Chapter 1: life doesn't wait.
Chapter Text
Pem! Pem! Pem
O barulho de um alarme soando em algum lugar despertou Mark. Não era o seu alarme, não podia ser, pois se lembrava de ter desligado-o na noite anterior. Preso no limbo entre estar acordado e estar adormecido, tentou identificar de onde o barulho estava vindo. Poderia ser o alarme de Chenle, seu colega de casa, ou o do vizinho no apartamento ao lado.
O som parou e imediatamente deixou de ser problema dele. Seu plano era virar para o lado e voltar a dormir, mas sua bexiga o impediu. Mark levantou devagar, se acostumando com a sensação de estar acordado, e saiu do quarto em direção ao banheiro.
— Bom dia — ouviu Chenle dizer de algum lugar, mas ainda não estava acordado o suficiente para responder.
Saindo do banheiro, porém, seguiu até a sala de estar para cumprimentar o amigo. O encontrou sentado no chão da sala, olhando algo em seu computador.
— O que está fazendo?
— Comprando ingressos pro show da Olivia Rodrigo — Chenle respondeu, sem desviar o olhar da tela. — Quer também?
Mark considerou. O relógio na parede marcava oito horas e treze minutos, muito cedo para decidir se gostaria de ir ou não no show de uma artista que ele não era fã.
— Quando é? — ele perguntou, então.
— Faltam exatamente 21 dias.
— E só abriu agora a venda dos ingressos?
Chenle demorou um pouco para responder, algo na tela travando seu raciocínio, quando pareceu resolver, disse: — Esses artistas de hoje em dia…
E a conversa acabou aí. Mark seguiu para a cozinha, procurando algo que pudesse comer de café da manhã.
— Você foi na padaria?! — perguntou, um pouco mais alto para Chenle ouvir.
— Estava fechada hoje! — Chenle respondeu na mesma altura. — Algo sobre um problema na família, o bilhete dizia que vai abrir amanhã.
— Tá bom!
Todo o pão na casa deles já tinha acabado e, de repente, Mark estava com uma preguiça enorme de fazer qualquer coisa. Voltou para a sala e se jogou no sofá, tirando seu celular do bolso.
— Você não vai trabalhar hoje? — Chenle perguntou.
— Tô de folga — Mark respondeu. — Acho que vou passear por aí, quer ir também?
— Não, vou trabalhar.
Assim seguiu o resto da manhã de Mark, ele tomou um café que Chenle passou para eles, voltou para o sofá e ficou por lá até sentir fome no horário de almoço.
Os dias de Mark eram todos iguais, ele entrava no trabalho às 14h e voltava às 22h, suas manhãs nunca tinham emoções, exceto quando ia à academia ou se aventurava no pilates. Na maior parte de seu tempo livre, trabalhava em sua tese de pós-doutorado, estando bem perto de concluí-la. Sexta-feira era seu dia de folga, seu fim de semana sempre começava mais cedo, e por isso ele era muito grato. Não costumava sair durante suas folgas, mas naquele dia em específico decidiu que deveria visitar um museu.
E foi assim que ele se viu em um museu praticamente vazio sexta-feira à tarde. Era uma exposição sobre literatura infantil, o tema de seu mestrado, então ele estava muito feliz de poder revisitar todo o seu conhecimento para entender cada obra ali exposta. Mark diria para qualquer um que perguntasse que ele não era uma pessoa que costumava frequentar museus e exposições, mas quando o assunto o interessava, era sempre o primeiro da fila.
— Com licença — ouviu alguém atrás de si perguntar. — Você é o autor desse?
Ele estava parado na frente de um livro sobre amizade entre animais há mais tempo do que havia percebido.
— Ah, não — riu um pouquinho, virando-se para o homem atrás de si. — Só achei interessante.
O homem tinha a mesma altura que ele e a cor lilás no cabelo. Ele estava vestindo preto da cabeça aos pés, mas levava consigo um sorriso gentil.
— Eu também — o desconhecido disse, dando uma boa olhada no texto complementar ao livro. — Eu gosto dessas exposições de literatura.
— Eu também! — Mark se animou. — O que é estranho, já que é o meu trabalho.
— Exposições?
— Literatura.
— Oh! Você escreve?
