para aquele encontro. Os três rapazes estavam muito bem mascarados quando viram o antigo amigo entrar no estúdio com Rick - eles não escutavam uma só palavra do que era dito, apenas sabendo que precisavam começar a cantar para dar uma palhinha do ao vivo como forma de convencimento.
O repertório tinha sido o mesmo apresentado meses antes para Rick, com Julie cantando uma conjunta e outra só dos rapazes.
-E então, o que achou deles? - Rick tentava convencer o mais velho da cabine de comando.
Mas Josias estava em choque. Como era possível alguém ter a mesma capacidade vocal de Daniel? Desafinar no mesmo ré menor de Martin? Aquilo era uma piada? Mas ele conhecia Rick, se lembrava de autografar a capa do disco dele e de como aquela criança tinha ficado arrasada com a morte dos seus amigos. Tinha cansado de o ver chorando pela escola e uma vez ou outra o encontrando no túmulo dos garotos no dia do aniversário de morte deles.
Ele não poderia brincar com algo tão sério para eles dois.
-Garoto, eu posso entrar lá rapidinho e testar? Quero saber se flui o nosso ritmo.
-Sem problema nenhum! Rapazes, vamos fazer um pequeno teste conjunto, está bem?
Josias entrou na cabine de som e cumprimentou cordialmente todos, indo em direção ao teclado ao lado de Julie e olhando bem para todos eles.
-O que quer que a gente toque? - Daniel perguntou.
-Eu posso começar e vocês me acompanham, o que acham?
-Composição de improviso? Maneiro. - Rick tinha adorado a ideia.
-É você quem manda aqui. -Daniel respondeu por todos, sorrindo por debaixo da máscara.
Alongando os dedos, Josias começou com algo básico - brilha brilha estrelinha e um dó ré mi, sendo acompanhado pelos outros três, mas ele não estava de brincadeira. Sabia que Félix sempre se atrapalha com o bumbo quando ele teclava em uma sequência especificamente rápida assim como Daniel tentava seguir a mesma frequência deles e acabava estourando a guitarra - acontecendo exatamente o mesmo quando ele testou, com exceção da guitarra. Mas aquilo não podia ser coincidência. Olhando para o baterista, foi com horror que ele notou a presença da tatuagem de teclado no antebraço esquerdo em movimento, decidindo tomar uma providência de uma vez por todas.
Foi com todas as suas fichas que ele começou a tocar a melodia de Humilhação e Sofrimento, sendo imediatamente seguido pelos outros instrumentistas que sequer perceberam o que ele fazia.
Parando abruptamente, ele já tinha tomado a sua decisão.
-E então? Aceita ficar com a vaga? - Rick perguntou pelo microfone.
-Eu posso só fazer uma pergunta primeiro, garoto?
-Se eu acho que eles estão olhando e torcendo pela gente?
-Não, quero saber porque eles estão se escondendo atrás dessas máscaras ridículas ao invés de tocando de cara limpa como a Apolo. - Ele olhou bem para cada um deles, irritado.
-É o que? De quem estão falando? - Martin tentou salvar a situação, mas não tinha jeito.
-Martin, você não consegue mentir, não para a gente.
-Meu nome é Marcelo.
-Um Marcelo que desafina na mesma nota que Martin, um Bruno que continua com a mesma potência vocal e um Fábio que se atrapalha da mesma maneira que antes com o bumbo. Vocês acabaram de tocar HUMILHAÇÃO E SOFRIMENTO E NÃO SE LEMBRAM!?
Julie se encolheu no canto, próxima a Félix. A única vez que tinha visto um deles irritado tinha sido Daniel na grande briga meses antes.
-Eu pensei que estivessem mortos, MORTOS! Quando os vi no cemitério no aniversário de morte, pensei que fossem fantasmas! Eu fui ao ENTERRO de vocês, eu ESTAVA no acidente, mas como…?!
-E nós morremos mesmo, Josias. - Daniel arrancou a máscara da cabeça. - As máscaras eram para esconder a nossa condição fantasmagórica, mas tivemos uma nova chance de voltar ano passado, para ter uma nova chance de cantar.
-E em nenhum momento pensaram em me procurar!?
-Tecnicamente você não era para nos reconhecer, então não tinha sentido. Nem a mãe de Daniel consegue ver que é ele, como você conseguiu?
-Félix, eu passava mais tempo com vocês do que qualquer pessoa, não reconhecer cada mania seria impossível. Não lembrar ou reconhecer vocês seria como não me lembrar de mim mesmo ou me reconhecer!
-Então… Você volta para a banda? - Rick estava ansioso.
-Eu nunca deixei de fazer parte da banda, garoto.
-Mas os Insólitos…
-Apolo 81. - Os quatro interromperam, com Martin e Félix tirando as máscaras e indo até o tecladista, trocando soquinhos e abraços de saudação.
Ele tinha aceitado bem demais tudo aquilo, tanto que Julie tinha até relevado o fato de ter sido completamente esquecida pelo restante do dia.
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O restante da semana havia sido bastante intenso, com a agilização da assinatura de contrato de Josias e integração total dele na banda. Tinham sido horas intensas de estudo de partituras e das letras das músicas, assim como ensaios para que ele pegasse o jeito. Não precisariam de uma música nova tão cedo já que estavam se preparando para sair em turnê assim que o natal passasse, com o primeiro show já sendo na virada de ano novo.
O plano não era nada simples: começariam com o show de virada em Copacabana, parariam dia 1 e retornariam com mais três shows no Rio de Janeiro naquela semana. Em seguida, partiram para Belo Horizonte, Pernambuco, Salvador - onde fariam uma pausa para Julie organizar os documentos e fazer a matrícula pra faculdade caso passasse, indo para o Pará, Brasília, Paraná, Santa Catarina e enfim voltando para São Paulo bem a tempo do semestre começar. Seria puxado, bem puxado, mas eles precisavam recuperar todo o tempo interrompido de antes. Josias precisava estar preparado com todas as melodias na ponta dos dedos, colocando em prática naquela noite de sexta no colégio Pandora
Com uma estrutura similar a amadora que eles usavam no início da carreira, os Insólitos subiram ao palco para comemorarem o fim daquele ciclo. Apesar das máscaras, nenhum deles tinha roupas descontraídas como de costume, mas sim vestidos a caráter de uma festa de formatura. Ora, até mesmo Julie estava de salto alto e vestido de festa!
-Oi, gente! Finalmente chegou, não é? - Julie conversava com a turma no microfones enquanto ajeitava a altura do pedestal. - Parece que foi ontem que a gente entrou no colégio…- Mas vendo a dificuldade da amiga, Martin se prontificou a ajudar, indo até a garota e ele mesmo ajustando. - Valeu, Marcelo. Ter todos vocês nas nossas primeiras apresentações foi incrível, e poder tocar aqui de novo… É uma ótima despedida.
Valtinho puxou palmas para a amiga, sendo acompanhado pelo restante dos pais e professores.
-É com grande prazer que eu apresento para vocês o mais novo integrante da banda, o Josias. Vamos lá?
Foi com grande prazer que Daniel deu início ao seu solo de guitarra, com Martin se juntando a ele em seguida. Quando o mais novo deu a contagem de partida, todo o público começou a vibrar junto.
1, 2, 3 vai!
Agora eu sei qual o meu caminho
As escolhas que eu mesmo fiz
Aprendi com meus erros pra chegar aqui
Não era uma escolha a toa eles cantarem aquela música bem naquele evento. Eles estavam se formando no Ensino Médio, e querendo ou não, todas as escolhas e erros deles despontavam bem, ajudando a guiar o caminho deles para a próxima etapa.
Vi que o medo não vence os sonhos
E por nada vou desistir
Tenho fé no som, tenho fé em mim
Eu tenho fé em mim
Nada vai segurar
Quem sabe aonde quer chegar
Aonde quer chegar
Josias tinha se integrado à melodia, fazendo o público gritar de empolgação pelo teclado ter composto muito melhor a música, fazendo com que a sensação crescente no peito de cada um aumentasse, os levando até o refrão com o máximo de empolgação cabível.
Eu vou quebrar o silêncio
Sim eu vou, mostrar a minha voz
Você pode me entender
Somos iguais, essa noite somos um só
E eles tinham mesmo. Todos os formandos gritavam em coro junto de Julie, Daniel, Martin e Félix. Todos eles quebravam o silêncio imposto pela escola, e só eles se entendiam, já que naquela noite, todos eram apenas um: os formandos de 2012.
Eu tenho tantas coisas pra dizer
Coisas que importam pra mim e pra você
Andei em círculos, tentei escapar
Mas tudo voltava ao mesmo lugar
Eu vou quebrar o silêncio
Sim eu vou, mostrar a minha voz
Você pode me entender
Somos iguais, essa noite somos um só
Os pais e professores se sentiam emocionados por aquela canção expressar os sentimentos e ações dos filhos e alunos até então - ignorando completamente o fato que ela se referia a superação de Julie conseguir catar na frente de Nicolas e se mostrar presente para ele como uma garota.
Quando a apresentação acabou, Julie agradeceu mais uma vez, deixando o palco e indo se juntar às suas amigas. A partir de então um DJ assumiria o controle da música, enquanto os rapazes trocariam suas camisas para não serem reconhecidos no meio da festa - já que apenas algumas pessoas conheciam suas verdadeiras identidades.
-Amiga, a filmagem ficou incrivel. - Bia comentou. - Ficou uma coisa meio amadora e profissional ao mesmo tempo.
-Que filmagem?
-A que Valtinho e Nicolas fizeram. O evento pode ser privado, mas queríamos mostrar para todos a presença de vocês na própria formatura.
-Estamos ajudando vocês, como grandes fãs que somos. - Nicolas interrompeu. - A propósito, parabéns, Julie. - Ele a cumprimentou, sendo puxado por um abraço por ela.
Ele não foi bobo, retribuiu da melhor maneira que pôde, feliz pela migalha de atenção.
-Me desculpa por não ter te notado a tempo. - Ele falou baixinho.
-Não precisa se desculpar por isso, não teríamos metade das nossas músicas se você tivesse. - Julie riu, se separando do amigo. - Amigos?
-Amigos.
Em algum momento Nicolas superaria Julie, mas até lá conviveria com aquele pequeno bichinho em seu coração arrependido por tê-la notado tarde demais. Pelo menos tinha diversas músicas em sua homenagem e o tal do Daniel, só uma. E falando nele….
-Estamos diferentes o suficiente? Ah, oi, panaca. - Daniel falou na lata para o garoto.
-Panaca? - Nicolas estranhou.
-A partir do momento que você fez Julie chorar, você se tornou um panaca.
Isso e por ter dito que ela era sem sal, mas ele não contaria aquilo.
-Justo. - Nicolas concordou com o seu rival, o que fez Daniel ficar muito confuso. - Odeio admitir isso, mas você é muito melhor para ela do que eu. Cuida bem dela, tá?
-E eu odeio concordar com você, mas pode deixar que eu já venho fazendo isso desde que uma certa pessoa começou a namorar. - Ele se referia a Bia e Theo, mas Nicolas tinha interpretado o seu namoro com Talita.
Nicolas apenas concordou com a cabeça, consternado.
-Ao menos pode me dar um autógrafo? Sou super fã de vocês.
Bia. Shizuko, Valtinho e Julie assistem aquela interação boquiabertos.
-Biazinha, o que que tá acontecendo aqui? - Valtinho questionou a amiga.
-Não tenho a menor ideia.
-Gatinha, porque Daniel está conversando com o panaca? - Martin surgiu por trás da não namorada, assustando a todos.
-Parece que eles estão em uma disputa de propriedade pela Julie. Um ressaltando onde o outro errou e como está tratando bem dela.
-Daniel territorialista? Isso é preocupante.
-Porque? - Julie se interessou.
-Com a Carla ele não era assim, era justamente o contrário. Juliezinha, vamos ficar de olho nele por você, não quero que as experiências passadas estejam afetando o atual.
-Martin, você sabe que ele já era assim antes.
-O que não quer dizer que não seja um efeito da sanguessuga.
-Martin, apesar de não ter ideia do que vocês estão falando, com certeza não é assunto para uma festa com tantas pessoas presentes. - Shizuko alertou.
-Você razão, Shi. Prefiro muito mais te dar o meu presente de formatura do que falar desse bobalhão aí.
-Presente?
Martin não disse nada, apenas deu um sorriso cúmplice antes de juntar suas bocas bem ali no meio dos amigos. Tomada pela surpresa, Shizuko acabou se deixando levar, sabendo ter um tempo relativamente curto em que não se beijavam. Muito embora o novo acordo fosse ficar quando bem entendessem, lá estavam eles se beijando mais uma vez em uma festa.
Não era nada espalhafatoso, mas o suficiente para deixar os amigos em volta no meio termo entre o constrangimento e a vontade de encarar.
-A quanto tempo isso ta acontecendo? - Valtinho perguntou para Bia, chocado.
-Desde o seu aniversário do ano passado.
-Shizuko estava namorando e eu não sabia?
-Não estamos namorando. - Martin teve a pachorra de encerrar o beijo rapidamente apenas para comentar mais uma vez.
-Então você é um enrolão. - Nicolas opinou.
-Pelo o que eu saiba, o lerdo aqui é você. Não fui eu quem ignorou a amiga que gostava dele por anos e só percebeu quando ela arrumou outro.
-É, mas também não sou eu quem está ficando a um ano com uma garota e não toma uma atitude. E pela minha experiência, a qualquer momento pode aparecer um barbudo e tirar ela de você.
Nicolas tinha atraído mais um para o clube de inseguros com barbudos naquela noite.
No meio daquela confusão, Daniel tinha indicado um canto da festa com a cabeça discretamente para Julie, ficando satisfeito por ela entender o seu recado. Ele não precisava mais se indispor com Nicolas agora que seu melhor amigo fazia isso por ele, e por mais que ele odiasse novamente concordar com a anta, Nicolas estava mais do que certo naquela situação.
Ele não esperou muito tempo, apenas se afastando o suficiente para não serem vistos por seu Raul para que começasse a beijar a sua boca. Com uma ansiedade contínua e felicidade genuína, Daniel colou sua boca na de Julie, movimentando seus lábios com afinco - apenas sendo atrapalhado pelo imenso sorriso que ostentava em seu rosto. Eles estavam juntos há um ano, com uma banda incrível e prestes a darem um novo passo na vida deles.
-Se continuarmos assim meu pai pode ver. - Julie advertiu, abraçando o pescoço do guitarrista.
-Ainda bem que ele deu permissão para isso, então. - Daniel respondeu, trocando selinhos demorados em sua cama, sem conseguir parar de sorrir.
-Eu encarei mais como uma intimação.
-O importante é ele achar que ficamos juntos agora, e não a um ano. Lembra do nosso plano, não é?
-Contar sobre o tempo real só depois que já tivermos saído de casa.
-Quando estivermos morando juntos, de preferência.
-Não acha meio enjoativo uma banda morar toda junta no mesmo apartamento?
-Por mais que os últimos trinta e dois anos tenham sido bastante agradáveis, eu me referia a só nós dois. - Daniel deu mais um beijo calmo em seus lábios. - Obviamente não agora, mas tendo em conta que pretendo passar muitos anos ainda com você, inevitavelmente isso vai acabar acontecendo. - Ele tagarelou, subitamente nervoso.
Julie apenas ficou em silêncio, absorvendo aquilo tudo. Sem dar uma resposta concreta, ela apenas se pôs na ponta dos pés e voltou a beijar a sua boca com carinho, imersa na onda de felicidade que atingia os dois. Com os lábios calmos, eles aproveitavam o momento a sós, sequer se importando de serem vistos.
-É como nos velhos tempos, não é? - Félix comentou com Josias, parados próximo a mesa de bebida .- Os dois se atracando com garotas enquanto ficamos aqui, bebendo refrigerante.
-É bem estranho ver vocês três namorando, na verdade. - Josias comentou, rindo.
-Correção, só nós dois. Martin não namora, se esqueceu?
-E desde quando fica naquela melosidade toda com uma garota?
-Você não viu nem a metade, Josias. Ele tá completamente apaixonado por ela mas não dá o braço a torcer.
-E você? Também está apaixonado pela sua namorada? - Josias foi certeiro, tendo observado bastante seus amigos naqueles últimos dias.
-Eu…
-Ah, isso é incrível, não é? - Seu Raul se intrometeu na conversa dos dois, destruindo a bolha de velhos tempos.
-O refrigerante? - Josias estranhou.
-Não, não. Mas que Daniel tenha enfim se resolvido com a minha filha. - Ele se referia aos pequenos beijos que tinha visto seu guitarrista favorito dar no caminho a mesa de bebidas. - Estou tão feliz por eles!
-Seu Raul, parece que está mais feliz por Daniel do que pela Julie. - Félix riu, desconcertando o mais velho.
-O que posso fazer se eu gosto dele? Você deve ser o novo tecladista, não é?
-Josias, ao seu dispor. - Ele estendeu a mão, cumprimentando o mais velho.
-Raul. Escuta, não querendo ser indiscreto, mas quantos anos você tem?
-Sou bem mais velho que os rapazes, trinta anos mais velho. Mas não se preocupe, aceitei a vaga a pedido do próprio produtor deles.
-Rick disse que Josias fazia parte de uma banda na época de escola deles que estava fadada ao sucesso, e quis que ele também ajudasse a gente. - Félix mentiu na cara dura.
-E não fez?
-Não, porque com exceção de mim, toda a banda morreu. - Ele falou direto. -Estamos encarando isso como uma nova chance de ajudar músicos promissores.
-Sei…. Mas você não foi a grande causa, não é? - Seu Raul fez uma tentativa de piada. - Sabe? Eles terem misteriosamente te salvo….
-Eu realmente espero que não, porque se for, eu vou me sentir culpado pelo resto da minha vida.
Nenhum deles tinha contado ainda o motivo do acidente para Josias, então ele realmente não sabia que sim, o motivo era ele. Ainda bem que Félix acabou com o assunto ao ter uma crise de tosse provocada pelo rumo da conversa.
Notes:
Comentários são o combustível da autora....
spoiler: Josias desconfia muito do gosto romântico de Daniel, da ultima vez que ele namorou a banda se desfez. O que pode acontecer agora que ele namora a vocalista?
Chapter 46: Quarenta e seis
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
-BOA NOITE, GALERAAA! - Julie gritou no microfone, levando a plateia à loucura.
A turnê tinha começado apenas a três semanas, mas já tinha sido o suficiente para todos eles terem a constatação de que era aquilo que queriam fazer pelo resto das suas vidas. Toda a energia, pulsação e emoção que conseguiam sentir cada vez que subiam aos palcos era totalmente diferente do anterior - o que os instigava mais e mais a continuar e inovarem.
A dinâmica preparada e montada a cada cidade que chegavam não era diferente: com um palco amplo para caberem todos e com espaço suficiente para pularem de lá para cá, Josias ficava com o teclado na parte da direita, seguido de Martin com o baixo, Félix e sua bateria e um tablado para ser visto, enquanto Daniel com a guitarra na parte da esquerda. Julie não tinha um lugar fixo - e na verdade nem Daniel e Martin, que se movimentavam o máximo permitido pelos instrumentos.
Naquele meio tempo, tinham entendido que se quisessem implementar a dança nos shows ao vivo precisariam de muito mais tempo que o normal, já que era quase impossível para Julie ter controle sobre seus pés e boca ao mesmo tempo, ao menos em uma coreografia. Assim, a melhor tática usada era a de simplesmente apenas andar, correr e pular entre os integrantes - sempre tomando cuidado com fios e cabos pelo caminho.
O público tinha recebido bem Josias - ainda mais por ele não interferir no trio principal de mascarados. Assim como Julie, a sua caracterização se baseava em pintura facial: enquanto ele passava a usar a tradicional faixa nos olhos com linhas pela sua testa, Julie variava entre os mais variados desenhos, mas principalmente tendo preferência por metade do seu rosto ser rosa, em uma linha imaginária passando pelo seu nariz e maxilar - o que resultava em um olho super rosa e o outro maquiado pesadamente. Suas roupas foram substituídas por calças de couro e saias de tule, com jaquetas estilizadas compondo o visual. Já os garotos haviam recebido máscaras mais realistas que ainda impediam que vissem seu cabelo, mas trouxesse um ar mais animal ao rosto deles - mas sem animal print, por favor!
Seu Raul tinha acompanhado eles apenas no show de virada do Rio de Janeiro, sendo obrigado a deixá-los sozinho depois disso, precisando compreender que a sua filha já tinha crescido o suficiente.
-Fica de olho nela, Daniel.
-Com toda certeza, seu Raul. Pode deixar que não vou tirar meus olhos de Julie nem por um segundo.
O que apenas fez Félix e Martin rirem de forma desdenhosa para Julie.
-Acho que seu Raul não sabe bem o que acabou de pedir para Daniel. - Félix riu.
-Ele por acaso já sabe das vezes que você disse que ia pra Shizuko, mas na verdade ia lá para o apartamento? - Martin cutucou a amiga.
-Se você ousar falar disso perto dele, eu juro que conto para os pais de Shizuko que o namorado dela é mais velho!
-Dois anos de diferença não é muita coisa!
-Julie, reparou como Martin não corrigiu o namorado? - Félix alfinetou. - Acho que ele finalmente aceitou que…
-Que corrigir vocês é perda de tempo? É, mas isso não significa que eu e Shizuko estejamos namorando, apenas não me dou mais ao trabalho de provar a vocês que…
-Martin finalmente aceitou que está namorando? - Daniel tinha se juntado aos amigos, que esperavam para embarcar no ônibus em direção ao Espírito Santo quando ouviu o mais velho desistir de tudo.
-EU NÃO ESTOU NAMORANDO!
Ele tinha pouca paciência, aparentemente.
Outra surpresa para eles foi o ônibus de viagem - que ao contrário de um ônibus de viagem comum, nada mais tinha do que dois quartos e uma sala com mesa e cadeira, para que desfrutassem de um pouco de conforto durante a estrada. Ele tinha apenas um pequeno problema de logística: um quarto tinha dois beliches, mas o outro uma cama de casal bem pequena, apenas para alocar quem tinha ficado de fora do sistema de camas duplas. Embora tivessem argumentado para Julie ficar com o conforto maior, ela se recusou, com um esquema de revezamento de cama sendo elaborado, de forma que todos pudessem ter um conforto maior.
Pelo menos até que chegassem ao hotel, onde aí sim precisariam dividir quartos. Eles estavam fazendo bastante sucesso, mas ainda não o suficiente para cada um ter um quarto para si próprio, sendo necessário dividir um com camas duplas. Félix ficava com Martin, Daniel com Josias (a contragosto do baixista) e Julie sozinha.
Quer dizer…
-Josias, acho que você mais vai ter a sensação de estar em um quarto sozinho do que dividindo um com Daniel.
-É, se por alguma caso sentir uma presença no quarto, pode puxar um gravador e começar uma sessão de EVP porque com certeza é um fantasma.
-E quem disse que eu não posso voltar como um fantasma para dividir o quarto com ele?
-Porque para isso você precisaria morrer, e não queremos isso de novo. - Félix foi enfático.
Eles aproveitavam o fato de Julie estar em chamada com Bia e Shizuko no próprio quarto para passarem mais um tempo juntos, colocando o assunto em dia.
Mais pareciam todos terem 19 anos na verdade - idade alcançada por Félix quatro dias antes, enquanto Julie fazia 18.
-Já foi um dramalhão desnecessário da primeira vez, Daniel, não queremos voltar a esse estágio agora. - Martin implorou.
-Um dramalhão? - Josias não entendeu, era para ter sido triste, não dramático.
-É, ele caidinho pela Julie e sem fazer nada porque era um fantasma, algo insuportável se quer saber.
-Ei, você sabe muito bem que só não fiz nada porque ela não deixava. Você mesmo ficou pela primeira vez com a sua namorada quando era um fantasma!
-ELA NÃO É….
-É o que?! - Josias estava boquiaberto. - Eu pensava que vocês estavam mortos, e vocês estavam beijando na boca de vivas e tocando em uma banda sem mim?! Como é que é, afinal?
-É aqui. - Daniel não mentiu. - A gente passa a vida toda achando que o céu é algo inalcançável ou em outro plano, mas a verdade é que ele é bem aqui. Não fomos para lugar nenhum, ficamos em Campinas esse tempo todo.
-Com exceções, não é? A maior parte do tempo ficamos presos dentro do nosso disco pelo seu amigo descompensado aqui ter ficado frustrado por termos morrido nas vésperas da gravação do LP e ter chamado atenção o suficiente para ele entre os vivos. - Martin revelou. - Eu e Félix não precisávamos ficar lá, mas nos oferecemos para ele não ficar sozinho.
-E quanto tempo ficaram presos? - Josias estava profundamente tocado.
-Vinte e oito anos e meio. - Daniel respondeu por eles. - E provavelmente teríamos ficado muito mais, mas Julie se mudou para a antiga casa de Félix e resolveu mexer nas coisas na edícula. Ela encontrou o disco, colocou para tocar e fomos expulsos de lá.
-A propósito, se você tiver uma cópia dele, eu gostaria muito de fazer outra. - Félix se lembrou. - Ela quebrou o meu em pedacinhos achando que isso ia nos espantar.
-A ironia disso tudo é que se ela tivesse deixado ele intacto, provavelmente seríamos presos lá de novo. Como não tinha mais disco, ficamos por aí atormentando eles. No bom sentido, claro.
-E posso supor que vocês não contaram para ela como morreram, não é? A amiga de vocês foi até a minha casa com a desculpa de um trabalho de escola…
-Contamos, é claro que contamos! Mas com uma pequena alteração. - Daniel se lembrou.
-Ele achou que seria menos vergonhoso morrer salvando criancinhas de um atropelamento do que contar a verdade. E olha que ele nem estava tentando se exibir para ela, ainda estava na fase ódio a garotas que tem super em comum com ele.
-Um efeito de Carla, eu suponho.
-Sanguessuga, se não se importa.
- Eu sinto muito por tudo aquilo, galera. Depois do acidente… Eu demorei a conseguir encostar no teclado de novo.
-Como… foi? - Félix tomou coragem. - Só acordamos alguns dias depois e não temos a menor ideia do que aconteceu depois.
-Eu fiquei com vocês até o final. Não sei se sabem, você foi o único que sobreviveu, Félix. Daniel e Martin morreram na mesma hora com o impacto da carroceria…. Martin foi esmagado contra o chão e Daniel tentou se proteger com os braços, mas… Não foi uma cena bonita de ver quando levantaram o metal, rapazes, o braço e costas de vocês….
Os amigos apenas se entreolharam para em seguida tocarem a fina cicatriz branca no antebraço direito de Daniel.
-Aqui? - Ele mostrou para Josias, que confirmou com a cabeça. - Martin tem uma cruzando as costas e Félix na sobrancelha.
-Félix foi arremessado contra o meio fio, bateu com a cabeça e cortou o supercílio e a sobrancelha. Achávamos que ele iria conseguir sobreviver, mas a pancada foi forte demais. Você ficou semi consciente enquanto chamavam a ambulância e nossos pais e eu não podia fazer nada além de segurar sua mão e pedir que aguentasse, mas a cada gemido e lágrima sua.... Quando te levaram para o hospital, eu tentei ajudar vocês dois, mas os bombeiros precisaram me conter quando o caminhão foi levantado. Aquela cena…. eu nunca vou conseguir esquecer ela. - Josias olhou para Martin e Daniel à sua frente, garantindo que estavam bem vivos - Só consegui chegar perto o suficiente para ter a confirmação que vocês não tinham pulso, como se todo aquele sangue já não fosse um indicativo…. Eu queria muito que você tivesse conseguido, mas você morreu na ambulância, faltando só dez metros para a entrada do hospital. Quando eu soube… me senti um incopetente e culpado por tudo.
-Você não foi o culpado, Josias… - Martin tentou arrumar a situação, já que Félix estava em choque pela descoberta, com uma lágrima silenciosa escorrendo pelo seu rosto, enquanto Daniel estava preso em uma bolha de ressentimento.
-Eu sei que fui, Martin. Eu sinto aqui dentro. - Josias batia contra o próprio peito. - Não foi justo vocês três terem morrido assim, logo depois de Daniel ter conseguido sair daquela fossa, estarmos tão perto. Se eu tivesse ido no lugar de vocês, a Apolo 81 poderia ter continuado, e ter tido sucesso…
-Mas nós estamos tendo agora, não é? Só com um pequeno atraso.
-Martin, você não entende….
-Nós entendemos, Josias. Entendemos perfeitamente. Acha que também não nos sentimos assim quando acordamos e descobrimos que ficaríamos pálidos e com olheiras pela eternidade? Quando percebemos que o sonho tinha acabado? Quando tentamos continuar com a banda e fomos banidos do mundo dos vivos por ter contato com uma viva? Quando descobrimos que o acidente era para você, e não nós?
-MARTIN! - Félix e Daniel voltaram à realidade ao ouvirem o amigo contando o não segredo deles.
-Mas isso não alterou em nada o que sentimos por você ou a nossa vontade de ter uma banda. Demoraram trinta e dois anos, mas finalmente conseguimos o que queríamos, Josias! Se tudo tivesse acontecido como deveria naquele dia, talvez você não estivesse aqui com a gente de novo agora, Daniel com certeza não estaria namorando com Julie, Félix não teria se aberto com uma garota e…
-Você não teria se apaixonado. - Félix sugeriu com sinceridade.
Martin não o corrigiu daquela vez.
-Para que nos ressentimos com algo que não podemos mudar?
Mas Josias não tinha escutado metade do belo discurso que o amigo tinha feito.
-O acidente era para mim…?
-Era, mas nem nós nem a polícia espectral entende o que deu errado naquele dia. Foi justamente por isso que conseguimos voltar à vida, uma nova chance por algo que foi arrancado de nós. E já que estamos tentando de novo, nada mais justo do que ter você com a gente, de novo. - Daniel ajudou.
-E não tem medo de eu acabar matando todos vocês de novo sem querer?
-Não atravessamos mais a rua juntos, não reparou? Você vai primeiro e nós depois. - Daniel brincou. - Não temos medo, não agora que sabemos que caso o pior aconteça de novo, vamos poder ter um motivo plausível para as máscaras.
-Josias, você sabe o que aconteceu com meus pais? - Félix não teve receios, curioso. - Eles venderam a casa, Seu Raul a comprou, mas….
-Eles ficaram muito mal depois de tudo. Tiveram uma crise histérica e foram junto de você para o hospital, mas sedados em uma ambulância. Quando descobriram que você não tinha chegado vivo até lá… Não foi nada bonito. Eles entraram em uma onda de calmaria até o enterro, mas depois disso…
“Os pais de Daniel precisaram cuidar deles por algum tempo. Cuidar dos seus pais foi a forma que eles encontraram de tentar apaziguar a dor que sentiam, cuidando das feridas um dos outros. Os de Martin não tive muitas notícias depois. Na verdade, quem tinha notícias era a minha mãe, eu me recusei a me aproximar deles de novo por me sentir culpado.
Foi com muito custo que passei de ano, na verdade, a escola me passou por piedade, e logo depois disso eu tentei voltar a tocar, mas não era a mesma coisa. Sempre mantive contato com o pessoal, Rick me cumprimentava sempre que nos esbarramos por aí, mas não podíamos continuar naquela bolha. Seus pais se mudaram para o interior alguns anos atrás, a mãe de Daniel quem me contou quando nos encontramos no cemitério e ela me fez ouvir por quase duas horas como vocês não gostariam que eu tivesse me distanciado deles.”
-Ela chegou a dizer para onde foram?
-Taubaté.
Todos os três se olharam mais uma vez.
-Você só pode estar de brincadeira… Quer dizer que se alguém for lá vai mesmo encontrar meus pais?
-A nossa desculpa para sermos todos órfãos aqui foi um acidente de carro com nossos pais em Taubaté, cara. - Daniel explicou. - Atropelamento, todos morreram. Deixamos a escola e viemos para cá tentar a vida em um concurso de bandas.
-Parece que a nova vida de vocês trouxe várias coincidências estranhas, principalmente com Félix. Vocês já perceberam como ele namora uma garota idêntica a Débora? A mesma garota que ele gostou por todo aquele tempo? A propósito, sinto muito cara. A Debby morreu dois anos depois de vocês. Pulo de bungee-jump mal calculado com uma corda velha, uma coisa horrível. Caiu no rio e nunca mais saiu.
-Ah, nós sabemos disso. Encontramos com ela no ano retrasado e acredita que Félix teve a cara de pau de tentar ficar com ela? - Martin ria.
-Martin, você FICOU com a Débora. - Daniel o lembrou. - Não teve nenhuma consideração com o seu amigo?
-Ela me agarrou!
-Mentira! - Félix soltou. - Você a beijou de muita boa vontade, isso sim.
-E o fato de não ser a cara dela não é um pouco preocupante, não?
-Débora foi a dublê fantasma dela no nosso primeiro clipe na gravadora… Mas elas são completamente diferentes uma da outra, eu posso dizer com certeza.
-E o que você sente também? Eu me lembro que a sua timidez falava muito mais alto quando ela estava por perto, mas a maneira como observei você com a amiga que foi a minha casa… Félix, eu nunca te vi assim perto de ninguém além de nós.
-A Bia é só minha amiga, sem maldade nenhuma. Eu gosto da Manu, mas nós passamos mais tempo separados do que juntos, então não sei como responder a sua pergunta. Mas eu gosto dela, se é isso que está perguntando.
-Não foi isso que ele perguntou, Félix. - Martin tinha entendido a insinuação com Bia.
-Mas vai ser essa a resposta que ele vai ter. - E Félix também, mas se Martin podia continuar insistindo que não namorava, ele também podia insistir que sentia apenas sentimentos fraternais por Bia.
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Josias estava quase pegando no sono quando ouviu a porta do banheiro ser aberta, revelando um Daniel apenas com o short do pijama sair de lá, buscando sua camisa na cama e a vestindo.
-Pensei que tivesse me dito sobre dormir sozinho a maior parte do tempo. - Josias resmungou, vendo que o amigo claramente não sairia do quarto naquela noite.
-Vocês querem que eu tenha disposição para o show amanhã ou não? Sem contar com as entrevistas…. - Daniel tentou fazer uma piada, sendo pessimamente recebida por Josias.
- Daniel …. - Seu tom de voz não era nada bom, alertando o amigo que não acreditava naquela história, nem um pouco.
Fora que sinceramente, a última vez que o tina visto vivo trinta e dois anos atrás o garoto estava sofrendo um relacionamento abusivo onde estava sendo forçado a fazer sexo com a ex namorada! Uma piada daquelas não favorecia em nada a opinião de Josias sobre Julie.
-Não quero deixar ela mais assustada do que já assustei.
-Como alguém pode deixar uma garota assustada fazendo sexo?! - Josias não compreendeu o que o amigo poderia ter feito.
-Não com isso, mas eu disse a ela que gostaria de morar com ela um dia, só com ela, e eu tenho certeza que não deveria ter dito isso porque ela mudou de assunto na mesma hora. - Daniel confessou, sentindo suas bochechas esquentarem enquanto se deitava na cama. - Nós ainda não fizemos nada. Félix e Martin tem a absoluta certeza que já só porque Julie dormiu algumas vezes no apartamento, mas estamos indo com calma, como você aconselhou. - Daniel virou o seu rosto para o amigo, dando um sorriso sincero.
-A quanto tempo estão juntos?
-Um ano e três meses.
-Daniel, quando eu disse para você ir com calma e não fazer nada sob pressão era naquela situação com a Carla… Ela estava te pressionando com quatro meses de relacionamento.
-Mas não precisamos ter pressa.
-E mesmo assim você solta que quer morar junto com ela? Me surpreende não a ter pedido em casamento ainda!
-Martin e Félix dizem a mesma coisa.
Outro alerta para Josias.
-Daniel, sinceramente… Você sente que Julie é A garota? Não tem nenhuma relação com o fato dela ter te libertado ou aceitado criar uma banda nova?
-O que quer dizer, Josias? - Daniel se virou para o amigo, estranhando.
-Daniel, eu não tenho ideia de quais foram as cicatrizes deixada pela Carla. Até onde te acompanhei você não queria namorar por um tempo, sequer olhava mais para garotas! E quando te encontro de novo, descubro que se apaixonou por outra enquanto ainda estava morto, alguém que também tem os mesmos gostos que você, que também ajuda na banda, que está na banda. Isso não te soa familiar?
-A Julie é completamente diferente, eu e os garotos podemos te provar isso. Ela nunca faria nada do tipo comigo, também chama a Carla de sanguessuga a pedido dos garotos, e….
-Espera, você contou isso para ela? Contou tudo para ela?
-Sim. Tínhamos decidido que era hora de avançar no relacionamento, mas eu não consegui fazer nada. Ela precisava de uma explicação do porque um líder de banda dos anos 80 ainda era virgem….
- Daniel… - Outro alerta.
-Eu já sabia do passado dela, sobre ex-namorados e garotos irritantes, mas ela não sabia nada sobre mim. Eu precisava contar a ela. Avançar no relacionamento não significava exatamente fazer sexo, mas ficar íntimo de outra forma… Apesar de Martin jurar de pé junto que aconteceu alguma coisa naquela noite.
-E o que eles acham dela?
-Pode pedir um relatório completo a eles se quiser, mas sei que estou em constante vigilância para não fazer nada que a sanguessuga tenha feito comigo, nem ela comigo. Mas eu gosto TANTO dela…
-E o que está fazendo aqui então? Desde que começamos a turnê, em momento algum você dormiu fora desse quarto, e se ela está de acordo com tudo isso… Não vai ser mais uma noite junta que vai mostrar o quão pegajoso e emocionado você é.
-Ei!
-Vai lá, se por acaso você estiver muito cansado amanhã eu digo que ronquei muito à noite.
-Tem certeza?
-Daniel, isso é para ser uma coisa espontânea, não forçada como Félix ou planejada. Se vocês querem, só vai. É você quem precisa ter certeza. Você tem?
Ele apenas acenou com a cabeça.
-Então só vai.
-Valeu, cara. - Daniel agradeceu o amigo, pegando o celular e saindo do quarto, deixando Josias rindo no cômodo escuro.
Aquela conversa tinha significado muito para Daniel. Ele tinha recorrido a Josias anos antes quando se viu em uma situação que não conseguia sair, com ele o ajudando a entender que forçar intimidade não era algo que alguém apaixonado faria (muito menos ninguém), e ter confidenciado ele que ainda não havia feito nada enquanto os amigos juravam que sim, tinha tido mais significado ainda. Martin podia ser seu melhor amigo, mas Josias era a pessoa mais calma e com melhores conselhos para dar sobre ele próprio, não romanticamente.
Ele não queria admitir, mas era ele próprio quem ainda se segurava, temendo inconscientemente acontecer o pior - aquela era a cicatriz deixada por Carla que Josias havia falado mais cedo - e ter tido apoio do amigo mais uma vez o tinha ajudado a superar aquele obstáculo e finalmente fazer o que tanto os dois queriam naquela noite.
Ele só torcia para que Martin jamais descobrisse que mais uma vez ele havia ouvido Josias em algo muito importante na sua vida - mesmo que tecnicamente tivesse escutado o baixista meses antes.
Notes:
novamente perdi o controle da situação. Era para ir pelo caminho A e acabei indo pelo Z
A intenção era fazer Josias desconfiando muito de Julie, mas onde acabamos, não é mesmo?
Alguém já viu Jem and the holograms? Queria saber se é legal, já que o figurino de Julie está sendo baseado no da Jem
Chapter 47: Quarenta e sete
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
-E como tá o calor aí em Salvador? - Bia perguntou através do computador.
-Eu sinceramente não sei o que foi pior: o calor do Rio de Janeiro ou aqui.
-Bem, não é à toa que o Rio também é conhecido como Hell de Janeiro…. - Shizuko brincou. - Mas vocês não saíram nem uma vez?
-É uma situação complicada, porque os garotos conseguem sair tranquilamente sem serem reconhecidos, mas eu não. Na verdade, Martin sofreu tanto quanto eu no fator reconhecimento. Tem muitas leitoras da Capricho aqui, sabia?
-E imagino que vocês serem vistos juntos depois daquela dança no aniversário dele não tenha saído como esperado. - Bia se lembrou.
-O quê me lembra de te avisar, Shizuko. Martin se comportou muito bem e não olhou para nenhuma garota de biquíni enquanto estava na praia.
-Porque essa frase parece ensaiada?
-Porque foi o que ele me fez prometer que te diria, mas sinceramente? Eu nunca vi ele não dar bola para mais ninguém além da gente. Ou ele está com medo do que você vai achar desse tempo longe ou realmente perdeu o interesse por todas as outras garotas.
-O quê os garotos acham disso?
-Não muito, eles não querem forçar demais o assunto porque tem medo dele se sentir pressionado e fazer uma besteira.
E aquilo realmente era verdade. Para todos os efeitos e quem os reconhecesse na praia, Martin e Feliz estariam passando as férias em Salvador - o que não era tão estranho, já que melhores amigos viajam juntos, e Félix também era conhecido por ser o namorado de Manu Gavassi, apesar de em uma escola muitíssimo menor. Enquanto Martin era parado para ser fotografado, Félix era parado para ser o fotógrafo ou responder como Manu estava.
Ele não poderia pedir por nada melhor.
A situação com Julie era bem diferente, já que por ser uma das únicas a expor o seu rosto e estar fazendo muito sucesso, era reconhecida imediatamente. Para isso, eles alternavam entre Josias e Daniel fazerem o papel de segurança, estando sempre por perto impedindo que as coisas saíssem do controle, mas também aproveitando a praia.
