Chapter Text
Entre aulas, sessões de cura mental e os experimentos alimentares de Reginald, alguma configuração de Draco, Granger, Sadie, Ella, Indira e Marcus estava quase sempre na biblioteca (com graus variados de esforço acadêmico dependendo da combinação e da hora). Às vezes, até mesmo a Weaslette aparecia, brincando com os alunos e provocando Draco de forma bem-humorada.
Granger frequentemente pegava sua mão e o puxava até a Sala Precisa, onde discutiam outros assuntos, como a guerra. Ela confessou ter obliviado os próprios pais, e Draco a segurou enquanto ela desmoronava, ainda sentindo culpa e ainda incerta se teria feito algo diferente. Granger preenchia os detalhes das aventuras do Trio Dourado durante os anos escolares, e Draco humanizava grande parte da Sonserina para ela.
Eles falavam sobre seus planos para depois de Hogwarts; ela tinha aspirações de reformar muita coisa errada no mundo bruxo e ele tinha o mais tênue vislumbre de onde poderia se imaginar. Debatiam os direitos dos elfos domésticos — ela insistindo em liberdade total e ele explicando a natureza da magia deles e pedindo que ela redirecionasse seus esforços para regulamentações de bem-estar junto com um “Merlin, Granger, você já perguntou o que eles querem?”. Discutiam os méritos da retórica de unidade entre as casas que McGonagall vinha promovendo, quadribol e o Estatuto de Sigilo, ficando tantas vezes até tarde que precisavam voltar para os dormitórios escondidos depois do toque de recolher. As coisas estavam alcançando um equilíbrio tênue, um ritmo que Draco talvez até chamasse de bom.
Mas três semanas após a conversa na biblioteca, Draco saiu de sua sessão com Kane se sentindo enjoado. Sentia-se exposto, como se qualquer coisa pudesse lançá-lo num abismo de dor ardente ou num novo episódio de dormência desesperada.
No começo, a cura mental servia para ajudá-lo a se sentir seguro de novo — seguro o bastante para sentir, para avaliar os ferimentos que carregava e os danos que causavam.
Agora, estavam analisando tudo sob um maldito microscópio — um aparato que Granger lhe apresentara na semana anterior durante sua palestra “Esses São Todos os Motivos Pelos Quais Sua Família é Maligna e os Trouxas São Incríveis!” — e isso era doloroso.
Respira. Não era uma palestra, ele corrigiu. Era uma discussão genuína e, na hora, ele até tinha se interessado. Mas a conversa deixara um peso em seu peito, uma sensação de ignorância, inferioridade e traição (por quem, Draco não fazia ideia, dependia da hora do dia) porque havia um mundo inteiro lá fora que ele não conhecia. Um mundo inteiro que ele fora ensinado a odiar.
A sessão de hoje tratara de alguns dos seus problemas de confiança — honestamente, não era onde ele achava que começariam, considerando a marca literal em seu braço, mas aparentemente era onde sua mente estava, e então ele fez uma piadinha sobre Andromeda e pronto, lá estavam eles.
— Por que você tem dificuldade de falar da sua tia de forma duradoura?
— Por que desconfia do comportamento dela, que você mesmo disse ser gentil e te fazer se sentir valorizado?
— Já considerou falar com ela sobre esse medo?
Ele mal conseguiu se segurar para não explodir com seu curandeiro mental. Então agora, enquanto Draco marchava em direção às masmorras da Sonserina, tudo o que queria era que todos ficassem bem longe para que pudesse se deitar no escuro e se reconectar, reconstruir as defesas em volta dos sentimentos esgarçados e expostos.
— Draco!
Pelo amor de Salazar.
— Agora não, Granger — ele disse em voz baixa, tentando desesperadamente não estourar com ela, de modo que sua voz saiu como um zumbido grave.
— O que houve? — ela perguntou imediatamente, acompanhando seus passos.
— Tudo. Me deixa em paz — ele rosnou, ainda marchando com propósito rumo ao seu refúgio.
Ao menos, estava marchando até que a mão dela se estendeu e agarrou seu braço.
— Pelo amor de Merlin, Granger! — ele sibilou, tentando puxar o braço de volta, mas o aperto dela era firme.
— O que. Foi. Que. Houve? — ela disse devagar, como se ele fosse um idiota.
Ele explodiu.