Mark já estava pronto para ir embora antes daquela conversa começar, mas agora estava animado de poder falar das coisas que mais gostava.
— Só artigos científicos — Mark respondeu, rindo e descansando o peso do corpo em uma perna só. — Eu sou professor.
— Legal! Você deve entender mesmo dessas coisas. — O homem balançou a cabeça, como se de repente se lembrasse de algo. — Qual é o seu nome mesmo?
— Eu sou o Mark — estendeu a mão —, e você é…?
— Eu sou o Hae…
Antes que ele pudesse terminar, porém, ouviram alguém dizer: — Mark?
Ao olhar para o lado, sorriu vendo um rosto conhecido.
— Jaemin! — exclamou, já a envolvendo em um abraço. — O que está fazendo aqui?
— Esse é meu! — ela apontou para o livro que Mark olhava antes. — Não me diga que você não leu quem era a autora.
Mark voltou o olhar para o texto e se surpreendeu ao ler “Na Jaemin” ali, escrito em letras garrafais.
— Meu Deus! Foi você! Meu amigo… — Quando Mark virou para apontar para o desconhecido que procurava o autor do livro, ele já não estava mais lá. — Ué.
— O que foi?
— Não, é que tinha um cara — Mark olhou ao redor, mas não o encontrou. — Deixa pra lá, devo estar com sono, tá livre pra ir tomar um café agora?
— Claro!
Adorava Jaemin. Ela também era professora na universidade onde lecionava e ele a considerava uma de suas melhores amigas, gostava dela o suficiente para não se sentir incomodado ao encontrar uma colega de trabalho no seu dia de folga. Ele podia considerar até que ela fazia parte de sua rotina, eles lecionam disciplinas complementares, dividem uma sala no instituto e sempre fazem o possível para ministrarem suas aulas o mais perto um do outro.
Jaemin era a pessoa mais perto de conforto que Mark tinha.
Exceto quando ela perguntava sobre sua vida amorosa.
— Já falei que não estou interessado nisso.
— Ah, qual é — Jaemin choramingou, deixando seu café na mesa. — Não tem ninguém? Nem uma boa moça interessada em se casar com você?
— Não — respondeu, sem elaborar mais, embora quisesse fazer muitos comentários.
— Um bom moço?
— Jaemin! — repreendeu. — Não tem ninguém.
— Hm… — ela cruzou os braços, parecendo pensativa. — Quando foi a última vez que você namorou, hein?
— Não faz muito tempo.
— Mentiroso! — Jaemin acusou. — Eu lembro exatamente quem foi porque você ficou todo xoxo quando ele foi embora.
Na mesa ao lado deles, uma criança que não devia ter mais que três anos derramou toda sua água na mesa e no chão, molhando um pouco o sapato de Mark. Ele nem se importou.
— Para, esse é um tópico sensível. — Mark suspirou, respondendo a amiga. — É, o Jeno foi meu último namorado, mas depois dele eu fiquei com outras pessoas.
— Você tem vinte e oito, Mark, o seu tempo de “ficar” já passou.
— Por que você disse isso como se vinte e oito fosse a média de expectativa de vida?! — ele perguntou, ofendido.
Jaemin riu e explicou: — Eu quero dizer que já passou da hora de você arrumar alguém para casar.
— Para de falar como se eu estivesse no fim da minha vida! — ele pediu. — Você é só um ano mais nova que eu!
Mark odiava aquele tópico, principalmente porque ele sempre acabava em Jeno. Ele não sentia mais falta de Jeno, não, já fazia três anos desde o término.
— Eu só tô dizendo.
— E você, hein? — Ele devolveu, na defensiva. — Quando você vai casar?
Jaemin olhou para ele com a sobrancelha arqueada, levou uma mão até o queixo como se estivesse pensando e Mark finalmente viu o anel brilhando no anelar esquerdo dela.
— Ele te pediu em casamento?! — perguntou, em um tom mais alto do que deveria.
O sorriso que Jaemin abriu, iluminaria uma cidade inteira.
— Alguns dias atrás — ela confirmou. — Estamos esperando um tempo para poder contar para as pessoas, mas já que você perguntou…
— Isso é ótimo, Jaem, parabéns! — Mark se levantou para abraçar a amiga.