Quando eles decidiram jogar vôlei de praia! Aquilo sim era como acender uma luz na escuridão, já que três garotos sem camisa pulando, gritando e flexionando os braços para lá e para cá era bastante… atrativo.
Eles podiam ser seus amigos, mas Julie sabia apreciar a vista muito bem, apenas na amizade, claro! E pelo andar do jogo eles iriam flexionar muito mais os músculos na tentativa de ganharem pontos perante o adversário, uma vez que Martin havia insistido em fazer dupla com Daniel - o que automaticamente colocando Félix e Josias, o mais altos do grupo juntos, consequentemente com a maior vantagem no jogo.
Daniel e Martin apenas tiveram uma chance quando Josias trocou de lugar com Julie, e sua falta de habilidade atlética se mostrou presente a cada bola que ela tirava do campo.
Mas aquela reunião entre as garotas tinha um propósito muito mais importante do que fofocar: elas se inscreveriam juntas na faculdade, uma dando apoio a outra naquele primeiro dia de SISU.
-Já sabem o que fazer então, não é? - Julie confirmou, abrindo a página sem muitas dificuldades (eram tempos mais fáceis).
-Jornalismo na UNICAMP. - Shizuko lembrou.
Ela sempre teve o sonho de se tornar uma jornalista investigativa a lá Glória Maria.
-Produção cultural na USP. - Bia ainda insistia no desejo de se tornar produtora cultural para ajudar na banda, muito embora naquela altura eles só trabalhassem com produtores formados e experientes.
-Música, na UNICAMP.
Julie já havia feito teste de habilidade específica para canto no meio do ano, passando sem muitas dificuldades - não apenas por ela ser uma cantora famosa, mas porque tinha talento. Mas embora a sua voz já a tivesse colocado em uma posição elevada na lista, ela dependia unicamente do seu cérebro e raciocínio agora.
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Embora a rotina de shows tivesse quase levado à exaustão os garotos por não serem acostumados com aquilo, eles logo chegaram em São Paulo para as últimas apresentações antes de voltarem para casa. Naquela altura do campeonato, o resultado do Sisu já havia saído, e até então Shizuko tinha sido a única a conseguir entrar na faculdade.
Mas apesar de chateadas, Julie e Bia não se deixaram abalar, confiantes das listas de espera. E enquanto o resultado não saia e nem o show começava, eles estavam livres para fazerem o que quisessem.
O que significava que Félix seria facilmente encontrado ao lado de Manu, mais especificamente no Parque da Independência. O Museu do Ipiranga tinha fechado recentemente para início do processo de restauro, deixando apenas disponível pequenos pontos culturais, como uma cripta e o próprio rio Ipiranga, onde volta e meia alguém resolvia gritar algo às suas margens apenas para manter a tradição.
Eles podiam não ter muito tempo, mas nem por isso deixariam de fazer um passeio cultural.
-Você deve gostar mesmo de parques. - Félix comentou como quem não queria nada, ressaltando que aquele era o terceiro parque em que Manu o chamava para ir.
-Parques trazem toda uma sensação de liberdade, oferecendo espaço aberto ao público mas ao mesmo tempo, privacidade.
-Você não é tão reconhecida em espaços abertos do que em shoppings. - Félix afirmou.
-Também tem isso, e por mais que eu goste da fama e dos meus fãs nós nos vemos tão pouco que prefiro gastar esse tempo o mais sozinha possível com você.
-E por isso me trouxe a um parque que tem uma cripta com restos mortais de verdade?
Manu imediatamente empalideceu, percebendo que tê-lo trazido até um lugar onde tecnicamente poderia ser considerado um cemitério (ao menos naquela extensão de mármore) poderia facilmente desencadear lembranças de seus pais, e além de estragar o encontro, acabar ainda com o show a noite.
-Félix, me desculpe, eu nem me lembrei que…. - Dizer que não se lembrava do acidente mostrava insensibilidade da parte dela? - Quer dizer…. Não é que eu não me lembre, mas não pensei que te trazer aqui poderia mexer com suas lembranças.
-Manu…
-Foi estupidez minha, eu admito. Eu só queria passar um tempo com você, e sem querer coloquei lembranças do acidente dos seus pais entre a gente!
-Manu, eu fico lisonjeado de você achar que me trazer aqui me faria ter lembranças dos meus pais. - Félix segurou o riso, arrumando seus óculos escuros no seu rosto.
-Isso não foi um lisonjeio, Félix. - Manu estava desacreditada.
-É quando uma família imperial está enterrada lá, e você achar que eu ficaria tocado com isso só pode significar que me considera um príncipe. Está querendo dizer que sou seu príncipe encantado, Manu Gavassi?
Manu piscava atônita. O que raios estava acontecendo?!
-Hã, não? - Ela não entendeu onde ele queria chegar.
-Que pena, acho que os Insólitos vão escrever uma música sobre isso.
-Sobre você ser um príncipe?
-Não, sobre como você partiu meu coração. - E vendo que a garota voltava a ficar preocupada, Félix precisou agir.
Rapidamente, ele se aproximou da namorada e puxou seu rosto de encontro ao dele, roubando um beijo rápido. Seus lábios se encontraram brevemente e de forma bastante audível, apenas para tirar a cantora daquele estado de torpor, mas quando se afastaram, os dois não ficaram juntos com seus rostos colados, apenas as mãos de Félix continuaram em seu rosto.
-Já se passaram dois anos, Manu. - Trinta e dois, sua consciência tossiu. - Não precisa se preocupar com isso, estamos seguros o suficiente para tocar no assunto e visitar lugares que nos lembram nossos pais. Não se lembra que até nos vestimos de fantasmas para o primeiro clipe?
-Mas parece tão recente….
-Dois anos não são dois dias nem duas semanas, Manu. Dói, mas visitar uma Cripta Imperial não vai me fazer chorar, a não ser que você realmente esteja falando sério sobre a minha realeza.
Manu respirou aliviada por não ter cometido nenhuma gafe apenas por não passar tempo o suficiente com o namorado. Por estarem afastados a maior parte do tempo, ela não conseguia distinguir quando ele estava mentindo ou fingindo, e até onde toda aquela história o atingia de verdade.
-Então você não ficaria chateado caso eu te levasse a algum lugar assombrado?
Félix apenas riu da insinuação, passando seu braço direito pelos ombros da namorada e a trazendo para mais perto, caminhando em direção ao monumento.
-Pensei que o nosso primeiro clipe tivesse deixado bastante clara a nossa relação com assombrações.
-A única relação passível de interpretação do clipe era de que vocês eram fantasmas quando conheceram Julie. - Manu riu diante da impossibilidade.
-O que podemos fazer? Nossa banda é de outra vida, isso todos nós temos certeza.
-Acham que estavam destinados a se conhecerem?
Aquela era uma pergunta um tanto quanto complexa. Estavam destinados a serem encontrados e libertos eventualmente por quem se mudasse para a antiga casa de Félix? Sim, mas aquilo não queria dizer que necessariamente formariam uma banda. Mas de acordo com a polícia espectral, os garotos estavam sim destinados a terem uma banda e serem famosos, e se tinham recebido outra chance agora só comprovava que eles estavam em busca daquilo que era para ter sido deles.
Mas Julie estava inclusa no pacote primeiramente? Não.
A não ser que fosse ela quem tivesse sofrido um acidente na infância na década de 1960 e tivesse partido antes que pudesse conhecer os garotos e formar a banda original, mas aquilo seria uma coisa que apenas Demétrius poderia responder.
-Eu diria que sim. Ainda estaríamos vagando por aí como fantasmas se não tivéssemos encontrado Julie e as garotas. Ter elas em nossas vidas foi o que trouxe a cor e a raiva de volta para os olhos de Daniel, nós fomos apenas uma consequência.
-Eu pensei que Daniel beijasse o chão por onde Julie passa. - Manu estranhou.
-Isso agora, porque quando nos conhecemos ele passou quase um mês quase explodindo de raiva só de falar com ela. Julie era tão bonita, intensa e igual a ele que ele não conseguia suportar. Isso e o fato dele ainda estar repleto de cicatrizes pela antiga namorada.
-Ele não me parece o tipo que sofre por alguma garota, ele me parece mais o que faz sofrer.
-Não o deixe ouvir isso, senão ele irá se gabar por conseguir passar exatamente a imagem que queria, mas Manu… Eu não consegui te contar muito em detalhes o que aconteceu comigo na escola antes de conhecer eles, mas o Daniel… - Félix apenas balançou a cabeça. - Não posso contar porque não é uma história minha, mas posso dizer que foi muito feio, Manu.
-O quão feio?
-Ao ponto da nossa banda acabar por alguns meses. Mas agora ele e Julie estão em constante monitoramento para que não façam nada parecido, então acho que vai ficar tudo bem. A propósito, você chegou a se inscrever para a faculdade?
O clima de fofoca havia acabado completamente. Sentando-se nas escadas do monumento, o assunto mudava para uma área muito mais segura.
-Não, eu e meus pais conversamos e vimos que seguir na carreira de cantora está sendo seguro. Mas me inscrevi para aulas de teatro esse ano, para acrescentar a atuação no meu currículo.
-Espera, espera. Está me dizendo que a garota que gravou um comercial para o governo cantando “tô bem, tô zem, entrei para a faculdade com o ENEM”, não fez o ENEM? - Félix se espantou.
A comunicação por telefone podia ser bem falha em um relacionamento adolescente às vezes.
-Exatamente isso.
Embora o tempo de encontro fosse pouco, havia sido o suficiente para eles matarem as saudades momentâneas. Menos de quarenta minutos mais tarde, Félix precisava voltar para o hotel, para enfim se dirigirem até a casa de shows para a passagem de som. Manu se encontraria mais tarde com eles no camarim, para acompanhar a apresentação diretamente do backstage - uma forma deles passarem mais tempo juntos sem a presença de fofoqueiros. Qualquer coisa, Manu teria aparecido para prestigiar Julie, e não um dos mascarados.
Mas quando estavam saindo do parque, Manu viu pela primeira vez as expressões do namorado se transformarem em algo saudoso e repleto de dor. Ele tinha assegurado que não traria lembranças ruins sobre o acidente naquele passeio, mas algo obviamente estava mexendo o suficiente com ele para vê-lo tão diferente ao seu lado.
-Félix…? - Manu segurou em sua mão, o trazendo de volta para a realidade.
-O quê…? - Ele ficou confuso. - Me desculpe, eu só… Me distraí. - Félix sussurrou, voltando a olhar para o lado direito, observando filhotes e adultos de cachorros soltos, correndo pelo gramado.
-Você gostaria de ter um cachorro?
-Na verdade, eu tinha uma. Fifi era uma salsicha branca com manchas marrons, muito parecida com aquele bem ali. - Ele apontou para o filhote, que tropeçava nas próprias patas.
-Ela também morreu no acidente?
-Não, não. Ela não estava com eles, mas não tive como mantê-la depois disso. Nós três ficamos sozinhos e precisamos procurar um trabalho, mas manter um cachorro estava fora de cogitação. Eu não conseguiria mantê-la comigo sabendo que não a estava tratando como merecia. Então, por mais que doesse muito, precisei deixá-la em um abrigo.
Félix de fato tinha uma cadela salsicha branca com manchas marrons chamada Fifi, mas a trinta anos atrás. Fifi infelizmente já havia morrido a muito tempo - e ele poderia falar exatamente aquilo para Manu, mas estavam todos tão imersos nas novas backstories de cada um que simplesmente assuntos como aqueles apenas eram ditos entre os assombrados.
-Não pensou em resgatá-la de volta agora?
-Manu, quais as chances de uma cadela tão dócil quanto ela era não ter sido adotada ainda? Fora que Daniel me engoliria vivo se eu levasse um cachorro para o apartamento, ele morre de medo.
-Então ele não ia a sua casa antes?
Félix engoliu em seco, era óbvio que Daniel frequentava sua casa trinta anos antes, além de adorar brincar com Fifi entre os ensaios. Céus, aquilo estava fugindo do controle…! Mas antes que pudesse inventar mais alguma coisa, ele foi salvo por um espirro em seu pé. Olhando para baixo, pôde observar o pequeno cachorro cheirando os seus sapatos, e espirrando em seguida. Félix imediatamente se agachou e pôs-se a fazer carinho no animal, se divertindo em como o cachorro latia e arfava.
-Ele só tem medo de cachorros? Porque você talvez tenha me dado a ideia perfeita para um presente de aniversário de namoro.
É, dentro de dois meses eles fariam um ano de namoro. Um ano de namoro com encontros físicos que mal duravam sete dias corridos.
-Objetos inanimados talvez sejam uma ideia melhor, Manu. - Félix imediatamente cortou a ideia da namorada, já que sua ansiedade dizia que um ser vivo criaria raízes em sua vida de maneiras talvez recentes demais para apenas um ano de namoro.
Caso aquilo não desse certo algum dia, sempre teria o animal como lembrança do que um dia havia sido. Mas como Manu não tinha ideia sobre a sua doença, apenas pensou que ele fosse desprendido demais ao ponto de não querer presentes intensos e afetuosos demais.
Isso e talvez a maneira como ele a beijou em seguida. Não havia muito sentimento, sequer intensidade. Apenas um jogo entre seus lábios, onde suas línguas travavam uma batalha na disputa de controle. Félix tinha sim a beijado apenas para encerrar o assunto, mas aquilo talvez dissesse muito mais sobre o seu relacionamento e seus sentimentos do que ele pensava. Enquanto Daniel beijava Julie com devoção, Martin beijava Shizuko com extremo respeito e felicidade por ter sido aceito pela sua não namorada. Mas Félix, bem, Félix beijava Manu da mesma forma que Débora beijava os garotos em sua época: apenas por diversão.
Muito embora ele não tivesse percebido isso ainda. Afinal, ele não costumava ficar olhando seus amigos beijarem para perceber que seus sentimentos pela própria namorada não fossem tão fortes assim, como também suas experiências anteriores apenas indicavam que aquele era o máximo de romântico e sentimental que ele poderia ser.
Ou seria apenas a companhia que estava errada?
Notes:
O ENEM é o nosso vestibular aqui no Brasil, e o Sisu é como escolhemos os cursos. Durante cinco dias podemos escolher dois cursos com a nossa nota, e ficar trocando por todos as universidades públicas do país. Por exemplo, quero muito cursar medicina mas minah nota não está sendo aceita nessa universidade, posso manter a inscrição nela para a lista de espera mas ainda me inscrever em uma segunda opção de curso em outra faculdade, mas só uma é aceita no final.
A Manu Gavassi (a atriz que fez a Débora) realmente fez esse comercial, com essa música (e não fez faculdade, nem a prova)
O rio Ipiranga foi onde Dom Pedro I declarou independência do Brasil de Portugal, gritando INDEPENDÊNCIA OU MORTE às suas margens, virando imperador do Brasil, por isso sempre ter um engraçadinho gritando às suas margens. O museu ainda está fechado, com previsão de abertura para setembro deste ano com os 200 anos da independência. Na cripta estão os corpos de Dom Pedro I e as suas primeira e segunda esposas.
Chapter 48: Quarenta e oito
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Tinha demorado três chamadas da lista de espera, mas Bia e Julie finalmente haviam sido convocadas para a matrícula na faculdade! Correndo com os documentos e a ansiedade a mil, o tão temido momento pelo grupo enfim havia chegado: por ter escolhido uma faculdade diferente dos demais, Bia mudaria-se para a cidade de São Paulo, passando a ficar a 2h de distância de toda a banda.
-São só duas horas, gente… E não é como se vocês não fossem toda hora para lá. - Bia tentou explicar para os amigos na noite de despedida dela.
Despedida essa que estava acontecendo em mais uma edição da festa do pijama no apartamento dos garotos.
-Bia, se fossemos toda hora para lá, Félix e Manu se veriam com frequência, e não teriam essa coisa estranha que eles têm. - Martin constatou o óbvio, bebendo do seu refrigerante enquanto se esparramava pelo colo de Shizuko, que não dava a menor importância para ele.
-Eu preciso concordar com ele, Bia. - Félix não pestanejou. - São situações diferentes, mas preciso dizer que somos muito mais acostumados a sua presença do que a de Manu.
- Você está acostumado com a presença dela, Félix. - Martin apontou mais uma vez, não recebendo uma réplica em resposta.
Quer dizer, tinha uma diferença enorme entre ser amiga e estar acostumado com a sua presença - diferença essa que beirava a linha do perigo. Todos eles sentiriam falta de Bia nas reuniões e nos finais de semana, mas ser retirado de uma presença constante com quem já estava acostumado por quase dois anos, alguém que era muito mais presente em sua vida do que a própria namorada?
-A gente pode não se ver todo dia mais, mas você ainda vai voltar para cá, e nós com certeza vamos viajar até São Paulo... - Julie tentava segurar as lágrimas junto de Shizuko, mas estava difícil.
Também pudera, estudavam juntas desde o ensino fundamental! Aquilo era para ser uma festa, mas estava se transformando em um clima de velório muito rápido - e tudo o que os garotos menos queriam era participar de um coletivo desse jeito, ainda mais quando Bia estava vivíssima.
-Vocês precisam ver por um ângulo diferente, gente. - Daniel opinou. - Todos nós já fizemos muito sacrifícios pela banda, não é? Eu apanhei da sanguessuga para conseguir voltar com a Apolo, vocês aguentaram todo aquele tempo de pausa, morremos pela banda e ressuscitamos por ela. A Bia só está fazendo o mesmo, mas em uma escala muitíssimo menor. Quando ela se formar, vai poder começar a nos produzir.
O discurso era todo muito bonito, mas Daniel só tinha se esquecido de duas coisas.
-Você sofreu violência doméstica, Daniel?! - Beatriz ficou horrorizada.
-Vocês sofreram um acidente de quase morte?! - E Shizuko quase teve uma síncope nervosa.
Félix e Martin apenas fecharam os olhos, preocupados sobre como Daniel se livraria daquela. Estavam todos reunidos na sala do apartamento deles naquele sábado à noite, com comida chinesa espalhada pela mesinha de centro (agora o apartamento já completamente mobiliado), e se ele não se consertasse naquele momento, teriam um problemão pela frente.
Um término regado a pavor profundo, com um baixista sendo arremessado do colo em que estava deitado, para ser mais exata.
-Não, você resolve isso sozinho. - Julie avisou, deixando claro que não mentiria para Shizuko.
Respirando fundo, Daniel tentou arrumar a confusão da melhor maneira que podia.
-O acidente pode ser interpretado figurativamente nesse caso, Shizuko. Todos nós nos sentimos mortos quando nossos pais morreram, e apenas voltamos a viver para a banda com Julie. - Daniel rezava para que aquilo fizessem sentido, já que era Martin quem mentia deslavadamente.
-Então eles morreram enquanto iam ao show de vocês?
-Não, mas aquilo fez com que nossa vontade de ter uma banda desaparecesse.
-Mas vocês vieram para cá para tentarem um concurso de bandas. Se desistiram de tocar, por que viajaram até aqui?
Aquela era a primeira vez que Martin não estava orgulhoso da sua não namorada ser tão esperta. Mais algumas perguntas e ela arrancaria verdade dele.
-Autossabotagem. Precisávamos tocar para sobreviver, mas não queríamos nem um pouco. - Daniel emendou, dirigindo-se a Bia antes que Shizuko voltasse a questionar mais alguma coisa. - E quando a sua pergunta… Eu prefiro não responder.
-Mas eu prefiro ouvir. Qual é? É a minha festa de despedida, e como você mesmo disse, eu também estou fazendo um sacrifício pela banda, por vocês!
Daniel mordeu os lábios, confirmando com a cabeça a furada que ele havia se metido. Procurando não a mão de Julie mas os olhos de Martin, ele viu que o mais velho dava apoio para que ele contasse.
-Eu apanhei da minha ex namorada quando pedi para terminar. - Ele disse simplesmente, encarando fundo nos olhos de Bia na falha tentativa de intimidá-la com isso e fazê-la parar de perguntar.
-Você foi um idiota com ela? - Bia estava apática, se lembrava bem de como ele era no início.
Uma risada amarga saiu pela boca de Martin.
-Como se ele conseguisse ser ao menos isso com ela, o cara estava tão cego que sequer percebia o que fazia!
- Martin… - Félix alertou o amigo para que não falasse demais.
-Eu fui um idiota, Bia. Mas com a nossa banda. Por ter me afastado deles por ela, e principalmente por não conseguir me livrar da sanguessuga sozinho.
-É cla…. - Martin ia reclamar de Josias mais uma vez, recebendo um beliscão de aviso de Félix em seu pé.
Shizuko estava no ambiente, e não sabia nada sobre isso.
-Esse foi só o primeiro sacrifício da Apolo, e o seu não vai ser o último dos Insólitos. E não é como se não existisse a internet, não é? - Daniel cortou o assunto, sabendo que aquele ainda era um tópico sensível.
Se as duas quisessem perguntar mais tarde a Julie, ela tinha total autorização para contar o que tinha acontecido. Se todos os rapazes e Julie sabiam, não tinha porque evitar que suas outras amigas próximas também não descobrissem.
Se a sua história pudesse conscientizar alguma das duas sobre relacionamentos abusivos, ele já estava feliz.
-Veja pelo lado bom, vai finalmente poder se aproximar de Manu Gavassi! Vocês se conhecem e tem a banda em comum. -Eles tentou ver um lado bom.
-Pelo menos ela vai… - Félix bufou.
-Não estranhe receber visitas contínuas de Félix por lá Bia. - Martin implicou.
-Claro, você vai ser a minha desculpa esfarrapada perfeita para sair de perto dele um pouco. - Félix concordou imediatamente.
Mas ela seria a desculpa para ir ver Manu ou Manu seria a desculpa para ir vê-la?
Eles demorariam alguns dias ainda para descobrirem.
Não foi surpresa para ninguém a maneira como Shizuko e Julie dormiram agarradas a Bia naquela noite no chão da sala dos garotos, temendo a manhã seguinte.
Mas apesar de tudo, a mudança tinha ocorrido perfeitamente bem, e a adaptação de Bia a nova cidade e república estava correndo de maneiras excelentes - tanto que Julie ficou levemente enciumada. Mas ao mesmo tempo ela não havia muita disponibilidade para ficar se remoendo de ciúmes, já que os compromissos da gravadora, shows e aulas ocupavam toda a sua agenda.
Ocupando de uma maneira até mesmo perigosa.
O normal de um calouro eram oito disciplinas iniciais, sendo matriculados obrigatoriamente para que não houvesse confusão. Entretanto, com a agenda lotada foi necessário fazer alguns ajustes na grade horária de Juliana - de modo que ela curasse o mínimo de disciplinas permitidas por período. Três, para ser exata.
O que era algo totalmente normal e aceitável levando em consideração os compromissos da banda, mas conforme as semanas iam se passando, a relação entre os estudos e a música ia se abalando.
A posição de Julie na faculdade era interessante, visto que era preciso lidar com professores fãs, ao mesmo tempo que haters. Apesar de estar acostumada com a implicância de Talita, um hater era pior. Da primeira vez que ouviu comentários maldosos, precisou ligar para Daniel do banheiro enquanto chorava, apenas recebendo um…
" Agora você sabe como eu me sinto quando Nicolas me chama de tocador de cavaquinho!"
Daniel queria quebrar o gelo, trazer um lado cômico para alegrar a namorada, mas não deu nada certo. A cada show e evento que eles faziam, os comentários voltavam com força total - dando indícios sobre a alta possibilidade de ser uma bela quantidade de inveja, mas não havia muito a ser feito.
Julie poderia revidar se empenhando ao máximo nas aulas, consequentemente mostrando o seu potencial, mas não era isso que fazia.
-Certeza que não tem problema faltar a aula, Julie? - Félix perguntou preocupado com a amiga, que estava imersa entre partituras e textos de leitura para a faculdade.
-Tenho, o professor é gente boa e super entendido.- Julie respondeu em meio as grafias com marcador, sequer reparando mesmo com quem falava.
-Ele até pode ser gente boa, mas existe um limite de faltas, Julie. - Daniel enfim mostrou a sua preocupação. - Você já está beirando o máximo, e ainda está no meio do semestre.
-Eu dou conta, Daniel. - Julie não deu muita importância para o namorado.
-Não, você não dá. Isso já ficou bastante claro quando ainda estava na escola e nossa importância era palatavelmente menor e insignificante. Você está na faculdade e tendo uma carreira de amplitude nacional. Precisa se concentrar em uma só coisa.
-Quer que eu abandone a banda então? Justo agora!?
-Eu não disse nada disso! Apenas se tem uma tarefa para entregar nessa semana, foque nela, não na banda! Você já fez isso antes, pode muito bem fazer de novo!
-Mas são situações diferentes, Daniel!
-EXATAMENTE! - Daniel se alterou verdadeiramente pela primeira vez em muito tempo, deixando todos no estúdio arrepiados. - Você está na faculdade! Conseguiu passar para a faculdade e não está colaborando para se manter lá!
-É claro que estou, tenho matrícula ativa no mínimo de matérias exigidas!
-E de que adianta ter isso se mal consegue se concentrar nelas?! Julie, você conseguiu essa oportunidade, por favor, não a desperdice.
-Eu não estou…
-Eu posso dizer por mim que meu sonho era estar na banda, ter uma banda de sucesso. Não posso falar por Félix e Martin. Mas você precisa entender, Juliana, que muitas pessoas gostariam de estar no seu lugar, mas ainda não conseguiram. Você não precisa deixar as aulas de lado para trabalhar, você tem uma cláusula contratual que a libera para provas e trabalhos, lembra? - Daniel tentou outra abordagem.
Julie estava cansada, não sabia bem o que fazer. Passar para a faculdade estava em sua lista de prioridades antes de libertar os garotos daquele disco dois anos antes, e talvez continuasse sendo se eles não tivessem voltado a vida e a banda fluído de verdade. Estar lá era legal, mas ouvir constantemente comentários humilhantes pelos cantos quando chegava atrasada para algum compromisso ou errava um vocal em uma apresentação… era bem diferente de ser comparado a um tocador de cavaquinho.
E ela tinha como revidar! Mostrar todo o seu potencial era uma das formas, mas não parecia que ela sozinha estava sabendo lidar com aquilo… Se ela ficasse nas aulas perderiam um pouco de progresso na banda, mas se ficasse na banda estava arriscada a repetir por falta nas disciplinas e aí sim que os comentários ficariam piores - por mais que sua conta bancária também.
-O quê você sugere que eu faça então? - Julie perguntou cansada.
-Que você foque nas aulas, principalmente nesse trabalho. Nós damos conta das composições enquanto estiver ocupada. - Daniel disse em um tom calmo, olhando para Félix e pedindo com o olhar para ele recolher os materiais não necessários das mãos de Julie, já que era o mais perto.
- O que significa… - Félix se intrometeu, recolhendo todas as partituras dos Insólitos dos seus papéis. - Que isso está temporariamente confiscado, e que a Apolo talvez tenha uma nova música.
Entretanto, aquele estava sendo um tópico bastante sensível naquele estúdio, levando a Rick chamar seu Raul para uma conversa. Normalmente ele não faria isso com artistas maiores de idade, mas pelo andar da carruagem aquela talvez fosse a decisão mais sábia para se fazer. Rick observava Julie, pedia informações sobre o seu rendimento na faculdade não como uma forma de afasta lá da gravadora caso não alcançasse boas notas como na escola, mas para entender até onde poderia ir com os compromissos dos Insólitos.
E a julgar pelas constantes brigas que ouvia do casal de cantores sabia que muito provavelmente o segundo período da faculdade seria trancado, talvez até o início do terceiro. E como o pai da garota tinha um grande envolvimento em sua vida, ele achou melhor começar a prepará-lo para a decisão que ela quisesse tomar.
-Seu Raul, não é um absurdo por completo! - Rick tentava colocar em sua cabeça que a faculdade em situações como aquelas poderia ser facilmente pulada. - Sabe quantos artistas tem por aí que fazem sucesso e não tem uma faculdade?
-Eles não são os meus filhos! - Seu Raul usava o excelente argumento sobre Julie não ser todo mundo de uma forma muito bem colocada.
-Mas estão aí para ajudar a ditar o caminho para a sua filha! Seu Raul, não é uma escolha fácil, mas ela também não é sua. Estou apenas te adiantando algo que estou a algumas semanas vendo acontecer bem na minha frente. Julie não me pediu absolutamente nada, só achei melhor te apresentar dados e fatos para não ter um chilique quando isso acontecer.
-Eu conheço meu genro, sei que Daniel não permitiria minha filha fazer um absurdo desses! Se eu falar com ele, talvez possa me ajudar a….
-Não que esteja superestimando Daniel, porque ele está sim tentando fazer com que sua filha se concentre na faculdade…. - Seu Raul abriu um sorriso enorme ao escutar aquilo. Daniel era um garoto de ouro! Não poderia ter pedido genro melhor. - Mas a decisão final ainda é dela.
Apesar da angústia, Seu Raul entendia que não poderia fazer absolutamente nada. Juliana Spinelli já era completamente independente financeiramente e maior de idade. Ele apenas poderia apoiar sua decisão, já que ir contra provavelmente apenas a afastaria.
-Acha que existe mesmo essa possibilidade…?
Rick apenas acenou com a cabeça.
Notes:
TUDO COMEÇOU COM UM BAILE EM UM MUSEU
e eu precisava terminar as roupas. Dias dormindo pouco e coringando, mas foi lindo, maravilhoso. Em breve no youtube.
depois uma semana sem fazer nada descansando o cérebro da maratona de costura pré baile, tipo a princesa e a plebeia: Anika durante a noite, Anelisse durante duas horas.
depois mais uma semana desansando, foi cansativo
ai me enrolei e perdi o animo de tudo. eu já sabia que ia ser super chato esse capitulo, mas precisava dele
mas tive coragem de assistir stranger things e agora urge a necessidade de salvar Eddie Munson, e pra isso eu precisava atualizar de novo as duas histórias paradas E CÁ ESTAMOS NÓS!
SE ELE AO MENOS VOLTASSE COMO FANTASMA, PODIA ATÉ ENTRAR PARA A APOLO!
Chapter 49: Quarenta e nove
Chapter Text
Não era apenas uma possibilidade Julie se afastar da faculdade para ficar na banda, mas sim uma realidade cada vez mais pungente. Tinha poucas semanas desde que Daniel havia dado uma dura na vocalista para que ela se concentrasse na faculdade quando o grande convite aconteceu. Era quase maio quando Rick entrou na sala de composição completamente estupefato, sorrindo de orelha a orelha.
-Viu um passarinho verde, garoto? - Martin brincou enquanto ajudava a guardar o violão de Julie.
-Eu não sairia agora se fosse você, Julie. - Rick advertiu, ignorando Martin completamente.
-Mas minha aula começa em 45 minutos, se eu não sair agora…
-Vocês acabaram de receber o primeiro convite para um festival, eu ficaria mais um pouco. - Rick estava irradiando felicidade.- Não é qualquer novato que consegue um convite desse tamanho em tão pouco tempo, então aconselho vocês a….
-Qual festival? - Félix ficou curioso.
-Rock in Rio, ele costumava acontecer de dois em dois anos, mas ficou um bom tempo sem ter edições aqui no….
-Rock in Rio?! - Josias se levantou com um sorriso imenso no rosto, completamente em choque.
Mas os antigos fantasmas estavam presos dentro da própria bola, entreolhando-se com assombro e animação no olhar. Todos eles tinham uma única memória trespassando seus pensamentos ao mesmo tempo:
“Apolo 81 teria se tornado a número 1 nas rádios em poucas semanas após a gravação do álbum de vocês naquela semana. Vocês teriam participado do primeiro Rock in Rio em 1985 junto do Queen por três noites e estariam fazendo sucesso até hoje.”
A voz de Eneida ecoava por eles. A condição de volta deles não implicava exatamente em recuperar tudo o que tinha sido perdido, mas sim apenas ter uma nova chance.
Mas ao que parecia o sucesso deles era tão grande que se não estivessem recuperando as glórias perdidas, com certeza estavam conquistando-as mais uma vez como se fosse a primeira vez.
O que tecnicamente era, mas são apenas detalhes!
-Não tem como não aceitarmos! - Julie se empolgou, virando para o namorado já temendo a reação dele sobre a desatenção na faculdade, mas apenas o encontrando rindo para Martin e Félix. - Rapazes?
-Esse festival já é nosso desde 1985. - Daniel revelou. - Com certeza confirmamos,
-Ótimo, vou enviar o e-mail informando e pedindo detalhes da apresentação….
-Como sabem que ele começou em 1985? - Josis estranhou.
-Descobrimos algumas outras coisas no dia em que voltamos. - Félix tentou explicar sem mencionar aquele evento. - Se a Apolo 81 tivesse continuado viva, teríamos feito tanto sucesso com o LP que teríamos sido um fenômeno, e iríamos tocar na primeira edição no festival durante tres dias ao lado do Queen…
-E estaríamos casados! Consegue imaginar isso?! - Martin contou assombrado.
Rick já sabia do tamanho da pepita de ouro que tinha nas mãos, mas ao descobrir aquilo parecia que havia se transformado em um grande diamante bruto que estava cada vez mais rápido sendo lapidado e que tinha como obrigação recuperar tudo aquilo que lhes foi arrancado trinta anos antes.
-Eu não sei vocês, mas eu me esforçaria o triplo depois dessa informação. Precisam entregar O SHOW se quiserem recuperar o esplendor da Apolo 81. - Rick aconselhou.
-E é exatamente isso que estamos fazendo. - Daniel falou por todos.
Em momentos como aqueles, Julie se sentia completamente deslocada, já que não havia espaço algum para ela na Apolo, apenas nos Insólitos. E muito embora eles estivessem inscritos como Insólitos, era a atenção que a Apolo merecia que finalmente estava sendo dada.
________________________________
E se por um lado Julie tinha chegado atrasada para a aula com o maior gosto, Martin tinha feito QUESTÃO de ir até a faculdade mais tarde apenas para contar pessoalmente a Shizuko - já que contar a notícia em grupo estava indisponível no momento, já que Bia já estava a duas horas de distância e mal vendo o telefone.
Apesar de não estar namorando, Martin sabia todos os horários de Shizuko, chegando bem próximo do término da aula da garota.
Martin: Shi, acho melhor não me arriscar a procurar a sua sala. Tô te esperando aqui no saguão.
Shizuko: Você veio me buscar? Aconteceu alguma coisa?
Martin: Sim, e acho que você vai gostar….
-Aconteceu alguma coisa, Shizuko? - Um de seus colegas de classe perguntou após notar o semblante curioso e levemente tenso da garota para o próprio telefone.
Curiosa por ele nunca ter ido buscá-la, e tensa pelo o que ele havia ido de fato fazer lá. Caso Martin tivesse tido uma crise de consciência ou sentimental, ela não queria que fosse bem no meio do saguão da faculdade com vários telefones ao redor.
-Ainda não…. - Mas era impossível para a garota tentar descobrir sozinha, já que as possibilidades da fofoca que viria eram imensas.
Se fosse fofoca de fato.
Passados vinte minutos a turma enfim foi liberada, com a garota descendo as rampas já estranhando o burburinho que ouvia. Em pânico, Shizuko gelou ao ouvir sobre um dos membros dos Insólitos na recepção, mas ao constatar que apenas Martin estava lá e não Julie como havia pensado, só podia significar que ele havia sido descoberto.
-Oi! - Martin cumprimentou alegremente Shizuko, estalando um beijinho rápido em seus lábios, não contendo osorriso de felicidade.
-Shizuko! Não sabia que tinha namorado… - O mesmo colega de antes se surpreendeu.
-E eu não tenho. - Martin estranhou aquela pontada em seu estômago ao ouvir a declaração de Shizuko, culpando o refrigerante do almoço.
-Nem sabia que você conhecia um dos membros dos Insólitos!
Martin e Shizuko se olharam tão profundamente quanto no dia do beijo na sacada do apartamento dele, mas contendo humor desta vez.
-Quem me dera eu fosse integrante da banda deles, as sou só um ex colírio Capricho! - Martin enfim falou. - Mas não é só você que pensa isso, precisamos desmentir esse boato ano passado em uma convenção…
-Martin, podemos ir logo…? - Shizuko pediu em meio a sussurros, ciente dos olhares que estavam sendo atraídos para os dois.
-Podemos, a notícia não pode esperar. Foi bom conhecer você cara! - Martin sorriu para o rapaz, passando seu braço pelos ombros de Shizuko protetoramente e a levando embora do prédio, se recusando a soltá-la.
-E então…?
-Você conhece o Rock in Rio? - Ele perguntou como quem não queria nada.
-Se eu conheço? Eu, Julie e Bia somos loucas para ir, mas nunca conseguimos!
-E o que você acha de ir na próxima edição?
-Está me convidando para ir junto com você? Só nós dois? - Shizuko se espantou.
Aquela ideia fez os olhos de Martin brilharem.
-Em algum momento podemos ficar a sós, mas fomos convidados para tocar. Então….
-O QUÊ?! QUANDO ISSO ACONTECEU?!
-Hoje mesmo! Ainda estamos absorvendo toda essa magnitude, mas eu quis ter certeza que você iria com a gente. - Martin sorriu, segurando nas mãos de Shizuko e as apertando carinhosamente.
-Eu vou, é claro que eu vou!
-Ótimo, só precisamos falar com Bia agora.
E se porventura Martin foi o encarregado de contar a novidade e fazer o convite a Shizuko, não foi surpresa nenhuma Félix ter sido o escolhido para falar com Beatriz. Julie poderia ter feito aquilo, mas como a garota não andava vendo muito o telefone e Félix já estava com viagem marcada para São Paulo para ver a namorada, ele fez o sacrifício de desvio de rota.
Ainda mais por Manu estar ocupadíssima com as aulas de atuação e só ter tempo livre para o namorado a noite, sendo pura coincidência Bia ter o dia livre na faculdade.
-A culpa não é minha de ter chego de manhã, Beatriz! - Félix exclamou logo após ter sido confrontado de maneira divertida pela garota.
-Ah, é sim! Se sabia que Manoela só estaria livre a noite, podia muito bem ter pego o ônibus da tarde. Se chegou de manhã foi porque você quis!
-Por acaso agora é um crime querer passar um tempo com a minha amiga? Se ela não se lembra, fazem dois meses que ela se mudou de cidade, e eu sou a primeira pessoa do círculo de amizades a vê-la!
-Não é um crime, mas usá-la como desculpa para ter pego o ônibus errado para ver a namorada…
-Se é só uma desculpa, acho que ela não vai gostar nada do convite que eu tinha. - Félix deu de ombros, deixando Bia falando sozinha e voltando o seu caminho pela rua em que estavam.
-..... Que convite…? - Bia se interessou, seguindo o ex fantasma.
-Por acaso fomos convidados para tocar no Rock in Rio, e queríamos que ela fosse uma de nossas convidadas especiais para integrar a equipe.
-Félix, isso é incrível! - Bia se animou, praticamente correndo para se por a frente dele. - E eu super topo o convite.
-Mas acho que não é uma boa ideia, principalmente depois do que você falou sobre ser só uma desculpa esfarrapada para um horário trocado.
-QUE SE DANE O QUE EU FALEI! E por mim você poderia errar o horário do ônibus toda vez que viesse para cá.
Mesmo que aquilo tenha saído sem pensar, o sorriso que acompanhou tanto o rosto de Félix quanto o da própria eram verdadeiros, com eles estando conscientes sobre o sentimento - mesmo que de amizade - exalados por eles.
Apenas o sorriso, já que a junção das suas mãos sequer havia sido notada, muito menos o olhar preso um no outro por tempo mais demorado do que o apropriado entre amigos.
O que Félix tinha ido fazer mesmo em São Paulo?
Chapter 50: Cinquenta
Notes:
música do capítulo - https://www.youtube.com/watch?v=lEfRzQv12gc
Chapter Text
Domingo, 22 de setembro de 2013.
O último dia de Rock in Rio de 2013 estava prometendo mais do que o esperado, e todos os espectadores (e artistas) esperavam muito que tudo desse mais do que certo e nenhum microfone falhasse novamente. Como esperado, Os Insólitos seriam os primeiros a tocarem, abrindo a noite de shows no Palco Mundo, dando continuidade a outras bandas de rock.
E por serem estreantes no festival e uma banda recente, o que eles mais tinham eram surpresas e cartas na manga!
-Vocês entram em três minutos. - O produtor avisou, dando a deixa para que o palco se escurecesse para a grande entrada.
Já havia escurecido há algum tempo na cidade do Rock quando todo o palco se apagou, dando a deixa para os gritos dos fãs quando o telão se iluminou.
-Muitos artistas têm tido um acréscimo do telão para a presença de palco, com contagem regressiva ou vídeos curtos. O que será que Os Insólitos prepararam, hein? - Titi Muller, atual apresentadora do Multishow, perguntou retoricamente para a câmera. - UM VIDEOCLIPE NOVO!
Gritando em seguida ao notar os acordes e imagens inéditas.
A estreia do clipe era claramente uma grande abertura do noite, ainda mais quando a logo da Capricho apareceu sendo desenhada no telão juntamente do som da guitarra.
Eu tenho um segredo, estou contando a todos
Não quero mantê-lo, quero me arriscar
Eu fiz uma promessa e estou pronta pra quebrá-la
É só uma pergunta, não há nada certo ou errado
E as suas intenções te mantém acordado a noite toda
Brinque com o fogo e você precisa de um jeito de aliviar
Cenas do primeiro encontro ao vivo com os colírios Capricho de 2012 vieram à tona, mais especificamente da brincadeira de desafios. Todos os colírios estavam sorteando papeizinhos das urnas, focando nas expressões em seus rostos.