— O que houve? Ah, Granger, se não houvesse nada de errado, você teria que abrir mão do seu projeto de caridade de reformar o Comensal de Morte danificado? Preocupada por não poder mais ser a heroína salvando o Sonserino triste? — ele praticamente gritou. Viu os olhos dela varrerem os arredores, provavelmente agradecida por não haver testemunhas do colapso dele para envergonhá-la. Sentiu o toque da magia enquanto ela conjurava um muffliato.
Ela ainda estava pensando nele, mesmo enquanto ele gritava com ela.
Ele não aguentava.
— Só para! Para com essa merda! — ele berrou, e a empurrou o suficiente para que a expressão dela mudasse e o cabelo começasse a estalar com magia — pronta para lutar.
Ótimo, pensou Draco, ele queria lutar. Amava quando ela lutava.
— Parar O QUÊ, Draco!? Você está gritando absurdos pra mim e eu não tenho ideia, nem um vislumbre, do que eu fiz! Então o que é que você quer que eu pare? — ela gritou de volta, punhos cerrados.
— De fingir que se importa comigo!
Granger congelou. Ele arfava, quase sem fôlego, mas ainda não tinha terminado.
— Olha, a cura mental é ótima pra te fazer olhar pra sua vida e sabe o que acontece de novo e de novo? — ele estava se preparando para um bom e longo discurso, despejando violência e fúria, mas ela o interrompeu.
— Você acaba ferido pelas pessoas em quem confia para cuidar de você — ela completou, com naturalidade.
Draco piscou, pego de surpresa.
— Até mesmo sua mãe, embora não fosse intencional; ela adoeceu e também te feriu.
— Você é uma maldita sabe-tudo — ele disse rouco, a raiva já tendo atingido o auge sem ter mais onde se derramar, como uma daquelas ondas que parecem que vão arrebentar na praia, mas só se acomodam suavemente de volta ao mar.
— Já me disseram isso — ela respondeu, dando um passo à frente. — Então agora, você está me atacando, tentando me fazer te abandonar ou te machucar ou qualquer outra merda que você inventou nessa sua cabeça dura, onde acha que nossa amizade é uma coisa unilateral minha, um projeto de piedade pra me manter ocupada — ela terminou, agora quase peito com peito com ele.
Ele ainda respirava com dificuldade e agora ela estava perto e aquele cheiro de baunilha que o fazia querer derreter estava invadindo seu nariz e agora ele não sabia mais o que pensar. Era demais, tudo, tudo demais. Ele fechou os olhos, tentando cortar ao menos um dos sentidos e recuperar algum controle.
— Vai ficar sozinho, desculpa por ter insistido — ela disse suavemente, e os olhos dele se abriram num estalo. — Você disse “agora não” e eu não ouvi. Mas mais tarde, espero um pedido de desculpas por ter gritado comigo e duvidado de mim, porque eu não merecia isso — Hermione concluiu, algumas lágrimas se formando nos olhos, e Draco murchou.
— Não, essa parte você merece agora — ele engasgou, e ela repousou uma mão em seu bíceps, esfregando suavemente de cima para baixo, reconfortante.
— Talvez, mas eu espero — ela respondeu com um sorriso tenso. — Vai. Estarei na biblioteca depois, se você estiver pronto.
Ele fugiu — covarde que era — e assim que chegou ao seu quarto, rastejou até a cama e nox’ou as velas, mergulhando o aposento subterrâneo na escuridão total. Draco soltou um suspiro, a tensão que vinha se acumulando dentro dele se dissipando aos poucos.
Às vezes, ele odiava que os lados na guerra fossem chamados de Luz e Trevas. Sim, claro, era um ótimo símbolo, criava um dualismo marcante e tudo mais, mas apesar de todo o sofrimento que o regime odioso de Voldemort causara a ele e aos outros, a escuridão era sua companheira em tudo aquilo.
Somente no escuro ele podia deixar cair a máscara. Somente no escuro ele podia chorar suas lágrimas silenciosas. Somente na maciez da escuridão ele podia descansar. Somente no escuro, no preto absoluto da noite, ele podia ver as constelações que lhe traziam consolo, podia começar a fazer sentido da confusão que era sua mente.
Foi por isso que, depois de não saber quanto tempo havia se passado, ele enviou uma nota para Granger, encantando um pedaço de pergaminho em forma de cobra, pedindo para que ela viesse até ele.