— Obrigada, eu tô muito feliz. — Ela nem precisava ter dito, estava estampado em seu rosto.
Mark fez uma nota mental para lembrar de dar muitos socos em Chenle por não ter contado nada disso a ele. Ao voltar para seu lugar, percebeu que provavelmente estava gritando, pois muitos outros clientes do local estavam encarando-o.
— Eles odeiam ver uma mulher trans bisexual asiática vencendo — murmurou, arrancando uma risada bem alta de Jaemin.
— Você é muito besta.
E o resto da tarde seguiu assim, Jaemin contando todos seus planos para o casamento e se esquecendo completamente da vida amorosa de Mark. Ele tinha planos de visitar seu restaurante favorito e de assistir um filme no cinema, mas apreciava muito mais a companhia de Jaemin do que qualquer uma dessas coisas. Ele só tinha a agradecer.
[²]
Pem! Pem! Pem!
Mark acordou desnorteado, o mesmo alarme do dia anterior estava tocando novamente, ele só esperava que não fosse no mesmo horário. Então, como no dia anterior, o alarme parou sem que ele precisasse fazer nada a respeito, respirou aliviado. Poderia virar para o lado e voltar a dormir.
E foi o que fez.
Não sabia quanto tempo havia passado quando acordou de novo, se levantou devagar com a intenção de ir ao banheiro, mas parou ao ver Chenle calçando os sapatos perto da porta.
— Tá indo aonde? — perguntou, confuso.
— Trabalhar — Chenle respondeu, como se fosse óbvio. — Você não vai?
— Eu não trabalho hoje.
— Eu já estou atrasado, então vou indo — Chenle falou, se levantando. — Hein, você por acaso não quer ir no show da…
Mark parou de prestar atenção. Tentou se lembrar se Chenle já havia ido trabalhar no sábado alguma vez em sua vida, mas não tinha memória desse acontecimento. Antes que pudesse perguntar a respeito, porém, Chenle saiu de casa.
— Droga — Mark xingou baixinho. — Nem consegui falar com ele sobre o noivado.
Foi até a cozinha, mas não tinha pão, Chenle deve ter se esquecido de ir até a padaria, tomando essa como uma tarefa sua, trocou de roupa e saiu de casa em direção ao estabelecimento. Estava um dia lindo do lado de fora, tão lindo quanto o dia anterior, Mark se sentiu feliz por ter o privilégio de ter dias lindos uns seguidos dos outros.
Seu dia lindo ficou menos lindo quando parou na porta da padaria e leu o bilhete preso nela:
“Estamos fechados por problemas na família. Retornaremos às nossas atividades amanhã (13/04)”.
— Mas hoje é dia 13. — Mark murmurou para si mesmo.
Uma mensagem de texto em seu celular chamou sua atenção.
Jaemin: Ei, tá ocupado hoje?
Você: Nope, por que?
Jaemin: Tô expondo um livro meu aqui no Centro Cultural, vem ver.
Você: Outro???
Jaemin: Como assim “outro”?
Você: Ué, fui ontem ver essa exposição
Jaemin: Não, ela abriu hoje.
Você: Tá maluca, Jaemin? A gente até foi tomar café depois
Jaemin: Quem tá maluco é você, ontem a gente deu Sintaxe Gerativa juntos até às dez da noite.
Você: Pera aí.
Mark saiu do aplicativo de mensagens e olhou bem para a data que seu celular marcava. Sexta-feira 12/04. Ontem.
Você: Foi mal, acho que sonhei então. Vou sim, que horas te encontro?
[...]
Só podia ser sonho. Cara a cara com o livro infantil “A Zebra e o Leão”, Mark considerou a possibilidade de estar preso dentro de um sonho muito maluco.
— Mark!
— Eu já vi esse livro antes — ele disse, sem nem cumprimentar a amiga.
— O quê?
— Eu estive aqui ontem e vi esse livro.
Jaemin franziu o cenho e disse: — Impossível, ele só chegou aqui hoje.
— Sendo assim, estou tendo o caso mais severo de déjà vu da história.
— Olivia Rodrigo tem uma música assim.
— O quê?! — Mark riu, nervoso. — Jaemin, eu tô falando que já vivi hoje antes!