Mas quando as luzes se apagam
Estamos apenas começando
Nenhum barulho, seus olhos olham pra baixo
Gire a garrafa várias vezes
Os Insólitos estavam no ginásio de uma escola, com o ambiente bem escuro e focos de luz em cima deles. Por ser uma parceria com a Capricho, todos eles estavam vestindo roupas exclusivas da marca, com Julie se abaixando e girando uma garrafa de vidro no chão.
Quando a câmera focou na garrafa, mais imagens dos colírios voltaram a aparecer.
Último beijo na ponta dos seus lábios
Onde vai, você ouve o batimento do seu coração
É agora, está pronto ou não?
Não pare quando o sentimento está ficando bom
Tock Tock, é o seu coração batendo
Agora, agora, é apenas um jogo
O jogo de dedões, queda de braço, o quadradinho de Arcrebiano e o beijo de Martin. Focaram especificamente nele escolhendo Shizuko, se aproximando, pedindo desculpas e a beijando - a mesma sequência que havia rendido diversos e-mails à revista no ano anterior, com todas as leitoras tocadas com o carinho do colírio.
Eu me sinto inquieta, sinto isso no ar
É muito perigoso, eu estou jogando desesperadamente
Tento esconder esse sentimento antes de errar
Enquanto Os Insólitos continuavam a tocar freneticamente no ginásio, Julie abandonou o seu posto ao lado da vaca e da ovelha, carregando seu microfone até a cena ao lado, onde uma rodinha de verdade ou consequência estava formada.
Mas quando a verdade vem à tona
Estamos apenas começando
Nenhum barulho, seus olhos olham pra baixo
Gire a garrafa várias vezes
Com a garrafa girando várias vezes, dava tempo para a câmera focar em cada colírio e amigos de Julie já conhecidos pela mídia a partir da festa de Martin: Bia, Martin, Arcrebiano, Valtinho, Nicolas, Shizuko, Manu Gavassi, e a própria Julie que se sentou ao lado de Nicolas em um ato simbólico (já que provavelmente nem em um jogo de verdade ou consequência ele ficaria com ela antes, delírio pensado por ela tempos antes enquanto chorava por Nicolas estar com Talita).
Bom, eu estou preparada, tão preparada
Então me controle (então me controle)
Você está me observando, eu estou presa
E está rolando
E então Shizuko girou a garrafa e depois de algum tempo rodando, ela caiu em Martin.
-Verdade ou consequência? - A voz de Shizuko foi ouvida baixinho.
Último beijo na ponta dos seus lábios
Onde vai, você ouve o batimento do seu coração
É agora, está pronto ou não?
Não pare quando o sentimento está ficando bom
Tock Tock, é o seu coração batendo
Agora, agora, é apenas um jogo
A resposta de Martin não foi ouvida, apenas mostrou ele se aproximar e olhar mais uma vez profundamente em seus olhos e encostar seus lábios nos de Shizuko, com todos ao seu redor gritando e comemorando.
-Dez segundos, pessoal! - O produtor avisou pelo ponto no ouvido de todos eles.
Uma vez que o clipe tinha terminado, eles enfim precisariam fazer a grande entrada. Os gritos pelas sombras de Fábio e Josias entrando pelo palco já eram ouvidos, aumentando ainda mais quando os dois começaram os primeiros sons de Meu Louco Mundo.
Mas quando um suporte começou a descer do teto exalando fumaça, todo o público foi ao delírio. Marcelo , Julie e Bruno estavam nele, descendo em uma entrada triunfal e tocando seus instrumentos. Assim que chegaram ao chão, Julie foi acompanhada pelos dois até a ponta final do meio do palco, sendo visível como ela tremia dos pés à cabeça.
AQUILO ESTAVA ACONTECENDO MESMO!
-BOA NOITE, ROCK IN RIIIOOO!!!!!! - Julie gritou após a música, rindo bobamente. - É UM ENORME PRAZER ESTAR AQUI! EU SOU A JULIE! NO TECLADO, JOSIAS! NA BATERIA, FÁBIO! NO BAIXO, MARCELO! E NA GUITARRA, BRUNO!
Seriam doze músicas ao total, variando entre algumas novas e antigas da Apollo 81 - e se alguém perguntasse, era só explicar a história de Josias e dizer ser uma homenagem. Querendo ou não, mesmo que encontrassem fotos antigas deles (o que eles sabiam que não exista, já que as únicas estavam com seus próprios pais, já que a banda apenas havia pouquíssimos registros de voz) seria incapaz de ligar os garotos, os estilos já eram bem diferentes.
A cada pausa de Julie para descansar a voz e beber água, Bruno tomava conta do microfone com o restante dos rapazes - deixando até mesmo Josias ser a primeira voz em uma das músicas originais da Apollo 81, mas não tão triste. Oras, se era uma homenagem póstuma, Josias sendo oficialmente o único integrante vivo deveria ser a primeira voz, muito embora Daniel estivesse vivíssimo bem ao seu lado, vagando pelo palco junto de Martin graças aos amplificadores sem fio.
Ah, a tecnologia! Nada como poder se deslocar para onde quisesse ir sem ter nenhum problema de som! Quer dizer, aquele pequeno som de chiado e microfone falhando não era nada demais, certo? Só o costumeiro problema de som que o festival apresenta todos os anos.
-Eu disse que esse era o lugar de vocês, rapazes. - Demétrius suspirou, dividido entre estar orgulhoso, aliviado e inveja da grande chance que os malditos ex-fantasmas estavam tendo.
Se não bastasse atrapalhar a banda fantasma deles, estava agora atrapalhando a grande apresentação da banda viva, muito embora ele não tivesse culpa de apenas estar observando do centro do palco.
-A próxima música é dedicada para um cara muito especial que não está mais entre a gente. Bem rabugento, mas se não fosse por ele nós hoje não estaríamos aqui. - Daniel falou no microfone. - Demétrius, essa é para você.
O fantasma congelou onde estava. Eles estavam mesmo ousando fazer uma homenagem a ele? Tomando ciência de onde realmente estava, Demétrius se percebeu bem no centro do palco, com um holofote de luz amarela em cima dele, com o público ovacionando os acordes ... os acordes da sua música!
Obviamente a letra não estava sendo cantada, mas aquela era a sua melodia! Com um sorriso enorme de satisfação, Demétrius se fez presente para quem quisesse ver, assustando alguns operadores de som e levando o público à loucura.
-Posso rever o nosso acordo se continuarem a testar minha paciência. - Demétrius ameaçou tanto Julie quanto Daniel.
-Só aproveita o seu momento, Demétrius. - Daniel respondeu. - Eles estão aplaudindo você.
-Não pensem que eu…
-Gostamos muito da sua visita, mas todo mundo aqui acha que você é um holograma, então porque não aproveita? A sua melodia não é muito longa. - Julie advertiu, vendo Martin pedir ao operador de luz que seguisse com o holofote até a ponta do palco.
Não querendo seguir as ordens dos rapazes, Demétrius se virou e seguiu seu caminho até o público, prometendo um dia voltar a prendê-los em algum lugar apenas pela ousadia de darem o que ele tanto quis em vida. Desaparecendo a frente de todos, ele soube que talvez sentisse um pouco de falta da confusão que aqueles três fantasmas causavam em seu departamento.
__________________________-
Quando o show finalmente acabou, todos os integrantes se trocaram no camarim, partindo para a área VIP do público, onde encontraram Bia e Shizuko. Infelizmente Manu não havia conseguido trocar os seus compromissos para comparecer ao festival, mas isso não queria dizer que o namorado ficaria sozinho.
-Vocês foram incríveis!!!! - Bia se exaltou, correndo na direção deles e agarrando Julie com força, sendo seguida por Shizuko. - A ideia de estrear o clipe aqui foi sensacional.
-O que era estrear na internet se podíamos começar com tudo aqui, não é?! - Julie se animou.
-Só o meu rosto em um telão… - Shizuko riu envergonhada.
-Shi, já estampamos uma revista, o telão não foi nada demais. - Martin garantiu. - Fora que não ouvir você reclamar quando te propomos o clipe.
-E tinha como? Só se o seu amigo não tivesse escrito aquele desafio no ano passado! Só agi profissionalmente, refazendo o mesmo do ano passado.
-Foi incrível te ver com todo aquele destaque. - Bia abraçou Félix com força, cumprimentando o baterista enquanto ignorava o restante dos amigos.
-É meio chato porque eu e Josias não podemos nos movimentar, mas ficar em cima de um palanque é bem legal. - Félix falou baixinho a resposta no ouvido de Bia por conta do alto barulho, se afastando e se mantendo próximo. - Mas a verdade é que eu queria muito ter descido com eles.
-Até eu queria. - Bia riu. - Normalmente os artistas sobem para o palco, vocês já fizeram o diferencial descendo.
-Meio que esse é o nosso nome, sabe? Somos Insólitos. - Félix fez uma gracinha, tirando risinhos dos dois e atraindo a atenção dos outros mais próximos.
-A sorte de vocês é que usam as máscaras, porque isso aí não ia passar batido não. - Shizuko sussurrou para Martin, indicando com a cabeça as mãos entrelaçadas de Bia e Félix, que riam um para o outro.
-E só não está passando porque está escuro, porque ele é conhecido sim pela namorada. Por isso, esses três estão aproveitando: Félix para flertar com quem ele claramente gosta e Daniel para engolir Julie em um ambiente público. - Martin rolou os olhos. - Ao menos fossem mais discretos como nós dois!
-Martin, acabou de passar um clipe nosso nos beijando na abertura do show! - Shizuko, sendo abraçada pelas costas pelo mais velho.
-Mas você mesma disse que só estávamos sendo profissionais, não é? - Ele beijou a bochecha da garota rapidamente, apertando seus braços contra ela. - Não é culpa minha se precisei beijar de novo para um trabalho como colírio.
E enquanto Martin achava que estava sendo discreto, Julie tentava afastar o namorado.
-Daniel, certeza que não quer só ouvir música hoje?
-Por mais que estejamos surtando por todos esses caras serem da nossa época e estarmos finalmente tocando com eles como Demétrius disse que aconteceria, eu prefiro muito mais te beijar. Está escuro e lotado aqui, ninguém vai te reconhecer.
-Mesmo? - Julie ficou receosa.
-Só confia. - Daniel declarou antes de voltar a beijar a sua boca com afinco.
Chapter 51: Cinquenta e um
Chapter Text
-Martin, pode me passar a chave Phillips? - Daniel perguntou enquanto terminava de desmontar o chuveiro social.
Era uma quarta feira monótona, onde a banda não havia precisado ir até o estúdio. Enquanto Julie estava na faculdade, Daniel e Martin curtiam o seu tão sonhado apartamento - já que o tempo para a casa era uma coisa rara com a correria da banda. Sabendo que teriam tempo livre o suficiente, Daniel havia decidido finalmente trocar a resistência do banheiro social que havia queimado da última vez em que fizeram uma festa do pijama no apartamento deles (mais precisamente na despedida de Bia) e até então estava esquecido.
Oras, ninguém usava ele uma vez que seus quartos eram suítes com chuveiros a gás.
Com Félix precisando ir ao banco, apenas Martin havia sobrado como ajudante para o guitarrista, e nenhum dos dois tinha a menor ideia do que estava fazendo.
-É essa retinha? - Martin olhou assustado para a imensidão de chaves na caixa de ferramentas.
-Não, a de quatro pontas. Valeu.
-É estranho ter um tempo só para a gente… - Martin comentou, recostando-se no batente da porta do banheiro. - Mesmo com a agenda lotada….
-É a calmaria antes da tempestade, já ouviu falar? Só quer dizer que as coisas só vão piorar daqui para a frente. - Daniel respondeu com dificuldades, tentando se lembrar de como trocar uma resistência, de acordo com seu Raul. - Não pior de um jeito ruim, mas…
-Talvez não para a gente. - Martin soltou de repente, estendendo a resistência nova para Daniel.
-E para quem seria? Talvez Julie se ela manter as aulas na faculdades, mas…
-Você já reparou em como Félix anda esquisito?
-O que? Claro que não. Ai! - Daniel reclamou por ter recebido um jato de água no rosto vindo do chuveiro. Ele estava fazendo aquilo certo?
-Levando em consideração que você não desgruda seus olhos e boca de Julie, não vai reparar mesmo.
-Com licença, por acaso agora é proibido dar atenção à própria namorada? - Ele se indignou.
-É quando se está no meio de uma roda de amigos, principalmente com o seu segundo melhor amigo se esquece que tem uma namorada figura pública!
-Félix deu em cima de alguém?!
-Não, claro que não. Por acaso ele já deu alguma vez?
-E o que você quis dizer então?
-Não reparou como as coisas entre ele e ia estão estranhíssimas? Cochichos ao pé do ouvido, abraços demorados e ficar de mãos dadas durante todo o show do Iron Maiden?!
-Eles fizeram isso…?
-É, e não é de agora!
-Não acho que tenha alguma coisa, Martin. Eles só são amigos, melhores amigos.
-Você sabe que ele acha Bia muito bonita.
-E isso não quer dizer absolutamente nada. Nós conhecemos Félix há trinta e três anos, sabemos bem que ele preza muito pelas amizades que consegue fazer, e nunca trairia alguém.
-E se por acaso Julie começasse a ficar de muito segredinho com Nicolas, hm?
-Aí já é outro assunto e outra situação. No dia em que Beatriz quase beijar ele fantasiada de princesa medieval, aí sim podemos usar essa comparação.
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Daniel preferiu não dar ouvidos ao amigo mais uma vez - muito embora Martin tivesse insistido e relembrando o que aconteceu quando não foi ouvido antes. Mas não era aquele o caso, Félix definitivamente não era Carla. Mas aquilo também não significava que Martin deixaria o assunto morrer tão fácil.
Quando horas mais tarde Félix passou pela porta do apartamento segurando o riso, sequer teve tempo de guardar sua bolsa em seu quarto antes que fosse bombardeado por insinuações nada discretas do baixista.
-Por acaso sua agência é em São Paulo, Félix?
-Seria impossível ir e voltar de São Paulo no período de três horas, Martin. - Félix não deu importância ao comentário.
-É, mas bancos não são tããão demorados assim… Por acaso Manu está na cidade?
-Não, e não tem previsão para ela voltar.
-Então passou todo esse tempo na fila do banco com os idosos?
-Eu sabia que a sua alma era de um velho, mas não para tanto, Félix. - Daniel implicou, mudando de canal da televisão.
-Por mais que esperar em uma fila não seja nenhum problema para mim, eu acho que você deveria mudar para o programa da Sônia Abraão, Daniel. - Félix tinha um sorriso de escárnio no rosto.
-Porque eu colocaria em um programa de fofoca por livre e espontânea vontade?
-Porque acho que você gosta de saber quando estão falando especificamente da sua namorada.
A banda não tinha programado absolutamente nada para sair na mídia por aqueles dias, então o que quer que estivesse sendo noticiado, era algo exclusivamente feito pela vocalista. Desconfiado, Daniel voltou a mudar de canal, deixando sua boca se abrir inconscientemente juntamente da palidez tomar conta da sua pele.
“-É uma coisa de jovem, isso. O último pronunciamento oficial da banda declarou que todos eles estavam solteiros, com exceção do baixista. E Julie é uma garota muito bonita, relacionamentos entre colegas podem acontecer, não é? - Sônia opinou, sendo rebatida imediatamente.
-É, mas não temos como ter certeza se ele é o baixista ou não da banda. Aliás, não dá para ter certeza de absolutamente nada por essas fotos, só que a vocalista dos Insólitos está beijando um moreno misterioso na plateia do Rock in Rio bem depois do show deles.
-Poderia ser um fã? Isso também bateria perfeitamente.
-Seria um fã muito sortudo então, Sônia, porque eles não de desgrudaram durante a noite toda, e justamente por isso não temos nenhuma foto descente dele!
-Morenos misteriosos são muito comuns, não tem como errar, não é? - Sônia fez uma piada. - São sempre morenos e com identidade misteriosa. Mas isso pode deixar de ser um segredo bem agora, já que conseguimos contato com a vocalista. Julie, está na escuta?”
Daniel prendeu a respiração naquele momento. Estavam mesmo invadindo o espaço pessoal da sua namorada só por uma bobagem daquelas?
Uma bobagem que ele insistiu em fazer, isso sim.
“-Ahn, sim…? - Julie tinha a voz insegura, não sabendo bem o que fazer.
Nem a produtora nem Daniel haviam entrado em contato com ela, a deixando sem saber o que fazer.
-Você confirma que é você acompanhada do moreno misterioso nas fotos e vídeos que vieram a mídia hoje?
-Sim…?
-E você pode dizer quem ele é? Nós estamos especulando sobre ser o seu baixista, mas…
-O Marcelo? Eca, não! Nós só estamos nos conhecendo melhor, só isso.
-Mas onde o conheceu? Nós queremos detalhes!
-Olha, eu preciso ir para a aula agora, então se me der licença… TUTUTUTUTUTU…. - Julie desligou o telefone na cara dura, sem saber como reagir.
-É uma falta de respeito com nossos telespectadores., desligar tão bruscamente assim.
-Pode ter sido só uma ficada, Sônia. Acho que seria estranho demais dizer que eles não tem nada…”
-A quanto tempo estão falando sobre isso? - Daniel engolia em seco, chateado pela forma como haviam tratado sua Julie.
-Desde de manhã, pelo o que falaram. Na verdade, foi mais divulgado em revistas de fofoca, mas os programas de televisão começam de tarde, então ..
-Félix, você por acaso estava em um oftalmologista? Só na sala de espera de um pra televisão ficar ligada nesses canais
-Não, Martin. Passei na loja de discos depois do banco e Klaus estava assistindo. As segundas quase não tem movimento na loja, e como isso saiu estampando a banca de jornal de manhã… Mas veja pelo lado positivo: surpreendentemente ninguém reconheceu Martin ao lado de vocês.
-É, mas agora acham que eu sou ele!
-Uma excelente comparação, se quer saber. E como Julie fugiu na pergunta sobre namoro, realmente poderia ser eu. - Martin se gabou, rindo da expressão entediada de Daniel. -Mas vocês podem terminar isso com uma declaração oficial.
O que foi imediatamente contestado por Julie, no grupo da banda no whatsapp:
Julie: Acho que o mistério do moreno misterioso pode aumentar o hype da banda
Julie: E eu realmente não quero dar mais explicações para mais nenhuma coluna de fofoca
Martin: Vocês querem que eu desminta sobre ser comigo?
Josias: Se Daniel não se incomodar, a narrativa de namorar um membro da banda é boa. Isso ou com um fã, depende do que vocês vão escolher e vai conseguir sustentar.
Aquilo era uma tarefa para se pensar. Provavelmente não seria uma boa sair para encontros públicos com a namorada pelos próximos dias também.
Chapter 52: Cinquenta e dois
Chapter Text
Eles tinham conseguido sustentar bem a hipótese de ser um relacionamento com o baixista até meados de novembro, levando mais ou menos um mês e meio com a história. Na verdade, apenas os outros que enxergavam aquilo, já que Julie continuava a dividir seu tempo no palco entre Marcelo e Bruno igualmente, e durante as entrevistas costumava se sentar entre Marcelo e Fábio, com Bruno ficando ao lado de Josias - apenas para controlar qualquer reação inesperada de Daniel caso acontecesse.
E estava tudo bem, até Martin faltar à coletiva de imprensa sobre o novo álbum em desenvolvimento. Ninguém havia conseguido contato com o baixista, o que era preocupante se considerar que ele estava se encaminhando para um verdadeiro viciado no próprio celular. Inventando uma desculpa esfarrapada, a banda conseguiu mascarar a falta do baixista, apenas para chegar no apartamento e encontrar um Martin completamente desolado sentado no chão da sala de estar, encarando fixamente a varanda que uma noite mudou todo o seu relacionamento com Shizuko.
-Seria de bom grado se você tivesse aparecido na entrevista, sabia? - Daniel ralhou. -Ou se ao menos tivesse dado um bom motivo para a gente.
Mas ao ver que o rapaz não respondia, apenas encarava a varanda, eles se colocaram a observar melhor. Olhos úmidos e vermelhos, com as pernas encolhidas e segurando a xuxinha de cabelo que Shizuko havia esquecido no apartamento da última vez que viera.
Data esta desconhecida por absolutamente todos.
-Aconteceu alguma coisa, Martin? - Félix se aproximou, sentando-se ao lado do melhor amigo.
-Shi-Shizuko… - Ele gaguejou ao pronunciar o nome da garota.
-O que tem ela? Aconteceu alguma coisa com ela? - Julie se preocupou, já que não tinha recebido notícia nenhuma da amiga.
-Ela me deu um fora.
-Terminou com você então? -Daniel se chocou.
-Não, para terminar quer dizer que tínhamos um relacionamento sério, e vocês sabem que não era isso…
-E o que ela disse então? Aconteceu alguma coisa?
-Não teria pedido para vocês saírem de casa no meu aniversário se não tivesse acontecido nada…
-Martin, acontecido alguma coisa séria. - Julie falou envergonhada.
-E isso não é sério?! Não aconteceu mais nada, ela simplesmente pediu para ficarmos só como amigos, porque isso não estava dando certo! - Martin se desesperou, passando as mãos pelos cabelos de maneira desenfreada, com lágrimas caindo dos seus olhos. - Eu não entendo, estava tudo tão bem nesse ano! Nunca brigamos, nunca dei motivos para ela se irritar, Shizuko nunca expressou nada além de estar feliz com a gente!
-Tem certeza, Martin…? - Félix perguntou com cuidado.
-O que eu mais fiz nesse ano foi prestar atenção em Shizuko, Félix. Eu só… Não sei porque ela fez isso! - E voltou a chorar, apertando com força a xuxinha.
Félix já estava sentado ao lado do melhor amigo, amparando sua cabeça em seu ombro quando Daniel cutucou Julie e a puxou até a cozinha, bem preocupado.
-Isso não é nada bom, Julie.
-Um término nunca é, Daniel. Você e eu sabemos disso.
-Primeiro, nós dois nunca terminamos de fato. Segundo, isso nunca aconteceu com Martin, sério. Ele nunca ficou mais de três vezes com a mesma garota, e nas vezes que foi dispensado primeiro, não deu a mínima, só ria. Ele nunca demonstrou gostar de alguém como Shizuko, e isso…. - as fungadas do baixista inundaram o ambiente, partindo o coração de todos da Apolo - machuca a gente. Shizuko não falou nada com vocês?
-Isso é tão novidade para mim quanto para vocês, principalmente sobre o aniversário dele.
-Mas pode ter uma ideia do motivo?
Julie ficou um tempo em silêncio, pensando sobre como poderia falar para o próprio namorado que o motivo era óbvio.
-Sim, mas primeiro preciso confirmar com ela.
_____________________________________________
Os compromissos da tarde foram cancelados, já que a notícia de um dos membros estar em crise havia se espalhado, com Josias sendo convocado para o apartamento enquanto Julie ia atrás da amiga, na esperança de entender o que estava acontecendo. Com uma rápida mensagem, Shizuko disse que estava na faculdade, e que queria muito conversar se fosse possível. Assim, não demorou muito para Julie conseguir chegar até o prédio de jornalismo e ser fotografada por quem passasse.
-É pro meu estágio! - Um dos alunos explicou, trabalhando para uma das colunas de fofoca mais acessadas da internet.
Mas era melhor que saísse uma reportagem a lá Caetano estaciona no Leblon, com “Julie vai a faculdade” do que vazasse o real estado de Martin.
-Oi… - Shizuko chamou pela amiga, mostrando que ela não estava na aula coisa nenhuma.
-Foi liberada mais cedo?
-Não consegui ir.
-Aconteceu alguma coisa?
-Você já deve saber que sim.
-Pelos seus olhos marejados, sim. - Julie enganchou seu braço do dela, a levando para fora de lá. - Por termos tido menos alguém na coletiva hoje cedo.
-Como ele está…?
-Como acha que ele pode estar? - Julie revidou, acompanhando a amiga até um táxi, indo para a casa dela.
-Mal. Quando falei com ele antes da aula, ele pareceu não ter reagido muito bem…
-E porque você deu um fora nele?
-Não sou boba, Julie, estávamos nisso a um ano já. Uma coisa era só ficar em festas, porque raramente acontecem, mas nos encontrar de duas a três vezes na semana, me levar para sair, virar a noite falando comigo e se declarando enigmaticamente em programas de rádio? Isso é totalmente diferente.
-E você não gosta disso?
-Gosto, claro que gosto. No começo eu não ligava, mas… Me apaixonei por ele nesse ano e não posso continuar sendo uma idiota e deixando que isso vá para frente, porque a tendencia é só me machucar ainda mais!
-Se apaixonou por ele…? - Julie se chocou. - E não falou nada pra gente?!
-Achei que fosse melhor deixar essa inconveniência só comigo.
-Gostar de alguém não é uma inconveniência, Shizuko… - Julie fazia carinho na cabeça da amiga, que estava deitada nos ombros dela da mesma maneira que o ex em Félix.
-É quando se tem certeza que não vai ser nada demais. Escuta, rolou…. entre a gente, e foi lindo, totalmente incrível, e isso me fez perceber que não podia mais estar com ele.
-Shizuko, isso não é um romance trágico para vocês se separarem por isso. - Julie tinha o coração apertado.
-Julie, vocês sabem que Martin não namora, como se treme inteiro cada vez que diziam que eu era a namorada dele. Nunca conseguiria um relacionamento sério com ele, e por mais que eu seja nova, achei melhor pular fora antes que eu me apaixonasse ainda mais e chegasse no ponto de amor.
Julie achou melhor não dizer a amiga o real estado de Martin a amiga após aquela confissão, porque até onde todos podiam perceber, a dor que ele estava demonstrando nada mais era que amor não correspondido.
Deixando Shizuko em seu quarto e indo até a cozinha com o pretexto de fazer uma panela de brigadeiro, Julie ligou para Daniel.
-O que descobriu? - Ele já atendeu querendo informações.
-Chama Félix, preciso falar para vocês dois.
Um tempo se passou até uma porta ser ouvida e passos.
-Estamos no estúdio, ele não pode ouvir a gente. Sabe o que aconteceu?
-Ela terminou com ele porque está gostando de verdade dele, e não quer se machucar mais para a frente. Achou melhor terminar tudo enquanto não tem amor envolvido.
-Em qual das partes? Porque o que estamos vivenciando aqui é o mesmo desespero que Daniel ficou quando vocês quase terminaram.
-Ela não sabe que ele está assim, preferi não dizer para Shizuko não sofrer mais, mas basicamente foi a cisma de não namorar que o colocou nessa.
-Ele podia ter horror a essa palavra, mas o jeito que tratava ela era exatamente assim.
-É, mas certamente nunca conversaram sobre isso, então Shizuko tem toda razão de estar precavendo suas emoções.
-Acha que se falarmos isso para ele, ajuda?
-Ou ele vai correr para se declarar e pedí-la em namoro e ser algo desconfortável por ele não se sentir bem preso a um relacionamento, ou não vai fazer nada e só se sentir pior. - Daniel ponderou.
-De qualquer forma, é melhor ele se acalmar e parar de chorar antes de receber qualquer informação.
Chapter Text
Eles tinham conseguido sustentar bem a hipótese de ser um relacionamento com o baixista até meados de novembro, levando mais ou menos um mês e meio com a história. Na verdade, apenas os outros que enxergavam aquilo, já que Julie continuava a dividir seu tempo no palco entre Marcelo e Bruno igualmente, e durante as entrevistas costumava se sentar entre Marcelo e Fábio, com Bruno ficando ao lado de Josias - apenas para controlar qualquer reação inesperada de Daniel caso acontecesse.
E estava tudo bem, até Martin faltar à coletiva de imprensa sobre o novo álbum em desenvolvimento. Ninguém havia conseguido contato com o baixista, o que era preocupante se considerar que ele estava se encaminhando para um verdadeiro viciado no próprio celular. Inventando uma desculpa esfarrapada, a banda conseguiu mascarar a falta do baixista, apenas para chegar no apartamento e encontrar um Martin completamente desolado sentado no chão da sala de estar, encarando fixamente a varanda que uma noite mudou todo o seu relacionamento com Shizuko.
-Seria de bom grado se você tivesse aparecido na entrevista, sabia? - Daniel ralhou. -Ou se ao menos tivesse dado um bom motivo para a gente.
Mas ao ver que o rapaz não respondia, apenas encarava a varanda, eles se colocaram a observar melhor. Olhos úmidos e vermelhos, com as pernas encolhidas e segurando a xuxinha de cabelo que Shizuko havia esquecido no apartamento da última vez que viera.
Data esta desconhecida por absolutamente todos.
-Aconteceu alguma coisa, Martin? - Félix se aproximou, sentando-se ao lado do melhor amigo.
-Shi-Shizuko… - Ele gaguejou ao pronunciar o nome da garota.
-O que tem ela? Aconteceu alguma coisa com ela? - Julie se preocupou, já que não tinha recebido notícia nenhuma da amiga.
-Ela me deu um fora.
-Terminou com você então? -Daniel se chocou.
-Não, para terminar quer dizer que tínhamos um relacionamento sério, e vocês sabem que não era isso…
-E o que ela disse então? Aconteceu alguma coisa?
-Não teria pedido para vocês saírem de casa no meu aniversário se não tivesse acontecido nada…
-Martin, acontecido alguma coisa séria. - Julie falou envergonhada.
-E isso não é sério?! Não aconteceu mais nada, ela simplesmente pediu para ficarmos só como amigos, porque isso não estava dando certo! - Martin se desesperou, passando as mãos pelos cabelos de maneira desenfreada, com lágrimas caindo dos seus olhos. - Eu não entendo, estava tudo tão bem nesse ano! Nunca brigamos, nunca dei motivos para ela se irritar, Shizuko nunca expressou nada além de estar feliz com a gente!
-Tem certeza, Martin…? - Félix perguntou com cuidado.
-O que eu mais fiz nesse ano foi prestar atenção em Shizuko, Félix. Eu só… Não sei porque ela fez isso! - E voltou a chorar, apertando com força a xuxinha.
Félix já estava sentado ao lado do melhor amigo, amparando sua cabeça em seu ombro quando Daniel cutucou Julie e a puxou até a cozinha, bem preocupado.
-Isso não é nada bom, Julie.
-Um término nunca é, Daniel. Você e eu sabemos disso.
-Primeiro, nós dois nunca terminamos de fato. Segundo, isso nunca aconteceu com Martin, sério. Ele nunca ficou mais de três vezes com a mesma garota, e nas vezes que foi dispensado primeiro, não deu a mínima, só ria. Ele nunca demonstrou gostar de alguém como Shizuko, e isso…. - as fungadas do baixista inundaram o ambiente, partindo o coração de todos da Apolo - machuca a gente. Shizuko não falou nada com vocês?
-Isso é tão novidade para mim quanto para vocês, principalmente sobre o aniversário dele.
-Mas pode ter uma ideia do motivo?
Julie ficou um tempo em silêncio, pensando sobre como poderia falar para o próprio namorado que o motivo era óbvio.
-Sim, mas primeiro preciso confirmar com ela.
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Os compromissos da tarde foram cancelados, já que a notícia de um dos membros estar em crise havia se espalhado, com Josias sendo convocado para o apartamento enquanto Julie ia atrás da amiga, na esperança de entender o que estava acontecendo. Com uma rápida mensagem, Shizuko disse que estava na faculdade, e que queria muito conversar se fosse possível. Assim, não demorou muito para Julie conseguir chegar até o prédio de jornalismo e ser fotografada por quem passasse.
-É pro meu estágio! - Um dos alunos explicou, trabalhando para uma das colunas de fofoca mais acessadas da internet.
Mas era melhor que saísse uma reportagem a lá Caetano estaciona no Leblon, com “Julie vai a faculdade” do que vazasse o real estado de Martin.
-Oi… - Shizuko chamou pela amiga, mostrando que ela não estava na aula coisa nenhuma.
-Foi liberada mais cedo?
-Não consegui ir.
-Aconteceu alguma coisa?
-Você já deve saber que sim.
-Pelos seus olhos marejados, sim. - Julie enganchou seu braço do dela, a levando para fora de lá. - Por termos tido menos alguém na coletiva hoje cedo.
-Como ele está…?
-Como acha que ele pode estar? - Julie revidou, acompanhando a amiga até um táxi, indo para a casa dela.
-Mal. Quando falei com ele antes da aula, ele pareceu não ter reagido muito bem…
-E porque você deu um fora nele?
-Não sou boba, Julie, estávamos nisso a um ano já. Uma coisa era só ficar em festas, porque raramente acontecem, mas nos encontrar de duas a três vezes na semana, me levar para sair, virar a noite falando comigo e se declarando enigmaticamente em programas de rádio? Isso é totalmente diferente.
-E você não gosta disso?
-Gosto, claro que gosto. No começo eu não ligava, mas… Me apaixonei por ele nesse ano e não posso continuar sendo uma idiota e deixando que isso vá para frente, porque a tendencia é só me machucar ainda mais!
-Se apaixonou por ele…? - Julie se chocou. - E não falou nada pra gente?!
-Achei que fosse melhor deixar essa inconveniência só comigo.
-Gostar de alguém não é uma inconveniência, Shizuko… - Julie fazia carinho na cabeça da amiga, que estava deitada nos ombros dela da mesma maneira que o ex em Félix.
-É quando se tem certeza que não vai ser nada demais. Escuta, rolou…. entre a gente, e foi lindo, totalmente incrível, e isso me fez perceber que não podia mais estar com ele.
-Shizuko, isso não é um romance trágico para vocês se separarem por isso. - Julie tinha o coração apertado.
-Julie, vocês sabem que Martin não namora, como se treme inteiro cada vez que diziam que eu era a namorada dele. Nunca conseguiria um relacionamento sério com ele, e por mais que eu seja nova, achei melhor pular fora antes que eu me apaixonasse ainda mais e chegasse no ponto de amor.
Julie achou melhor não dizer a amiga o real estado de Martin a amiga após aquela confissão, porque até onde todos podiam perceber, a dor que ele estava demonstrando nada mais era que amor não correspondido.
Deixando Shizuko em seu quarto e indo até a cozinha com o pretexto de fazer uma panela de brigadeiro, Julie ligou para Daniel.
-O que descobriu? - Ele já atendeu querendo informações.
-Chama Félix, preciso falar para vocês dois.
Um tempo se passou até uma porta ser ouvida e passos.
-Estamos no estúdio, ele não pode ouvir a gente. Sabe o que aconteceu?
-Ela terminou com ele porque está gostando de verdade dele, e não quer se machucar mais para a frente. Achou melhor terminar tudo enquanto não tem amor envolvido.
-Em qual das partes? Porque o que estamos vivenciando aqui é o mesmo desespero que Daniel ficou quando vocês quase terminaram.
-Ela não sabe que ele está assim, preferi não dizer para Shizuko não sofrer mais, mas basicamente foi a cisma de não namorar que o colocou nessa.
-Ele podia ter horror a essa palavra, mas o jeito que tratava ela era exatamente assim.
-É, mas certamente nunca conversaram sobre isso, então Shizuko tem toda razão de estar precavendo suas emoções.
-Acha que se falarmos isso para ele, ajuda?
-Ou ele vai correr para se declarar e pedí-la em namoro e ser algo desconfortável por ele não se sentir bem preso a um relacionamento, ou não vai fazer nada e só se sentir pior. - Daniel ponderou.
-De qualquer forma, é melhor ele se acalmar e parar de chorar antes de receber qualquer informação.
Chapter Text
Em um consenso geral, foi decidido que ninguém diria a Martin o real motivo por trás do término entre ele e a sua não namorada. Caso ele realmente quisesse saber, que enfrentasse a situação e fosse perguntar a ele ele mesmo.
O que obviamente ele não fez. Alguns apostavam que por estar machucado demais para encarar Shizuko, outros por acharem que ele sabia sim o motivo, e apenas não queria encarar uma situação de escolha definitiva.
Escolhas a parte, na primeiras semanas Marcelo estava muito mais quieto do que o normal nas aparições públicas e em seu twitter, sendo preciso ser divulgado que ele havia terminado um relacionamento apenas para pararem com perguntas inconvenientes - e perceberem de uma vez por todas que o romance de Julie definitivamente NÃO era com o baixista da banda, uma vez que ela continuava radiante por onde quer que passasse, enquanto ele voltava aos poucos a sua extinta condição fantasmagórica.
Entretanto, Martin não poderia ficar naquela situação de fossa por muito tempo, visto que ele mesmo repetia para quem quisesse ouvir que não era um relacionamento, então era quase bobagem ficar no mesmo estado deplorável que Daniel havia ficado dois anos antes com Julie. Ele mesmo queria e iria superar aquela situação.
Mas não seria de uma hora para a outra.
Os meses passavam com rapidez para alguns e mais lentamente para outros, mas no final 2013 havia sido um ano de sucesso para os Insólitos, com a grande surpresa chegando no início de abril do ano seguinte.
- Mas o quê… ? - Rick não acreditava no e-mail que havia recebido a respeito da banda, precisando checar se não se tratava de um spam que acidentalmente havia caído em sua caixa de entrada.
O que provavelmente poderia demorar um pouco, mas naquela altura do campeonato todos os Insólitos já sabiam o que deveriam fazer no estúdio sozinhos. Naquele dia estavam reunidos para discutir a gravação de um show para ser lançado em DVD - algo muito pedido pelos fãs.
-Tem certeza que você tá bem, Martin? - Félix ainda estava preocupado com o amigo, só por ele ter amanhecido mais caidinho que o usual.
-Como eu poderia não ficar? É gratificante ver a Shi crescendo na carreira dela. - Martin tinha a voz emocionada, preferindo ficar mais quieto.
Na noite anterior eles acidentalmente tinham se encontrado pela primeira vez em meses, após a notícia sobre Shizuko ser oficialmente a nova estagiária de jornalismo da Capricho. Ele raramente aparecia por lá agora, então esbarrões não seriam frequentes - com exceção do dia anterior.
-É, mas tinha um bom tempo que você não se fechava assim.
-É bobagem, já já passa.
Olhando de maneira desacreditada para o baixista, os dois continuaram o seu caminho até o estúdio, encontrando um Rick mais do que ansioso andando de um lado para o outro.
-Aconteceu alguma coisa? - Martin se preocupou.
-Aconteceu, aconteceu. E dessa vez vocês foram longe demais.
-Não nos envolvemos com nenhuma polêmica! - Julie se exaltou, preocupada. - Eu e Daniel temos evitados sermos vistos em público, e tem muito tempo que ele não visita a mãe, não é?
Daniel não respondeu, por ter ido visitar dona Álvara na semana anterior escondido.
-Daniel!
-O que exatamente fizemos, Rick? - Josias parecia ser o mais são naquele momento.
-Vocês…. Vocês…. - Rick não conseguia se conter de felicidade. - Recebi um e-mail ontem a tarde comunicando a participação dos Insólitos em uma premiação, e acabei de receber a confirmação que é real, vocês estão concorrendo oficialmente ao melhor álbum pop latino no Grammy 2014.
Enquanto Rick estava radiante de felicidade, Julie disparava a rir descontroladamente até ouvir um baque forte. Olhando para o lado, Daniel jazia aos seus pés, desmaiado pela informação. Tinha sido muita informação para ele, com seu cérebro apagando por poucos segundos até que ele despertasse com Josias o cutucando.
-Cara, acho que tive uma queda de pressão… - Ele resmungou, tendo ajuda para levantar. - Acho que bati a cabeça com força, acredita que eu jurava ter ouvido que fomos indicados a um Grammy?
-E fomos, Daniel. - Josias confirmou, se afastando para o faniquito que sabia que o rapaz teria, que imitando a reação da namorada disparou a rir, olhando esperançoso para a antiga Apolo 81.
Demétrius estava muito certo da antiga previsão, então.
-Só uma coisa, não tocamos só pop. - Martin se lembrou em meio a comemoração. - Somos do Rock.
-É, mas o album de estréia de voces teve um misto de ritmos, e a ctegoria de premiação latina deles só engloba pop, rock urbano e alternativo, tropical e regional mexicano. Disseram que o de vocês se encaixava mais na categoria pop do que efetivamente rock, mas é um Grammy! E no álbum de estreia de vocês, ainda por cima.
-E como vamos fazer? Eles deram instruções?
-Independente de vocês ganharem ou não, vocês precisam estar lá, a não ser que motivos de força maior os impeçam. Nesse meio tempo, já solicitei os passaportes com urgência, acredito que não deva demorar tanto a partir da divulgação dos indicados na semana que vem. Por conta da grande audiência que vocês tiveram no Rock in Rio, vocês também foram convidados a se apresentarem durante a premiação, então temos menos de um mês para aprontar uma nova composição.
-Acha que seria simbólico voltarmos com os macacões e as roupas de fantasma? - Daniel pensava alto.
-Acho que devíamos ir além. Independente de ganharmos ou não, podemos fazer história. - Félix sugeriu com um sorriso no rosto, contaminando todo o restante da banda.
Era pouquíssimo tempo para preparar tudo.
_______________________________
Com o anúncio dos indicados ao Grammy 2014 na semana seguinte, tudo tinha virado uma grande algazarra. Seu Raul não entendia bem o tamanho da situação, uma vez que preferia o Oscar. Bia quase havia comprado uma passagem de volta a Campinas apenas para comemorar, Shizuko precisou levantar tudo o que podia contar da banda para o estágio da Capricho, Klaus vendeu discos como nunca em sua loja e o dono da loja de discos quase recolocou a foto de Daniel como funcionário do mês na parede, mesmo ele não trabalhando mais lá.