Ela veio, e Draco fechou os olhos para se proteger da luz do corredor quando ela entrou.
— Onde você está? — Granger perguntou suavemente, e ele a guiou com a voz até a cama. Granger se deitou ao lado dele, ficando ombro a ombro.
Com a voz baixa, Draco pretendia começar seu pedido de desculpas, mas em vez disso acabou soltando suas observações sobre a escuridão.
Hermione respondeu:
— Isso faz certo sentido, suponho. Eu costumava ter tanto medo do escuro quando criança — para mim, não havia nada mais aterrorizante do que não poder ver o que poderia vir na minha direção...
— Controladora — ele acusou de leve, usando um termo que Sadie o chamava várias vezes. Granger soltou uma risada suave.
— Exatamente. No escuro, eu não tinha como controlar ou me preparar para o que pudesse estar tentando me atingir. Eu até dormia com uma luz noturna por anos, e só em Hogwarts consegui me livrar disso.
— Para mim, a luz era toda sobre controle — Draco respondeu, sentindo-se seguro sob o manto da escuridão para admitir essas coisas a ela. — Ser sangue-puro e um Malfoy era tudo sobre controle. Nós éramos os mais poderosos, e tudo girava em torno de manter ou superar o que já tínhamos. Mais dinheiro, mais influência, mais pureza. Mesmo com meus supostos amigos da Sonserina, sempre havia uma corrente subterrânea de saber que eles queriam algo de mim ou tomar meu lugar, achar minha fraqueza e destronar minha família.
— Não é de se admirar que você fosse um idiota — Granger murmurou, e foi a vez de Draco rir.
— Eu ainda poderia ter sido menos idiota — ele admitiu com um sorriso, depois balançou a cabeça. — No escuro, eu podia parar de lutar. Parar de pensar em cada maldita coisa que era dita, que era insinuada. Eu podia simplesmente... respirar.
O mindinho dela se entrelaçou com o dele, e ele relaxou ainda mais sobre o colchão.
— Me desculpa, Hermione — ele confessou, usando o nome dela como ela teimosamente havia passado a usar o dele meses antes. — Eu estou com medo. Estou tão cansado de ter medo, mas estou. Tenho medo de confiar na minha liberdade, quando o Wizengamot ainda precisa revisar meu período probatório. Tenho medo de confiar na Andromeda, medo de me acomodar e ela me machucar como a Bella ou meu pai ou, pior, que eu machuque ela, como com a minha mãe — sua voz falhou, mas ele continuou. — Mas mais que tudo, eu tenho medo de você. Medo de como você me faz pensar, como sempre me fez pensar mesmo quando eu era estúpido demais pra seguir esses pensamentos. Medo de como você me faz sentir, como se eu pudesse ser feliz, como se eu talvez fosse digno de felicidade. Porque depois de tudo... — lágrimas escorriam por seu rosto agora e sua garganta idiota precisava ser limpa — depois de tudo que você suportou, tudo que eu fiz com você, você...
A mão dela se fechou completamente sobre a dele, e isso lhe deu força para continuar encontrando palavras.
— Você sorri pra mim e não é manipulador nem vem com segundas intenções. É brilhante e real e isso me encanta de um jeito absurdo, e aí eu percebo que quero que sempre faça isso, e isso é apavorante, Granger, porque eu sou um desastre. Fui um fracasso de filho, de Comensal da Morte, e mesmo que no fim tenha sido bom eu ter decepcionado meu pai e o Lorde das Trevas, eu fracassei em ser uma porra de uma pessoa decente. Eu... Merlin, Granger, eu fiz minha mãe gritar de pavor e a segurança dela era meu único objetivo durante toda a maldita guerra. Eu só queria que ela ficasse segura e um dia fosse feliz — era tudo que eu queria, e eu falhei com ela também.
— Você não falhou — ela disse suavemente ao lado dele.
— Essa é a outra coisa assustadora sobre você! — ele acusou, sentando-se para assoar o nariz agora completamente cheio e escorrendo. — Você... acredita em mim. Você diz que nem tudo foi minha culpa, você não... quer dizer, você nunca poupou palavras quando eu fiz merda, mas você me olha como se eu... — ele engasgou de novo, enterrando o rosto nas mãos, grato além das palavras pela escuridão que escondia sua humilhação.