A expressão confusa continuou no rosto de Jaemin, ela não sabia o que dizer. Mark se compadeceu da sua dor e mudou de assunto:
— O que vai fazer depois daqui?
— Não sei ainda, estava pensando em ir jantar, mas você parece precisar de algo mais forte — ela analisou. — Quer ir tomar um café?
Mark pensou em responder “de novo?”, mas já não tinha certeza se isso tinha acontecido mesmo ou não. Concordou com a cabeça.
Estava apático. Observou, muito confuso, Jaemin pedir um caramel iced latte como o que pediu no dia anterior, escolher a mesma mesa, se sentar no mesmo lugar e começar o mesmo assunto. As respostas de Mark saíram no automático, ele não estava conseguindo se concentrar o suficiente para perguntar o que porra estava acontecendo ali.
— … ficou todo xoxo quando ele foi embora.
A esse ponto, Mark já tinha abraçado a ideia de que estava maluco. Tinha certeza absoluta que esse exato diálogo tinha acontecido no dia anterior, mas Jaemin parecia não se lembrar.
— Olha…
Na mesa ao lado deles, uma criança que não devia ter mais que três anos derramou toda sua água na mesa e no chão, molhando um pouco o sapato de Mark. Ele olhou para a criança como se ela fosse alienígena.
— O que foi? — Jaemin perguntou.
— É impossível você não se lembrar que isso aconteceu ontem — declarou, exasperado.
— Mark, ontem a gente deu aula o dia inteiro.
— Isso foi quinta!
— Sim, ontem, quinta-feira — Jaemin estava olhando para ele de um jeito estranho, falando devagar como se ele não conseguisse entender.
Piscando algumas vezes, Mark deu uma olhada ao redor. Não podia afirmar com certeza, mas achava que já havia visto todas aquelas pessoas, ontem, naquele mesmo lugar.
— A gente veio aqui ontem — ele insistiu. — Você me contou que está noiva.
Por instinto, a mão direita de Jaemin cobriu a aliança na mão esquerda e ela assumiu uma expressão chocada.
— O Chenle te contou?
— Não! — Mark exclamou. — Você me contou! Me contou ontem!
Ela balançou a cabeça em negação, como se não fizesse a menor ideia do que Mark estava falando. Exasperado, ele se levantou.
— Eu vou embora. Vou dormir e amanhã nada disso vai ser real.
E foi embora antes que Jaemin pudesse impedir.
[³]
Pem! Pem! Pem!
Mark não sabia se havia acordado ou se nem sequer estava dormindo. Não conseguiu descansar direito pensando no que havia acontecido — ou não — no dia anterior. Passou a noite toda pensando que finalmente havia perdido tudo e agora estava maluco.
O alarme parou sozinho. Ele ainda não sabia de quem era esse alarme, mas não estava com cabeça para voltar a dormir, então apenas se levantou e saiu do quarto.
— Bom dia — ouviu Chenle dizer de algum lugar, mas não estava prestando atenção o suficiente para responder.
Entrou no banheiro e encarou o próprio reflexo no espelho. Suas olheiras estavam bem profundas, fruto de um fenômeno que ele chamava de Metade do Semestre, não tinha muito que ele pudesse fazer sobre isso.
Saindo do banheiro, seguiu até a sala de estar para conversar com o amigo. O encontrou sentado no chão da sala, olhando algo em seu computador.
— O que está fazendo?
— Comprando ingressos pro show da Olivia Rodrigo — Chenle respondeu, sem desviar o olhar da tela. — Quer também?
Mark travou no lugar. Olhou para o relógio na parede: oito e treze da manhã. Impossível. Isso não podia acontecer com ele, não de novo.
— Você já não tinha comprado? — optou por perguntar, seguindo um caminho seguro.
— Nope, abriu hoje — Chenle sorriu. — Estou comprando para mim e pra Nana.
— Ah, que bom que você tocou no assunto! — Mark se animou. — Parabéns pelo noivado.
Chenle olhou para ele por alguns segundos, uma expressão indecifrável em seu rosto. Voltou sua atenção para a tela e disse: — Obrigado, não sabia que ela tinha te contado.
— Ela me contou ontem. — Ou antes de ontem, ele não sabia mais.