As rádios, programas de tv e revistas não paravam de ligar uma vez que pela primeira vez tinham uma banda brasileira concorrendo a maior premiação musical dos Estados Unidos, ainda mais por ela ser bastante recente no mercado. Mas apesar de estarem tentando ceder uma entrevista ou outra, eles precisavam preparar a apresentação pedida, o que naquele meio tempo inclui aprender a cantar em inglês sem se atrapalhar, a presença de palco e ter certeza que não esqueceriam de nada.
No final das contas, apenas a banda, a figurinista e Rick puderam viajar para os Estados Unidos, uma vez que os convites para o evento eram mais do que restritos. Apesar de tristes por não poderem acompanhar os amigos e filha, na véspera da viagem uma reunião foi feita na edícula de Julie, em comemoração a tudo o que já tinham conseguido.
Ao chegarem em Los Angeles, não tiveram muito tempo para turistar, uma vez que precisaram ir até o anfiteatro ensaiarem a apresentação, com a premiação no dia seguinte.
“Estamos aqui na república torcendo por vocês!” - Bia avisou por whatsapp, sabendo que já era bem tarde em São Paulo.
“Nunca pensei que fosse ser tão difícil conseguir informações sobre vocês fingindo que não conheço vocês" - Shizuko riu no grupo das meninas, já que ela ainda não tinha sido notada como a estagiária que era melhor amiga de uma famosa.
“Mas com certeza já deve ser considerada uma repórter investigativa pelas informações exclusivas. Aliás, tenho uma fresquinha: Não sei se consigo subir naquele palco”
“É o primeiro show internacional de vocês, Juliana!” - Bia enviou um áudio revoltada, com vozes das colegas de apartamento por trás. - “É A JULIE?! AAAAHHHH!!! EU SOU MUITO FÃ DE VOCÊS!”
“EXATAMENTE POR ISSO!”
-Julie, precisamos ir. - Daniel a chamou, não precisando bater na porta do quarto uma vez que estavam dividindo o cômodo.
-Você acabou de denunciar a sua presença para a república de Bia. - Julie o alertou, colocando o celular em sua bolsa e ajudando o namorado a colocar sua máscara de uma vez por todas.
-Se eu não fui visto, beleza. Minha voz por de ser de qualquer outra pessoa que estivesse te chamando. Vamos?
Respirando fundo, Julie encontrou com o restante da banda mascarada no saguão do hotel, juntamente com o restante da produção técnica. Não estavam nem muito atrasados mas também não seriam os primeiros a chegar, apenas precisariam estar a postos para a posição deles na premiação. Entrando no grande SUV branco, todos os integrantes dos Insólitos foram o caminho segurando em suas mãos, rindo com onde estavam - e enviando fotos exclusivas para uma certa estagiária da Capricho e uma integrante de uma certa república, que aproveitava o conteúdo para exaltar as fãs ali presentes.
Mas na hora de pisar no tapete vermelho, ah…
Os primeiros a descer do carro foram Josias e Fábio, com Julie, Bruno e Marcelo logo atrás. Não existia mais nenhum vestígio de carinho entre eles, apenas ajudando Julie com o seu vestido. Uma vez estando todos mascarados e sem a maquiagem teatral cobrindo metade do rosto, todos eles andaram calmamente pelo tapete, parando onde era pedido e posando para fotos, sendo liberados em seguida.
Sentar ao lado de Justin Timberlake e Bruno Mars era tão... UAU! Com uma foto estratégica, logo Bia também estava surtando e quando menos esperavam, a categoria havia chegado.
-Os indicados desse ano para a categoria de melhor álbum pop latino são… - Ariana Grande começou a anunciar. - Juanes, Jarabe de Palo, Insólitos e Airbag!
E então os rostos de todos os indicados apareceram no telão, com os mascarados dando um tchauzinho. Totalmente apreensivos, nenhum deles respirava - nem lá nem no Brasil. Bia estava ajoelhada em frente à televisão com as colegas fãs atrás dela, Nicolas acompanhava apreensivo e Shizuko ignorava o precisar acordar cedo no dia seguinte.
- E o Grammy vai para … - Alicia Keys leu o envelope. - INSÓLITOS!
Julie não acreditava no que ouvia, sendo preciso ser empurrada por Marcelo para que se levantasse. Bia e as fãs berravam como se não houvesse amanhã - ela, seu Raul e o dono da loja de instrumentos. Ainda sem acreditar, Julie tentava assimilar tudo enquanto fazia o caminho até o palco, tropeçando na cauda de seu vestido e caindo de joelhos na escadaria. Com o choque, ela começou a rir desenfreadamente, sendo amparada por Bruno e Marcelo.
Cumprimentando-se no palco, Julie se aproximou das apresentadoras e pegou o pequeno gramofone, que foi distribuído para todos igualmente.
-Eu… Eu não sei como isso foi acontecer, é sério. Em um dia estávamos ensaiando na minha garagem e de repente… GANHAMOS UM GRAMMY! - Julie refletiu percebendo a imensidão de tudo aquilo. - Muito, muito obrigada! Isso significa muito para mim e para os garotos.
Josias chorava em pleno palco por onde tinham chegado e quanto tempo a Apollo havia esperado para ter seu reconhecimento. Com um abraço final, todos eles se retiraram para o backstage às pressas, já que deveriam se arrumar para a apresentação deles, que aconteceria dali a duas categorias -o que dava pouco mais de vinte minutos para se trocarem, já que aquele vestido longo estava perigosíssimo para Julie.
-Já vai dormir, Mari? - Bia perguntou a colega. - Eles vão se apresentar agora.
-Eu preciso muito acordar cedo amanhã.
-São só mais uns minutinhos. É estreia de música nova.- Bia jogou, fisgando a fã novamente.
Correndo contra o tempo, Julie terminava de ajustar a sua saia que mais parecia um pompom armado, dando espaço para que ela se movimentasse e não caísse novamente. Pegando o microfone, Josias segurou em seu braço e a levou até o palco totalmente escurecido, já que a garota estava tão radiante que havia se esquecido completamente do que aconteceria em seguida.
-Consegue cantar? - Josias perguntou, aproximando-se do teclado.
-Preciso conseguir.
“Com vocês, Stand Tall, dos Insólitos” - Ryan Seacrest anunciou, escurecendo todo o ambiente, acompanhando das palmas e silêncio.
Uma luz se acendeu bem a frente de Julie, com ela dando um passo à frente e começando a cantar.
Don't blink
No, I don't want to miss it
One thing, and it’s back to the beginning
'Cause everything is rushing in fast
Keep going on, never look back
Ainda de olhos fechados, Julie começou a cantar a letra, ouvindo Josias lentamente começar com a melodia no teclado. A musica havia sido composta pelos cinco, retratando todo o sentimento deles perante aquela indicação. Julie não queria deixar aquela oportunidade passar, já que toda a carreira deles estava passando muito rápido.
And it's one, two, three, four times
That I'll try for one more night
Light a fire in my eyes
I'm going out of my mind
Abrindo os olhos, Julie sorriu para a plateia, cantando sobre a quantidade de vezes que ela continuaria tentando com a banda, em referência a vez que Demétrius obrigou os fantasmas a acabarem com a parceira.
Whatever happens
Even if I'm the last standing
I'ma stand tall
I'ma stand tall
Whatever happens
Even when everything's down
I'ma stand tall
I'ma stand tall
I gotta keep on dreaming
'Cause I gotta catch that feeling
Com o teclado mais forte, uma luz também se acendeu sobre Josias, com ele dividindo o vocal pela primeira vez com Julie, sendo claro em suas palavras onde mesmo que ele fosse o último sobrevivente, ele continuaria seguindo firme e acreditando na música e na banda, sonhando com o que poderiam ter sido e o que poderiam ser.
E então o som da bateria se fez presente, juntando-se ao teclado. Em silêncio, Julie fez uma pequena pausa maior do que a necessária entre as estrofes. Virando sua cabeça rapidamente para cima, luzes de acenderam em cima da bateria conforme o combinado
“AAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!” A gritaria dos próprios artistas inviabilizou a música, com Julie rindo no microfone ao saber exatamente o que acontecia.
Right now, I'm loving every minute
Hands down
Can't let myself forget it, no
'Cause everything is rushing in fast
Keep holding on, nevеr look back
E no momento em que ela voltou a cantar sobre estar adorando cada minuto de tudo aquilo e mesmo assim estar tudo acontecendo rápido demais, outra luz se acendeu ao seu lado direito, bem acima do baixista.
And it’s one, two, three, four times
That I'll try for one morе night
Light a fire in my eyes
Sabendo o efeito que teria, a última luz piscou duas vezes, até que…
I'm going out of my mind
Ele enfim se acendeu acima do guitarrista, com ele se aproximando do microfone e tomando o lugar de Julie no vocal.
O figurino daquela noite consistia com todos os rapazes de calças justas, tênis coloridos e as jaquetas em homenagem a Apollo 81, já que agora Josias também havia ganhado uma, absolutamente todos de cara limpa. Sem maquiagem artística e muito menos… Máscaras.
Aquela era a história que Félix havia proposto. Mesmo se não tivessem ganhado o prêmio, eles marcariam presença com a revelação das suas identidades.
E não apenas isso, já que cada um deles teve a oportunidade de cantar um ou dois versos solo, apresentando suas vozes sem a interferências das máscaras.
- Muito obrigada pessoal! No teclado, Josias! Na bateria, Félix!
- O nome dele não era Fábio?! - O apresentador se espantou, falando com o público.
- No baixo, Martin! Na guitarra, Daniel! E eu sou a Julie, e nós somos os Insólitos!
Félix já havia abandonado a bateria, indo até ao lado de Daniel e segurando na sua mão, que segurou a de Julie, que segurou a de Martin que segurou a de Josias. Todos eles andaram até onde podiam e se abaixaram, agradecendo a oportunidade, com todas as luzes se apagando em seguida, sendo possível apenas ouvir os risos e gritos vindos da banda.
E não apenas eles, já que na república em questão a gritaria estava instaurada, com Bia rindo da reação e filmando tudo, enviando para os garotos.
-VOCÊ SABIA DISSO, BEATRIZ?!
-Era para ser uma surpresa, mas Félix deixou escapar sem querer.
-VOCÊ TAMBÉM CONHECE ELES?!
-Eu estou com eles desde o começo. Na verdade, fui eu quem comprei as máscaras para eles.
“Vocês acabaram de dar mais trabalho para essa pobre estagiária! Mas foram incríveis, não consegui imaginar uma situação melhor de revelar .” - Shizuko enviou no grupo das garotas, fazendo Julie rir, enviando outra foto de todos eles de caras limpas nos bastidores.
Seria uma banda totalmente diferente dali para frente, isso sim.
Chapter 55: Cinquenta e cinco
Chapter Text
Uma vez tendo enfim voltado ao Brasil, foi preciso armar um forte esquema de segurança no aeroporto internacional, já que uma multidão de fãs havia montado acampamento no desembarque apenas para falar com a banda. Apavorados com o assédio, todos saíram com os rostos cobertos por óculos escuros e casacos, cercados por seguranças até uma vã que os levaria direto até o apartamento.
Naquela altura seu Raul já não tinha mais tanta autoridade sobre Julie, aceitando totalmente o relacionamento dela com Daniel, e as vezes em que ela preferia o apartamento dos três garotos ao invés da própria casa.
Aquilo era novo, muito novo. Ser indicado ao Grammy era uma coisa, estavam acostumados com a fama em cima de Julie, mas terem revelado suas identidades bem após receberem o grande prêmio da carreira havia sido… intenso. Sabiam que se nos Estados Unidos já estavam recebendo atenção demais, que ao voltarem para o Brasil seria pior, mas não imaginavam o nível da situação.
Eles precisariam aprender a lidar com a situação o mais rápido possível, mas ao mesmo tempo não desaparecer da mídia. Assim, foi com gosto que dentre todos os pedidos de entrevistas exclusivas, que eles escolheram a Capricho para ser a primeira a receber a grande manchete - não apenas por ter a marca como histórico de patrocínio indireto e direto na carreira dos Insólitos, como também por ter feito parte da história de Martin e ser o trabalho de Shizuko, que curiosamente estava trabalhando na matéria sobre a banda.
Ajudar os amigos, sabe?
A entrevista seria no escritório da Capricho em Campinas, com uma sessão de fotos inclusa no pacote. Sabiam de antemão que Shizuko tinha sido a responsável pelas perguntas da entrevista, mas como ainda era uma estagiária novata, não seria ela a conduzir a entrevista - o que era chato para ela, mas aliviante para Martin. O rapaz ainda não havia superado cem por cento a garota, mesmo tendo ficado com uma das estrelas em ascensão do pop mundial.
E se fosse por ele, Shizuko jamais descobriria isso.
Chegando com folga de horário no escritório, todos foram conduzidos até a sala onde seriam entrevistados.
-Oi gente! - Shizuko apareceu um pouco depois, cumprimentando todos os amigos. - Espero que vocês não fiquem com sono com as perguntas.
Mas eles não tiveram muito tempo para responder, visto que uma das supervisoras da garota chegou, ansiosa para o início.
-Oi gente, desculpe o atraso, podemos come…. Ah! - Ela se sobressaltou, causando desconforto em todos. - Então é assim que vocês são?
-Pensei que nessa altura já soubessem muito bem como somos.- Martin afrontou, incomodado.
Claramente era puro fingimento, forçação por parte dela.
-Ah, uma coisa são fotos, outra é pessoalmente.
-Somos tão feios assim, então? - Josias não se aguentou, deixando a mulher sem graça.
Ela tinha cara de implicar com jovens, mas não com alguém de meia idade.
-O meu nome é Giulia, e hoje vou conduzir a entrevista de vocês. Estão preparados? - E antes mesmo que eles pudessem dar uma resposta, ela já havia colocado seu gravador em cima da mesa e começado. - É um prazer termos sido os escolhidos para a entrevista exclusiva de vocês, aposto que tiveram muitos convites.
-Tivemos alguns sim, mas escolher vocês foi uma forma de agradecimento para nós também. - Josias respondeu. - A Capricho deu uma oportunidade para a banda bem no início, convidando para o show no festival NoCapricho, e depois patrocinando um dos nossos últimos clipes. Seria mais do que justo devolver a vocês a oportunidade.
-Isso foi tão bonito ... - Giulia se emocionou. - Também se sente assim com os Insólitos? Eles te deram uma oportunidade de novo, não é?
A situação meio que era exatamente aquela, sem tirar nem pôr, mas não podiam dizer aquilo.
-Sim. O produtor deles me conhecia da época em que eu ainda tinha uma banda, mas achou que eu merecia outra oportunidade e me ofereceu o lugar, e eu aceitei.
-E o que aconteceu com a antiga? Acha que eles se importam por você ter migrado para uma banda de adolescentes?
Josias riu ironicamente.
-Giulia, eu acho que nessa altura, contanto que eu vá visitar o túmulo deles no aniversário do acidente, eles não devem se importar. Não acredito que eles iriam me assombrar por seguir em frente em outra banda, mas sim por não visitá-los.
Aquilo tinha mexido profundamente com Daniel, que se recordara em como aparentemente o homem os visitava constantemente, enquanto eles estavam presos naquele disco e brincando de banda mascarada.
E não, eles não o assombrariam por não visitá-los, mas sim por ser doloroso demais ver o seu amigo ainda vivo, quando tudo tinha sido tirado deles tão bruscamente.
-Um… acidente? - Giulia perguntou, virando para Shizuko para fazer uma cara feia pela falta de informação.
Shizuko apenas apontou para os cartões na mão da mulher, retribuindo a expressão.
“JOSIAS: ANTIGA BANDA MORTA EM ACIDENTE DE TRÂNSITO EM 1981”
É, as informações estavam lá.
-Mas acho que sim, eles gostariam que eu pudesse tentar de novo, e eles me deram essa oportunidade.
-E não se importa por eles serem quarenta anos mais novos que você?
-Trinta anos, e vocês se importam? - Josias perguntou aos demais, que negaram veemente. - Então também não me importo.
Vendo que o mais velho não cairia no seu papo furado e apenas a colocaria em enrascadas, a mulher decidiu partir para outra pessoa.
-Mas voltando ao assunto inicial, vocês são uma caixinha de surpresas! Já estava planejado tirar as máscaras por agora?
-Na verdade, não. - Félix começou. - Mas como estar no Grammy foi uma oportunidade inimaginável, decidimos que seria legal se independente de ganhar o prêmio ou não, deixarmos nossa marca.
-E como deixaram. Pelo menos dois de vocês já eram conhecidos na mídia! E Félix, você até namora Manu Gavassi!
-É…
-Já pensaram como vai ser essa mudança no relacionamento? Porque antes só ela era conhecida, mas de um dia para o outro você se torna mundialmente famoso, mais do que ela!
-Acho que não tem porque mudarmos alguma coisa, e ela já sabia quem eu era quando nos conhecemos.
-Como ela teve essa informação privilegiada?
-Nos esbarramos um dia na gravadora, e começamos a conversar, e deu no que deu.
-Mas em algum momento a fama já atrapalhou o relacionamento?
-Se colocar na balança… Não, porque ela mora em São Paulo, e eu aqui, então raramente conseguimos nos ver de fato. - Félix respondeu começando a ficar incomodado.
-Você era conhecido por ser o namorado dela, mas Martin, você conseguiu enganar todo mundo da redação esse tempo todo!
-Não podia quebrar o lance das máscaras, foi mal. - Martin sorriu. - Mas foi um bom plano apresentar outra pessoa no meu lugar no NoCapricho. E os nomes falsos também.
-E podemos saber agora quem era o Marcelo naquele dia? - Giulia finalmente lia a primeira pergunta das fichas feitas por Shizuko.
-O nosso produtor, o Rick.
-E por acaso a nova fama já afetou a sua vida de alguma maneira? Quando você era colírio, fez campanhas publicitárias e ficou com fãs…
-Não fiquei não. - Martin saiu na defensiva.
-Não foi você o selecionado para beijar alguém no encontro com colírios? E também beijou uma fã no clipe dos Insólitos, enquanto achávamos que era só um último clipe dos colírios.
A expressão de Martin não era boa, nada boa.
-E recentemente também saíram boatos sobre ter terminado um relacionamento…. Creio que com essa nova visão sua vida amorosa seja fortemente impactada, não é?
-Não acho que…
-A propósito, acabei de me lembrar de uma coisa! - Giulia brilhou seus olhos maliciosamente. - Estava revendo o material de vocês para a entrevista, e nossa estagiária foi a garota de sorte nas dinâmicas!
-Por favor ... - A expressão de Martin entregava todo o mar de emoções que ele sentia, apertando o coração da garota no outro lado da sala, ao mesmo tempo que se envergonha por estar em foco.
-Não acha que ela é uma fã? Ela está sendo responsável por todo o material de vocês.
-Ela é minha amiga, é diferente. - Julie interferiu. - É bem mais do que uma fã. Ela nos ajudou a gravar o nosso primeiro clipe independente, esteve literalmente com a gente desde o início de tudo.
-E você dizendo que nem conhecia eles, hein? - Giulia brincou com Shizuko, que nessa altura já surtava por não ter seguido nada do roteiro pré pronto. - O seu namorado obviamente não era Martin, certo?
-Certo. - Julie concordou.
-E o que ele pensa disso tudo?
-Sobre o que? Querendo ou não, são os garotos que estão recebendo a atenção máxima, eles eram o segredo.
-Sim, mas até pouco tempo todos juravam que você namorava um dos integrantes da sua banda. Não acha que isso pode gerar possíveis conflitos em um relacionamento? Os constantes boatos, teorias…
Aquela mulher queria uma machete, mesmo que isso significasse gerar o máximo de desconforto em todos. Olhando para o ambiente, Daniel conseguia ver Josias trincando o maxilar de raiva, Shizuko desesperada pelo seu trabalho estar indo fora, Félix pensativo demais, Martin contando as respirações para manter a pose e sua Julie começando a ser atacada.
Ele precisava dar um jeito naquilo.
-Não me importo nem um pouco. - Daniel cortou a repórter, fazendo com que todos os outros arregalassem os olhos em surpresa. - Confesso que a teoria sobre Julie namorar Martin foi completamente ridícula, porque sinceramente, eles parecem combinar em alguma coisa? - Daniel apontou para os dois, rindo. - Julie tem bom gosto, com licença.
-Você tem certeza? - Martin perguntou rindo. - O histórico dela não é muito bom.
-Absoluta, ela só precisava me conhecer naquela loja de discos.
Giulia ainda estava atônita.
-Você… não se importa?
-Óbvio, fiquei muito irritado quando conseguiram o número dela para perguntar a minha identidade, mas….
-Então você é o namorado dela?
-Achei que isso já tinha ficado meio óbvio, não é? - Daniel não se aguentou. - Não desmentimos quando começaram a falar sobre namorar um membro da banda, porque, bem, é verdade. Só não perceberam que era com o guitarrista, não o baixista. E sinceramente? Não são boatos que vão estragar um namoro de quase três anos.
-Estão juntos desde… - Giulia parou para procurar nas suas fichas alguma informação relevante, mas não havia nada.
Aquilo era segredo de Estado.
-Desde o início de tudo, de toda a banda. - Daniel confessou olhando no fundo dos olhos de Julie. - Quando nos conhecemos ela gostava de um panaca e nos obrigou a cantar músicas deprimentes sobre ele, mas eu sabia que era questão de tempo até ela cair na minha.
-Daniel, foi você quem caíu na dela primeiro. - Martin rebateu o amigo.
-Detalhes. - Com o guitarrista abanando a mão como se não fosse nada demais.
Aquela entrevista precisaria ser inteiramente editada e talvez até mesmo refeita - desta vez pelas mãos de Shizuko com seus amigos, mas enfim a tortura havia acabado, sem não antes uma sessão de fotos de todos da banda fingindo estarem recuperados emocionalmente, com finalmente fotos oficiais de Julie e Daniel sendo feitas, recostados em uma parede e prestes a se beijarem.
Aquela poderia muito bem ser a foto da capa, mas seria muito melhor utilizada como uma surpresa no meio da revista.
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Dezembro de 2014
Sete meses haviam se passado desde as grandes revelações, e enquanto Julie e Daniel estavam conseguindo lidar com a atenção e surtos por shipps de maneira invejável - estampando até mesmo a edição de dia dos namorados da Atrevidinha - outro casal estava indo ladeira abaixo.
Félix e Manu continuavam com a mesma frequência de encontros do que antes - e talvez mesmo um pouco menos, devido todas as viagens e compromissos de ambos - e o que antes era passado batido por ele ser um desconhecido, agora não mais. Fotos dos músicos sempre eram bem vindas, quando estavam saindo em grupo ainda mais - e quando Félix e Manu Gavassi finalmente iam a um encontro… era certo que não teriam sossego nenhum. Não que eles precisassem dar explicações para a mídia, mas enquanto ele respondia que os dois faziam dar certo o relacionamento com a distância, ela havia feito questão de revelar a frequência com que se viam e como eram raras essas ocasiões - mas não por maldade, Manu gostava de ser sincera com o seu público e mostrar que até mesmo os famosos lidavam com relacionamentos a distância e não sofriam tanto por isso.
O que era para ser uma boa causa para o público jovem, acabou por se tornar um pesadelo para Félix. Desde a revelação, aquela era somente a terceira vez que se viam pessoalmente, e céus, ele não aguentava mais! Manu tinha vindo para Campinas e os dois tinham saído juntos, mas desde o momento em que tinham passado pela gravadora perceberem que estavam sendo seguidos.
Aquilo tinha se tornado rotina, vez ou outra ter um fotógrafo e repórter parado à porta esperando um deles, mas quando foram prontamente ignorados naquela tarde parecia que um grande alerta tinha se acendido entre os dois. Andando rápido, por onde quer que eles fossem, sempre havia alguém com uma lente apontada para eles, e por mais que Félix tentasse fugir desesperadamente, Manu se mostrava bastante interessada em dar atenção a todos - quer fossem fãs ou repórteres.
Quase uma hora havia se passado e os nervos do baterista estavam mais do que a flor da pele, com ele olhando nervosamente para os lados. Hiperventilando, com a respiração entrecortada, seus olhos estavam arregalados, estando totalmente aéreo para a fã que Manu prontamente atendia. Ele jamais reclamaria daquela parte, mas tinha sido justamente a pequena garotinha de dez anos de idade que havia enxergado o verdadeiro estado dele.
-Você está bem, tio?
Obviamente aquele comentário fez a mãe afastá-la o mais rapidamente que pode do casal, já que em sua mente apenas drogas pesadas poderiam deixar alguém naquele estado em plena luz do dia - e artistas drogam-se para valer, não é?
Resmungando coisas sobre manter o exemplo para os mais jovens, o casal foi deixado a sós, com Manu achando graça da situação.
-Não se preocupe, é só uma ideia enraizada sobre rockeiros. Quer ir tomar sorvete?
E sequer havia olhado para o namorado, apenas checado seu telefone, segurando em sua mão.
Félix há muito havia passado do ponto de início de crise de ansiedade, e já se encaminhava para o meio dela, e a namorada com quem estava o tempo inteiro não havia notado a sua mudança de comportamento em momento algum. Ele não queria ir a sorveteria, ele não queria ir a lugar nenhum, só queria sair dali imediatamente!
-Não… - Ele puxou sua mão da dela, em um tom de voz caótico. - Não posso mais ficar aqui.
-Qual é, Félix! Já quer ir embora? Acabamos de chegar! - Manu se virou em sua direção, mas não enxergando a situação.
-Você sequer repara em mim, Manoela?! Até uma criança percebeu que eu não tô nada legal, o mínimo que você poderia fazer era respeitar a minha vontade de desaparecer! - Félix se descontrolou em público, chamando mais atenção para eles e querendo morrer por isso.
Se ele voltasse a ser um fantasma ninguém olharia mais para ele. Olhando desesperadamente para o seu redor e vendo as pessoas pararem para observar, com alguns celulares apontados apenas o enlouquecia ainda mais, com a única solução sendo esfregar as mãos pelo seu cabelo para tentar se acalmar.
Foi então que Manu finalmente olhou de verdade para ele, se assustando com o estado caótico que o namorado se encontrava. Seu coração se encheu de pena, mas já era tarde.
-O que está acontecendo, Félix? Você não estava assim quando nos encontramos.
-Você não viu a quantidade de gente seguindo a gente? Como fomos perseguidos e filmados? -Ele tentava falar baixo, na falha tentativa de não chamar atenção.
-Isso já é tão rotineiro que eu nem percebo mais, só abstraio.
-É, mas eu não. Odeio tudo isso, Não só a sensação, mas saber que estou sendo constantemente perseguido e filmado!
-Qual é, Félix! Não é como se você tivesse ficado famoso de repente na semana passada! Já tem quase três anos!
-Três anos escondido sob uma máscara! Não fazia importância quando não sabiam quem eu era, mas agora é diferente, TUDO É DIFERENTE, MANOELA!
-O que exatamente é diferente? Uma máscara não muda absolutamente nada.
-Pode não mudar quem eu sou, mas afeta diretamente a minha privacidade. Ser o Fábio permitia que eu fosse só mais um anônimo ao seu lado e dos garotos, mas ser Félix é ... angustiante.
-Mas você É o Félix, nunca existiu um Fábio! - Manu não entendia o que se passava bem a sua frente. - Você não pode basear a sua vida em algo totalmente fictício!
Em um rompante de angústia e desespero, Félix não se importou com mais nada ao seu redor, apenas querendo sair daquele lugar, daquela situação.
-Mas eu posso voltar ao que era antes. Os garotos disseram, me avisaram tanto sobre Débora ser um problema, mas eu insisti em não escutar eles! - Felix falava sozinho, evitando olhar Manu nos olhos.
-Débora?! - Manu se alterou, ela se chamava Manoela, não Débora!
-Não posso mais continuar com isso, não posso, não dá…. - Félix olhava para todos os lados, vendo todo o circo armado para cima deles, respirando com ainda mais dificuldade.
-Onde você vai, Félix? - Manu praticamente gritou, enfim percebendo o estado mais do que ansioso do namorado, não conseguindo segurá-lo quando o mesmo saiu correndo para bem longe dela. - FÉLIX!
Ela gritou ao vê-lo atravessar a rua sem olhar para os lados, assistindo em câmera lenta um carro vir acelerado em sua direção, buzinando alto enquanto o mesmo estava atordoado demais para ver o automóvel ou sequer a rua a sua frente. Com um grito esganiçado, Manu viu o carro apenas encostar no rapaz, que arregalou os olhos ao perceber o quase atropelamento, começando a tremer compulsivamente.
Mas por mais que o motorista quisesse ajudá-lo ao notar o seu estado, Félix tinha praticamente desaparecido como um fantasma da vista de todos, saindo em disparada.
Entendendo que aconteceria o que ele não queria nas horas seguintes com a manchete sobre a briga e o acidente, Manu tentou pensar em uma maneira de conter os danos da situação - muito embora ainda estivesse morta de ciúmes sobre a tal Débora.
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Félix estava mais do que atordoado. Seque sabia como tinha chegado até o apartamento, mas uma vez estando lá, percebeu que não havia uma viva alma em casa. Daniel provavelmente deveria estar com Julie, e conhecendo Martin, ou estava com Arcrebiano ou com Josias. Batendo a porta da cozinha com força, Félix cambaleou até o próprio quarto, caindo no chão e se arrastando até próximo da cama, ao mesmo tempo que tentava respirar tranquilamente - mas apenas piorando a crise de pânico.
Ele não somente tinha fugido do próprio relacionamento, como também quase tinha sido atropelado. Merda, quando ele disse que podia tentar voltar ao que era antes, não era no sentido LITERAL!
Naquele ponto lágrimas grossas já caíam pelo seu rosto, mas Félix ainda tentava se recuperar sozinho. Ele sabia que não conseguiria, mas queria tentar parecer menos pior quando pedisse ajuda. Puxando seu telefone do bolso, Félix procurou cegamente pelo número de Daniel, disposto a acionar o código sanguessuga - uma vez que em sua cabeça Débora se enquadrava na mesma categoria problema de Carla. Não exatamente, mas ele se encontrava tão ruim quanto o amigo na época.
Fora que eles já estavam acostumados com as crises dele, então conseguiriam o ajudar sem problemas.
Respirando com dificuldades, o baterista apertou no ícone verde, colocando o telefone no ouvido e esperando ouvir a voz de Daniel.
-Félix! Me ligando enquanto sua namorada está por aí?
Mas não foi a voz do amigo que ele ouviu.
Sem perceber, ele havia ligado para Bia.
-Bia… - Félix falou em um fio de voz, sentindo outra onda de tremedeira passar pelo seu corpo.
-Félix? O que está acontecendo? Onde você está?! O que houve?! Onde estão os garotos?
Félix fechou os olhos com força. Como aquela mulher tinha percebido o seu real estado com apenas uma palavra, enquanto sua própria namorada sequer havia notado nada estando ao seu lado?!
-No apartamento… - Soluços eram ouvidos atravessar a sua voz. Mesmo que ele quisesse contar o que tinha acontecido, não seria capaz naquele momento.
-Tô indo pra aí . - Bia declarou, uma vez que estava de volta a Campinas para as férias de verão da faculdade.
Se Manu Gavassi tivesse feito alguma coisa com ele, ela estava disposta a jogar fora todos os seus cd’s, inclusive os autografados
Chapter 56: Cinquenta e seis
Chapter Text
-Quer ir lá para o apartamento? Não tem ninguém lá a essa hora. - Daniel sussurrou no ouvido de Julie, sorrindo de maneira cretina.
Os dois tinham saído para olhar um violão novo para a garota, já que o seu antigo implorava para ser aposentado. Tinham dado preferência à antiga loja de música na qual Daniel havia trabalhado, sendo muito bem recebidos pelo dono, que praticamente obrigou o guitarrista a fazer uma propaganda para loja afinando o violão novo.
Mas então ele fez o convite no ouvido da namorada, sendo muito bem recebido. Tinha pouco tempo que haviam estado tão intimamente, mas horas sempre pareciam uma eternidade para os apaixonados. Ele sentia falta da sua Julie todos os dias, nunca se cansando de ter precisado esperar trinta anos em outro plano por ela.
Julie já era conhecida na portaria no prédio, sendo bem recebida pelo porteiro e pelos moradores adolescentes que estavam no saguão- que por sinal gostavam muito de falar para os amigos que a banda mais famosa da atualidade morava no mesmo prédio que eles, no vigésimo terceiro andar -, mas uma vez estando sozinhos no elevador Daniel não se aguentou, prendendo Julie delicadamente contra a parede e a beijando gentilmente.
Ele não se importava caso a filmagem da câmera de segurança fosse parar na internet, todo mundo sabia que eram namorados. Por isso ele tentou controlar ao máximo a situação, ficando para trás enquanto Juliet tomava a dianteira e caminhava pelo corredor, puxando uma cópia da chave da bolsa e abrindo ela mesma a porta da cozinha.
-Vai ficar aí esperando? - Ela perguntou de maneira inocentemente falsa, fazendo com que Daniel entrasse no apartamento e trancasse a porta.
Apenas para então para enlaçar a cintura da namorada e puxá-la para perto, grudando seus lábios com uma ferocidade há muito não sentida. Julie correspondida o beijo igualmente, afundando seus dedos na nuca de Daniel e bagunçando seus cachos - transformando-os em uma completa bagunça. Seus lábios se conectavam, brincavam, suas línguas se enroscavam, travavam uma batalha entre si apenas para serem dominados por mordiscadas e sugadas nos lábios um do outro, ao mesmo tempo que seus corpos tentavam se fundir em um abraço desesperado.
Com a falta de ar, Julie se afastou o suficiente apenas para Daniel grudar suas testas, olhando no fundo dos seus olhos, controlando a respiração. Eles se encaravam profundamente, rindo em meio a dificuldade de respirar.
-Eu te amo. - Daniel sussurrou sem dizer som algum, deixando que Julie fizesse leitura labial antes de prendê-la contra a bancada da cozinha.
Distraído, Daniel beijou o queixo de Julie, contornando sua mandíbula e finalmente chegando até o seu pescoço, onde trilhou beijos castos, raspou sua barba e enfim distribuiu beijos molhados, apenas para mordiscar e chupar sua pele, deixando marcas não muito fortes.
Julie se apertava contra o corpo de Daniel de prazer, chegando ao ponto que somente ter seu corpo ao dele não era o suficiente. Subindo uma perna contra a cintura dele, Daniel segurou com força seus quadris e a puxou para cima, a sentando na bancada, para enfim ter sua camisa arrancada.
Julie arranhou o peitoral de Daniel ao mesmo tempo que mordia seus lábios sensualmente, provocando o guitarrista até onde ele não aguentasse mais. Tomando pelo desejo, Daniel atacou os lábios de Julie como se sua vida dependesse daquilo, fundindo-se a ela, mal conseguindo beijar-se corretamente.
Afastaram-se mais uma vez para que Daniel arrancasse a blusa de Julie, contemplando a sua visão de sutiã, apenas para pegá-la no colo e andar aos tropeços até o seu quarto. Apoiando-se vez ou outra nas paredes e nos móveis, os beijos ficavam ainda mais violentos, assim como os sons que começavam a soltar. Pequenos suspiros que rapidamente tornavam-se gemidos melodiosos inundavam o ambiente.
Do alto do colo de Daniel Julie abriu levemente os olhos apenas para ter a certeza que ele não tropeçaria em nada - já que da ultima vez os dois haviam ido ao chão por culpa de um par de tênis mal posicionados - mas dando de cara com Bia os olhando chocada, saindo do quarto de Félix.
-AAAAH!!! -Julie gritou de susto.
-AAAHHH. -Daniel gritou junto, mas sem saber o porquê, largando Julie no chão.
-Como você entrou aqui?! - Julie gritou.
-Não são nem quatro da tarde! - Sendo respondida na mesma indignação pela amiga.
-Bia? - Daniel enfim tomou fôlego e se virou, ficando subitamente constrangido por estar sem camisa e sendo avaliado pela mais nova. - Como entrou aqui?
-Félix me chamou.
-Félix? Mas ele tinha saído com Manu. - Ele não entendeu.
-É, mas isso aconteceu. - Bia apenas se movimentou até o sofá e pegou o controle da televisão, ligando e colocando na A Tarde é Sua.
Imediatamente Sônia Abraão apareceu comentando as cenas que se repetiam em um looping: Félix e Manu alterados, discutindo e uma sequência de fotos dele correndo e quase sendo atropelado, com um close específico na expressão de pânico no rosto dele após o carro parar.
“É muito triste quando pessoas tão novas se envolvem com drogas, ainda mais em início de carreira. O estado alterado que ele estava, aquilo podia muito bem ser uma crise de abstinência, ou estava no ápice da…”
-Ele surtou. - Bia resumiu. - Abandonou ela e saiu correndo.
-Onde ele está? - Daniel se preocupou imediatamente, acabando com o desejo de antes.
-No quarto, finalmente conseguiu dormir um pouco. Ele não conseguiu dizer muita coisa, mas pelo o que eu conheço dele foi toda essa atenção, ele não aguentou e Manu não entendeu. Ah, ele pediu um tempo a ela, e acho que ela também não vai entender isso. - Bia tinha um sorriso sádico no rosto, ao menos para a última parte.
Só dela ter sido incompreensiva com seu amigo já tinha perdido diversos pontos com ela.
-É melhor chamar Martin? - Julie perguntou. - Ele vai precisar de todos vocês aqui quando acordar.
-Josias também. - Daniel esfregou a cabeça com raiva. - Que merda, eu falei para ele contar a ela sobre a ansiedade, mas ele não quis! Precisamos dar um jeito nisso.
Daniel sacou o celular do bolso, ignorando as duas garotas e se concentrando apenas na televisão.
-Rick, aconteceu uma coisa. É, a Sônia de novo… - E se perdeu pelo corredor, entrando no estúdio particular na tentativa de amenizar os danos e corrigir a imagem do baterista.
-Então… Se eu não tivesse aqui? - Bia perguntou descontraída e envergonhada.
-Interessante ele ter justamente ligado para você quando brigou com a namorada, não acha? - Julie revidou a pergunta, com ambas não sendo respondidas, apenas tendo risos como resposta.
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Félix somente acordou por volta das seis e meia da noite, completamente grogue pelos pesadelos e dor de cabeça por ter dormido chorando. Foi com dificuldades que ele se arrastou até o seu banheiro e lavou o rosto, se encolhendo mediante sua expressão de derrota e olhos vermelhos, mas ele não queria ficar sozinho. Tinha dormido com Bia ao seu lado, então certamente ela deveria estar na sala.
Quando abriu a porta do seu quarto - que ao contrário de Daniel e Martin saía em um corredor adjacente - Félix tampou o rosto pela claridade vinda da sala de estar, tomando conhecimento de Daniel, Martin e Josias sentados no sofá, que a essa altura já se dirigiam até ele.
-Soubemos o que aconteceu. Você tá legal? - Daniel foi o primeiro a perguntar.
Desde o ensino médio, quando ele se mudou para a escola dos rapazes Daniel era quem mais se preocupava com sua saúde, sendo contido fisicamente por Josias e Martin ao descobrir os abusos do antigo colégio, já que por ele, ele próprio desceria o cacete, meteria porrada em todos.
-O que aconteceu de verdade, Félix? - Martin se preocupou.
Mas o baterista não queria responder nada daquilo, ele só queria uma coisa.
-Cadê a Bia…? - Ele resmungou a pergunta, olhando para o sofá e cozinha e não a encontrando. - Ela foi embora? - Félix se preocupou mais.
-Não, não. Ela está no meu quarto com Julie, dando um tempo para a gente. - Daniel respondeu.
-Eu não quero ter essa conversa, falei para ela não chamar ninguém!
-E ela não chamou, nós a encontramos quando ela saiu do quarto, e a Sônia fez o restante do trabalho. Só precisamos assistir a televisão. Nós entendemos os seus motivos, sabemos como odeia atenção, mas o que aconteceu para quase ser atropelado de novo…?
Félix se encolheu com as lembranças, se arrastando até o sofá e se encolhendo no móvel.
-Manu não entendeu absolutamente nada. Ela acha que não importa se usávamos uma máscara ou identidade falsa, sempre fomos a mesma pessoa e não podemos mudar isso. Então eu já deveria ter me acostumado com os fotógrafos, porque é impossível separar o Félix do Fábio.
-Mas…?
-Mas eu achei que pudesse tentar voltar ao que era antes….
-Félix… Sabíamos desse risco quando tiramos as máscaras…
-Não isso. Vocês sempre me disseram que Débora era complicada e um problema, e apesar de Manu não ser ela, parece que ser o namorado dela só me trouxe atenção desnecessária.
-E então você decidiu fugir do problema e terminar com ela? - Josias entendeu a situação.
-Eu só quis sair de lá, mas quando quase fui atropelado… Eu voltei para 1983 por alguns segundos. Não quero perder tudo de novo.
-E o que vai fazer com ela? - Josias insistiu.
-Eu não faço a menor ideia, mas tinham muitas câmeras por lá… Me desculpem pelo estrago que eu devo ter feito a banda com isso…
-Não se preocupe, Rick está cuidando disso. Mas apesar de você não querer, será preciso levar a público o diagnóstico de ansiedade e hipocondria. - Félix tentou argumentar com Daniel, mas não conseguiu. - Félix, esse é o melhor cenário. Estão espalhando sobre consumo e abstinência de drogas!
-Nós prometemos que não íamos te deixar acontecer mais nada de ruim, e vamos cumprir isso até o final. - Martin ressaltou, abaixando-se a frente do amigo no sofá. - Ninguém vai te machucar mais, Félix.
Enquanto os rapazes ajudavam o baterista na sala, Bia e Julie estavam jogadas na cama de Daniel, entediadas e preocupadas. Tinham acompanhado toda a saga das reportagens e tweets chocados, ignorado até mesmo as ligações e DM 's que eram enviadas a ela para confirmar ou reclamar, mas uma mensagem em específico havia chamado a sua atenção.