— Eu poderia te amar, Granger. Eu poderia amar o jeito como você se ilumina quando fala de livros, e o jeito como seus olhos brilham quando está defendendo uma causa justa, ou o jeito como seu cabelo parece ter vida própria quando você está brava. Eu poderia amar o jeito como você ri das minhas piadas que nem são tão engraçadas assim, Granger, e eu poderia amar o jeito como você praticamente cuida das crianças e do Reginald, e eu poderia destruir o que restou de mim se fizesse isso — ele terminou, ofegante.
Ela se mexeu no escuro, ele sentiu o colchão ceder e logo ela estava ajoelhada ao lado dele, procurando pelas mãos dele.
— Você acha que eu não estou com medo também? — Granger perguntou em voz baixa. — Eu sempre fui demais — inteligente demais, irritante demais, focada demais, ambiciosa demais, direta demais, leitora demais, trouxa demais pro mundo bruxo, bruxa demais pro mundo trouxa. Eu sempre fui demais, e pela primeira vez, Draco, eu sinto que não preciso me diminuir. É irônico, na verdade, porque antes você se esforçava tanto pra me diminuir, mas agora... Deus, com o Rony, eu conseguia ver, o ressentimento de partes de mim como minha dedicação aos estudos, como se fosse algo que ele precisava tolerar ou superar. Algo que ele gostava em mim apesar disso, sabe? Mas você... você me fez ranquear meus livros favoritos e realmente escutou até o fim. Você zomba das minhas esquisitices mas não tenta apagá-las; você vê que o tagarelar faz parte do meu cérebro que você gosta, ou que eu te empurrar pra falar quando você não quer é parte da minha dedicação com quem eu amo. Eu nunca senti que sou demais pra você, e isso é assustador, Draco, porque... e se estivermos errados?
Draco esperou em silêncio, sabendo que ela ainda não tinha terminado.
— Mas... mesmo que a gente decida escolher só a amizade e não a parte onde poderíamos nos amar, realmente... realmente, verdadeiramente, nos amar — a voz dela falhou ali e o coração dele deu um salto — o amor é inerentemente arriscado. Faz parte do pacote. Eu passei os últimos sete anos amando o Harry como o irmão que nunca tive e vendo a vida dele ser ameaçada mais vezes do que consigo contar. Eu amo meus pais e eu os obliviava, mandei eles embora pra mantê-los seguros e isso me despedaçou. Eu os recuperei, mas podia ter sido irreversível. Eu olho pra cuidar de você pelo retrovisor e dói tanto ver você com tanta dor — ela fungou, agora chorando de verdade.
Ele conjurou outro lenço e entregou a ela enquanto ela continuava.
— Mas vale a pena. Amar mesmo quando pode dar errado, mesmo quando não dá, mas o mundo atrapalha.
— Agora você tá pregando — ele interrompeu, e Hermione riu.
— Você precisava ouvir! — ela insistiu e ele bufou em provocação.
— CDF.
— Idiota!
Ele se jogou sobre ela, envolvendo-a com os braços e puxando-a para que ficasse deitada nos braços dele, e a risada dela o deixou quase eufórico.
— Granger — ele começou, mas ela o socou no ombro.
— Ah, qual é, sério? Um discurso de “eu poderia te amar” mas não consegue se comprometer com meu primeiro nome? — ela provocou e ele suspirou dramaticamente.
— São muitas sílabas, mas tá bem. Hermione — ele se concentrou ao dizer o nome dela, puxando-a um pouco mais para perto — Eu só... tenho tanto medo que você vá se arrepender disso. Se arrepender de mim. Perceber que todos estavam certos, que eu sou um monstro, um Comensal da Morte, um lixo, patético, ruim e...
— Eu vou azarar a próxima pessoa que te chamar de qualquer uma dessas coisas e vou agendar uma visita a Azkaban pra matar seu maldito pai — Hermione murmurou, e ele congelou.
— Isso. Isso é o que é assustador, porque é bom demais pra ser verdade — ele concluiu, voz rouca. Ela pausou, avaliando por um momento, antes de falar de novo.
— Olha, Draco, eu... seja lá o que a gente puder ser, eu não acho que você esteja pronto ainda.
Ah, aí está. Nem demorou tanto pra ela perceber que eu não...