— Ela te contou sobre o noivado no trabalho? — ele perguntou. — Estranho, ela disse que ia te levar no restaurante favorito de vocês pra contar.
Não.
Mark pensou. Considerou. Perguntou: — Você foi na padaria hoje?
— Estava fechada — Chenle respondeu. — Algo sobre um problema na família, o bilhete dizia que vai abrir amanhã.
— Chenle, que dia é hoje?
Chenle demorou a responder, algo na tela do computador travando seu raciocínio, quando pareceu resolver, disse: — Sexta.
— Tem certeza?
— Absoluta, tenho que ir trabalhar daqui a pouco. — Chenle comentou. — Você não vai?
O dia de Mark acabou ali. Desligou seu celular e se trancou no quarto, se recusando a sair. Lidaria com as consequências disso depois.
[⁴]
Pem! Pem! Pem!
No quarto dia doze de abril daquele ano, Mark decidiu que faria tudo igual à primeira vez. Foi ao banheiro, conversou sobre Olivia Rodrigo com Chenle e foi para a cozinha.
Fez perguntas sobre a padaria e ouviu a mesma resposta de antes: Fechada por problemas familiares. Ok, estava esperando isso.
Não fez nada até o horário de almoço quando seguiu para o Centro Cultural. Olhou as obras expostas e esperou pacientemente Jaemin aparecer, ela apareceu, eles foram para o café.
Iced caramel latte. Sua vida amorosa. Água no seu sapato. Casamento.
Tudo exatamente como na primeira vez, nada mudou, ainda era sexta-feira doze de abril.
[⁵]
Pem! Pem! Pem!
Tinha um pássaro na janela de Mark. Um que ele viu no primeiro, no terceiro e no quarto dia e estava vendo de novo agora. Nos outros dias não viu porque não olhou para janela ao acordar. Se tentasse, conseguiria ouvir o barulho característico de Chenle saindo do banheiro e indo para a sala de estar ligar seu computador, os ingressos para o show da Olivia Rodrigo começariam a ser vendidos em breve. Do lado de fora, uma sirene, provavelmente da polícia, soou rapidamente como se a viatura estivesse em alta velocidade. Mark suspirou. Doze de Abril.
Estava ficando maluco. Não tinha nem ideia de como sair dessa situação, não sabia nem pra quem pedir ajuda, já tinha cogitado todas as ideias mais extremas, então, se levantou e escolheu caos. Encontrou Chenle na sala de estar, como sempre, e olhou para ele por três segundos antes de dizer:
— A Jaemin tá muito brava com você, ela me falou que quer terminar.
E foi ao banheiro sem mais explicações. Tomou banho, trocou de roupa, entrou no carro e foi até o Centro Cultural. Um vira-lata passou na frente de seu carro, um motorista bêbado quase bateu no poste de luz, uma criança tropeçou na rua e foi segurada pela mãe. Tudo igual ao primeiro dia.
A única parte boa daquele arranjo era que ele podia ver com mais calma cada obra na exposição sem ficar o dia inteiro perambulando por lá. Estava vendo um livro sobre boas maneiras quando, de canto de olho, viu uma sombra passar por ele, quando olhou melhor, viu que era Jaemin.
— Amiga!
Jaemin, que estava prestes a ir embora, pareceu chocada ao vê-lo lá, óbvio, ele não havia olhado o celular, logo, não respondeu às mensagens dela e não tinha como ela saber que ele estava lá, assim como no primeiro dia. Mark decidiu não pensar muito sobre isso, não era a primeira vez que fazia algo diferente.
— Oi! — Jaemin cumprimentou, sorrindo. — Você falou pro Chenle que eu quero terminar com ele?
Ele se segurou para não rir, colocou sua expressão mais surpresa no rosto e disse: — Não! Ele me disse que queria terminar com você e estava procurando uma desculpa.
— Ele ficou maluco?! — Jaemin exclamou.
Mark sorriu satisfeito e começou a guiar a amiga em direção ao café, no caminho para fora do Centro, ele disse “Essa é só amanhã” junto com o guarda do evento, arrancando um olhar confuso de Jaemin para ele, ele fez um sinal para ela deixar para lá e continuar falando. Eles entraram no café junto com a menina de cabelo rosa e o cara do café preto, como sempre. Sentaram-se na mesma mesa e Mark nem se incomodou em dizer — pelo que parecia ser a milésima vez — que não estava interessado em ninguém romanticamente.