Manu: Você sabe quem é Débora?
Uma mensagem curta e direta, sem saudações ou comentários sobre o acontecido.
-Eu não acredito… Como ela sabe sobre Débora? - Julie perguntou para Bia, que já tinha se aproximado do celular curiosa.
-Quem é Débora? - Bia perguntou, estranhando.
Julie se surpreendeu por não ter contado nem a melhor amiga.
-Era da época de escola deles. Parece que Félix gostava dela, mas nunca teve chances. Eles se encontraram um tempo depois quando já eram fantasmas e ele tentou ficar com ela, mas ela preferiu beijar Martin.
-Ai…. - Bia fez uma careta com o fora.
-É… o problema é que ela é idêntica a… Manu. Tão idêntica que até apareceu no nosso clipe na gravadora e ninguém notou a diferença.
-Então esse namoro é bem mais complicado do que eu pensava…. Isso chega a ser saudável?
-Ao que parece não.
Julie: O que tem ela?
Manu: Meio que aconteceu uma coisa hoje a tarde… e Félix me chamou desse nome e ainda disse que todos vocês avisaram que ela era um problema. Sabe de alguma coisa que eu não sei?
-Ela está insinuando mesmo isso?! Traição?! - Bia se exaltou, gritando no quarto.
Julie: O que você está insinuando, Manu?
Manu: Por acaso os rapazes sabiam que ele se envolveu com outra e por isso era problema?
-O QUE!? - Bia berrou, chamando atenção para elas.
Indignada, ela se levantou da cama e começou a andar em passos pesados pelo cômodo, falando alto e esganiçado. Apenas ouviu a porta se abrir e um Félix preocupado olhar para dentro, com os outros ao seu encalço.
-Aconteceu mais al….
-VOCÊ! - Ela apontou para Félix. - Eu juro que eu nunca mais falo com você se não terminar com aquela.. aquela… ARGH!
-Julie? - Martin tentou entender.
-Só um minuto. - Julie pediu, enquanto digitava furiosamente a mensagem.
Julie: Félix JAMAIS faria algo do tipo, Manoela. Se você não sabe disso, é porque deveriam conversar mais, bem mais.
Julie: Débora era da escola deles, e aparentemente era sim um problema. Todos eles alertaram ele disso, mas mesmo assim gostava dela. Sei bem o que aconteceu hoje, Félix estava no meio de um surto e crise de ansiedade, e ele te confundiu com ela, porque vocês são idênticas.
Manu: Idênticas?! Quais as chances então dele estar comigo porque foi rejeitado por ela? Ele foi rejeitado por ela? Certeza que não está com ela?
Julie: Ela morreu há cinco anos, Manoela. E definitivamente não é com um fantasma que você está competindo.
Julie abandonou o celular, cansada do que lia. O ambiente no quarto não era dos melhores, com ela se juntando à irritação de Bia, mas não chegando no mesmo nível.
-Você chamou Manoela de Débora. - Ela contou. - E agora ela acha que… Todos vocês sabiam do caso que Félix estava tendo com a tal Débora, e por isso ela seria um problema para ele. Eu sinto concordar rapazes, mas eu tô com a Bia nessa.
Chapter 57: Cinquenta e sete
Chapter Text
Daquela vez não havia tido jeito. Uma coisa eram especulações sobre namorados e ficantes, mas a suposta ligação com drogas do baterista tinha abalado muito a imagem da banda, sendo necessário divulgar um laudo médico sobre a condição de Félix, para que enfim a mídia - e Sônia - se calasse sobre isso.
Mas apesar de tudo uma coisa boa tinha acontecido, já que para a elaboração do laudo Félix se colocou em tratamento, melhorando a cada que se passava. Quer dizer, aquilo não se dava exclusivamente à medicação, mas também à companhia e esforço dos seus amigos, e principalmente de Beatriz.
Desde o fatídico dia duas semanas antes, ela praticamente tinha se mudado para o apartamento dos rapazes, entrando e saindo de lá tantas vezes durante a semana que o porteiro sequer interfonou mais pedindo a liberação da sua entrada. Quase todos os dias ela chegava pela manhã e somente ia embora à noite, de maneira nenhuma dormindo lá. Eles não tinham um quarto de hóspedes, não era viável a festa do pijama todos os dias e principalmente: eles eram só amigos.
Uma coisa era dormir VEZ OU OUTRA na cama dele quando o apartamento estava cheio e era tarde demais para voltar para casa, mas todo dia? Impossível. Félix estava em um processo de recuperação pela briga com a namorada, dormir todos os dias com a garota no qual ele era fascinado não seria nada, nada legal.
Ao menos não tão cedo. E por mais que ele quisesse sua presença 24 horas por dia, ele compreendia a situação, permitindo-se vez ou outra sair em conjunto das garotas. Se Julie estivesse junto, não seria uma manchete - ao menos não aquele tipo de manchete.
A cada dia Félix conseguia sorrir um pouco mais, respirando melhor pela crise contida e Bia não poderia estar mais aliviada. Na verdade, ela ficaria ainda mais quando Manoela parasse de ligar para o telefone dele. Em todo aquele tempo ela já deveria ter desligado a ligação pelo menos umas trinta vezes, e apagado as notificações de mensagens para que ele não pudesse vê-las.
Ela deveria estar fazendo aquilo? Provavelmente não, já que eles precisavam conversar uma hora ou outra, mas Manu era quem tinha aumentado toda aquela confusão que poderia ter sido facilmente resolvida se ela o tivesse levado embora da rua. Ela merecia o voto de silêncio durante um tempo.
É, talvez ela estivesse gostando demais daquela tortura com a provável ex de Félix. Ele não tinha dito com palavras, mas ela o conhecia bem o suficiente para saber que ele faria a escolha certa quando se sentisse mais forte.
-O que você está fazendo? - Bia ouviu a voz dele por trás dela, próximo demais.
Ela tinha acabado de recusar mais uma ligação e ainda estava com seu celular em mãos quando ele voltou a tocar.
-Quer mesmo atender? - Bia perguntou em uma mistura de inocência com descrença.
Mas Félix apenas negou com a cabeça, abrindo um sorriso aliviado e agradecendo.
-Obrigado.
Félix sinceramente sentia as lembranças de 1979 voltarem com força a sua mente e visão, exatamente no momento em que tinha acabado de mudar de escola. Toda a atenção e cuidado de Bia atualmente era a mesma em que Daniel, Martin e Josias tiveram com ele quando descobriram os abusos, e por mais que ele fosse grato por tudo, o zelo de Beatriz era infinitamente mais agradável.
Ela não tinha ameaçado descer a porrada em ninguém até o presente momento. Não, ela apenas batia com força na massa de pão que os dois estavam fazendo juntos.
Era tarde de sábado e a ideia de sovar pão caseiro como forma de descontar todas as frustrações tinha surgido horas antes, com os dois se dirigindo até a cozinha do apartamento e começando a cozinhar.
-Por eu ter ficado de prova final no semestre passado! - Bia socava a massa, divertindo Félix. - Por ela ter achado que você era traíra!
-Pensei que eu deveria fazer isso.
-Não pode me culpar se isso também me deixa com raiva!
-Certeza? Porque você está batendo bem fraquinho… - Félix, se recostando melhor na bancada.
-Fraquinho!? - Bia se indignou. Ela estava usando toda a sua força! - Me mostre então como devo fazer.
-Ah, não to afim não.
-Mas eu faço questão!
Vendo que não teria escapatória, Félix revirou os olhos e ficou ao lado de Bia, estalando os dedos antes de encarar profundamente a bola de massa. Era para descontar a raiva? Então ele faria aquilo. Evocando as lembranças do primeiro ano do Ensino Médio, Félix levantou o punho no ar - não reparando quando Bia jogou mais farinha na massa.
Com a colisão bruta um barulho alto foi ouvido, junto da nuvem de farinha se espalhando por eles. Mas Félix não tinha percebido nada daquilo, estando mais focado em socar a cara de todos os valentões que o aterrorizaram anos antes.
Bia estava assustada e…. Encantada. Assustada pela força e raiva com que seu amigo esmagava o pão, e encantada pelos mesmos motivos. Jamais supusera que ele seria tão forte, e que tivesse tantas veias sobressaltadas em seus antebraços. E eram barulhos que saíam pela sua boca…? Tentada a descobrir, Bia demorou sua visão até o rosto de Félix, passando pelos seus braços e pescoço até enfim ver o rosto enevoado tanto pelas lembranças quanto por farinha.
Um suspiro tinha chamado a atenção de Félix, mas a risadinha que se seguiu o despertou para a realidade.
-O que tem de tão engraçado? - Ele estava na defensiva, acreditando que o riso era por ser fraco demais.
Ele tinha entrado demais na bolha.
-Seu rosto… Está cheio de farinha.
Félix enfim se deu conta da nuvem e bagunça que tinha alcançado os dois naquele meio tempo.
-Você também não está tão diferente. - Ele comentou, rindo pelas bochechas sujas de branco.
-É, mas você parece ter voltado para sua condição de fantasma. Deixa eu limpar isso.
E sem pestanejar, Bia deu dois passos à frente, se colocando bem perto de Félix e levando seus dedos até a testa dele, dando leves batidinhas em sua pele e sobrancelhas. Quando ele fechou os olhos, o sorriso que saiu de seus lábios foi involuntário, e com ele a felicidade de Beatriz. Ele ficava tão bonitinho relaxado daquela maneira…. Perdida em pensamentos, ela não percebeu em que momento Félix abriu os olhos e muito menos quando ele estendeu suas mãos até as bochechas dela, acariciando levemente com os dedões. Quando seus olhos se encontraram, uma bolha se fechou ao redor dos dois.
Nada mais existia, nem perturbava.
Seus ouvidos só escutavam a batida dos próprios corações, imersos no reflexo um do outros em suas íris. O farfalhar dos dedos em seus rostos era quase fantasma, apenas existindo uma conexão magnética entre seus olhos. Suas respirações estavam nitidamente mais pesadas, assim como suas bocas, secas. Um sorriso nasceu nos lábios de Félix sendo imitado por Beatriz.
Ele estava feliz, infinitamente feliz.
Mas isso não queria dizer que o mundo ao redor também estivesse. Naquela tarde Martin tinha saído para uma consulta médica, com Daniel tendo estado trancado no estúdio desde de manhã trabalhando em uma nova música - mas apesar do estúdio ser a prova de som, não era desconectado no wi-fi. Tinham menos de vinte minutos que um vídeo tinha sido postado no facebook oficial de Manu Gavassi, e aquilo certamente traria problemas.
-Eu não acredito que isso está acontecendo… - Daniel resmungou antes de sair de lá e ir atrás do amigo.
Mas ao entrar na cozinha, ele parou no mesmo lugar. Sentiu suas bochechas corarem por estar claramente interrompendo algo, mas por mais fofo e cru que fosse, Félix precisava ver uma coisa.
-Vocês precisam ver uma coisa. - Aquela foi a melhor maneira que Daniel encontrou de interromper os dois.
Demorou alguns segundos, mas eles enfim perceberam que a voz de Daniel não era um delírio, mas que estava lá falando com ele. Félix se virou para o amigo ainda tendo o sorriso de felicidade em seu rosto - o que destruiu Daniel por saber que ele sairia da bolha construída naqueles dias.
-O que foi? - Félix não entendia a expressão preocupada, - Você compôs alguma coisa nova? - Aquela deveria ser a justificativa óbvia para estarem sendo conduzidos até o estúdio particular.
-Estou no processo, mas não foi por isso. Um vídeo foi postado a menos de vinte minutos na página do facebook de Manoela, e eu tenho quase certeza que é para você.
Aquilo era maneira de dizer, já que devido a crise que passavam obviamente era para Félix. Enquanto ele ligava o sistema de som, viu pelo canto dos olhos Beatriz fazer uma careta. Naquela altura ela nem disfarçava mais, o que era bastante engraçado. Era tudo pelo amigo ter sido machucado ou ela finalmente havia se dado conta da situação que eles estavam a anos?
Uma semana sem te ver
Eu já sabia que isso ia acontecer
O tempo passa eu fico mal
É ilusão achar que tudo está igual
Você apareceu pra mim
Não posso evitar me sentir assim
O que eu faço pra escapar
Dessa vontade que eu tenho de falar
Toda hora com você
Faço planos impossíveis pra te ver
Mas pra mim são tão reais
O que aconteceu eu não me lembro mais
Eu poderia escrever mil canções só pra você
Poderia te falar meus motivos pra gostar tanto de você
Me diz quando a gente vai se ver
Pra eu poder te abraçar
E tentar te explicar
A falta que você me faz
Eu não aguento mais
Ficar tão longe de você
Você me diz que não tá bem
Que não para de pensar em mim também
Agora antes de dormir
Por dois segundos, eu consigo até sorrir
Porque essa complicação
Distância é o fim pra quem tem coração
Bia enxergou vermelho. Se Félix quisesse continuar naquele relacionamento, seria inevitável o distanciamento deles. Não por ciúmes, mas ela não era uma palhaça. Estava juntando os cacos dele a semanas para Manu aparecer com uma música e resolver tudo?
Sinceramente, ela não era Nicolas Albuquerque.
Será que eu devo te dizer
Que eu quase choro, quando falam de você
Mas eu consigo segurar
Pra ter certeza, que ninguém vai reparar
Que eu tô cada vez pior
E a saudade em mim é cada vez maior
E eu nem sei se algum dia eu já me senti assim
Eu nem me lembro de querer alguém
Como eu quero você pra mim
E é por isso que eu vou te dizer
-Vocês precisam conversar. - Daniel disse o óbvio. - Ela vai continuar mandando sinais públicos até conseguir um sinal de vida seu.
-Ela não pode interpretar o meu silêncio como uma resposta? - Ele não queria mesmo fazer aquilo.
-Não, você precisa deixar bastante explícito para ela. - Bia se intrometeu antes que Daniel pudesse dizer alguma coisa. - Tanto se quiser terminar quanto…Se quiser continuar. A escolha é só sua.
Tanto Daniel quanto Félix sentiram que aquela não seria uma simples decisão, mas sim um divisor de águas.
Ele não queria mesmo escolher.
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Saber que Félix precisava tomar uma atitude não significava que seria naquele mesmo dia ou semana - e independente da crise pessoal de cada um, eles ainda tinham compromissos. Com mais uma campanha publicitária em desenvolvimento pela Capricho, os Insólitos estavam mais uma vez em seu escritório - desta vez em São Paulo, junto de parte da equipe de Campinas.
Em outras palavras, Shizuko também estava acompanhando a viagem.
Era algo simples, sessões de fotos e pequenos vídeos gravados, mas como tinham sido propostos pela filial de Campinas, um representante deveria acompanhá-los, e quem melhor senão a estagiária e amiga pessoal da banda?
Estava tudo ótimo, perfeito. Todos muito bem controlados. Até mesmo Martin tinha conseguido ficar a sós com ela sem cometer nenhum escândalo! O que não queria dizer que o restante dos rapazes podia confiar, mas consequentemente confiando. Aproveitando que havia conseguido outro tempo sozinho com Shizuko, Martin não perdeu tempo.
-Fico muito feliz por você, Shi. - Ele usou seu apelido, observando como a garota reagia.
-Pelo que? - Ela não tinha entendido o assunto repentino.
-Por você ter conseguido o estágio, e estar indo muito bem nele, ao que parece.
-Ah, obrigada, eu acho. Também fico muito feliz por vocês com a banda. Até ganharam um grammy.
-Não foi nada demais… - Martin fez um pouco de charme, arrancando uma risadinha de Shizuko e ficando satisfeito por isso.
-Ah, foi sim! Vocês terem tirado as máscaras foi o evento do ano! Sabe o quanto de trabalho eu tive para fingir que não conhecia vocês e ser imparcial nas matérias produzidas? - Shizuko se aproximou mais, contente por poder voltar a falar com ele.
-Mas era tão ruim assim nos conhecer…? - Martin não falava de serem amigos.
-Não exatamente, mas quando aquela matéria e as fotos do evento são desenterradas e tiram a paz da pobre estagiária, são incômodas. A minha supervisora é completamente louca, ela queria que eu escrevesse exclusivas contando a minha versão de nós, e surtou quando eu recusei.
Martin ficou um pouco cabisbaixo.
-Era tão ruim assim, Shi…? Nós dois?
Shizuko apenas arregalou os olhos, se virando para Martin e notando os primeiros sinais de tristeza.
-Martin… Você ficaria confortável se saísse uma matéria descrevendo como é o seu beijo, a sua intimidade? Como nos conhecemos e porque terminamos?
Era uma péssima ideia, principalmente se fosse levado em conta apenas a opinião de Shizuko sobre os beijos de Martin.
-Se fosse esse o jeito de eu descobrir o porque… Shi, eu nunca consegui entender a verdadeira razão. - Martin tinha caído na própria armadilha, não tendo nem querendo sair dela.
-Martin, por favor… Já faz quase um ano. - Shizuko não queria acreditar nos sentimentos que via bem a sua frente. Ele só podia estar sendo cínico, apenas isso! - Achei que já havia esquecido depois desse tempo.
-Eu não posso, Shi. Não posso e nem quero te esquecer. - Martin revelou, tomando toda a atenção para ele. Mesmo que Shizuko quisesse, não podia mais desviar os olhos daquele Martin cru bem a sua frente. - Esse foi o pior ano da minha vida! Eu tentei, eu juro que tentei te superar, mas…. Não dá.
-Martin, como que eu ter terminado com você é pior do que perder seus pais? - Shizuko tentou colocar um pouco de razão no baixista, mas definitivamente não estava preparada para o que viria por vir.
Martin deu uma risada seca, deixando sua aparência caótica ainda pior.
-Pelo amor de Deus, meus pais nunca morreram! Fui eu quem morri! Eu, Félix e Daniel! -Ele estava descontrolado, de olhos arregalados e a mais pura dor estampada neles. Lágrimas grossas começaram a escorrer pelos seus olhos, pegando os dois desprevenidos. - Mas nada, nada se compara ao que senti quando você terminou… O que senti nesse tempo todo. Eu nunca, jamais senti algo parecido e isso é…
E então, Martin caiu de joelhos na frente de Shizuko, completamente rendido e sem forças.
-Me dói muito estar longe de você, Shizuko. Eu fico muito feliz por você estar crescendo e estar bem, mas… Eu preferia que ainda estivéssemos….
Shizuko o encarava atônito, na esperança do que ele falaria, que rótulo colocaria.
Mas ele nunca conseguiu falar, já que sequer sabia mais o que tinham. É óbvio que era muito mais do que uma amizade colorida ou ficantes, mas ao mesmo tempo… Ele não podia deixar que se tornasse um namoro. Agonizando, Martin caiu no choro, destruindo o coração de Shizuko.
Céus, ele tinha ficado tão ruim assim? Julie nunca tinha comentado sobre o quão ruim estava sendo para ele. Ela tinha terminado por um motivo, mas….
Antes que ela pudesse fazer alguma coisa, a porta se abriu, revelando um Daniel completamente confuso.
-O que aconteceu aqui?!
Mas o olhar desolado de Shizuko deu todos os indícios que Martin tinha trago a tona algo que não deveria, e a julgar pela posição dele - de joelhos e soluçando alto - ele tinha se descompensado. Retribuindo o mesmo cuidado de anos antes, Daniel foi até o baixista e cuidadosamente apoiou as mãos nos ombros dele, indicando que não estavam mais a sós.
-Vem comigo, Martin.- Sendo seguido imediatamente, logo após ajudá-lo a se levantar.
Não sem que Martin desse uma última olhada para Shizuko. Se aquela seria a última vez que se falariam após o momento constrangedor que ele havia proporcionado, ele ao menos queria uma última imagem sua, mesmo que isso significasse pena.
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Shizuko não conseguiu relaxar depois daquele momento. Por mais que as tarefas ainda não tivessem terminado naquele dia, ela não conseguiu descansar enquanto não mandou uma mensagem.
Shizuko: Julie, você nunca me disse como Martin tinha reagido ao fora.
Demorou um tempo, e Julie até pensou em não responder, mas ao receber o código Carla no grupo do whatsapp dos Insólitos misturada a visão dele sendo amparado por Daniel pelo corredor, ela não teve escolha.
Julie: Não contei porque não queria que você se sentisse mal, como também não contei a ele o real motivo de você ter se afastado.
Julie: Ele não tava nada bem, Shizuko. Acho que até agora não entendeu bem o que ele sentia, porque foi pesado, muito pesado.
Shizuko: Do tipo ele se ajoelhar aos meus pés e começar a soluçar?
Julie arregalou os olhos.
Julie: Ele estava mais para chorar no chão agarrado a uma xuxinha de cabelo sua, mas… Pensei que ele tivesse conseguido superar.
Shizuko: Você viu ele tentando? Ele me disse que tentou, mas que não conseguia esquecer. Ele estava falando a verdade ou foi só uma maneira de dizer?
Julie: Quer mesmo saber a resposta?
Shizuko se sentiu mal. Daquela forma dava a entender que Martin tinha ficado com Deus e o mundo para tentar esquecê-la, e ela não gostava daquela imagem dele.
Shizuko: Foram muitas…?
Julie: Não, acho que você vai se sentir bem até. Foi uma só, no evento do MET. E se nem a Taylor Swift conseguiu fazer ele te esquecer, é porque ele deve gostar de verdade de você, não é?
Shizuko não queria, mas aquilo tinha mexido com o seu ego. Não por Martin estar aos seus pés, mas por preferir ela do que uma estrela em ascensão loira da música.
Shizuko: E acha que ele amadureceu nesse tempo?
Julie: O que você está pretendendo, Shizuko…?
Shizuko tinha parado de responder, para voltar a trabalhar.
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Horas já tinham se passado, já era noite e Martin tinha recém acordado de um cochilo revitalizante. Tinha sido levado até o quarto de Daniel, para que pudesse terminar sua crise emocional em paz, caindo no sono logo em seguida. Martin estava cansado, com frio e com os olhos levemente inchados pelo choro, mas principalmente envergonhado por tudo. Jamais tinha mostrado aquele lado para alguém, principalmente para Shizuko. O que ela deveria estar pensando dele agora?
O som do seu celular soou em seu bolso, o despertando para a realidade. Ignorando todas as mensagens de alerta no grupo da banda, ele se focou em uma em específico, recém enviada.
Shizuko: Você tá melhor?
Com uma careta e um grunhido, Martin pensou em ignorar, mas era Shizuko, e ele precisava se desculpar pelo papelão de mais cedo
Martin: Me desculpa, Shi. Não era para você ter visto aquilo, foi mal.
Shizuko: Eu não perguntei isso. Você está melhor?
Um tempo se passou até ela receber a resposta.
Martin: Não sei, acho que sim.
Martin: Eu parei de chorar, se for isso que está perguntando, mas ainda está doendo.
Shizuko: Você consegue dizer onde e porque dói?
Martin suspirou. Eles precisavam mesmo ter aquela conversa, não era? Ele não podia continuar estimulando Félix a abrir o jogo com Manoela se ele não fizesse o mesmo com Shizuko.
Martin: Não tem um lugar específico, tudo dói. Não estar com você, estar afastado e sem nos falar acaba comigo. Eu te disse, eu fico muito feliz por você, eu não te odeio de maneira nenhuma, mas essa situação…
Martin: Odeio não estarmos juntos, odeio saber que da mesma maneira que eu tentei te superar, você pode ter feito o mesmo. E se você estiver com alguém ou ter conseguido esquecer o que tivemos…. ́É estranho porque eu nunca senti nada parecido com isso, eu vi Daniel deste mesmo jeito quando ele e Julie quase terminaram e eu jurei que nunca passaria pela mesma situação, mas olha só o que aconteceu.
Shizuko não entendeu bem.
Shizuko: Eu tô bem confusa. Você odeia estar solteiro, eu ter esquecido aquele ano ou a maneira como as pessoas se sentem em um relacionamento? E pelo amor de Deus, não tenha um chilique por ter usado essa palavra, eu realmente tô tentando te entender.
Martin: Estar solteiro para mim não importa, eu nunca liguei para isso. Eu preferia até, porque não queria me ligar em alguma coisa que me consumiria. E odeio estar sem VOCÊ. Solteiro ou não, ter você comigo é o que importa.
Shizuko ponderou, ele tecnicamente estava dizendo que poderia estar casado e ela sendo amante dele, mas não levantaria aquela hipótese para não outro chilique.
Martin: Me importa o que você ainda pensa sobre mim, sobre nós e principalmente sobre aquele ano. Eu não tenho ideia do que aconteceu, estávamos indo tão bem, nos vendo frequentemente, sem nenhuma briga, e de repente… Você acabou com tudo.Foi alguma coisa que eu fiz? Eu te machuquei?
Shizuko se sentiu um pouco culpada imaginando tudo o que ele tinha sofrido naquele tempo, mas também pudera, havia sido culpa dos dois não terem tido uma conversa para esclarecer os fatos.
Martin: E não é bem receio sobre como se sentir em um relacionamento, mas… Ele em si. Você se lembra de Daniel ter contado sobre a violência doméstica que ele sofreu com a ex- namorada, não é? Mas eu estive lá o namoro inteiro. Eu vi como ele se interessou por ela, como eles começaram bem e de repente ele não existia mais. Carla sugou Daniel de uma forma que a banda deixou de existir, a nossa amizade ficou destruída e ele principalmente. Perdeu peso, não dormia bem e estava sendo forçado por ela a dormir com ela. E por mais que eu fosse contra e tentasse tirar ele daquela situação, ele não me ouvia.
Martin: Quando ele começou a dizer que iria ficar com Julie, eu me apavorei. O histórico não era nada bom, e até onde sabíamos Julie combinava com ele da mesma maneira que Carla antes. Quando eles quase terminaram, eu vi como Daniel ficou pior do que a primeira vez. Shi, eu conheço Daniel desde os meus cinco anos, e se ele que era o mais forte do grupo sofreu tudo isso em namoros diferentes, eu não me permitiria. Durante a escola, eu nunca fiquei com a mesma menina mais de três vezes, justamente para evitar situações de apego e sofrimento desnecessário, mas você me pegou de uma maneira que eu ainda não consigo entender.
Aquilo tudo era esclarecedor. Se a visão e experiência de relacionamentos dos amigos era essa, era óbvio que Martin não iria querer sofrer um igual.
Martin: Mas a maneira como Daniel e Julie estão depois disso, e Bia e Félix esse tempo mesmo sem estarem de fato juntos…. Era do mesmo jeito que estávamos. E eu gostava muito disso. Eu acabei de abrir o meu coração para você, agora eu posso ao menos saber porque você terminou comigo?
Shizuko:Isso vai ser interessante. Eu terminei porque achei que você não seria capaz de evoluir aquela coisa para algo mais seguro e estável, porque nunca tínhamos conversado sobre nada, você tinha sido bem específico sobre NÃO ser um namoro e tinha horror dessa nomenclatura. Eu preferi acabar com tudo quando ainda estivesse numa fase onde poderia ser só uma paixão e não tivesse aquela palavra com a envolvida.
Martin: Acho que você agiu tarde demais então….
Shizuko percebeu que ele também não havia dito as palavras, mas sabia exatamente sobre o que ela estava se referindo.
Shizuko: Mas… Eu estive pensando. Se você ainda tiver horror a rótulos, podemos dizer só…. Que estamos juntos. O que você acha? É uma ideia muito horrível e absurda para você?
Martin deixou o telefone cair em seu rosto tamanho susto. Seu coração estava descompassado, seus olhos arregalados. Ele estava lendo direito?!
Martin: Está realmente considerando voltar comigo?! Isso não é pena, não é?
Shizuko: Não, Martin. Não é. Eu também gosto de você, a propósito. Achei que você não fosse capaz de sentir algo tão profundo, mas você só me mostrou o contrário, e tem uma justificativa bem plausível para isso. Então se o seu problema são com rótulos, só estar junto está bom para você? Ou ainda se sente mais seguro com a amizade com benefícios?
Shizuko só oferecia aquilo porque sabia que aquele tipo de rótulo era da boca para fora, que a realidade era bem mais intensa.
Martin: Eu quero muito estar junto de você de novo, Shi. Eu consigo esse rótulo.
Shizuko: Ainda nos mesmos termos? Exclusividade com exceção de eventuais trabalho e vermos até onde vai dar com as nossas agendas?
Martin: Não, sem esses termos. Se você não se importar, gostaria que fôssemos exclusivos um do outro sem nenhum trabalho, e continuar independente das agendas.
Seria tão mais fácil se ele só a pedisse em namoro de uma vez!
Shizuko: Eu aceito. E você?
Shizuko não teve uma resposta pelo telefone. Quando ele começou a demorar demais para responder, ela teve uma vaga ideia do que poderia acontecer. Apressado, Martin saiu do quarto de Daniel aos tropeços, querendo chegar ao elevador o mais rápido possível, esbarrando com o próprio no caminho.
-Ei! Onde vai com toda essa pressa?! - Daniel estranhou a correria.
-ELA ME QUER DE VOLTA! - Martin gritou a plenos pulmões, sorrindo de orelha a orelha.
Para alguém que não gostava de rótulos e sentimentos como aquele, era uma cena e tanto. Impaciente, ele apertou o andar dela várias vezes no elevador, praticamente correndo pelo corredor após chegarem.
Shizuko teve a sua confirmação ao escutar batidas fortes em sua porta, tendo tempo apenas de abrí-la e ser empurrada contra o batente, em um beijo intenso e apaixonado. Um beijo valia mais do que mil palavras, não era? E céus, como Martin sentia falta daquilo!
Tanta falta que sequer percebeu o sussurro que deu no momento em que se separaram em busca de mais privacidade.
-Eu te amo, Shi…
Talvez fosse melhor daquela maneira, quando seu inconsciente falava por si só.
Chapter 58: Cinquenta e oito
Chapter Text
Mais um dia amanhecia em Campinas, e com ele mais trabalho para os Insólitos. Naquela altura eles se aproximavam do meados de agosto, e infelizmente Bia não estava mais entre eles. Ela tinha voltado na semana anterior para São Paulo, e desde que suas aulas tinham voltado não tinha encontrado tanto tempo assim para fazer companhia ao amigo,
Mas isso não significava que Félix ainda estava inconsolável. Não, ele estava bem até, e muito disposto a tomar uma decisão. Entretanto, sendo músico era difícil manter sua vida privada e seus sentimentos para si, ainda mais quando se tinha uma namorada que fazia declamações e serenatas para ele na internet na tentativa de chamar sua atenção.
No mínimo, ele precisaria fazer o mesmo. E oportunidades eram o que não faltavam!
-É sério, gente. O Acústico MTV é uma boa oportunidade para lançar um single novo. - Rick insistia mais uma vez na reunião de pauta. - Querem mesmo que eu acredite que nenhum de vocês não tem nenhuma música nova?
-Só temos trechos, não estivemos muito inspirados nessas semanas para trabalhar em alguma coisa nova. Se estivermos mesmo de acordo com o lançamento, acho que talvez seja melhor comprar um… - Daniel falava por eles, percebendo Félix bastante inquieto em sua cadeira. - Não concorda, Félix?
-Não, não precisamos comprar uma música. - Ele disse com confiança, mas imediatamente murchando. - Eu acho… Eu nunca fui de compor, mas andei estudando as músicas da Apolo 81 e as de início dos Insólitos e acho… Acho que consegui escrever alguma coisa.
-Pensei que gostasse de desenhar, não de escrever, - Josias estranhou. - Porque fez isso?
-Eu precisava tomar uma decisão, não é? Já está na hora dos portais de fofoca pararam de falar da gente.
Não era dos Insólitos a quem Félix se referia, mas sim dele e de Manu.
-Tem mesmo certeza que quer fazer isso tão publicamente assim? - Julie se preocupou.
- Independente do que eu escolha, esse assunto vai acabar voltando à tona, então é melhor que eu mesmo o faça. Vocês me ajudam?
Infelizmente, até então não se tinha a menor ideia se ele havia decidido voltar ou terminar.
-Não conta pra Bia, tá? - Ele pediu a Julie.
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O Acústico MTV era definitivamente um marco na vida artística de qualquer um. Se estivesse fazendo sucesso o bastante? Ganhava um programa para eles. Se já tinha feito muito sucesso e estava fazendo aniversário? ganhava um programa de comemoração ou homenagem. Ganhar uma programação de uma hora na televisão aberta não era para qualquer programa musical, ainda mais com público - onde somente programas de auditório conseguiam reunir demanda.
Aquele era uma das últimas marcações da agenda dos Insólitos antes de terem uma pequena pausa de dois meses antes de saírem em turnê pela América Latina - com previsão de cantarem no Show da Virada e darem continuidade aos shows, enfim entrando de férias em fevereiro.
Então é, Rick estava muito certo sobre a oportunidade de lançarem um single no Acústico MTV. Tão certo que quando a informação sobre música nova vazou, a procura por convites para o programa triplicou. Não importava se ele seria transmitido ao vivo e gravado, quando os Insólitos decidiam lançar uma música ou clipe ao vivo, era sempre um evento!
E que evento seria…. Nenhum deles tinha a menor ideia sobre qual seria a reação geral, e sinceramente? Todos temiam por Félix. Ele tinha sim sido obrigado a iniciar um tratamento após a fatídica crise que causara toda aquela confusão, mas não necessariamente significava que ele já estaria forte o suficiente semanas depois para enfrentar o que quer que viesse.
E todos tinham a absoluta certeza que ela viria com força total.
-Nós já recuperamos ele antes, conseguimos fazer isso de novo. - Martin discursou em segredo, dando forças a todos antes daquele show.
-Independente do que aconteça, ele não vai voltar para a bolha de 1979. - Daniel foi firme.
E eles tinham sim motivos para se preocuparem daquela forma. De acordo com o setlist montado, a música de Félix seria uma das últimas - justamente para gerar a expectativa em cima do público. Ora bolas, se eles iam mesmo comercializar e ganhar em cima dos próprios sentimentos e problema, que fosse feito direito!
O show contava com os maiores sucessos de todas as épocas da banda: músicas dedicadas a Nicolas, lágrimas derramadas para Julie, as tentativas de separação de Daniel, algumas baladinhas para não pesar muito o clima, o sucesso humilhação e sofrimento para dar o tom final com Josias e finalmente a palavra seria passada à Félix. E apesar da maioria das músicas falar sobre sentimentos tristes e términos - o que era possível elevá-los à categoria de banda emo - era muito bonita a maneira como todos os fãs os acompanhavam nas letras, cantando e até chorando as vezes - não de tristeza, mas por ser bonito demais.
A música de Daniel para Julie era a mais berrada desde que ele tinha reivindicado sua autoria. Um ponto para ele, nenhum para Nicolas - o jogo ainda estava contando, Julie só não sabia disso.
Até então estava tudo muito bom, indo tudo muito bem, mas então Julie levantou do seu banquinho em frente ao pedestal do microfone, trocando de lugar com Félix. Aquilo por si só já era o bastante para chamar atenção o suficiente para uma música cantada pelo baterista - que até então nunca tinha tido um refrão inteiramente para ele. Seria o grande momento de descobrirem se ele tinha uma voz boa ou não, além de conseguirem vê-lo por mais tempo e mais perto. Félix estava sempre tão escondido atrás da bateria, seria muito bom conseguir movimento os suficientes para produzir uma fancan só dele.
-Eu sei que eu demorei muito tempo para falar alguma coisa, mas… Já está na hora. - Félix se limitou aquela frase, dando a deixa para entenderem sobre que assunto era.
Eles queriam produzir em cima daquilo, mas não precisam apelar.
Martin foi quem deu os primeiros acordes, acompanhando o amigo.
Por cada noite sem dormir
Cada dia que passou
Por cada vez
Cada vez que me senti assim
Pela grana que eu gastei
Pelo tempo que perdi
Que foi em vão
E eu fiquei sem ter pra onde ir
Ele começava com frases vagas e que poderiam ser utilizadas em diversas situações. Félix tinha estudado a estrutura das músicas de término, e achado que seria bom começar com algo simples e não muito sentimental para que pudesse alcançar um maior público.
Mentira, ele só estava nervoso sobre como começar.
Cada briga sem razão
Cada verso sem refrão
Você virou as costas pra quem te era bom
Mas não vou ficar aqui
Me lamentando com você
Essa é a última vez que faço essa ligação
Escute bem
Eles realmente tinham brigas sem sentido por Manu não conhecer a realidade dos insólitos e não entender pequenos passos do passado deles. Mas como estavam longe um do outro, elas acabam passando despercebidas e sendo deixadas de lado, mas ele já estava saturado, e não disposto a continuar naquela situação.
Porque quando eu desligar
Você não vai saber mais nada sobre mim
Chegamos ao fim
O último alô é, na verdade, um adeus
Esqueça aqueles planos, eles não são mais seus
Aquela sim era a parte mais verídica de toda música, talvez. Ele não entendia as ligações dela a semanas, e sabia que assim que fosse para o ar, ele precisaria atender uma última vez para acabar com tudo. E sinceramente? Ele tinha as intenções de desaparecer da parte privada da vida dela, sendo dali para frente apenas o baterista dos Insólitos.
Por cada hora que passou
E as mentiras que contou
Por alguém que talvez deixei de conhecer
Pelas cartas que escrevi
A tatuagem que eu fiz
Pra marcar o que hoje quero esquecer
Félix vinha pensando muito nas últimas semanas, tornando-se consciente das pessoas ao seu redor. E se ter ficado preso a um relacionamento que não era compatível o tivesse impedido de enxergar verdadeiramente as pessoas que estavam ao seu redor? Bia era a mais preocupada com a decisão que ele tomaria, e ela tinha ficado com ele todo aquele tempo, garantindo que não se machucasse mais.
Pra você o amanhã nunca existiu
Esqueceu tudo o que vivemos ontem
Jogou fora dias, meses e lembranças
Nosso tempo você desperdiçou
Não há mais nada a fazer
Quando eu desligar
Você não vai saber mais nada sobre mim
Chegamos ao fim
O último alô é, na verdade, um adeus
Esqueça aqueles planos, eles não são mais seus
Naquele ponto, Daniel e Julie ajudavam no coro, colocando todos os seus sentimentos intensos de quase término para fora, deixando tudo ainda mais triste. Misturando as expressões corporais de Félix, passava a impressão como aquele seria o mais novo hit de sofrência dos próximos meses.
Eles não são mais seus
Eles não são mais seus
Não são mais
Não são mais seus
Quando Félix terminou a última estrofe e a melodia enfim terminou, ele estava exausto. Com uma sensação de ter um peso a menos no seu corpo, mas ainda sim exausto. Não tinham lágrimas escorrendo pelos seus olhos, mas o seu rosto estava banhado em suor - ter se exposto daquela maneira havia precisado de muita, muita coragem. Uma coisa eram músicas para os outros, mais uma composição própria e com um tremendo significado? Aquilo era apavorante!
Tentando esconder o rosto, ele se levantou do banco e foi recebido por Julie com uma toalhinha, dando tempo o suficiente para ele tomar um gole d'água e voltar para a frente do palco para os agradecimentos finais. Como era um evento fechado, eles conseguiram e até insistiram com a produção para darem atenção ao público - que para a surpresa geral da banda, queriam dar mais atenção a Félix do que os outros. Ele definitivamente não esperava por toda aquela comoção, conseguindo dar algumas risadas sobre como alguns choravam com sua letra, sentiam pena dele e até mesmo se revoltaram com Manu. Ele havia recebido uma chuva de abraços, votos de saúde, declarações de amor e tirado uma centena de fotos, mas estava bem e feliz, era isso o que importava.
-Ora essa, desde quando eu sou o ignorado?! - Martin se revoltou, arrancando risadas de Josias.
-Martin, sempre que uma garota descobria a história de Félix, você passava a ser ignorado.
E aquilo era verdade. Sempre foi muito fácil sentir pena de Félix e querer mimá-lo do que dar atenção ao bonitão e já popular Martin.
-E ele preocupado com a música… Foi o melhor lançamento até agora. - Daniel comentou, não se aguentando e abraçando Julie bem perto, apoiando seu queixo no topo da sua cabeça.
Ele não era bobo, sabia que estava servindo fan service e rendendo fotos e vídeos, mas o que ele poderia fazer se ele e sua namorada tinham química para dar e sobrar?
-Não é com a música, mas o que vem com ela. - Julie rebateu. - Ele vai receber duas ligações nas próximas horas, e é com isso que ele está nervoso.
-Você acha? A pior parte ele já fez.
-Não, Daniel. Isso você também fez, mas a resposta depois da música… Eu poderia ter fechado a janela depois da sua serenata ou te mandado embora, mas eu fui até você.
-Mas meio que ainda existia uma escolha nessa situação. Félix foi bem enfático dizendo que estava tudo acabado.
Julie apenas bufou indignada.
-As vezes acho que eu deveria mesmo ter fechado a janela no seu rosto, sabe? - Se desvencilhando em seguida, deixando um Daniel muito confuso para trás propositalmente.
-O que? Julie, espera!
Mas ela já estava ao lado de Félix, tocando delicadamente em seu braço e indicando a coxia com a cabeça. Eles precisavam ir.
-Obrigado por estarem aqui. - Ele agradeceu o público, para enfim ser carregado até o camarim.
Como se profetizasse a situação, assim que a porta foi aberta todos ouviam em alto e bom som um celular tocar insistentemente. Eles até conferiram os próprios apenas por desencargo de consciência, mas sabiam de quem era o telefone.
-Cinco ligações perdidas. - Félix falou alto, vendo a sexta ligação recomeçar a tocar.