— Porque eu nunca vou parar de acreditar em você e na sua capacidade de ser o homem gentil, espirituoso, cuidadoso que você é, mas você ainda não acredita. E eu não posso ser a única — ela encontrou o cabelo dele na escuridão, puxando de leve. — Mas eu serei sua amiga. Eu estarei bem ao seu lado, torcendo por você até que esteja pronto. Porque eu acredito. Acredito em você.
Draco enterrou o rosto no cabelo dela, se afogando no cheiro dela, relaxando no abraço.
— Isso parece certo — ele sussurrou, surpreso com o alívio que foi ouvir isso. Isso era crescimento? Ouvir um “ainda não” e não fazer birra?
— Ótimo — ela respondeu, e ele sorriu, embora ela provavelmente não pudesse ver.
— É.
— Amigos?
— Eu ainda prefiro Parceiros na Proteção de Pré-Adolescentes Problemáticos, mas tudo bem.
— Pfft, desde quando você conhece o termo “pré-adolescente”? — ela riu, e Draco deu uma risadinha.
— Sadie se cansou de eu chamá-la de criança o tempo todo e me informou com toda pompa que era uma pré-adolescente. Ela se arrepende, naturalmente.
— Naturalmente.
Março chegou e logo a primavera tentava romper o aperto firme do inverno sobre os terrenos. O C.O.N.K. continuava se reunindo, o paladar de Reginald se expandia e ele crescia até se aproximar da altura adulta de um metro. Sua elocução melhorou tanto que ele passou a falar em frases completas e conseguia pronunciar todos os sons do inglês com perfeição. Sadie lamentou a perda de seus adoráveis padrões de fala, e Granger insistiu até que Draco admitisse, com relutância, que a fala de Reggie era fofa e não sinistra.
Draco ainda era frequentemente um desastre rabugento em torno das sessões de cura mental, mas Granger agora sabia deixá-lo esfriar no escuro antes de tentar oferecer um ouvido ou um ombro. Ele havia tido uma conversa com Sadie explicando que ele a procuraria para as visitas ao Reginald porque nunca queria descontar nela quando estivesse processando algo difícil, então por favor, que o deixasse tomar a iniciativa após as sessões. Ela concordou prontamente e manteve os outros longe também.
De vez em quando ele ainda se sentia preso pela névoa, mas, na maior parte do tempo, ela havia sumido e, aos poucos, Draco começou a fazer as pazes com seu passado. Ele começara a escrever de forma apropriada para sua tia novamente e finalmente abrira o presente de Natal de Andromeda, que o fez chorar em silêncio. Era uma foto emoldurada dela, Bellatrix e Narcisa quando eram jovens, antes da loucura de Bella e antes de seu pai começar a corroer sua mãe. Nela, o sorriso de lado de Narcisa era idêntico ao de Draco, e seus olhos brilhavam. Ele não tinha palavras para expressar sua gratidão.
Ele também abrira o presente de Granger e rira até as lágrimas voltarem a escorrer de seus olhos ao ver a monstruosidade horrenda de uma peça de roupa que ela lhe tricotara. Quando a vestiu para a ida diária ao cercado, todos riram tanto que mal conseguiam respirar. Reginald ficou radiante com seus suéteres combinando e Hagrid insistiu em tirar uma foto. Draco não sorriu.
Sadie lhe enviara um furby, ele descobriu, quando abriu seu presente final. Era tão, tão pior do que um puffskein e, ao contrário de seu Draco, que teve a decência de fugir durante a noite após apenas algumas semanas, este não iria embora. Vez após vez, Draco tentou: a) jogar no lixo, b) desaparecer, c) incinerar, e d) espancar a monstruosidade, antes de descobrir que Granger havia encantado o brinquedo com um feitiço de indestrutibilidade. Sadie, Ella e Hermione choravam de tanto rir enquanto ele reclamava e berrava com elas, mãos nos quadris. Por fim, ele o transfigurou em um balão e o deixou flutuar até o teto da sala comunal antes de bufar e sair pelo buraco do retrato.
Era um dia ensolarado, mas ainda frio, no final de março, quando Draco se encontrou no cercado com Hermione, apoiado na cerca de madeira e inclinando o rosto para o sol. Granger estava lendo, empoleirada na mesma cerca, desligada do mundo. Seus quatro delinquentes haviam ganhado detenção por travessuras na estufa e, portanto, estavam apenas os dois e o erkling.