Quando a criança derramou a água, Mark já tinha tirado suas pernas do caminho e, quando Jaemin anunciou alegremente seu noivado, Mark percebeu que viver o dia doze de abril estava se tornando rotina.
É isso que não pode acontecer.
[⁶]
Pem! Pem! Pem!
Mark acordou e imediatamente olhou a tela do seu celular. Sexta-feira, doze de abril, oito da manhã.
Ah. Que bom.
— Bom dia! — Chenle disse, quando ele saiu do quarto.
— Bom dia é o caralho — foi tudo que respondeu antes de entrar no banheiro.
Seu reflexo no espelho era o mesmo do dia anterior, suas olheiras profundas e os fios de cabelo no mesmo lugar. Mark suspirou cansado, já era a quinta vez que vivia o dia doze de abril.
— Pelo menos é o meu dia de folga — disse para si mesmo. — Imagina estar vivendo essa merda e ainda ter que ir trabalhar.
Com esse pensamento, saiu do banheiro e encontrou Chenle na sala, na mesma posição que o encontrou nos últimos dias.
— Show da Olivia Rodrigo? — perguntou, a voz bem cansada.
— Sim! — Chenle respondeu. — Quer ir também?
— Não.
E seguiu para a cozinha, pensando no que faria. Pelo que conseguiu coletar, podia fazer o que quisesse, não precisava seguir um roteiro. Podia encontrar Jaemin no Centro Cultural, podia ficar em casa, podia acordar na hora que quisesse, não importava. No dia seguinte acordaria e seria sexta-feira doze de abril novamente.
Estava preso em um loop temporal. Não sabia como e nem porquê, apenas estava preso.
— Chenle — chamou, saindo da cozinha. — Deixa eu te fazer uma pergunta.
— Hm?
Respirou fundo, pensando em como faria isso. — Você já assistiu “Feitiço do Tempo”?
Seu amigo nem se preocupou em olhar para ele, a atenção focada no computador, rebateu: — Aquele filme com o Bill Murray?
— Sim.
— Já vi, mas faz tempo.
Mark mordeu o lábio inferior, hesitando, mesmo assim perguntou: — O que você faria se estivesse naquela situação?
— Em um loop temporal?
— Aham.
— Hm. — Chenle pensou no assunto. — Eu pediria ajuda pro Jisung.
— Park Jisung? — Mark franziu o cenho.
— É, ele tá fazendo um projeto em física quântica com foco no tempo-espaço — Chenle contou, orgulhoso do melhor amigo. — Talvez ele não pudesse resolver, mas poderia ajudar com certeza.
— Papo reto…
Sem mais perguntas a serem feitas, Mark voltou ao seu quarto e pegou o celular, enviando uma mensagem de texto para Jaemin.
Você: Quer ir na casa do Jisung comigo hoje?
Jaemin: Por que nós iríamos na casa do melhor amigo do seu ex?
Você: Porque ele também é melhor amigo do seu atual.
Jaemin: E dai?
Você: Seria muito engraçado se você contasse pra ele sobre o noivado antes do Chenle.
Jaemin: O CHENLE TE CONTOU SOBRE O NOIVADO?
Você: Te explico tudo quando a gente se encontrar
Jaemin: Te vejo lá.
Batidas na porta o fizeram largar o celular assustado, nem precisou se levantar para abrir a porta, pois Chenle não esperou ser convidado.
— Como você sabe sobre o noivado?
Já esperando aquela pergunta, Mark deu de ombros e respondeu: — Adivinhei.
[...]
Eles estavam esperando que Jisung não fosse entender bem o que estavam fazendo na casa dele, logo, não se surpreenderam quando ele não os deixou entrar de primeira.
— A gente precisa conversar — Mark explicou. — Tanto eu quanto ela temos coisas pra te contar.
Jisung olhou para ele, olhou para Jaemin e seu olhar imediatamente desceu até a aliança no dedo dela. Óbvio que Jisung já sabia, era o melhor amigo.