-Precisa de mais um tem… - Martin começou a perguntar, se calando ao ver o amigo levar o celular em direção ao ouvido, se virando em direção a Daniel e prendendo o olhar em seus olhos.
Não era uma Carla, mas ainda sim sim um término conturbado e nisso Daniel tinha experiência.
-Oi. - Ele disse simplesmente.
Mas ninguém respondeu do outro lado da linha por quase um minuto. Apenas sons de choro eram ouvidos.
-Você… Você respondeu. - Manu tinha a voz trêmula.
-Eu sei… - Félix respirou fundo, recebendo incentivo visual de Daniel e Martin. - E essa… vai ser a última vez que vou atender, Manu.
-Era… Era verdade… o que você disse na música então? - Era óbvio que ela estaria assistindo programa. Não tinha ideia de como o namorado estava, então qualquer migalha de informação era muito bem recebida.
-...Sim… - Félix demorou a responder, fechando os olhos e se escorando com as costas na parede. - Não dá mais, não a gente. Eu quero terminar.
-E se eu não quiser? - Manu falou sem pensar, completamente derrotada e soluçando.
Ela já deveria ter se preparado para aquele cenário, mas realmente não imaginava que… era para tanto.
-Não é negociável. - Ele disse com firmeza, assustando a garota. A única vez que ela tinha escutado aquele tom tinha sido no dia da confusão, quando ele estava descontrolado.
Demorou mais meio minuto para que ela enfim falasse de novo.
-Eu sinto muito, Félix. Espero que você seja feliz com ela. - E então desligou.
Félix soltou a respiração que não sabia que estava prendendo, desabando no chão. Respirando com dificuldades, ele suava e procurava as mãos de Daniel e Martin pedindo apoio.
Ele estava tão exausto e nervoso que sequer tinha reparado no desejo da ex namorada.
-Já foi, já foi…. - Martin o alcançou primeiro, dando água para ele tomar.
Félix ainda estava sentado no chão quando seu telefone tocou de novo.
-Acho que nessa deveríamos dar privacidade. - Josias sussurrou para os outros, vendo o baterista levar o telefone ao ouvido sem pestanejar com um sorriso cansado nos lábios.
-Eu terminei com ela, Bia… - Félix tinha fechado os olhos, não reparando quando ficou sozinho, e perdendo a noção do tempo.
Josias não era bobo. Assim como todos os outros, já tinha percebido a interação do amigo com a garota, e como mais velho tinha tido tempo o suficiente para saber melhor quando deixar ou não uma situação. E sinceramente? Parecia que ele estava esperando aquela ligação em específico do que a da namorada para confirmar o término.
Josias se sentia bem vendo todos os seus amigos finalmente alcançando a felicidade, mesmo que isso tivesse demorado trinta anos para chegar.
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-Combinado então, 21h todos dentro da boate! - Martin enviou o áudio para Bia e Shizuko, indo descansar após a entrevista na rádio para divulgação da turnê.
Semanas tinham se passado desde o Acústico MTV, o que significava que a turnê enfim tinha começado. Por uma questão lógica, a primeira cidade a pararem foi São Paulo, tendo realizado dois shows e seguindo viagem para o Rio de Janeiro. Por coincidência ou não, o dia de pausa entre o último show e prosseguimento da viagem nada mais era do que o dia das bruxas - também conhecido como aniversário de Martin. E como eram os seus 21 anos, ele queria comemorar em grande estilo - também sendo uma oportunidade de sair em conjunto de quem estava junto (ele não conseguia arranjar uma nomenclatura para Shizuko, o que o incomodava profundamente) e Bia, já que não iriam se ver pessoalmente por quase três meses.
E por mais que ainda estivessem no meio do semestre letivo, Shizuko tinha sido convidada a passar o final de semana na república de Bia - por mais que efetivamente ela não tivesse dormido lá. Com ingressos VIP para o show, as duas aproveitaram o máximo que puderam, apenas se despedindo na hora de ir embora. Enquanto Bia voltava para a república, Shizuko acompanhava os rapazes até o hotel.
Não tinha motivos para Bia voltar com eles para uma festa do pijama porque bem, não tinha onde ela dormir.
Mas pontual como ela era, às 21h da noite ela estava apresentando sua pulseirinha VIP na entrada da boate, apenas para descobrir que nem todo mundo tinha chegado. A casa ainda estava relativamente vazia, mas Josias e Daniel já marcavam presença.
-Não quisemos te deixar sozinha. Vai que você achava que não vinha mais ninguém? - Josias deu a desculpa.
-Você não precisa florear a verdade para ela, Josias. Eles só estavam demorando muito. - Daniel revelou.
-Algo me diz que você foi colocado para fora do quarto para Julie e Shizuko se arrumarem. - Bia achou graça da maneira como Daniel confirmou rolando os olhos.
-Fui expulso por elas e por Martin, diga-se de passagem. Não sei o que ele tanto faz naquele cabelo, mas ao mesmo tempo que me colocou para fora, não deixou Félix sair do lado dele.
-Acho que temos grandes chances de vermos um Félix de moicano hoje. - Josias tirou sarro.
-Acha mesmo? Pela cara de desespero que ele me olhou quando saí, acho que é capaz de chegar descabelado, isso sim.
-Se rebelando contra as imposições cabeleireiras de Martin? Gostei. - Bia riu imaginando a cena.
Mas eles estavam em um ambiente descontraído, então que se divertissem enquanto o restante do grupo não chegava. Enquanto Daniel pedia os primeiros drinks da noite no bar, Josias foi tirado para dançar por Bia - que muito embora estivesse encabulado pela diferença de idade e pelo o que os espectadores achariam, não teve chance de negar. Foi com gosto que Bia descobriu sobre como bom dançarino Josias era, apenas para ser passada para um Daniel bem… Desconfortável. Ele gostava de dançar com Julie, mas sozinho ou com outra pessoa que não levasse em conta os seus pisões no pé? Não mesmo.
-Vamos mandar uma foto para eles verem o que estão perdendo! - Daniel sugeriu, aliviado pela dança ter acabado.
Uma sequência de fotos foi feita dos três e dele e Bia, não perdendo tempo e além de mandarem para o grupo, postaram no Facebook, Twitter e Instagram - mas este último ainda não era tão famoso quanto o twitter pessoal de cada um.
Era engraçada a maneira como os comentários sobre quem era a garota misteriosa com eles pipocaram, assim como os seguidores de Beatriz dispostos a uma boa fofoca.
-Eu vou ao banheiro, já volto. - Bia avisou Daniel, já tendo ciência que o número de pessoas tinha dobrado naquele tempo.
E apesar de ter uma noção, não sabia que a fila para o banheiro estaria tão grande, muito menos que passaria quase dez minutos na espera. Mas se tinha uma coisa boa em ter amigos famosos, era saber sobre a chegada deles nos lugares sem necessariamente receber uma mensagem.
“O quão sortuda a gente pode ser por ir na mesma festa que os Insólitos?!” - Ela ouviu por trás da porta, rindo com a empolgação das garotas.
Ela imaginava que as suas colegas de república fariam um escândalo pior caso um dia chegassem e dessem com um deles lavando a louça na cozinha.
“E você lembra que hoje é aniversário do baixista, né? Podemos falar que viemos na festa de aniversário dele que ainda vai ser verdade!”
Bem, Bia faria a mesma coisa se fosse o Nx Zero, então ela não estava nem aí. Quando enfim voltou para a mesa deles, viu um Martin radiante, esbanjando sorrisos para quem quisesse olhar.
-Pensei que eu fosse virar abóbora de tanto esperar vocês chegarem! - Bia praticamente gritou, apenas para pular em um abraço apertado e feliz com Martin. - Feliz aniversário!
-E eu pensei que você tivesse descido descarga abaixo! - Ele brincou, rindo pelo tapinha que recebeu. - Você demorou também, não me culpe!
-Fique ocupada demais ouvindo os burburinhos no banheiro sobre vocês estarem aqui. A propósito, o que você fez no cabelo de Félix?
-Eu? Eu não fiz nada! - Martin estranhou. - Só achei que a espera é a alma do negócio
-E onde ele está? Você o deixou preso no hotel?
-Não, ele foi buscar mais bebidas com Daniel. Porque? Está interessada? Posso fazer os arranjos. - Martin perguntou mexendo suas sobrancelhas sedutoramente, arrancando uma risada de Bia e atraindo a atenção de Josias.
-Não, Martin. A última vez que você me arranjou uma coisa com alguém foi bem terrível. Não estou interessada na sua ajuda. - Ela se referia a Arcrebiano, sendo a sua maior decepção com os Colírios Capricho.
-Qual é? Não foi tão ruim assim!
-O que não foi tão ruim? - Julie alcançou a última parte da conversa, cumprimentando a amiga junto de Shizuko.
-Arcrebiano.
-Uh. - Julie fez uma careta. - Não, Martin. Esse não foi um dos seus melhores momentos.
Martin estava exasperado! Suas habilidades como cupido tinham sido questionadas e o pior: Bia tinha recusado ajuda para um desenrolo com Félix. Céus, será que a imaginação dele era tão grande daquele jeito? Ele jurava que alguma coisa acontecia entre eles a anos, apenas tendo sido interrompidos pelo namoro com Manu!
Indignado, ele viu quando os rapazes voltaram com as bebidas, bastante ciente em como os dois se cumprimentaram de maneira bem… Amigável.
-Ah, mas eu não estou ficando louco não!
Mas ainda era sua festa de aniversário, então fotos, vídeos e desejos de felicitações foram o que não faltaram. Por estarem na área VIP, a mesa deles era em um andar mais elevado que proporcionava privacidade mas ainda ficava na altura dos olhos do restante da pista. Assim, não era segredo para ninguém a presença da banda no local, muito menos quando o DJ fez questão de colocar a última parceria deles com os colírios Capricho em alto e bom som.
Se esperavam um pequeno show, todos eles se emocionaram ao notar a pista cantando aos berros na direção deles, filmando enquanto eles próprios não se aguentaram e berravam junto em uma animação apenas sentida no momento da assinatura do contrato com a gravadora.
Aonde eles estavam chegando?
Mas se Martin estava muito distraído falando com mais desconhecidos - o que naturalmente os atraiu para perto do grupo, aumentando a interação com a banda e consequentemente momentos constrangedores com as fãs mais emocionadas - Félix não estava nada confortável. Era legal ter atenção e ser reconhecido, mas desde quando quatro garotas falavam com ele ao mesmo tempo? E ainda mais mexendo nos cabelos e dando risadinhas até demais?
Ele tinha terminado um namoro, não precisava daquela pena - já que para ele este seria o único motivo de tanta atenção. Inquieto, ele procurou com seus olhos o rosto de Beatriz, que já o observava de longe. Com um sorriso torto, ela o questionava sobre aquela cena, onde Félix apenas suspirou e arregalou os olhos em resposta.
Ele não ficaria aguentando aquela ladainha sozinho.
-Você quer dançar? - Félix perguntou para Bia, não perdendo tempo e se levantando, ignorando a gafe de uma das suas admiradoras.
-Pensei que nunca fosse me chamar. - Bia disse de maneira afetada, rindo pelas expressões das garotas deixadas para trás.
Ele a levou até a parte inferior, misturando-se na pista de maneira a ficar despercebido pelos demais. Os dois entraram no meio de uma dança apenas para disfarçar os olhares vindos no andar de cima, com Bia rindo de toda a situação e não se aguentando.
-Não sabia que tinha tantas admiradoras.
-É, nem eu. Isso vem acontecendo desde o Acústico. - Ele comentou, pegando Bia pelas mãos e a girando, não tendo a menor ideia de como dançar. - E é bem… Estranho. Eu costumava ser o esquisitão alto e depois o novato amigo de Daniel e Martin. Não tinha nada disso naquela época.
-Tudo tem uma primeira vez, não é? - Bia tinha o maior sorriso zombeteiro no rosto.
-E você está gostando disso mais do que o recomendado, eu acho. Porque? Gosta de me ver sofrer? - Félix não entendia os motivos, mas gostava da maneira como a amiga zombava dele.
-Na verdade, eu fiquei foi com pena da garota que achou que você estivesse falando com ela… Tadinha, pensou que fosse dançar com você.
-O máximo que elas conseguiram foi uma foto e olhe lá. - Ele revirou os olhos. - E você? Também quer alguma coisa de mim? - Félix perguntou inocentemente, entrando na brincadeira. - Se tiver uma caneta, posso te dar um autógrafo e quem sabe passar o meu número.
-Você passa ele para todas elas?
-Não, só para as que eu acho bonitas. Muito bonitas. - Certo, talvez os dois drinks que Félix tinha tomado estivessem dando coragem o suficiente para ele falar aquilo e não sentir vergonha depois.
Na verdade, ele tinha dito e nem sentido. Poderia jurar que havia sido apenas um pensamento seu enquanto girava Beatriz para lá e para cá na pista. Ele estava tão feliz que nem se importava mais em fazer uma leitura corporal da amiga ou até mesmo pensar em maneiras sobre como continuar a brincadeira. Ele sequer achava que a brincadeira teria continuação, até seus ouvidos se desligarem de todo o ambiente e se focarem em uma única frase dita bem a sua frente:
-Me dá um beijo? - Bia disse em um tom baixo, achando que passaria despercebido por Félix, mas ao notar o baterista retesar o corpo e olhar assustado para ela, soube que ele tinha sim conseguido escutar.
Eles não disseram nada, apenas se olharam no fundo dos olhos, percorrendo seus rostos na procura de respostas às perguntas não feitas. Não exista mais nenhum sinal de diversão em suas feições, apenas… Dúvidas.
Temendo ter estragado tudo, Bia tentou remediar a situação o mais rápido possível.
-Primeiro de abril. - Ela disse com propriedade, meio desesperada.
Aquilo fez Félix soltar uma risada que sequer sabia que estava presa em seu peito. Céus, era trinta e um de outubro, não primeiro de abril. Rindo por jamais cogitar receber uma cantada como aquela, ele contagiou Beatriz que ria sem saber o motivo. Era melhor rir do que ter um clima constrangedor não era? E sem saber até onde acompanharia o melhor amigo, ela casualmente botou sua mão no ombro dele apenas para fazer pouco caso, mas definitivamente não esperava que sua cintura fosse puxada com força e muito menos que Félix mergulhasse seu rosto contra o dela, cessando a risada genuína no momento em que seus lábios se encontraram.
Com os olhos arregalados, Bia tentou entender o que estava acontecendo, ao mesmo tempo que sentia fortes arrepios percorrem os seus braços e nuca. É, ela mesmo beijando Félix. Na verdade, ele quem a beijava, já que até agora ela só estava em choque. Decidida que se estava na chuva era para se molhar - e por tecnicamente ter sido ela a pedir aquilo - Bia fechou os seus olhou e passou seus braços pelo pescoço dele, enfim se entregando ao beijo.
Félix entendia o porquê da demora para ser correspondido, já que nem ele esperava tanta atitude de si mesmo. Mas aquilo não eram os drinks, era só ele mesmo. Ter escutado o pedido tinha sido estranho, já que jamais tinha cogitado de verdade alguma coisa com Bia, mas ao escutar a desculpa sobre o dia da mentira, ele jogou para o alto todos os seus impedimentos e receios de estragar sua amizade, já que claramente ela também queria aquilo. Ele tinha rido por realmente não esperar uma cantada direta mediante todas as outras veladas que recebera naquela noite, mas se receberia e principalmente aceitaria, seria da sua melhor amiga.
Seu coração pulava batidas em seu peito, enquanto todo o seu corpo se tornava hipersensível à presença dela. Quando sentiu ser correspondido, suspirou de alívio, permitindo enfim que suas mãos apertassem a cintura de Bia enquanto tentava não emitir nenhum ruído diante das carícias que recebia em sua nuca. Quando ela pediu passagem com sua língua, Félix perdeu o pouco de controle que estava mantendo, a agarrando como se não houvesse amanhã.
E talvez não tivesse, já que ela tinha pedido apenas um beijo, então seria melhor não desperdiçar a oportunidade.
Com a respiração fraca, Bia tentava se desvencilhar o mínimo possível apenas para receber uma lufada de ar, mas ao fazer isso percebeu o olhar faminto de Félix para cima dela, com ele se contendo de maneira forçada. Se o beijo tinha acabado, ele precisava manter sua boca e mãos apenas para si. Os dois tinham os lábios inchados, as respirações completamente descompassadas e pupilas dilatadas.
-Você quer… Mais alguma coisa? - Félix perguntou dificuldades, focado em se lembrar que os olhos de Bia não estavam em sua boca.
-Uhum… - Ela resmungou antes de se pôr na ponta dos pés e voltar a beijá-lo.
Exalando felicidade, Félix segurou Beatriz perto dele, desta vez fazendo questão de segurar em sua nuca e prendê-la o mais próximo que conseguia, diminuindo o ritmo de beijo para algo não mais desesperado, mas sim carinhoso e divertido - com eles até mesmo sorrindo.
-Puta merda. - Julie não segurou o xingamento, observando a cena do segundo pavimento.
-Que feio, Juliezinha. - Martin implicou pelo palavrão, não se atentando com o que ela via. - O que você viu?
Mas ela só virou o rosto dele em direção ao meio da pista de dança, onde era bem óbvio e nítido o casal se beijando ao invés de dançar.
-Ahh, meu garoto! - Martin gritou de felicidade. - Sabia que a dura que dei nele ia fazer efeito!
-Espera, você impediu ele de vir com Daniel e Josias para estimular isso?! Pensei que quisesse ajudar ele com o cabelo!
-Julie, pelo amor de Deus. Você acreditou nessa?! - Martin estava desacreditado. - Não mandei ele agarrar ela, só o lembrei de como as coisas eram com Bia antes de Manu aparecer, e de como era enquanto ela não estava por perto também. Enfim, eu tentei abrir os olhos dele para o que estava bem a frente dele todo esse tempo, e parece que funcionou, não é? - Martin sorria de orelha a orelha ao notar o casal a sua frente se separar e sorrir verdadeiramente de felicidade um para o outro, imersos em sua própria bolha. - Sabe que isso deveria ter acontecido a muito tempo, não é?
Mas Julie não conseguia responder, estando imersa na bolha de felicidade que Félix e Bia emanavam da pista de dança. Se sentindo observados, os dois olharam diretamente para ela, que na iminência de disfarçar deu um giro de 180°, enquanto Martin sequer havia se dado ao trabalho, apenas dando um joinha bem alto para Félix.
-Acho que eles viram a gente. - Bia riu.
-Você se importa com isso? - Félix tentou se fazer de desinteressado, mas ela sabia pelo seu olhar e tom de voz que ele não era durão como tentava parecer ser.
-Não mesmo. E você?
-Também não.
E se estavam em uma festa, nada mais justo que passassem tempo com o aniversariante, com os dois voltando imediatamente para a mesa com seus dedos entrelaçados - o que não seria uma novidade para ninguém já que na maioria das vezes eles davam as mãos inconscientemente, mas agora era diferente. Tinham dado as mãos para valer, ciente que tinham acabado de se beijarem.
-Olha só… - Martin começou a implicar com eles quando se aproximaram da mesa, mas sendo interrompido por um forte pisão no pé por Julie. - AI! Quer me machucar logo no início da turnê?!
-Não, eu quero que você fique de bico fechado. - Julie sussurrou de maneira disfarçada.
E ele só obedeceu por achar que teria um momento melhor para implicar com os amigos.
-O que acham de bolo de aniversário? - Martin perguntou em bom som ainda sustentando o olhar de Julie, indicando que ele estava de acordo com ela.
Por ser uma festa privada, eles conseguiram que os fãs que haviam se aproximado de penetra na mesa fossem afastados, para que enfim o bolo viesse direto da geladeira do bar, ostentando uma grande vela que soltava faíscas, deixando bem óbvio para toda a boate sobre ser o aniversário de alguém.
E se eles queriam privacidade, perceberam que não teriam aquilo quando um grande coro de parabéns para você começou a ser ecoado pelo espaço. Bia, que não era boba, recuperou sua antiga função de mídias sociais e gravou o máximo que pôde, focando a câmera em Martin ao lado do bolo que Julie segurava apenas para as fotos.
-Agora todos vocês juntos!
Bia organizava as fotos, fazendo questão que Martin tirasse com todos da banda, não ficando surpresa quando ele pediu para tirar uma só com ela - a responsável pelo início da sua vida pública como Colírio Capricho. E se ela esperava uma foto séria, perdeu toda a sua compostura ao receber uma sequência de cosquinhas em suas costas. Aquela era uma maneira de mostrar que as coisas entre eles eram descontraídas e puramente amigáveis, ficando uma sequência de fotos muito bonitas. Mas quando ele chamou Shizuko para uma foto, ah…
-Está filmando ou fotografando? - Ele perguntou.
-Os dois. - Bia e Julie responderam, tendo as duas dividido as tarefas entre si já que os telefones ainda não tinham dupla função.
-Ótimo. - Martin abriu um sorriso diabólico antes de se virar para Shizuko e a puxar para um beijo casto que mais se assemelhava ao do primeiro evento da Capricho do que seus usuais.
-Não me desculpe por isso. - Ele falou após o selinho, puramente como marketing.
Aquela era a maneira que ele tinha encontrado de dizer a todo mundo que quisesse saber que estava com alguém - mesmo que aquilo levasse para as perguntas com nomenclaturas que ele não queria ter. Oras, ele não estava pensando direito no amanhã.
E muito provavelmente também não estava pensando quando se humilhou para ela semanas antes pedindo a sua maneira para voltarem. Era quase conclusivo que Martin não pensava muito quando o assunto era Shizuko, sendo mais impulsivo e emocionado do que o costume.
-Sabe, sobre aquele dia no hotel… - Shizuko começou sem saber muito bem como. - Eu achei bem intensa a maneira como você falou dos seus pais.
Mas ele não tinha a menor ideia do que ela estava falando.
-Meus pais? O que eu disse deles? - Ele tinha uma expressão confusa no rosto.
-Eu não queria comentar com você sobre isso agora, mas…Não consegui me segurar. - Shizuko se envergonhou. - A maneira como você disse sobre eles não terem morrido, mas sim vocês três. Acho intensa e meio fofa a maneira como vocês encontraram para lidar com isso, sabe? Eles estão em um lugar melhor, mas o luto ter transformado vocês em…
Martin fez uma careta, pegando o olhar de Daniel por trás de Shizuko.
-Então foi isso o que disse para ela naquele dia? - Daniel soltou em um tom sarcástico, não percebendo o real motivo. Como aquilo tinha correlação com Martin ajoelhado aos pés de Shizuko aos prantos?
-Não desdenhe, cada um tem a sua própria maneira de lidar com eventos traumáticos.
-Não… Não é isso. - Martin respirou fundo. - Todos nós lidamos da mesma maneira. Eu te falei, Shi. Não foram meus pais que morreram, mas sim nós três.
Todos os convidados da mesa entraram em alerta para a conversa.
-Porque eles estão em um lugar melhor, eu sei. - Shizuko sorria afetuosamente, tentando ser compreensiva.
-Não, não tem como isso. Não existe uma disfunção de planos, porque o além é… Aqui. Você acha que vai para outro lugar quando morre mas na verdade, é só aqui.
-Eu entendo, vocês se desconectaram da realidade mas ainda viviam…
-Não, Shizuko. Não foi isso que aconteceu. - Martin olhou ao redor apenas para ter a confirmação que estava sendo observado por toda a banda, respirando fundo e só deixando sua boca falar. - Mas para você entender melhor, nessa altura do campeonato, precisa saber que hoje não é o meu aniversário de 21 anos, mas de 51.
-Nossa, isso quebrou legal o clima. - Josias comentou para Daniel, sentindo a diferença de idade.
-Não ligamos para isso, lembra? - Com Daniel cochichando de volta.
-Não perdemos nossos pais em um acidente de carro, mas fomos nós que sofremos um trinta e três anos atrás. Eu, Daniel, Félix e Josias tínhamos uma banda, mas fomos atropelados enquanto fazíamos uma foto para o nosso disco de estréia, e morremos. Como você pode ver, só Josias sobreviveu.
Shizuko não expressava mais nenhuma reação, apenas olhando desacreditada para Martin.
“Eu sei que isso é impossível de acreditar, mas você precisa. Todo mundo aqui sabe disso, Bia e Julie sabem que não estou mentindo, mas… O que eu quero dizer, é que não estou inventando isso. Ficamos presos como fantasmas por trinta anos até ser concluído que nosso acidente foi um… Acidente. É loucura, eu sei, mas tivemos a chance de voltar a vida exatamente como éramos antes de sermos atropelados, e desde então… Estamos reconquistando o que era nosso.”
-Foi por isso que te pedi para tirar os óculos naquela festa do Valtinho. E por isso usávamos máscaras e macacões para tocar na banda, porque ninguém iria conseguir enxergar a gente. Na verdade, nem sei como Bia, Julie e Pedrinho conseguiam.
Ele sabia sim, mas não estava disposto a entrar no campo energia fantasmagórica naquele momento.
-Então você está me dizendo que eu conheci vocês quando estavam mortos? -Shizuko tinha uma expressão impossível de distinguir. Medo? Terror? Um pouco de tudo, talvez. - Está mesmo me dizendo que eu beijei um fantasma?!
Martin fez uma careta preocupada.
-É, foi isso mesmo que aconteceu.
O silêncio que se seguiu foi agoniante! Ninguém sabia qual seria a reação de Shizuko, se ela começaria a chorar, gritar ou até mesmo terminar de novo com Martin. Ele poderia estar vivo na sua frente, mas em algum momento tinha estado morto - fora a possibilidade dela não ter acreditado em nada daquilo e achar que era apenas uma péssima pegadinha de dia das bruxas.
Mas Shizuko, ela tinha ido além, coringando totalmente.
Rindo de maneira desenfreada, ela apenas conseguiu soltar seu único pensamento de maneira mais aliviada que pode.
-Então por isso você beijava TÃO mal!
-Eu o que?! - Martin deu um grito fino. - Eu tenho uma reputação, Shizuko, todos aqui…
-Sabem o quão mal você beija, foi mal cara. - Daniel tinha um belo sorriso zombeteiro no rosto. - Desde a festa de 18 anos de Julie e Félix.
-E porque não me contaram?!
-Não era para você saber.
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Demorou mais algum tempo para que Martin se conscientizasse sobre não ser tão bom beijador em sua forma fantasmagórica, e mais um pouco para as meninas conseguirem convencer a amiga que conversariam melhor mais tarde, mas que tudo era verdade. Com um beliscão em Daniel, Julie provou que ele era de carne e osso, recebendo em resposta um olhar fulminante do namorado.
Apenas a antiga versão de Daniel quando conheceu a humana três anos antes.
Mas ainda estavam em uma festa, então não demorou muito para que eles se dispersassem novamente.
Recostada em uma mesa de canto na parte mais funda e mais escura da boate, Bia voltava a ser beijada por Félix. Ele sinceramente não sabia como tinham chegado naquele canto em específico, já que ele apenas queria ficar longe o suficiente de Martin para beijar Bia em paz sem precisar ouvir qualquer tipo de gracinha. Ah, é. Eles fugiram para lá no momento em que viram Martin e Shizuko terem a mesma ideia que eles e descerem para a pista de dança.
Os dois não tinham falado absolutamente mais nada depois do pedido de beijo de Beatriz mais cedo, os seus olhares e sorrisos já falavam por si só. Então quando ela se recostou naquela mesa, foi como magnetismo que Félix enlaçou sua cintura, baixando sua boca contra a dela e capturando seus lábios em um beijo calmo - que até então ele podia jurar que uma hora ou outra perderia a graça e perceberiam a loucura que estavam fazendo, mas nada disso aconteceu.
Se antes ele estava apreensivo de ser rejeitado em algum momento da noite, foi com gosto que ele recebeu permissão para que fizesse o que quisesse com ela. Não tinha sido com palavras exatas, mas a maneira como Beatriz correspondia os toques suaves que seus lábios davam contra os dela própria, os apertões em sua cintura que iam se intensificando e principalmente o jeito como a camisa de Félix era amassada com força contra os dedos de Bia até que não fosse mais suficiente e ela o puxasse ainda mais contra si.
Félix não desperdiçava um segundo sequer, disposto a beijar a amiga o máximo que pudesse. Mas ao mesmo tempo, aquela calmaria não combinava mais com o clima ao redor deles. Tomado pela batida da música, Félix intensificou a pressão da sua boca, empurrando sua língua contra a de Bia ao mesmo tempo em que uma de suas mãos abandonava sua cintura e ia direto para a nuca da garota, onde tomou com propriedade seus cabelos e os puxou levemente, impedindo que ela mexesse o pescoço.
Mas Beatriz não deixou barato, correspondendo arduamente e ela própria levando sua mão direita até o pescoço do bateirista, onde deu um longo arranhão e embrenhou seus dedos nos cabelos dele, imitando e puxando com força - consequentemente separando bruscamente seus lábios e proporcionando um momento de olhares intensos. Seus reflexos eram nítidos nas íris um do outro de tão escuras de desejo que estavam, assim como suas respirações em lufadas.
Nenhuma palavra sequer foi dita, mas muito foi entendido apenas com um movimentar de sobrancelhas.
Os dois voltaram a se agarrar em segundos, em um beijo muito mais intenso e descontrolado. Foi uma questão de segundos para que Félix segurasse no quadril de Bia e a impulsionasse para cima, fazendo com que ela se sentasse na mesa. Apenas um alívio para suas costas, claro. Mas a muito já tinha extrapolado os níveis de segurança, então não foi tão surpreendente assim quando Beatriz deixou que suas pernas se abrissem o suficiente para acomodar o corpo de Félix - não que ele tivesse tomado a iniciativa, mas sim ela o puxado com veemência.
E a partir daí… Bia jamais pensaria ou olharia para o melhor amigo com os mesmos olhos e pensamentos. Precisando respirar, Félix abandonou a boca de Beatriz e traçou uma trilha de beijos molhados até o pescoço dela, onde novamente tomado pela melodia eletrônica pesada começou a morder e chupar sua pele sendo guiado não pelos sons que saíam sem querer da amiga, mas sim da música. Quando ficava devagar, ele diminuía o ritmo, quando se animava ele passeava pela sua pele, e quando o ritmo se intensificava, Félix chupava com toda a pressão que conseguia, tudo misturado a fortes apertões e passadas de mão pela cintura e costas de Beatriz.
Bia não sabia bem como reagir àquele amasso, uma vez que metade da sua cabeça apenas se entregava de corpo e alma enquanto a outra estava mais do que confusa. Félix que a perdoasse, mas ela esperava aquele tipo de pegada de Arcrebiano, não… Dele. Trabalhando com estereótipos, onde o fortão de academia tinha se mostrado um verdadeiro idiota e o magrelo não mais esquisitão dava uma aula de sedução.
Como Martin conseguia mais garotas do que Félix, meu pai?
Perdida em pensamentos, Bia puxou Félix para mais um beijo, mas sendo surpreendida quando ele desviou o caminho para sussurrar em seu ouvido uma simples pergunta.
-Você quer sair daqui…?
E com o coração quase saindo pela garganta de tão acelerado, ela só teve forças de responder um…
-Quero.
Com um novo plano em mente, eles precisavam desaparecer sem serem percebidos - não pelos seus amigos, já que certamente eles iriam embora por conta própria, mas dos olhares curiosos. Pagando a sua parte na conta, os dois deixaram a boate assim como estavam antes: apenas com seus dedos entrelaçados. Mas quando chegaram ao hotel, aí sim o comportamento mudou de figura.
A verdade era que não havia outro lugar para irem àquela hora da noite, então Bia tinha muita noção para onde estavam indo (graças aos seus romances, ela conseguia prever bastante coisa daquela noite, inclusive tirando a ideia do pedido de beijo de um deles). E sinceramente, ela não estava nem aí.
Uma vez trancados no quarto dele, eles voltam a se beijar em um ritmo muito mais lento em uma tentativa de descobrir até onde aquilo iria. Félix mesmo não tinha a menor ideia do porque tinha sugerido saírem da boate, e muito menos como estava de fato tomando iniciativa para tudo aquilo. Certo, Beatriz era a segunda pessoa que ele tinha mais intimidade em toda a sua vida atual, então não era uma surpresa que ele não tivesse receios, vergonha ou ansiedade de beijá-la, estar com ela e… Convidá-la para o seu quarto - o que justamente gerava o choque de tudo. Totalmente diferente dos anos com Manu, ele não se importava da velocidade com que as coisas iam com Bia, ao contrário, queria que elas acontecessem.
Não necessariamente culpa de Martin, já que o puxão de orelha que ele havia levado mais cedo apenas tinha dado um empurrão para que ele se permitisse sondar a amiga e ver se era correspondido - o que gerou a crise de risos mais cedo quando ela mesma havia tomado a iniciativa. Ele não era estupido, ter sido lembrado de todas as maneiras e situações como se portavam nos anos anteriores denunciavam como alguma coisa poderia acontecer entre eles, e desde a confusão com Manu semanas antes Félix tinha se tornado muito mais consciente da presença de Bia romanticamente falando, notando a maneira como ela tinha se revoltado e cuidado dele, e ele gostava disso.
Félix voltou a realidade ao sentir seu corpo ser jogado na cama, com os botões da sua camisa serem abertos em uma lentidão excruciante, apenas para se livrar dela e ser contemplado com um suspiro bem audível de Beatriz. Ele não era como Arcrebiano mas também há muito tempo tinha deixado de ser um magrelo.
Ainda estando aérea pela visão do melhor amigo sem camisa, Bia não teve muitas ressalvas em deixar que ele fizesse o mesmo com ela, corando diante o olhar fascinado e carinhoso de Félix para o seu corpo. Isso até ele perceber as marcas completamente roxas em seu pescoço, corando ao mesmo tempo que uma risadinha frouxa saia da sua boca.
-Isso vai ficar MUITO marcado.. - Ele olhava fixamente para a pele dela, passando os dedos pelas marcas.
-Alguma chance de colar a desculpa de um tombo de escada…? - Bia perguntou rindo, adorando a maneira como Félix riu em resposta.
Ela adorava vê-lo tão feliz depois de tantas semanas em crise de pânico e ansiedade.
-Só se você considerar que eu sou tão alto como uma escada, e que seu pescoço caiu várias vezes na minha boca. - Félix falou, rindo imediatamente do quão ridículo tinha soado. - Me desculpe por isso, isso foi péssimo.
-Foi mesmo, mas eu não me importo. Sei que você não é o maior piadista da banda.
-Ah, é? Então eu sou o que? - Félix a puxou para o lado dele na cama, antes que colocasse seu corpo por cima do dela.
-Não tenho como ter certeza, mas já sabemos que você beija melhor do que pelo menos um deles.
-Qualquer um beija melhor do que Martin a partir de hoje.
-É, mas eu nunca pude imaginar que você fosse… Assim.
-Assim como? Impulsivo?
-Não, confiante e a vontade.
Aquilo era verdade, mas só acontecia porque era ela. Decidido a não dar uma resposta naquele momento em que fosse atrapalhar o que estava acontecendo, Félix voltou a beijar delicadamente Bia, apenas para ser interrompido com um sussurro.
Esse sim mudava o rumo daquela noite.
-Eu nunca fiz isso. - A bochechas de Bia estavam coradas, receosa com a reação que se seguiria. Mas ela não esperava o sorriso de orelha a orelha vindo dele.
-Nem eu.
Bem, aquela seria a primeira vez que ele faria por conta própria, por sua escolha. Para todos os efeitos, aquela noite em que tinha feito a tatuagem jamais tinha acontecido, e agora era a hora de criar uma nova lembrança com alguém que ele gostava de verdade.
Sem ameaças envolvidas.
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Bia despertou na manhã seguinte com a luz do sol passando pelas cortinas abertas, batendo diretamente em seu rosto. Tomando consciência do seu redor, ela percebeu que estava deitada contra o peito de Félix, que ressonava tranquilamente ao seu lado. Flashes da noite anterior bombardearam o seu cérebro, assim como consciência corporal da falta de roupas de ambos, apenas um lençol cobrindo eles.
Uma risadinha fraca saiu antes que ela percebesse. Se espreguiçando lentamente com o braço livre, Félix ouviu o som divertido vindo de Bia, e sorriu em resposta.
-Bom dia. - Ele ainda dormia quando cumprimentou a garota, dando um beijo na sua bochecha.
Não tinha nenhum clima estranho. Ela não se sentia mal ou desconfortável.
-Vão começar a procurar a gente se continuarmos desaparecidos assim. - Pela altura do sol já deveria ser um pouco tarde. - E vocês tem hora para viajar.
-Eu sei…Eu vou sentir a sua falta. - Félix declarou sem cerimônias, acariciando o rosto de Bia, irradiando felicidade ao ter um breve beijo roubado por ela.
Meu Deus, porque ele tinha demorado tanto tempo para notar ela…?
-Acho que vai precisar arrumar alguma outra festa durante a turnê e me convidar então. Como você anda muito com Martin, não sei se tem o mesmo estilo…
-Quer namorar comigo? - Félix interrompeu propositalmente a garota, não querendo que ela pensasse que ele era enrolão como Martin.
Aquilo tinha deixado Beatriz sem palavras.
-Você tem certeza? Não é muito cedo? - Ela estava genuinamente preocupada de acabar sendo usada como um escape. Não que ele fosse daquele tipo, mas…
-Sinceramente? Eu acho que já é até muito tarde. - Ele confessou.
Bia sorriu com a confiança de Félix. Aquilo seria interessante ela estava disposta a tentar.
-Então eu quero.
Infelizmente aquele seria novamente mais um namoro de Félix onde a garota residia em São Paulo e eles passavam a maior parte do tempo distantes - quase três meses daquela vez - mas ele estava completamente eufórico.
Tão eufórico que nem ligou para o queixo caído de Daniel ao descobrir que não sabia sobre o envolvimento do casal na noite anterior durante o café da manhã, e muito menos da comemoração de Martin ao ver os dois juntos de mãos dadas e com um lenço do figurino dele enrolado no pescoço.
-Finalmente! Antes tarde do que nunca!
Não era segredo para ninguém como Martin era fã deles desde a época da loja de discos.
Chapter 59: Cinquenta e nove
Chapter Text
-Ai ai…. - Félix suspirou pela quinta vez naquela tarde, deixando Martin transtornado.
-Se eu soubesse que vocês iria ficar suspirando assim por aí, não tinha colocado pilha para ficar com Bia! Pelo amor de Deus, Félix! Só fazem seis semanas que se viram pela última vez!
-Seis semanas é muito tempo, Martin. - Félix resmungou do canto onde estava no ônibus de turnê,
-Mas você já está acostumado a isso. Passava muito mais tempo sem ver Manu e não reclamava por aí!
-É completamente diferente, e você sabe disso! Eu comecei a namorar ela a distância depois de dois beijos, então não era como se tivéssemos muita intimidade ou afeto. Nós saímos em turnê um dia depois de ter pedido Bia em namoro, pessoalmente, então é óbvio que vou sentir falta dela!
-Mas se o seu argumento é a falta de intimidade, você e Bia também não tem tanta, já que só se beijar…. - Martin se lembrou que apesar de Bia dormir com Félix ter se tornado algo normal naquele período de término, talvez… - Espera, está mesmo insinuando que não foram só beijos naquele dia?!
-Eu não estou insinuando nada, Martin!
-Então está afirmando. - Josias opinou do outro canto, ouvindo a conversa deles.
-JOSIAS! - Félix gritou, dando a informação que todos eles queriam.
Aquele ônibus de viagem podia ser grande, mas em momentos como aquele se tornava pequeno demais. Para economizar com passagens, o ônibus era adaptado para ser além de um transporte, uma casa. Com dois banheiros, um quarto com beliches para os integrantes da banda, uma sala com sofás e uma mesa, além de uma pequena cozinha. A intenção era ser realmente uma casa enquanto viajavam estrada a fora, com a equipe de produção tendo um igual e estando a frente deles na rodovia, com o equipamento de som vindo logo atrás.
-O que foi?! Eu quem não disse nada! Você mesmo quem está se entregando!
-Achei que o fato de Beatriz ter dormido no hotel naquele dia era indicação o suficiente do que tinha acontecido. - Daniel comentou do sofá, onde lia tranquilamente as notícias. - E se vocês não perceberam isso, outros fizeram antes de vocês. Vocês não tiveram muito cuidado ao ficarem no meio da boate, então já sabe que estão comentando, não é?
As especulações eram bastante óbvias, na verdade. Ter arrumado outra em tão pouco tempo - o que tres semanas era sim pouco tempo - em demonstrações de afeto mais do que públicas indicavam duas coisas: que ele tinha outra enquanto estava com Manu e apenas tinha assumido uma vez que estava sozinho, ou que estava tão afetado, mas tão afetado com o término que fazia de tudo para chamar a atenção da ex namorada. Manu tinha feito o favor de confirmar via twitter no mesmo dia do Acústico MTV o término, além de não ser um mistério quem tinha tomado a decisão após a música, então a segunda opção nem sequer era considerada.
Para todos os portais de fofoca, Beatriz era a outra. E pior: era amiga deles desde o ínicio, com fotos do aniversário de Martin pela Capricho sendo recuperadas, mostrando que ela sempre esteve com eles.
-Qualquer coisa que eu fizesse, iriam comentar. Como ainda vão. Manu não vai ajudar com isso, da maneira como estava chateada… E não é justo com Bia. Mas eu também não quero soltar uma nota de imprensa qualquer ou twittar sobre isso. Acho que as pessoas precisam sentir a minha veracidade quando digo que Bia era só a minha amiga.
-Faz isso no meet and greet. - Josias deu a ideia. - Vamos ter mesmo um tempo para responder a perguntas antes das fotos, e com certeza algum repórter ou fã vai perguntar. É só você responder que com certeza rapidinho a informação vaza.