Reginald parecia abatido, o olhar voltado para o chão, e nenhum chilreio podia ser ouvido. Percebendo que Granger estava absorta em seu livro, Draco se impulsionou para fora da cerca e fez sinal para que o erkling o seguisse. Conjurando uma manta, Draco se sentou e deu tapinhas no chão ao seu lado para que Reginald se juntasse a ele.
— Manda ver, Reggie — foi tudo que disse, e o erkling praticamente se encolheu sobre si mesmo.
— V-você tem que se livrar de mim — confessou Reginald com pesar.
Draco piscou uma vez. Duas.
— Desculpa, o que você disse?
Reginald fungou.
— Você estava certo. Eu sou um monstro — disse, e então deu um chilreio desanimado, encolhendo as perninhas sob o suéter horroroso.
Draco suspirou.
— Olha, Reg, eu disse isso porque até você aparecer, os erklings não eram conhecidos por comerem nada além de pessoas — especialmente crianças. Para uma vaca, eu sou o monstro — respondeu, amaldiçoando-se internamente. Claro, ele não sabia que Reginald tinha consciência ou personalidade na época, mas claramente havia machucado o pequeno erkling profundamente.
— N-não, eu... quando a gente estava brincando semana passada, a S-Sadie caiu e eu... eu... — fungou de novo — eu quis agarrá-la. Só por um momento, mas eu quis, e eu... eu pensei nela como comida — terminou num sussurro dolorido, as lágrimas começando a se acumular.
Draco fechou os olhos, soltando um suspiro carregado de dor. Reginald amava todos os seus humanos, mas fora Sadie quem o encontrara primeiro, e era com Sadie que ele mais havia se ligado.
— Eu não quero machucar amigos — choramingou Reginald baixinho, tomando cuidado para não chamar a atenção de Hermione, e Draco passou o braço por sobre os ombros da criaturinha de aparência élfica, puxando-o para um abraço. Sua cabeça em forma de galho ficou na altura do queixo de Draco enquanto estavam sentados, e ele quase arranhou o queixo dele com as extremidades.
— Quão intensa foi a vontade? — perguntou Draco, e Reginald enxugou as lágrimas e assentiu vigorosamente. Era por isso que o erkling o havia escolhido para confessar, afinal. Draco estava disposto a tomar decisões difíceis. Draco era o mais frio, o mais disposto a fazer o que fosse necessário para proteger quem amava.
Mesmo que isso significasse ser um monstro.
— Quase demais — confessou Reggie. — Eu tive que contar até vinte, como me ensinaram nas aulas de matemática mês passado, e recuar. Fingi que precisava ir ao penico pra escapar.
Draco soltou um suspiro.
— Ok. Ok, isso não é... isso não é ótimo, mas podemos trabalhar com isso.
Reggie piscou.
— O-o quê?
— Vamos ficar de olho nisso. Me avise se piorar.
— Mas... mas eu tive vontade de... — ele parou, confuso, os olhos enormes (e ainda adoráveis) buscando os de Draco.
Draco deu de ombros.
— Eu ainda tenho vontade de dizer sangue-ruim em vez de nascido-trouxa. Meus instintos ainda acham que é simplesmente a palavra que se usa pra nascidos-trouxas ou um insulto aceitável. Meus instintos ainda são de atacar quando estou irritado. Nossos instintos, nossos impulsos, me disseram, não são necessariamente culpa nossa ou mérito nosso. O que importa é o que fazemos com eles. Você decidiu não machucar a Sadie. Você venceu o seu instinto. Sua escolha, quem você está decidindo ser, é o que mais importa.
Reggie piscou, e Draco percebeu que talvez tivesse usado palavras grandes demais. Maldita cura mental e maldita Granger, o fazendo dar discursos longos sobre escolha e mudança.
— Er... se você acha que consegue controlar, estamos bem.
Reggie mordeu o lábio, os dentinhos afiados aparecendo.
— Tem certeza?
— Sim. Mas vamos contar pra Granger e Hagrid, e você não poderá ficar sozinho com eles por um tempo, tudo bem?
Reggie assentiu. Draco se levantou e Reginald também, e logo Draco tinha um erkling pulando em seus braços, agarrando-se a ele com força.
— Eu nunca deveria ter deixado eles começarem com os abraços — resmungou, dando tapinhas nas costas do pequeno enquanto ele chorava e chilreava.