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Félix tinha acatado a ideia de esclarecimento na entrevista coletiva. Eles tinham acabado de chegar em Fortaleza, onde fariam dois shows por lá antes de darem prosseguimento à viagem, e já estava na hora de dar um jeito naquela situação. Ele tinha pedido opinião da namorada sobre o assunto, com Bia pedindo para ressaltar bastante como eles se conheciam antes de tudo e até mesmo falar do envolvimento dela com Arcrebiano se fosse preciso, para livrar a imagem de caso deles.
Ele não queria falar aquilo não por ciúmes, mas por não achar necessário e muito menos relevante. Quem era Arcrebiano naquela altura do campeonato? Quem os acompanhava desde o início, principalmente a carreira de Martin nos colírios, saberia, mas para um portal de fofoca qualquer aquilo não seria nada relevante.
Ele não daria mais fama a Arcrebiano do que o necessário, nem exporia Bia mais do que deveria. Félix seria franco quanto aos seus sentimentos e torcia muito para que isso funcionasse.
Naquele primeiro momento funcionaria da seguinte forma: eles dariam uma entrevista coletiva para jornais e fãs, seguindo das fotos do Meet and Greet. Voltariam para o hotel para descansar e de noite fariam o primeiro show. Tinha sido meio difícil dormir na noite anterior - e Félix não sabia dizer se era pela ansiedade ou pelos buracos no asfalto que o faziam pular na cama, apenas que grossas camadas de maquiagem foram passadas sobre seus olhos para esconder suas olheiras.
Mas já era a hora. Respirando fundo três vezes, ele subiu no palanque com a banda e esperou calmamente que aquela pergunta fosse feita, não tardando muito.
-Félix, você terminou publicamente com Manu Gavassi a alguns meses, e recentemente foi visto aos beijos com outra garota. Sabe como as notícias correm, e alguns portais estão fazendo especulações sobre o envolvimento de vocês dois, já que ela esteve bastante presente durante o seu antigo relacionamento. - Uma jornalista elaborou a pergunta, sendo interrompida por um fã de Manu revoltadíssimo.
-VOCÊ TRAIU MANU COM AQUELA GAROTA?! - É, ele tinha ido até lá só para esclarecer pessoalmente aquilo.
Assustado pela reação repentina, Félix arregalou os olhos e deu um pequeno pulo de susto.
-Primeiramente, obrigado pela pergunta. Eu jamais trai ou cogitei trair Manu enquanto estávamos juntos.
Ele podia não ter cogitado, mas que falava mais do que devia sobre como Bia era bonita, ele falava.
-Segundamente, Beatriz não é um caso, não foi minha amante e nem está sendo usada para ciúmes. Ela é oficialmente minha namorada há seis semanas, e eu gostaria que respeitassem isso.
-Não acha que foi um tempo curto demais para entrar em outro relacionamento? Por que isso dá… Um período de três semanas pós-término. - A jornalista de antes conseguiu finalmente fazer uma pergunta.
-Eu acho até que demorou demais para isso acontecer, sinceramente. - Martin se intrometeu, tentando ajudar. - Não me entendam mal, mas o lance deles é de muito tempo, que só não aconteceu antes porque Manu se intrometeu. Gosto muito dela, mas sério, os olhares que esses dois trocavam desde que nos conhecemos em 2011 eram o indicativo que alguma coisa deveria acontecer, que nem Julie e Daniel!
- O que Martin quer dizer é que sempre fomos muito amigos, e ela foi a pessoa que mais me apoiou nas semanas que antecederam o meu término. Não por interesse, mas por amizade. Ela viu como eu fiquei destruído emocionalmente, instável por crises de pânico e revoltada pelos desentendimentos com Manu. Mas eu tomei a decisão de terminar por conta própria, como também precisei de quase um mutirão de todos da banda para abrir os olhos para o sentimento que estava bem a minha frente durante todo esse tempo. - Félix exagerou apenas para dar ênfase no quão era real seu amor por Bia.
-E eu gostaria muito que respeitassem a nossa privacidade. Precisei revelar isso a vocês para limpar a imagem dela, já que a estavam chamando de nomes horríveis, mas não pretendo mais falar sobre o meu relacionamento publicamente. A exposição foi o que arruinou o meu namoro com Manu, e eu não estou disposto a perder Beatriz para a mídia.
Suspiros foram ouvidos das fãs mais apaixonadas, encantadas sobre como o baterista queria proteger a namorada e seu relacionamento das fofocas. Os quietinhos sempre eram tão encantadores assim? Queriam ela ser a tal da Beatriz para ser amiga de Martin, melhor amiga de Julie e namorada de Félix. Porque elas não tinham uma sorte daquelas também? Era tudo tão injusto!
-Você foi muito bem, cara. - Daniel bateu nas costas de Félix após a entrevista, enquanto iam até a sessão de fotos. - Falou tão bem que acho que fez metade daquele salão querer que voce fique solteiro de novo só para ter uma chance.
-Só se vocês fizessem um programa de encontrar uma namorada para mim. - Félix achou graça. - Mas isso não daria nada certo.
-Seria desastroso. - Daniel concordou rindo. - Mas você só errou uma coisa no seu discurso. Foi Martin quem abriu os olhos de todo mundo para o que estava acontecendo entre vocês dois.
-Eu não sei ate que ponto ele fez isso pela fofoca ou por querer nos ver juntos.
Os dois se olharam por alguns instantes até chegarem à mesma conclusão.
-Pela fofoca, com certeza.
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Aparentemente Félix continuava com créditos com seus fãs, já que a quantidade de palavras de apoio, pedidos de autógrafo e corrida para ficar ao lado dele nas fotos estava sendo alta.
Certo, a procura por Daniel e Julie ainda batia recordes, mas o que eles podiam fazer se eram o casal sensação do momento? Não tinham culpa da química entre os dois. Autógrafos, vídeos e beijos mandados mais tarde, algo inusitado aconteceu.
Alguém se dirigiu exclusivamente a Josias, ignorando todos os outros.
-Caramba, Josias. Você tá completamente A-CA-BA-DO! Você fez algum procedimento ou é por estar em contato com garotos com tanta diferença de idade?
Julie não acreditou no que ouviu. Uma crueldade sem limites com Josias, que ainda se sentia deslocado pela aparência física. Quem teria tido a coragem de se aproximar só para falar um absurdo daqueles? E nenhum dos garotos iria defender o amigo?
Qual é, não tinha sido também algo tão absurdo para todos eles estarem estáticos, sem conseguir respirar direito e….
-Caso você não se lembre, nós temos exatamente a mesma idade, Carla. - Josias destilou o veneno na mesma medida, arrancado o fôlego de Julie. - E se acha que sou eu quem estou acabado é porque você com certeza não deve ter um espelho em casa.
Então…. aquela era a tal da Carla? Olhando melhor, Daniel não parecia nada bem, pálido e ao mesmo tempo verde e amarelo. Um misto de vômito iminente com desmaio e choro. E se a simples presença dela misturada as ofensas a Josias transformaram 95% da banda, Julie concordaria com Martin em absolutamente tudo que ele quisesse falar dela dali em diante.
-O que está fazendo aqui? Não é bem vinda. - Josias completou, impedindo que Carla retruca-se sobre o espelho.
-Assim você me magoa e a minha filha, Josias. Ela quem ficou insistindo para vir conhecer vocês, porque por mim… - Carla fez uma careta de indiferença. - Mas ouvi algumas músicas, e até que são legalzinhas. Claro, não se comparam a magnitude caótica que era a sua antiga banda, mas….
-Carla, você fez muito mal ao meu amigo Daniel e a Apolo 81 enquanto eles ainda eram vivos. Você não é bem-vinda em lugar nenhum que tenha a memória deles. - Josias declarou. - Não me importa o que você achava da banda ou o que acha agora, só me interessa que você vá embora.
-Na verdade, eu acho que isso te importa sim, Josias. Até foi atrás de pessoas que são bizarramente parecidas com os garotos só para se sentir acolhido de novo. Qual é? um cinquentão tocando com jovens de vinte anos? Acha mesmo que eles acham isso normal e te tratam como igual? É claro que não! E quanto a aparência… - Carla olhou bem para os três rapazes que a encaravam mortalmente. - Se eu fosse mais nova, com certeza eu ficaria com você, bonitão. - Ela apontou para Daniel, que engoliu em seco e segurou no braço de Martin.
-Vai embora, Carla. - Josias rosnou, ciente que ela falava diretamente com o ex namorado.
-O que? Você sabe que Daniel era idêntico a ele.
-E eu já te falei para não tocar mais no nome ou memória deles, principalmente de Daniel - A raiva era clara na voz do tecladista -. Os deixe descansarem em paz!
-Sanguessuga…. - Martin rosnou, perdendo o controle.
-Me desculpe? - Carla escutou, dando atenção ao restante deles - Parece que você não me esqueceu mesmo, não é? Até ensinou a eles o apelido que seus amiguinhos ficavam me chamando pelas costas!
-Não precisei ensinar, foi só contar o que você fez a Daniel que eles mesmos tiraram essa conclusão.
-Eu não fiz nada a ele, que culpa eu tenho se minha companhia era mais agradável e preferida do que a bandinha de vocês?
Carla só precisou desviar o olhar para as costas de Josias para encontrar um integrante mais do que raivoso, a encarando mortalmente e quase rosnando.
-Pensei que vocês gostassem de atender aos seus fãs, mas desde que chegamos aqui fomos completamente descartadas! - Ela alfinetou, querendo ter mais uma vez o sabor de implicar com aquele que se assemelhava muito a Martin. Se lembrava do garoto quase pulava em cima dela toda vez que pedia muito fortemente (leia-se mandava) algo a Daniel na frente deles, e ela adorava a sensação de poder em cima dos outros. - Que tipo de banda é essa que….
-Segurança! - Julie gritou, dando um fim a toda aquela tortura. - Por favor, queiram acompanhar essa moça e a filha dela até a saída. Elas não são bem vindas a nossa presença. Foi mal, garotinha, mas sua mãe aparentemente tem problemas sérios pessoais com parte da banda.
Carla abriu a boca em choque - não por ela estar sendo expulsa, mas pela sua filha ter sido privada de tirar uma foto com sua banda favorita por eles serem afetados demais com passado que sequer vivenciaram! Nem eram nascidos quando a Apolo 81 se desfez….
Mas eles tinham morrido logo em seguida, e estavam possessos por aquela história. Seria ridículo e irônico se no final das contas os três fossem a reencarnação dos músicos, mas isso não era possível.
Carla não acreditava em nada daquilo, só em como estava possessa.
-Vocês… Vocês são péssimos profissionais! Expulsando um fã?! Vou fazer questão de transformar isso em notícia e falar contra vocês! - Carla gritou enquanto era conduzida para fora pela segurança, constrangendo mais a sua filha.
-Ah, cala a boca! - Martin soltou mais uma vez, ainda sendo contido pelo braço de Daniel.
Somente voltaram a respirar normalmente quando os gritos de Carla desapareceram no corredor. Tinham pelo menos alguns minutos antes de uma nova leva de fãs entrar para tirar fotos.
-Eu fiquei com pena da garotinha. - Félix soltou. - Ela era a que menos tinha culpa nisso tudo e ficou sem a foto.
-Filha de sanguessuga, sanguessuga é. - Martin declarou, passando as mãos pelos cabelos nervosamente tentando se acalmar.
-Ela não parecia ter mais do que catorze anos, cara.
-E quem te garante que não puxou o comportamento da mãe? Se gosta de nós, já é um grande indicativo que sim!
Ignorante a discussão que ocorria no ambiente, Josias focou na parte mais importante daquilo tudo.
-Já pode respirar agora, Daniel. - Foi o que foi preciso para despertar Martin para a realidade e com ela o mesmo fato de anos antes: Daniele escutar mais Josias do que ele.
O que imediatamente fez o baixista quase pular em cima dele na tentativa de verificar se estava tudo bem.
-Como você está? Tá tudo bem? Ela já foi, não precisa mais se conter.
-Martin, deixa ele respirar! - Josias puxou o loiro de cima de Daniel, que cambaleou para trás.
Daniel não estava nada bem. Sabia que era ela antes mesmo de Josias dizer seu nome, na verdade, antes mesmo de olhar para frente. Jamais esqueceria aquela voz, aquela mesma voz que no passado o tinha feito se afastar dos seus amigos e banda, despejando ordens e ameaças constantemente em seus ouvidos.Carla estava bastante diferente do que costumava ser - com seus cabelos pintados de loiro ao invés de azuis, com poucos piercings originais, mas com sinais da idade estampados em seu rosto e corpo. E mesmo assim, Daniel não via uma mulher de quase sessenta anos à sua frente, mas sim aquela de dezessete.
Tê-la visto o tinha levado diretamente até 1981, em um momento que ele não gostava nenhum um pouco de se recordar ou estar. Se sentia pequeno, frágil e insuficiente. Ele não merecia os seus amigos e banda, sequer pensava em Julie naquela altura.
Daniel só tinha seus pensamentos em Carla, em como ela o destruiu mentalmente.
-Você parece que vai vomitar. - Julie comentou preocupada.
E parecia mesmo, mas Daniel não podia deixar-se abater naquela maneira. Afastando-se de todos, ele se sentou no chão sendo escorado pela parede, pegando a garrafinha de água que Félix ofereceu, afogando todas as suas mágoas e sentimentos em água.
Em momento algum ele se permitiu olhar para Julie. Não suportaria olhar para mais uma mulher bonita que também gostasse das mesmas coisas que ele e estivesse envolvida.
Julie não era Carla mas não parecia ter muita diferença naquela altura.
Daniel tinha voltado para 1981.
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A noite foi terrível no ônibus casa. Na verdade, todo o restante do meet and great. Era fácil identificar o antes e depois do fenômeno Carla: quando Daniel sorria, fazia caretas e brincadeiras com as fotos e quando ele forçava um sorriso amarelo, estando pálido e abatido. Quando o evento acabou e eles puderam enfim voltar para as acomodações, seguiu-se o mesmo padrão de anos antes, no quase término com Julie: um banho super demorado, seguido de isolamento no quarto.
Para a infelicidade de Daniel, privacidade era uma coisa que não existia naquele ônibus, então não poderia desaparecer da vista de todos.
-Ele ficou assim naquela época? - Julie questionou morrendo de pena do namorado.
-Pior até. Hoje ele está só se lembrando, mas naquela época estava sofrendo com os abusos mentais.
-E físicos, não se esqueça do tapa que recebeu. - Martin lembrou, frustrado. - Quais eram as possibilidades dela conhecer a gente e vir em um show nosso?
-Tecnicamente não foi ela, mas sim a filha dela. - Félix ressaltou. - Não acho que ela curta nossa música, e vê-la sendo esse tipo de mãe também é bem estranho.
-Eu tenho é pena da garota. Se ela foi louca e abusiva com o namorado na escola, imagina como não é com a coitada?
Completamente absorto aos comentários na sala, Daniel tentava ao máximo dormir. Mas mesmo assim, seus sonhos foram tomados por lembranças misturadas à imaginação de ainda estar com Carla, e ela o impedindo de tocar com os Insólitos.
Daniel não conseguiu dormir direito à noite, e pela manhã estava acabado. Por mais que insistisse estar bem para os amigos, ou apenas ignorá-los, ele só piorava. Sua imaginação fértil o deixava para baixo, ainda lembrando da maneira como a mulher tinha dito que ficaria com ele se fosse mais nova.
Ele continuava sendo o tipo dela, apesar de Carla não ser capaz de reconhecê-lo verdadeiramente. Saber que ela gostaria de namorar mais um pouco com ele tinha sido… enervante.
Tão enervante que o atingiu por completo. Sua performance no show era triste, não dando o melhor de si e se mantendo no básico. Nas suas partes cantadas sua voz mais se assemelhava a um sussurro, sendo preciso ser coberto pelos outros rapazes, mas uma música em específico ele não conseguia ser substituído.
A famosa música para Julie, composta enquanto ainda era um fantasma. Na formação do show original, esse era o momento em que Julie saía do palco para trocar de roupa e beber água, em uma transição de músicas apenas da Apolo 81, para depois voltar para as mais recentes dos Insólitos. Naquela altura todas as baladinhas de Nicolas já tinham passado, formando assim uma linha do tempo bonita pegando todas as fases da banda.
Mas quem disse que ele tinha conseguido cantar uma só nota? Josias deu a deixa uma, duas, três vezes no piano e nada. Daniel estava parado atônito segurando o pedestal do microfone. Sua vontade era de abrir um buraco e se jogar nele, mas precisava ser forte. Aquela música era para Julie, e era melhor cantada quando se estava triste.
Com muito esforço, Daniel respirou fundo e começou a cantar sofregamente todos os seus desejos reprimidos durante a briga com Julie anos antes, relembrando o período em que era um fantasma. A dor contida em sua voz só dava maior entonação a todas as suas emoções, levando o público a loucura pela beleza e tristeza que soava nos alto falantes.
Mas bem, bem quando ele novamente cantava aquela estrofe…
Dias passam enquanto eu penso
Em uma forma de mudar
A quem estou querendo enganar
Daniel abriu os olhos que até então estavam fechados, e bem do meio do palco ele conseguiu olhar para o público e localizar bem em frente a grade uma figura conhecida, de cabelos descoloridos. A voz morreu em sua boca, enquanto pesar tomava conta do seu coração.
Carla estava no show deles - provavelmente acompanhada da filha, dando a experiência na grade quase grudada ao palco - vendo ele cantar de perto todos os seus sentimentos.
Daniel passou um bom tempo pensando em como mudar a situação de namoro tóxico com ela, mas infelizmente nunca conseguia fazer nada. A situação toda era mais forte do que ele, e por mais que Daniel pensasse, imaginasse ou tentasse sair daquilo, ele não conseguia, A quem ele estava querendo enganar quando dizia que iria terminar no dia seguinte, ou que conversaria com ela?
Os garotos não acreditavam mais, seus pais não acreditavam mais, sequer ELE acreditava!
Preso em sua bolha autodepreciativa, Daniel não percebeu que havia parado de cantar, muito menos que lágrimas tinham começado a escorrer pelo seu rosto. Para o público, aquela era a amostra de beleza sôfrega mais bonita que podiam imaginar, desde esculturas renascentistas, mas para ele, doía pra caramba.
-Anda, Daniel… Canta alguma coisa! - Martin falou baixinho, se irritando diante da impotência do amigo.
O rosto dele apavorado passava no telão, com o burburinho começando.
-Ele deve ter visto alguma coisa.- Josias comentou com Martin, que precisou ser contido pelo tecladista.
Ora bolas, já não tinham ninguém cantando mesmo, então não tinha motivos para Josias continuar tocando o teclado!
-Martin, não! Vai pular no público e fazer o que?! - Josias segurava seus braços, impedindo o amigo de fazer uma loucura.
-Expulsar ela pessoalmente!
-Ótimo, faça isso e consiga um processo e péssimas manchetes para a gente! Ela não se lembra de vocês, vocês morreram! Precisam se focar nisso. São só cópias do que um dia foram na Apolo 81, é o que ela acha.
-Vai falar isso para Daniel então, ele tem a mania de ouvir só os seus conselhos! - Martin despejou o veneno a tantos anos guardado.
-Eu sei que aquela sanguessuga desperta o pior em você, mas não precisa nem adianta me tratar desse jeito. Fique quieto que eu vou falar com ele, homem! - Josias implorava a Martin que não parava de se debater.
Josias não podia correr o risco de soltar o baixista e ele cometer uma loucura, então não poderia ser ele a ir acalmar Daniel. Félix estava quase fazendo isso quando Julie finalmente voltou para o palco, com o figurino trocado e estranhando não ouvir música nenhuma. Viu Marin se debatendo contra Josias e não entendeu bulhufas, mas ao olhar para o telão e ver o rosto de Daniel ampliado rodeado de lágrimas e tristeza, ela soube que ele precisava de ajuda.
Não dando importância para a sua deixa nova para entrar, Julie correu até o meio do palco, encostando nos ombros de Daniel antes de abraçá-lo com força, na tentativa de tirá-lo do torpor que se encontrava.
Bem, com esse gesto a teoria de briga com Julie tinha ido para os ares, mas tinha sido o suficiente para que ele voltasse a si. Com os braços apertados contra suas costas e seu cheiro invadindo seus pensamentos, Daniel voltou para a realidade.
Era Julie quem ele namorava. Ele tinha tinha 20 anos, e estava em 2014.
Respirando fundo, Daniel segurou com força nas mãos de Julie, voltando a fechar os olhos e se reencontrando de onde tinha parado.
Quem sou eu para mudar
O que o destino escolheu
O que o destino escolheu para nós dois
Impedindo que Julie saísse de perto dele, Daniel segurou em suas mãos até a última estrofe, quando olhou com força em seu rosto e a trouxe para perto, abraçando com todo o desespero que tinha e dando um ar ainda mais poético ao final da letra.
Mas não posso suportar
O fato de eu não poder te tocar
Gritos de comemoração pela performance ecoaram pelo estádio, com todos achando lindo a maneira como tinham revivido o contexto da música - com exceção dos fãs mais antigos. Elas sim tinham conseguido captar que algo estava errado com o pobre Daniel.
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-Alô, Rick? É, aconteceram algumas coisas e queríamos uma orientação sobre como proceder…
-Orientação não! Exigências!
-Fica quieto, Martin!
O que era para ser um descanso pós show no ônibus, virou uma algazarra enquanto Josias falava ao telefone com Rick e Martin tentava se fazer ouvido enquanto gritava. Daniel tinha se perdendo no chuveiro, enquanto os outros entravam em reunião na sala.
-Eles também ficaram assim na época da Apolo? - Julie perguntou a Félix, devidamente instalados no sofá e apenas observando a confusão.
-Quando é para falar mal deles, cada um deixou seu pior lado aparecer, mas isso aí é fruto dos ciúmes de Martin com Daniel. Ele não consegue racionalizar que Daniel deu mais ouvidos a Josias do que a ele.
-Ele desgosta tanto assim de Josias? Pensei que fossem todos amigos.
-E somo, mas tente entender, eles se conhecem desde o jardim de infância, eu e Josias só chegamos bem depois. É normal ele ter ciúmes, mas quando Daniel continua escutando só Josias ao invés dele, o deixa irado.
-Mas também não tem culpa das ideias de Martin não serem socialmente aceitas quando se trata da sanguessuga…
-Exatamente. Não sei se percebeu, mas os dois começam a se engalfinhar hoje no palco. Se você não tivesse corrido até Daniel e ele voltado a cantar, acho que ficaria bastante perceptível para todo mundo a confusão.
Julie colocou as mãos na cabeça, puxando levemente seus cabelos.
-Eles só me dão dor de cabeça… Parecem crianças!
-Bem vinda ao meu mundo. - Félix deu uma risada fraca, dando tapinhas em seu ombro. - Acho que deveria ir falar com Daniel depois que ele sair do banho, as coisas por aqui parecem que vão demorar mais um pouco.
-...Acha que ele vai ficar bem…?
-Absoluta, ele só precisa de tempo e uma companhia que o lembro como é bem tratado agora, e imagino que a melhor opção seja você, já que Martin e Josias estão mais propensos a se dependurar no pé dele para perguntar quem é melhor amigo.
-Como assim não conseguem banir ela do show?! sabe quem ela é e o que representa para a banda?! PERIGO!
Aquele Martin completamente descompensado provava o ponto de Félix.
-Vai lá, eu dou cobertura para vocês por um tempo.
-Obrigada, Félix.
Sem que fosse notada, Julie foi até o quarto, sentando-se na cama de Daniel e esperando ansiosamente que ele aparecesse - o que não demorou tanto assim. Vestido uma samba canção colorida, regata folgada e com os cabelos úmidos, Daniel entrou com tudo no quarto, tendo uma agradável surpresa ao encontrar Julie em sua cama.
-Não é todo dia que um cara encontra uma garota bonita em sua cama. - Ele comentou despretensiosamente, sentando-se ao lado dela.
-Pensei que isso fosse normal para supostos líderes de banda como você.
-Não é todo dia que alguém consegue passar pela segurança. - Ele fez pouco caso, mas ainda sim quieto demais.
-Como você está? Ficamos preocupados com vocês. Josias e Martin estão procurando um jeito de proibir…
-É, eu sei. Dava para ouvir todo o xilique deles do chuveiro. - Ele respirou fundo, procurando a mão da namorada e apertando forte. - Eu preferia não ter encontrado com ela ontem, e muito menos ter conseguido distingui-la de todas as pessoas no show hoje. Na verdade, me odeio por ter ficado tão na dela anos atrás, como eu fui um idiota!
-Não pode se culpar por isso, Daniel, já faz mais de trinta anos…
-É, e mesmo assim você ouviu o que ela disse ontem. Que ainda me daria bola mesmo agora.
-Não acho que você tenha mudado fisicamente, Daniel. Poderia ser só uma lembrança dela que ela não percebeu de fato… Na verdade ela foi bem idiota, porque voces sequer usam os nomes falsos!
-Provavelmente um sinal de como ela se importava comigo… Eu tento não ligar, me prender ao que somos agora, mas ter ficado cara a cara com Carla… - Ele estremeceu. - Não foi nada legal.
Daniel queria esquecer aquele momento da sua antiga vida, mas ao que parecia ainda renderia um pouco de assunto. Com os rapazes tentando desesperadamente proibir o acesso dela aos eventos, certamente alguma nota sairia na imprensa sobre o assunto - não que eles tivessem todo esse poder e fonte de investigação, mas por ela fazer questão de deturpar a imagem da banda.
Como ele se sentia idiota, porque tinha que ter uma queda por gartoas punks?
Apertando mais a mão de Julie, Daniel a trouxe até a sua boca, onde encheu de beijos. Sem sentir que era o suficiente, ele começou a traçar uma linha pelo seu braço, distribuindo beijos a torto e direito, até chegar ao rosto de Julie. Achando e acertando que o namorado precisava de companhia para esquecer os eventos da noite, Julie acabou indo parar sentada no colo de Daniel - apenas para intensificar o abraço, claro.
Apertando suas costas com toda a sua força, Julie sentiu Daniel retribuir o abraço com vontade, escondendo seu rosto em seu pescoço enquanto suspirava alto, várias vezes. Fazendo carinhos em seus cabelos, ela esperou o tempo dele, apenas para ser surpreendida com beijos e chupões em seu pescoço. Com um pulinho de susto, ela talvez tivesse despertado mais do que deveria nele ao ser entendida equivocadamente
Daniel estava sim com saudades da namorada e grato por ela estar com ele naquele momento, mas era mais do que isso. Algo inconsciente, ou consciente até. Se antes ele repudiava qualquer contato físico mais e tinha sofrido violência doméstica ao terminar por esses motivos, agora ele queria uma comprovação que nunca foi o ato em si, mas sim a pessoa. Em outras palavras, ele queria sentir e provar a si mesmo que com Julie era diferente.
Foi com afinco que Daniel trilhou seus beijos até o rosto da namorada, capturando em um rompante seus lábios que mais do que imediatamente corresponderam às suas investidas. Se ele queria um amasso, Julie o daria com o maior prazer. Enroscando seus braços no pescoço de Daniel, Julie retribuia o beijo afoito da melhor maneira que podia, sem querer ondulando o seu corpo, arrepiando o guitarrista por completo.
Daniel adorava quando Julie fazia aquilo, significando que ele estava mandando bem no que quer que estivesse fazendo, e naquele momento e situação específica apenas serviu como um combustível a mais. Ele gostava da sensação de provocar sentimentos bons na namorada, e gostava ainda mais de como se sentia bem com essa convicção.
Não segurando mais suas mãos, Daniel perdeu a linha e começou a passá-las pelo corpo de Julie, que suspirava em resposta. Ela mesmo já tinha se esquecido de onde estavam e se entregue ao momento, puxando os cachos da nuca do namorado quando sentiu seu corpo ser deitado às pressas na cama.
Ele tinha perdido o controle, fazendo questão de se acomodar em cima de Julie, enquanto transferia seus beijos para o pescoço - mas não contava que seria trazido para a realidade à força.
-Daniel, espera… - Julie pediu em um momento de lucidez.
Mas ele não deu bola, estando mais interessado em dar carinho a ela do que conversar.
-Por favor, agora não. - Julie suspirou o pedido, segurando com força nos ombros do namorado que a contragosto parou o que estava fazendo. - Não estamos em um hotel.
-Odeio quem teve a ideia de dormir no ônibus durante os shows.
-Corta os custos da viagem, você sabe disso.
-E, mas acaba com a privacidade do casal da banda.
-São só três meses e meio…
-Muita coisa para a gente, não acha? - E reparando no ar acusatório da namorada, ele tratou de complementar imediatamente. - Não responda a essa pergunta.
Com dois tapinhas nos ombros de Daniel, Julie desviou o assunto da melhor maneira que pode.
-Eu acho melhor ir tomar o meu banho.
-Volta para cá depois?
-Não tenho muito para onde ir aqui.
-Não, aqui comigo. Dorme aqui hoje?
-Não se importa de dividir a cama de solteiro comigo?
-Nem um pouco.
-Então me espera um pouco.
Dando um pulo da cama, Julie praticamente correu até o banheiro, passando pela sala e vendo que os rapazes ainda estavam no telefone, mas bem mais calmos do que antes. Que pena, ela adorava ver Martin dando chiliques por aí.
Ela esperava que eles tivessem conseguido chegar a um acordo, ou temia que os shows de Fortaleza não fossem tão receptivos como costumavam ser. Eles tinham interação com o público, geralmente chamavam um ou dois fãs para subir ao palco com eles cantar uma música, atiravam camisetas com um estilingue para a plateia, davam o máximo de atenção que conseguiam, retribuindo todo o carinho que recebiam. Era bastante comum as críticas serem bastante positivas e eles não tinham intenção de arruinar tudo não com um integrante triste, mas com um agressivo e desesperado sendo contido pelos outros.
Martin perderia seu réu primário para proteger Daniel mais uma vez de Carla.
Quando Julie voltou do banho, não reparou onde os garotos estavam, apenas interessada em mimar o próprio anmorado.
-Ainda quer que eu durma com você?
Ela não recebeu uma resposta verbal, mas sim um Daniel levantando o lençol e batendo no colchão ao seu lado. Mas talvez ela devesse ter vasculhando a sala antes de ir se deitar, já que logo após se enrolar ao lado de Daniel e se acomodar melhor para dormir, a porta do quarto foi aberta com tudo, com Martin liderando as boas novas.
-Boas notícias, conseguimos banir permanentemente a sanguessuga da nossa presença.
-Demorou para caramba e precisou de muita explicação da minha parte, mas Rick conseguiu que o CPF dela fosse registrado em uma lista negra na empresa, então toda vez que ela tentar comprar um ingresso, não vai conseguir.
-Se ela pedir a outra pessoa ainda vai conseguir entrar, mas como vimos que ela não estava nem aí para a banda, mas só trouxe a filha, já é alguma coisa. - Josias completou. - Martin queria que ela fosse banida de todas as formas, mas ainda existem coisas que não estão sob o nosso domínio.
Aquela seria a última vez que Daniel foi obrigado a ver o rosto da ex namorada e por mais que às vezes fosse interessante revisitar o passado e ver como as pessoas tratavam a memória sobre eles, aquela não era uma dessas ocasiões.
Carla Schrute não chegaria perto do Daniel 2.0 nem por cima do cadáver de Martin, Félix e do muito vivo Josias.
Chapter 60: Sessenta
Chapter Text
-Finalmente em casa! - Martin exclamou, carregando as malas do aeroporto em direção ao táxi. - Nunca pensei que fosse dizer isso, mas ainda bem que a turnê acabou.
Eles estavam em fevereiro, voltando da Argentina após o último show da turnê de três meses. Mesmo com os fãs no aeroporto, eles não se importaram tanto em comemorar, já que enfim poderiam voltar a dormirem em suas camas e não mais no ônibus. Ao menos por um bom tempo.
-Pelo menos conseguimos algumas férias depois disso…
-Mal posso esperar para chegar em casa e tomar banho no meu chuveiro. E deitar na minha cama, no meu travesseiro. Acho que posso dormir por uns três dias seguidos! - Martin enumerou tudo o que gostaria de fazer, divertindo os outros.
-Acha que consegue um tempinho na sua lista para a sua namorada? - Félix perguntou divertido, vendo o amigo travar e se empertigar para corrigir o título de Shizuko. - Nem adianta reclamar, você mesmo assumiu ela como namorada publicamente!
-Não, eu postei o vídeo beijando ela no meu aniversário, mas…
-Você também assumiu em uma coletiva sobre ter uma namorada. - Daniel lembrou o amigo como quem não queria nada, se mostrando pouco interessado na conversa.
Martin não teve muita escapatória, precisando assumir que sim, ele tinha uma namorada.
-Isso não importa, mas não preciso ver ela ainda hoje. Ela sabe como foi cansativa a viagem, vai compreender se eu quiser entrar em hibernação.
-Eu tenho pena de Shizuko por ter um namorado tão desligado assim. - Félix revirou os olhos, importunando o baixista.
-Que foi? Vai me dizer que você vai atrás de Bia hoje?!
-Ela está na cidade, preciso aproveitar.
-Félix, vocês já esperaram dois anos, não consegue aguentar mais alguns dias?!
-Não quero esperar mais nada com ela. E não foram dois anos, foram três meses, o que é muito pior.
-Eu tenho é pena de Bia. Ter um namorado tão grudento como você….
-Ah, namorem logo vocês dois! - Julie não se aguentou com a lenga lenga dos dois. - Desde fantasmas implicam um com o outro.
-Ele não faz o meu tipo. - Martin e Félix responderam em uníssono. - Não gosto de loiros.
-Prefiro orientais.
Daquela vez eles tinham aderido novamente a tática de esconder-se para não precisar falar com os fãs, com cada um indo para uma direção diferente. Josias ia para a sua própria casa, Julie para a casa do pai e os meninos para o apartamento.
Depois de tanto tempo juntos, o mais saudável para o relacionamento entre Julie e Daniel eram alguns dias de descanso - eles não estavam casados, precisavam de um pouco de espaço. Decididos a terem privacidade, havia ficado combinado que apenas se veriam no final de semana seguinte, em um encontro triplo com Martin e Shizuko e Félix e Bia, caso eles quisessem.
Podia ser que o relacionamento fosse novo demais e precisassem de algum tempo para perceberem se era loucura ou não estarem juntos, e talvez um encontro triplo não fosse a melhor opção - mesmo que acima de tudo todos fossem amigos.
Quando chegaram em casa, cada um desapareceu porta adentro de seus quartos. Por sorte estava tudo limpo, já que Seu Raul havia levado uma faxineira na véspera para limpar toda a poeira da casa fechada a meses, então nenhum deles teria alguma reação alérgica pelo restante da tarde ou algum tipo de trabalho. A função deles seria de descansar o máximo possível.
Enquanto Martin cumpria a promessa de se jogar na própria cama e dormir o máximo que pudesse, Daniel tinha preferido a companhia da televisão da sala, enquanto Félix jogava uma água a fim de melhorar sua aparência. Quando enfim se deu por satisfeito, ele não perdeu tempo. Passando por um Daniel estirado no sofá da sala babando enquanto dormia, ele saiu do apartamento com um único destino em mente: a casa de Bia.
Sabia que ela estava em casa, e queria fazer uma surpresa para ela. Quer dizer, ela morava na mesma rua que Julie, naquela altura do campeonato certamente sabia que a amiga já estava em casa, e a julgar pelas mensagens que recebeu, sabia que ele também já tinha chegado no apartamento.
Ela alegava saudades, seria mais do que justo ir vê-la.
Demorou um pouco até o taxista o deixar na porta da casa dela, e mais um pouquinho até Félix tomar coragem de tocar a campainha. Agora que ele estava parado em sua porta ocorreu que existiria a possibilidade de conhecer oficialmente seus sogros naquele momento.
Ele não estava nem um pouco preparado para aquilo.
”Ding Dong”
Demorou um tempinho, mas quando a porta abriu não foi Bia quem atendeu.
Ah, merda.
A mãe de Bia o encarava de cima abaixo, finalmente o reconhecendo.
-Acho que você deve ser o meu genro, não é?
-Creio que sim... Bia está?
-Não sabia que viria.
Aquele não parecia um bom começo.
-Nem ela, é uma surpresa, senhora. - Félix declarou com um sorriso encantador nos lábios escondendo o nervosismo, convencendo a mulher imediatamente.
-BEATRIZ! - Ela berrou, estremecendo o rapaz pelo grito. - ENCOMENDA PARA VOCÊ!
- EM UM DOMINGO À TARDE?! - Ela respondeu de dentro da casa, estranhando.
Os correios não eram tão esforçados ao ponto de fazerem entregas aos domingos, e ela não tinha encomendado absolutamente nada. Será que Julie tinha enviado um postal da Argentina e só chegado agora? Curiosa,Bia foi até a porta, abrindo o que estava recostado e se deparando com Félix parado na soleira da porta, se remexendo de maneira ansiosa.
-Félix! - Bia abriu um grande sorriso, jogando-se nos braços do rapaz e o apertando com bastante força que chegou a desequilibrar.
-O-oi, Bia ...- Félix gaguejou enquanto amparava o próprio corpo, evitando que os dois caíssem no chão. - Senti sua falta.
-Você nunca, nunca mais peça em namoro e depois desapareça por três meses seguidos. - Bia ralhou com ele, dando leves tapinhas pelos seus braços.
-Acho que duas vezes já é o suficiente. - Félix rolou os olhos, enfim segurando os braços de Bia com uma mão, enquanto o outro braço enlaçou com força sua cintura e trazia para mais perto. - É sério que depois de três meses essa é a recepção que você me dá? Assim vou começar a achar que Daniel estava certo e você desistiu de ficar comigo.
Bia segurou um engasgo na garganta. Fazendo uma careta de incompreensão, ela até tentou se mexer mas percebeu tardiamente que imobilizada do jeito que estava só poderia ceder aos caprichos de Félix.
E ela gostou daquilo.
-Ah, como é dramático! Em primeiro lugar, eu sequer esperava te ver hoje! Em segundo lugar, Daniel consegue ser ainda mais dramático que você! Eu esperava ouvir isso de Martin, mas como ele pode supor uma coisa dessas?!
-E isso é desculpa?!
-Não, mas como vou te beijar se você está me prendendo no lugar?
E então Félix abriu o maior sorriso intencional que conseguiu, como um lobo prestes a encurralar a sua presa. E tecnicamente ele era, uma raposa prestes a dar o bote.
-Pensei que nunca fosse perguntar.
Félix baixou sua boca contra a da Bia no mesmo instante, capturando seus lábios com afinco e finalmente soltando as mãos dela. Envolvendo o rosto da namorada com a mão livre, Félix sentiu seu pescoço ser puxado ainda mais para baixo quando ela o abraçou com seus braços livres, beijando sua boca freneticamente.
Parecia que nunca seria o suficiente. Bia tinha sim pensando muito a respeito durante o tempo que ele havia estado fora, e apenas chegou à conclusão que tinha sido estúpida demais por não notar antes o clima existente entre os dois. Talvez aquilo ainda fosse uma loucura, mas ela queria muito aproveitar o maior tempo que pudesse agarrando e sendo agarrada por aquele homem.
Quem diria que ficar com o melhor amigo poderia ser tão incrível?
Certo, provavelmente não tinha tido tempo o suficiente para que sentimentos mais fortes tivessem sido criados. Félix estava debilitado, ela tinha dado o maior apoio para ele, era natural que algum interesse surgisse dali. Talvez o antinatural fosse o sentimento ser recíproco e só por isso que a amizade não tenha se estragado.
Então era melhor que os dois continuassem até ver onde aquilo daria - e se dependesse dos dois, iria bem longe. Os amassos estavam quase pegando fogo e se a casa estivesse vazia ou no apartamento, teriam um destino muito diferente de onde poderiam ir naquele momento.
Se separaram com bastante dificuldades, com suas respirações entrecortadas. Olhando no fundo dos olhos, os dois não queriam se separar mas tinham o entendimento que já beirava um espetáculo público demais.
-Senti sua falta… - Félix testou sua voz, completamente rouca.
-Também senti a sua… Quer entrar?
-Se não for te atrapalhar…
-É domingo, a única coisa que eu estava fazendo era alimentar o fã-clube com fotos exclusivas dos passeios em off de vocês na Argentina.
-Pensei que isso fosse reservado a nossa relação de amizade, não que passasse a informação adiante.
-Sou a presidente do fã-clube oficial, preciso conquistar meu público. E vocês concordam com isso quando me delegaram essa função.
Já que o site original não tinha mais a mesma função de antes, ele tinha se tornado uma base do fã-clube, ainda sendo administrado por Bia e vez ou outra por Julie - apesar dos leitores não saberem daquele detalhe.
-Conseguiu falar com Rick sobre trabalhar para a banda?
Com a formação em produção cultural, Bia conseguiria produzir profissionalmente os rapazes, mas talvez tivesse chegado um pouco atrasada demais.
-Falei, ele disse que eu poderia começar com um estágio a distância, mas como vocês já estavam em turnê, vou começar só a partir das suas próximas atividades. Então, como vai ser? Vocês já têm um novo encontro à vista?
-Temos sim senhora, e você está convidada. Sábado que vem, na sorveteria do lado antigo da cidade. Quer ir?
-Eu quis dizer profissional, não encontro de casais.
-Nós costumávamos compor algumas músicas nessa sorveteria, o encontro triplo é só uma fachada para a nostalgia. Isso e Martin quer apresentar um pouco de 1983 a Shizuko, ele acha que ela ainda não acreditou na história.
-Se é assim… Então eu topo.
-Excelente.
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Martin estava certo quanto ao seu pensamento sobre a… namorada. Shizuko não tinha acreditado nem um pouco em toda aquela baboseira de ter beijado um fantasma e os garotos serem de 1983 - mas precisou fingir que sim para não estragar a festa do namorado. Ter falado sobre o beijo ruim tinha sido apenas um complemento derivado dos drinks que bebera, mas tinha controle das faculdades mentais o suficiente para saber que nada daquilo era real e que suas amigas tiravam uma com a cara dela.
Quando aceitou ir naquele encontro triplo achou que seria divertido, tinha muito tempo que todos não se reuniam, mas quando Martin começou a balbuciar sobre ser a sorveteria que ele e os caras costumavam vir décadas antes, começou a tirar sua paciência.
Era uma brincadeira que ela não estava curtindo.
-Eles tinham o melhor milkshake de morango, você precisava ter conhecido! - Martin contava alegremente - Daniel disse que não mudou muita coisa, então a mesa com nossas assinaturas ainda está lá!
-Martin, sinceramente… O que te faz achar que isso é real?
-Como assim?
-Essa história toda de fantasmas e ser do passado. Não acha que essa pegadinha já deu? Até quando pretende continuar com isso?
-Não é uma pegadinha, Shi. Pensei que tivesse entendido isso. Aconteceu de verdade.
-E eu pensei que estivessem brincando comigo por eu ter ficado alta no seu aniversário.
-Nunca faríamos isso com você, é verdade.
-Isso é impossível. Martin.
A discussão continuou a tomar proporções enquanto eles subiam a rua até a sorveteria, onde Daniel e Julie já esperavam, sentados na mesa costumeira.
-Que caras são essas, pessoal? - Julie estranhou o semblante dos amigos quando se sentaram à mesa.
-Shizuko acha que inventamos ser fantasmas só para implicar com a bebedeira dela no meu aniversário. Ela não quer acreditar que isso é real, mesmo tendo provas concretas.
-Que seriam…?
Martin apontou para o risco perto de Daniel, onde seus nomes estavam cravados.
-Quer mesmo que eu acredite em algo facilmente manipulado?
-O que quer dizer com isso? - Daniel se interessou
-Que você poderia muito bem ter riscado isso antes de chegarmos.
-Acha mesmo que eu danificaria um patrimônio público?!
-Em seus piores dias? - Julie ponderou. - Claro que sim.
-Para seu governo… - Daniel tentou se defender sem sucesso, - Quando fizemos isso não era um dia ruim. Era um dia bom. E não é patrimônio público.
-Porque estão insistindo tanto nessa pegadinha? É cansativo!
-Shi, ninguém aqui está inventando nada. - Julie tentou, atenta ao olhar magoado de Martin.
Ele nunca deveria ter aberto a boca. Mas ao mesmo tempo compreendia a namorada. Por mais que conhecesse eles na época, não tinha presenciado nada de alarmante para acreditar de fato na história. Se insistisse mais naquilo, só se machucaria mais e desgastaria a relação.
-Deixa, Julie. Não vai colar mesmo… - Martin disse cabisbaixo.
-Qual é? É sério, Martin? - Julie quis ter certeza.
-É…. Prometo não falar mais no assunto, Shi. Me desculpa, eu não devia ter começado com isso.
Mas o faro de jornalista de Shizuko indicava que o namorado tinha ficado mais triste do que deveria em uma situação de pegadinha. Mas ao mesmo tempo… Aquilo era ilógico.
Estavam tão absortos a discussão que sequer repararam no sino da porta tocando, com o último casando se aproximando de mãos dadas.
-Oi pessoal! - Bia se animou, correndo para se sentar ao lado de Martin, o abraçando com força. - Como vocês estão? Como foram de viagem?!
-Acho que seria melhor perguntar que caras são essas, Bia. - Félix observou, sentando-se ao lado dela e passando seu braço por cima dos ombros da namorada.
Ele não conseguia desgrudar dela nem por um minuto de tanta saudade.
-Uma certa pessoa dessa mesa acha que fui eu quem risquei nossos nomes na mesa antes dela chegar só por uma brincadeira. - Daniel foi arisco. - Mas se isso fizesse sentido, os arranhões seriam recentes, não antigos.
-Já disse para não tocarmos mais nesse assunto, pessoal. - Martin foi mais enfático, segurando com força a mão de Shizuko. - Viemos aqui tomar sorvete, e é isso que vamos fazer.
Se ele tinha considerado levar Shizuko ao cemitério para mostrar as lápides e fotos nas sepulturas só para ela acreditar, ele tinha enterrado essa ideia. Não tocaria mais no assunto, e precisaria se contentar com isso. Ele estava vivo e tendo uma nova chance, era isso que importava. Não se remoeria mais com o passado.
-Assinaturas de época?! Que legal! - Bia se empertigou para ver, não dando atenção para o pedido de Martin.
Ao que parecia, ele sofreria um bocado para cumprir a promessa de não tocar mais no assunto.
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-Eu tinha certeza que você tinha repensado esse namoro, Bia. - Martin comentou uma hora depois, com o cérebro gelado de tanto sorvete.
-E porque eu faria isso? Eu estava mais do que ciente como Félix era quando aceitei namorar com ele. Não fui que nem certas pessoas que acham que só uma música é suficiente…
-Uma que nem foi escrita por ele, diga-se de passagem. - Julie opinou - Faria muito mais sentido se fosse ele a escrever, mas tendo sido ela me pareceu muito um conto de fadas.
-Acho que independente de quem partisse a música seria um conto de fadas, Julie. - Daniel ponderou. - Mal se conhecem, dão um beijo e vem o felizes para sempre com o casamento.
-Vocês falam como se eu não conversasse com Manu durante esse meio tempo. - Félix se indignou.
-Qual é, você só falava com ela porque te lembrava Débora! - Martin foi sarcástico.
-...Não só por isso. Eu gostei dela, era simpática e seria mais alguém da gravadora a ajudar a gente.
-Félix, meu amor, você não me parece o tipo de pessoa que curte ter contatos para possível ajuda. Ainda mais naquela época quando estavam escondidos sob a máscara e recém contratados.
-Está com ciúmes, é sério!? - Félix ficou desacreditado.
-Claro que não! Ou já se esqueceu que eu aproveitei bastante o namoro de vocês conseguindo ingressos e autógrafos?
-Pena que foi tudo para o lixo agora… - Shizuko sussurrou, atraindo a atenção para o comentário.
-Você jogou fora os brindes, Bia…?
-É claro que joguei. Não queria mais nada relacionado a ela.
-Hã, acho que deveria ser Félix a fazer isso… - Daniel estranhou.
-Eu era fã dela, mas ter ignorado os sentimentos do meu melhor amigo e ter o levado até uma fossa me fez repensar se gostava dela ou não. Quando ela perguntou a Julie se ele tinha traído ela com a tal da Débora, eu fiquei furiosa e joguei tudo fora quando voltei para casa. Não queria ter como ídolo alguém que não respeitava os sentimentos do namorado.
Félix ficou tocado com a informação. Saber que ela tinha se livrado de coisas importantes só por estar emocionalmente envolvida demais naquela situação tinha sido… Intenso. Ignorando a presença de todos, ele empurrou seu milkshake de chocolate para o lado antes de mergulhar sua cabeça em direção a de Bia, capturando seus lábios em um beijo casto mas demorado, em agradecimento aos seus sentimentos.
-Ah pela mãe do guarda! Não somos obrigados a ver isso! - Martin se empertigou,.
-Até parece que nunca beijou, Martin! - Bia disse entredentes, revirando os olhos.
-Ou que estava dando o maior apoio para isso. Félix completou, tentado a enfiar a língua na garganta da namorada apenas para provocar o amigo.
-É claro que já beijei, mas sempre em locais reservados!
-Ah, a sua reputação precisava ser preservada. - Daniel debochou do amigo, recebendo um canudo no rosto em resposta.
-Como acha que as garotas se sentiriam confortáveis em pedir para ficar comigo se soubessem que eu … - Martin se lembrou então que a namorada estava ao seu lado, se envergonhando.
-Não, que isso. Pode continuar a falar, a história está interessante. - Mas Shizuko não se ligava no passado de Martin. era óbvio que ele era o maior galinha, e era interessante aprender com as técnicas usadas por ele.
-Eram outros tempo, Shi…
-Eu não estou incomodada, Martin. Estou curiosa com o seu método de ratoeira.
-Me parece mais um abatedouro. - Bia foi franca recebendo um olhar mortal de Martin e uma concordância de Julie.
-Porque era um. - Daniel concordou. - Não ficava com nenhuma garota em público para manter a imagem de reservado e intocável. Assim era mais fácil chegar em cada uma delas sem ter a imagem de rodado pairando sobre ele e as chances de rejeição serem altas. Só sabíamos disso porque contava para gente, porque senão acharíamos que ele era bv até hoje.
-Ha ha ha, muito engraçadinho vocês. Conseguiram inverter a situação para mim, quando deveriam estar estimulando Félix a terminar com Bia.
-Qual é, ficou irritadinho só porque eu falei a verdade? - Bia ria, não levando a sério as falas do amigo. - Você é pudoroso demais.
-Estamos entre amigos, eu não acho que tenha a necessidade de…
-Ah, cala a boca, Martin. Admite de uma vez que você queria estar no lugar de Bia. - Julie cortou o assunto, trazendo de novo as risadas e acabando com o clima sério que se montava.
-Não, obrigado. Já disse que prefiro morenas.- Félix brincou.
-Ele pode pintar o cabelo.
-Ou colocar uma peruca. - Shizuko entrou na brincadeira.
Eles continuaram a listar maneiras de Martin substituir Bia por mais algum tempo, até ele próprio tomar a iniciativa de pedir a conta. Revoltado pelo jogo ter se virado para ele, Martin passou a ignorar o recém casal e dar atenção apenas para Shizuko. Iriam para lugares diferentes, mas não impedida de saírem juntos.
Daniel obviamente passaria na casa da mãe - que ficava a apenas alguns metros da sorveteria. Martin levaria Shizuko para casa e Félix aproveitaria os últimos dias de Bia em São Paulo antes de precisar voltar para Campinas.
Ou seja, se ninguém estaria em casa, já sabiam para onde ele iria.
Estava tudo correndo bem, com as contas já pagas e eles começando a irem para caminhos diferentes quando um grito horrendo foi ouvido pela rua inteira. Aterrorizados, todos na rua olharem em direção a voz estridente, encontrando uma senhora se apoiando em outra,pálida dos pés à cabeça, enquanto perdia a consciência.
-Será que ela se assustou com alguma coisa? Ou está passando… Félix? Tudo bem? - Bia percebeu que o namorado tinha parado de segurar sua mão, suspendendo sua respiração e esbugalhando os olhos.
-Mãe…?
Ah, merda. Tudo fazia sentido. Alarmada, Bia olhava para Julie que estava sem entender nada, apenas tendo um Daniel tenso ao seu lado. Dona álvara olhava para ele pedindo socorro com o peso, já que tinha sido muito conveniente o garoto estar passando por lá naquele momento.
A mulher com certeza tinha se assustado achando que era o fantasma do filho aparecendo repentinamente, por isso tinha gritado e agora desmaiado.
-MÃE! - Félix gritou, finalmente acordado e correndo em direção a mulher, tentando aliviar o peso de dona Álvara.
-Ah, merda… - Martin enfim percebeu a situação. - Shi, acho que vamos precisar ficar aqui mais um pouquinho.
-Eu não entendo… Vocês são órfãos, como pode Félix ter chamado aquela senhora de mãe?
Mas Martin fingiu que não ouviu a pergunta, deixando ela de lado e indo até os amigos. Ela surtaria ainda mais quando acordasse e visse os três, mas parecia que não tinha muita volta.
Era isso ou enganar como a mãe de Daniel.
-Bruno, ainda bem que você está aqui! - Dona Álvara agradeceu enquanto o rapaz auxiliava a segurar a mulher. - Não sei o que deu nela, acho que está passando mal….
-Deixa comigo. - Félix disse sério, ajudando Daniel com a senhora. Percebendo que ela ainda estava acordada, ficou aliviado.
-Fi-filho….- A mulher sussurrou, exasperada pela visão.
-Augusta! Sabe que não é Félix. Por Deus, pensei que tivesse melhorado com isso já!
-Ela tem costume de ter visões? - Daniel se pronunciou -É melhor levarmos para dentro, não acha?
-Não tem o costume, mas ultimamente cismou que alguém terrivelmente parecido passou no programa da Sonia Abraão, e desde então não tem sido ela mesma.
Com cuidado os dois carregaram Dona Augusta para dentro de casa, com a pequena comitiva os seguindo. Assim que a depositaram no sofá da sala, Daniel tratou de fazer as apresentações.
-Dona Álvara, acho que devo apresentar o restante da minha banda a senhora. - Estes são Martin e Félix, e as suas namoradas….
-Ah, não precisa falar seus nomes artísticos comigo. Vocês devem ser os famosos Marcelo e Fábio, não são?
Bem, não se podia dizer que a mulher não era inteirada do assunto. Até os nomes falsos ela sabia.
-Não, senhora. Marcelo e Fábio foram nossos nomes artísticos por um tempo. Nossos nomes verdadeiros são Martin e Félix.
-Ora essa, só falta me dizer que o seu também é Daniel. - Dona Álvara fez pouco caso, não percebendo a tempo a expressão de culpa de Daniel. - AH, meu pai amado….Isso é…Isso é… Uma coincidência bem mórbida…
-Não acho que seja. - Daniel opinou, já que teoricamente era o único a saber da história
Enquanto isso, estavam todos alheios à maneira como Félix segurava a mão da mãe deitada no sofá, sendo acompanhado por Bia.
-Isso é tão estranho… - Ele sussurrou, fazendo carinho nos dedos de Dona Augusta. - Pensei que nunca mais fosse vê-la. Não fui atrás porque tive medo de descobrir como estavam, e agora… Eu quase enfartei a minha mãe, ao que parece.
-Não foi sua culpa, Félix. Se ela já estava desconfiada de ter alguém com a sua cara por aí, era natural se assustar caso te visse de perto. Com sorte ela vai acordar e perceber que passou vergonha em frente a um famoso que só tem a aparência…
Mas ele não dava mais a mínima para o que Bia falava. Augusta tinha começado a dar indícios de se tornar consciente do ambiente à sua volta, assim como do rapaz segurando a sua mão.
-Meu Félix… - Ela sussurrou mais uma vez, com lágrimas escorrendo. Ela não deveria se apoiar em ideias assim, seu filho tinha partido a mais de trinta anos. Mas poder rever o seu rosto mesmo que em um desconhecido era algo dolorosamente desconcertante.
-Augusta… Ele não é…
-Mãe…- Félix não se segurou, jogando para o alto todas as precauções e revelando tudo à sua mãe.
-Não dê trela a ela, Fábio.
-Ele não está dando trela a Dona Augusta, mãe. - Daniel soltou a bomba, respirando fundo.
-Você… Você... Só porque você se parece com o meu filho…
-Acho melhor ligar para Josias. - Martin suspirou, chamando atenção para ele. - Oi, Dona Álvara. Obrigado pelas pamonhas todos esses anos.
Se as nomenclaturas ditas antes não tinham surgido efeito, definitivamente aquele agradecimento tinha.
-Como… Como sabe disso?! Quem é você?!
Mas foi Augusta quem respondeu.
-Félix!
Enquanto uma mulher abraçava de maneira agarrada o filho, a outra tonteava, sendo amparada dessa vez por Julie e Bia que estavam mais perto.
-Alô, Josias? Cê pode vir para a antiga casa de Daniel? É, ele abriu a boca e contou tudo para mãe dele, e Félix também.
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PÉÉÉM
Passos apressados e vozes se misturavam.
-Como elas estão?
-Dona Augusta aceitou tudo muito bem, mas dona Álvara…
-Ela sendo ela. - Um suspiro mais forte foi ouvido, com tudo clareando.
Dona álvara finalmente estava desperta, vendo que o ambiente a sua volta não tinha mudado muito coisa - com exceção dela estar ocupando o lugar de Augusta no sofá.
-Josias…? Como entrou aqui…?
-Seu filho abriu a porta para mim.
Josias não mentiria para ela. Nem Bruno, mas a confirmação ter vindo do antigo membro da banda garantia mais credibilidade.
-Daniel…? - Foi como se uma névoa saísse da frente dos olhos de Dona Álvara, finalmente enxergando ele pela primeira vez.
Coincidentemente, foi uma ótima jogada ele ter tirado a barba naquela manhã e não visitar o barbeiro a meses. Estava idêntico a trinta e três anos antes. Como ela não tinha percebido isso antes?
-Oi, mãe. - Daniel tinha um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos por finalmente parar de mentir para a própria mãe.
-Como… Como isso é possível?
Dona Álvara sempre sendo racional antes do emocional. Nem parecia que era mãe do filho que tinha.
Por outro lado, Dona Augusta estava muito tranquila em relação à novidade. Já tinha consciência de existir um músico famoso que por coincidência também era baterista que era a cara do seu filho. Ele se chamar Félix era um adicional no requinte de crueldade com seu coração, mas assim que conseguiu colocar os olhos de perto nele, ter escutado a sua voz, soube que era seu filho.
Aquela maldita tatuagem estava cravada em seu antebraço. Mesmo que fosse uma grande armação, não tinham como saber daquele pequeno detalhe que havia causado tamanha confusão na vida deles.
-A quanto tempo estão de volta?
-Uns três anos. - Félix estava segurando as mãos da mãe, ainda ignorando Bia ao seu lado.
-E não pensou em momento algum me procurar?
-Me desculpa, mas… Eu não consegui, mãe. Seria doloroso demais para mim ir atrás de vocês e não poder falar nada. Daniel teve essa coragem, mas se apresentou com um nome falso. Até mesmo quando ainda éramos fantasmas não consegui ir atrás de vocês, ainda mais depois descobrindo que vocês não ficaram muito bem.
-Realmente não conseguimos lidar muito bem com a situação, mas o que importa agora é que você está aqui. O seu pai vai ficar tão contente de saber que está de volta!
-Acha que ele vai acreditar? - Bia perguntou, se intrometendo na bolha familiar.
-Mãe, essa é Beatriz, minha namorada. - Félix finalmente olhou para ela, dando uma piscadela com o olho.
-Pensei que a sua namorada fosse aquela do programa da Sonia…
-Não, essa foi… complicada. Mas depois posso explicar melhor para a senhora. Acha que o pai vai acreditar?
-Mesmo que não acredite, a sua tatuagem é a resposta.
As meninas sentiam um grande desconforto por acharem que estavam invadindo a privacidade deles. Não era para elas presenciarem aquilo tudo, mas talvez fosse algo para a crença de Shizuko.
-Eu não entendo… Todos eles são órfãos, porque estão chamando elas de mãe? Elas sobreviveram e se esqueceram deles?
Mas elas eram tão idosas… a idade não batia com a deles.
-Em consideração a você, Martin, eu aproveitei e trouxe uma coisinha para a sua namorada. - Josias disse como quem não queria nada. - Shizuko, vem aqui, por favor.
-Hm? O que foi, Josias?
-Se isso não te disser nada, nada mais vai. - Ele entregou um álbum de fotografias antigo a ela, ficando por perto para eventuais dúvidas.
Sem entender muita coisa, Shizuko abriu o álbum e encontrou diversas fotos de Josias criança, seguindo da adolescência.
-O que tem haver no seu álbum de fotos, Joias?
-Essa é só a primeira página, continua olhando.
Desconfiada, ela continuou a folhear as páginas sem entender o porquê daquilo. Estava quase desistindo quando reparou em uma foto de final de ano na escola, repleta de alunos. Como já estava acostumada com o rosto de Josias, ela se deu ao trabalho de procurar, estranhando muito ter encontrado alguém a cara da Manu Gavassi entre os alunos. Já julgando Josias por ter fotos pessoais de Manu em seu álbum, ela continuou percorrendo seus olhos pela foto para garantir que não era uma nojeira daquelas - mas arregalando os olhos ao notar alguém idêntico a Daniel. Não foi preciso muito mais para achar Martin e Josias lado a lado, sem a presença de Félix.
-Félix ainda não tinha se mudado para a escola, só no ano seguinte.
A data? 1981.
Sem entender absolutamente nada, Shizuko demostrava sua ansiedade e impaciência em seus dedos, enquanto folheava com força o restante das páginas. Fotos e mais fotos dos quatro garotos reunidos, todos com roupas dos anos 80. Cabelos engraçados, camisas de botão estampadas e ombreiras. Todos com a mesma aparência dos dias atuais - com exceção de Josias claro. Quando fotos das poucas apresentações da Apolo 81 apareceram, Shizuko ficou ainda mais vidrada ao ver que eles tinham as mesmas posições que os atuais, mas então a sequência de fotos do acidente apareceu e….
-AH! - Shizuko deu um grito, deixando o álbum cair com força no chão e fazendo um barulhão.
As mulheres olharam para as fotos e souberam imediatamente do que se tratava, com o choro coletivo começando. Como se não fosse o suficiente, quando se abaixou para pegar o álbum, Shizuko encontrou uma folhinha convidando para o sepultamento dos três, com dia, horário e fotos enormes.
03/11/1983
O horror tomou conta do seu rosto, assim como a palidez da sua pele. Tinha deixado o álbum cair pelo susto com a sequência trágica de fotos, mas ver aquele folheto tinha sido…. Impactante.
Aparentemente ninguém estava tirando com a sua cara.
-Shi…? - Martin testou a namorada, mas viu ela se retrair um pouco.
-Nós cuidamos disso, Martin. - Julie decretou, chamando Bia e tentando pegar o álbum das mãos de Shizuko no meio do caminho.
-Nananina não. Você é proibida de ver isso. - Josias falou, pegando no lugar dela.
-Eu já sei que não foi salvando criancinhas, Josias.
-Ordens de Daniel, você não pode ver as fotos.
-Isso não é justo, todo mundo aqui viu!
-Não sou eu quem faço as regras, sinto muito.
Bufando indignada, Julie enrolou o braço no de Shizuko e saiu arrastando a amiga para fora da casa. Provavelmente não teriam uma conversa, mas sim a trariam de volta para a realidade. O namorado de todas elas tinha sido fantasmas que voltaram à vida três anos antes, e nada poderia mudar aquela situação.
Era irreal demais, impossível até, mas verdade.
Martin, Félix e Daniel tinham contrariado todas as expectativas do plano espectral, conseguindo a benção e brecha de poderem voltar a viver mais uma vez. E estavam aproveitando a chance ao máximo, conquistando tudo o que tinham direito e haviam perdido anteriormente.
Fosse na música, na carreira ou no amor.
Eles mereciam aquilo.
Chapter 61: Epílogo
Chapter Text
Três anos depois
No meio de tanta confusão e sentimentos, três anos tinham se passado e com eles a aproximação das famílias dos garotos. Seus pais foram os mais relutantes em acreditar mas com as perguntas e lembranças certas não tinham como negar mais, entregando-se a sensação de ter novamente o filho de volta. Com exceção de Martin. Seus pais a muito tinham voltado para a Nova Escócia, perdendo completamente o contato com as outras mães - mas aquilo não era um problema para ele, já que Dona Álvara o tratava como um segundo filho.
Naquela altura Shizuko e Beatriz já haviam terminado a faculdade, com Shizuko trabalhando para um portal de notícias e Beatriz como nova contratada da empresa de Rick Bonadio, trabalhando com os Insólitos e outras duas bandas. Ainda demoraria para ter a experiência necessária para ser a chefe e principal responsável por qualquer um deles, mas até o momento já tinha conseguido eventos e patrocínios muito bons para eles.
Faziam três anos que ela e Félix estavam juntos para a surpresa de todos - já que era uma questão de tempo para perceberem que tinham estragado a amizade segundo Martin - e isso estava prestes a mudar. Ansioso, Félix não tinha mais intenções de continuar a namorar com Bia, pedindo a ajuda de Daniel para isso.
-Martin provavelmente vai ficar puto comigo, mas acho que você é a melhor opção, cara.
-Relutante do jeito que ele é, só te atrapalharia com isso. Tenho certeza que ele vai entender. - Daniel apoiou a decisão do amigo com tapinhas em suas costas.
Se perguntasse a Martin, ele diria que a melhor opção de anel de noivado seria um barbante amarrado, e definitivamente Félix queria mais do que isso para pedir a mão de Bia em casamento. Ele tinha refletido muito sobre isso nos últimos meses, chegando a conclusão que já tinha demorado até demais para pedir. Eles ainda se mantiveram morando no mesmo apartamento, mas se ela dissesse sim, as coisas mudariam um pouco de figura, e ele estava totalmente pronto para isso.
Tinha demorado quase três semanas de pesquisa e visitas a joalherias, mas foi com gosto que saíram daquele décimo shopping com o anel perfeito em mãos - um solitário de safira incrustado de diamantes, tendo custado a bagatela de quase dez mil reais - só precisando criar a maneira perfeita para fazer o pedido, e talvez Félix tivesse algumas ideias.
Mas como se era de esperar, o segredo não durou muito, com Martin se ressentido por mais uma vez suas opiniões não terem sido levadas em conta em uma situação importante.
-Ah não, Martin! Você não vai recitar o código sanguessuga em uma notícia dessas! - Daniel se meteu, impedindo o melhor amigo de relembrar sua ex namorada. - Uma coisa não tem nada a ver com a outra!
-Mas fui eu quem empurrou ele para cima dela! Eu quem coloquei a ideia na cabeça dele! Acho que merecia um pouco de respeito e ter opiniões sobre, não é?
-Não quando você odeia compromissos. Pode me dizer como me ajudaria a escolher o anel perfeito se até semana passada tinha uma síncope toda vez que perguntavam se Shizuko era sua namorada? - Félix foi claro.
-Já tem um tempo que eu aceito essa nomenclatura, até dei um anel de namoro para ela!
-Martin, um anel de coquinho não simboliza exatamente um compromisso mais sério… - Daniel revirou os olhos, recostando-se no batente da porta da sala, onde a discussão acontecia.
-Pelo menos eu fiz um movimento, e você que até agora não propôs nem deu nada a Julie? - Martin revidou, acabando com a pose de Daniel.
-É uma questão muito mais complicada, ela precisa de tempo.
-E acha que cinco anos não é tempo o suficiente?
-Para mim, sim. Mas Julie já tinha me pedido para ir com calma, e agora com Félix pedindo a mão de Bia me impede de tomar algum passo com ela. Não quero que ela pense que eu fiz isso por pressão ou por falta de originalidade.
-A não ser que Félix espere você pedir a Julie para não roubar o seu momento… - Martin sugeriu. - O que acha, Félix? Não vê como o homem está sofrendo?
-Foi mal, mas não vai rolar. Não vou sair como o copião da história, eu quem tive a ideia primeiro.
-É, acho que vocÊ vai precisar de mais um tempo Daniel. Quem sabe assim você aprende a ser mais impulsivo.
Mas impulsivo era uma coisa que ele já era, ou não teria convidado Julie para morar com ele no dia de sua formatura na escola.
Com o anel comprado, demorou cerca de um mês e meio para que Félix organizasse suas ideias e preparasse o pedido perfeito - ao menos para eles. Tinha sido em um sábado à tarde, quando os dois estariam de folga. Ele tinha ligado para Klaus e combinado um horário para ele manter a loja só para eles, tendo uma leve noção do que Félix pretendia fazer e não tardando em aceitar em ajudar. Assim o convite para uma passada na loja de discos da cidade foi feito, com Beatriz não demorando em aceitar, já que fazia muito tempo que não via Klaus e a loja em si.
Ela estava com saudades das suas raízes adolescentes.
-Parece que ele não está… - Ela estranhou quando os dois chegaram e encontraram a loja vazia, com a porta trancada.
-Sorte que eu ainda tenho a chave. - Félix balançou as chaves para ela, adorando o sorriso que surgiu em seu rosto.
Uma vez dentro Félix só tinha uma missão: deixar a caixinha com o anel em um lugar estratégico, já que a caixa em si era um trabalho: uma pedra esculpida, por fora escura e por dentro lilás, com o anel preso no meio. Era muito requinte? Sim, mas o homem estava apaixonado e ganhava bem, então queria agradar o máximo possível. Só que ele não tinha escondido tão bem assim, já que ele mal havia colocado ao lado do computador no balcão que Bia surgiu atrás dele interessada, achando ser de Klaus.
-A esposa dele deve ter dado para ele. O que será que é? Destoa tanto do resto da loja….
-Só vamos saber se abrirmos.
-Félix, não! É errado mexer nas coisas dos outros. Ou você ainda tem resquícios de fantasma?
-Definitivamente ainda tenho esses resquícios, por isso estou falando. Abre, Bia.
Beatriz não queria, mas foi tomada pela curiosidade. Abrindo com cuidado, ela abriu a boca em choque ao notar a beleza da caixinha e ainda mais do anel.
-Uau. Isso deve ter custado uma fortuna!
-Achei que você fosse querer uma coisa bonita…
Bia não entendeu, já que supostamente a caixinha era de Klaus, virando para o namorado e o encontrando a meio caminho do chão. Somente quando já estava com um dos joelhos dobrados que Félix pegou em sua mão e com muitas dificuldades, declarou:
-Casa comigo.
Para logo em seguida arregalar os olhos e perceber que ele não havia pedido, e sim imposto aquela condição.
-Não é uma ordem, é só se você quiser…. Estamos a tanto tempo juntos que pensei que estava na hora, mas se você não achar….
Bia o calou com um beijo molhado, já que lágrimas grossas caiam de seu rosto.
-Sim… Sim… Como eu não ia aceitar?
Félix pode enfim respirar aliviado, voltando-a a beijar com afinco, passando o restante da tarde na loja olhando discos e jogando no arcade com o brilho do anel estonteante no dedo anelar direito de Beatriz.
A missão tinha sido dada como sucesso quando ele chegou no apartamento com um sorriso de orelha a orelha, seguido de um grito vindo do quarto de Daniel. Beatriz tinha mandado a foto para o grupo de amigas, com Julie surtando de felicidade pela amiga.
-Você me deve uma. - Daniel deu um soquinho no braço de Félix, tanto por ter sido a escolha perfeita como por precisar esperar mais algum tempo.
-Prometo que não vai demorar muito até o casamento.
Mas se Félix tinha dito aquilo na intenção de ser só um prazo de validade para o pedido de Daniel, ele estava redondamente enganado. Por mais que fossem fazer algo pequeno, quase um ano tinha se passado entre o planejamento e a procura por um apartamento para os dois. Óbvio que os luxos diminuíram por não haver mais três salarios astronomicos bancando, mas eles tinham conseguido algo confortável a poucos minutos da antiga casa de Julie - o que significava que era longe do apartamento dos garotos.
A festa tinha sido íntima, sem igreja, só o juiz de paz no salão de festas. O vestido de Bia tinha sido algo simples, com rendas do norte que mais remetia aos anos 70 do que a 2017 em si. Foram poucos convidados, com obviamente Martin e Daniel como padrinhos - e votos para que Martin não acabasse com o casamento fazendo alguma piadinha. Ele tinha se segurado, mas casamentos não eram mesmo a sua praia.
Infelizmente Shizuko já tinha percebido aquilo, tendo um pouco de inveja de Bia, mas naquela altura do campeonato não valia mais a pena terminar com ele novamente. Não quando ele a chamava de namorada.
O público somente ficou sabendo semanas depois, quando as fotos oficiais do evento saíram e uma única foto foi postada no instagram da banda, de Félix e Bia no altar se beijando. Muitos comentários negativos foram declamados, mas logo foram superados pelos positivos, mas não aqueles seguidos de:
“Quando Daniel e Julie vão se casar?”
Uma pergunta genuína que em certo momento até mesmo Julie se fez, mas o pedido não veio nos meses seguintes, nem nos dois próximos anos. Somente em 2019 que Daniel julgou já ter passado tempo o suficiente para Julie, com ele finalmente fazendo o pedido. Tinha sido uma coisa grande, pública e que por pouco ela não disse não pela vergonha embutida - fazendo Martin dar um tapa na própria testa pela burrice do amigo.
Quem em sã consciência para o maior festival de música da América Latina e puxa o anel do bolso, pedindo em casamento no palco perante o público?!
Mas por sorte Julie já tinha sido alertada por Martin que algo assim poderia acontecer, engolindo a vergonha e o aceitando - mas ao contrário de Félix e Bia, Daniel queria algo grande para comemorar finalmente a sua conquista, e algo assim levava bastante tempo para ser planejado. O casamento em si aconteceria em maio de 2020, com uma imensa festa, 300 convidados, um vestido de tule azul, all stars e a jaqueta bordada da Apollo 81 para Julie.
Aconteceria, mas infelizmente em janeiro foi decretada a pandemia de Covid-19, e a festa precisou ser cancelada por tempo indeterminado. Julie podia até estar triste, mas Daniel era o mais emburrado na história, totalmente puto pelo casamento cancelado.
-Eu disse que você tinha demorado demais a pedir… - Martin implicava com ele, recebendo os socos e pontapés como brincadeira.
Mas apesar de tudo, eles ainda precisavam trabalhar. Josias estava afastado por já ser do grupo de risco, enquanto Félix e Bia estavam de volta ao apartamento depois de três anos, para facilitar a comunicação e as lives de bandas. E tudo tinha dado certo por um tempo, até no BBB eles tinham aparecido como participação especial por conta de Manu Gavassi - ela estava participando naquele ano e não parava de falar do seu antigo namoro com Félix, e como se arrependia de como as coisas tinham terminado. Boninho tinha achado de bom tom fazer com que Félix mandasse um recado especial para Manu em forma de música, e assim ele o fez, cantando a música que ela havia feito para ele na época do término - Planos Impossíveis - o que automaticamente fez com que os participantes do programa fanficassem sobre ele estar dando um recado de reatar com ela, mas a aliança dourada reluzindo em seu dedo dizia o contrário, assim como a imediata presença do restante dos Insólitos em seguida para outro show por vídeo.
Mas estava tudo indo muito bem até uma manhã Shizuko - que também estava morando com eles - começar a passar muito, muito mal.
-Martin vai me matar! - Ela chorava copiosamente com as garotas, trancadas no quarto de Bia e Félix.
-Se ele fizer isso, nós também matamos ele, não se preocupe. - Félix bateu nas costas de Shizuko, que olhava para os diversos testes de gravidez em sua mão. - Dê mais crédito ao seu namorado. Ele também não é nenhum monstro.
-Mas amor, você sabe como Martin é. Um filho? Eu também estaria preocupada se estivesse com ele. - Bia não ajudou na situação.
-Shi….? Tudo bem aí? - Martin bateu contra a porta, preocupado com a namorada, já que só ouvia seu choro depois de dias passando mal.
-Martin, acho que você precisa considerar uma opção…. - Daniel, que também estava do outro lado da porta, tentou preparar o amigo após uma rápida mensagem de Julie no celular. - Shizuko não vem passando bem há algum tempo. Enjoos matinais, está chorando toda hora… Não sabe o que isso significa….?
-Eu sei, mas não quero acreditar nisso….
-Você faria um escândalo muito grande se isso acontecesse?
Martin demorou um tempo para responder, pensando.
-A Shi tá grávida, não é…?
Daniel confirmou com a cabeça, preocupado com a reação do amigo.
-Eu quero saber como você vai lidar com isso, se vai aceitar conversar com ela ou se vai expulsá-la a pontapés daqui, porque se for a segunda opção, você quem será expulso.
-Não… Como… Como puderam pensar isso de mim?!
Aquele foi o momento que Félix saiu do quarto de mansinho, dando de cara com a conversa bem em sua porta.
-Ela ainda vai demorar para se acalmar, eu sugiro esperar mais um pouco. Ele já decidiu se vai embora ou não?
-O que vocês acham que eu sou?!
-Alguém que tem pavor de compromisso, e bem, agora vocês arrumaram um enorme.
-Não posso deixar ela sozinha agora, ainda mais em uma pandemia, eu… eu… - E contrariando o conselho de Félix, Martin invadiu o quarto, arrancando um grito de pavor das três garotas lá dentro.
Tinda sido uma conversa difícil, mas no final das contas Martin estava aguentando bem, até mesmo feliz para surpresa de todos os integrantes da casa.
-Eu não reagiria daquela maneira como Martin. - Daniel comentou com Julie naquela noite, quando já estavam deitados para dormir. - Eu gostaria de ter um bebê com você…
-Daniel…
-O que acha de fazermos um agora?
-Ainda nem nos casamos, Daniel!
-Já estamos morando juntos, por que não?
-Se essa é a sua ideia de tentar me convencer a fazer sexo com você, não está funcionando.
-Não quero fazer sexo, quero fazer amor. Mas se você ainda não quer um bebê, tudo bem. Mas acho que precisamos conversar sobre isso antes da cerimônia.
-Uma outra hora então, Daniel. Está tarde para essa conversa.
-E para transar?
Com uma risada, Julie virou para o lado, ignorando os pedidos do noivo, Ela estava com dor de cabeça desde manhã, e com a mínima vontade de fazer sexo no momento. Mas acabou que aquela conversa precisou ser adiantada quando uma semana mais tarde era Julie quem colocava os bofes para fora durante a manhã depois de sentir o novo perfume de Martin. Daniel não tinha dito nada, apenas a amparava a vomitar com o maior sorriso no rosto, chorando de felicidade ao dar positivo o teste no palitinho.
-Pelo menos o seu namorado adorou a ideia de ser pai… - Shizuko comentou enquanto amparava Julie. - O meu está se acostumando com a ideia.
-Ainda bem que meu marido não entrou na pira deles. Se o bem conheço, ele pode muito bem aparecer por aquela porta com um saco cheio de….
Aquela tinha sido a vez de Félix sair para fazer compras, e sim, ele tinha voltado com um saco de farmácia cheio de testes d egravidez e camisinhas.
-Bia, meu amor, pode vir aqui no quarto por favor? - Ele pediu após se higienizar.
-O que foi, Félix?
Ele estendeu a ela o teste, nervoso.
-Félix, gravidez não se transmite como uma doença.
-É, mas é melhor termos certeza que não estamos esperando nada.
-E as camisinhas?
-São para prevenir depois que der negativo o resultado.
Sabendo que Félix só ficaria calmo depois que ela fizesse o maltido teste, Bia foi até o banheiro e fez xixi em três palitos, demorando demais a sair do banheiro e assustando Félix.
-Meu amor…? O que deu?
Bia saiu do banheiro com a cara normal, estendido para ele o palito.
-As camisinhas não vão ser necessárias.
“Grávida +1 semana”
-Como…. Como….? Mas tomamos todas as precauções…
-Aparentemente não as suficientes.
-Bia, não podemos…. Não podemos…
-Somos casados, Félix! Acho que é natural que…
-No meio de uma pandemia?! Como você vai fazer os exames? O pré natal? O parto! Se ele se contaminar no hospital e morrer logo que nascer? Não temos vacinas, muito menos para recém-nascidos!
-Félix, CALMA!
-NÃO DÁ PARA FICAR CALMO, BIA!
Irritada, Bia abriu a porta e marchou até Daniel e Martin, que limpavam as compras na cozinha, sendo seguida por Félix.
-Vocês podem por favor dar um pouco de razão para o amigo de vocês e dizer que está tudo bem engravidar agora?
-O que foi? Ele está preocupado com a gente? - Daniel não entendeu.
-Não, ele está surtando por aparentemente também vai ser pai, e vocês sabem como ele é.
-Não é uma questão simples, Beatriz! Uma pandemia mundial não é algo a não se preocupar! - Félix reclamava atrás.
-Acho que não caiu a ficha dele ainda. - Bia comentou com os garotos, se retirando e deixando as felicitações para cima do marido, que apesar de muito confuso, ainda não sabia como lidar com o pânico de perder a esposa e filho no parto.
Tinha demorado, mas os meses se passaram e enfim tiveram os resultados: Bia e Shizuko esperavam uma menina, enquanto Julie era um menino. Eles já tinham escolhido seus nomes: Martin teria a Marilda, Félix a Flora e Daniel… Bem, ele era o mais avesso a escolha de nomes.
-Por que não colocamos um dos beatles? Paul parece um bom nome.
Eles estavam reunidos em assembleia na sala para ajudar o confuso Daniel e Julie a escolher.
-De jeito nenhum! Quer que ele sofra bullying na escola por ter um nome parecido com pau?!
-E que tal John?
-Quer reviver a história com a sanguessuga? Não vou deixar que você faça isso! - Martin se alterou.
-Ringo?
Naquela altura Daniel tinha irritado até mesmo o plano espectral, conseguindo invocar um Demétrius furioso para o centro da sala.
-Será que VOCÊ não consegue ficar longe de confusões, garoto?! Não percebeu ainda que homenagear os Beatles não é uma boa IDEIA?! - Demétrius se alterou, apavorando Shizuko por ver um fantasma pela primeira vez.
-É só um nome, Demétrius, não é o ensaio gestante atravessando a rua! - Daniel fez pouco caso.
-Se é nó um nome, porque não coloca Nicolas? Tenho certeza que ele vai ser um grude com a mãe!
Daniel não se aguentou de raiva e arremessou uma almofada na direção de Demétrius, que naquela altura já se desmaterializava rindo da cara de Daniel. Mas daquela vez Demétrius tinha razão, um nome por um nome Nicolas cairia muito bem.
Pena que até o final desta redação ele ainda não havia escolhido um, pensando que no momento que segurasse seu filho nos braços teria a iluminação, revelação de um.
Pobre Daniel, sempre tão impulsivo e ainda não tinha escolhido o nome dos filhos.
Pelo menos ele tinha conseguido ficar com a Julie no final.
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