— Entrem — ele permitiu, dando espaço para os dois entrarem. — Aceitam uma água?
— Não, obrigada — Mark e Jaemin disseram em uníssono.
Jisung pediu para que eles se acomodassem no sofá e fez o mesmo, sentando-se em uma poltrona ao lado.
— O que os traz aqui?
— Eu tenho que te contar! — Jaemin exclamou, já animada.
— Você está grávida? — Jisung tentou adivinhar.
Mark soprou uma risada e Jaemin semi-cerrou os olhos, indignada.
— É fisicamente impossível, mas foi um bom palpite — ela disse e levantou a mão esquerda. — Ele me pediu em casamento!
O sorriso de Jisung acompanhou o de Jaemin e ele logo a envolveu em um abraço de parabéns, desejando coisas boas para ela enquanto o fazia. Após o momento de felicitação, ambos voltaram a se sentar.
— E você, Mark? Também vai casar? — Jisung perguntou.
Ignorando o jeito que Jaemin murmurou “quem dera”, Mark se ajeitou no sofá e começou: — Posso te contar uma história maluca?
— Sempre.
— Cinco dias atrás eu acordei no meu dia de folga, conversei com o Chenle, fui em uma exposição de arte, encontrei a Jaemin e fomos tomar café para ela me contar sobre o noivado. — Mark disse e Jaemin abriu a boca para protestar, mas foi interrompida quando ele continuou: — No dia seguinte eu acordei, conversei com o Chenle, recebi mensagens da Jaemin me convidando para a mesma exposição que eu fui no dia anterior e quando eu chequei a data no relógio, era sexta-feira doze de abril, meu dia de folga.
Ele deu um tempo para Jaemin e Jisung conferirem a data do dia em seus telefones, mas não abriu espaço para perguntas, continuou:
— Tudo estava igual ao dia anterior. As pessoas, os diálogos, os locais. Igual — A cada palavra, Jisung parecia se interessar mais pela história. — No dia seguinte, quando acordei e olhei a data no meu celular, era sexta-feira doze de abril de novo. E de novo no dia seguinte. E de novo. E já faz uma semana que eu acordo de manhã e é sexta-feira dia doze de abril.
Jisung contemplou a história por alguns segundos: — Você está me dizendo que…
— Eu acho que estou preso em um loop temporal — confessou, se sentindo maluco de proferir as palavras em voz alta. — E eu não sei como sair.
Silêncio. Mark deixou Jisung e Jaemin processarem o que ele havia acabado de dizer.
— Ok — Jisung declarou. — Vem comigo.
Não esperou respostas antes de se levantar e sumir dentro da própria casa, Mark e Jaemin não tiveram escolha além de seguirem ele escada abaixo até o porão.
— Considerando que eu sou o seu Dr. Brown, eu preciso primeiro saber como exatamente isso está acontecendo — Jisung disse, procurando algo entre suas coisas.
— Doutor…?
— De volta para o futuro — Jaemin explicou e Mark concordou com a cabeça, ela sorriu, feliz por ser útil.
O porão de Jisung parecia mesmo ter saído de uma ficção científica. Caixas, máquinas, telas e tudo que Mark sempre imaginou que um cientista teria. Quando conheceu Jisung, anos atrás, já sabia que, se tivesse uma emergência científica, era ele quem deveria procurar, óbvio que ele nunca imaginou que o dia chegaria, mas agora estava agradecendo aos céus por ter colocado ele em seu caminho.
— Achei! — Jisung exclamou, tirando algo de uma das caixas.
— O que é isso? — Jaemin perguntou, curiosa.
— Isso aqui vai me dizer há quanto tempo exatamente o Mark está preso nesse loop.
— Como?
— Eu poderia te explicar — Jisung disse, se aproximando. — Mas, com todo respeito, duvido que você vá entender.
Mark não discordou, nunca foi um cara da física. Obedeceu quando Jisung pediu para que ele se sentasse e ficou meio nervoso quando ele configurou o aparelho e apontou para si, murmurando “hm” enquanto olhava para a tela. Jaemin, que sem dúvida alguma não estava entendendo nada, o acompanhou.
— Mais ou menos 100 horas atrás as suas, hm, partículas de tempo ficaram confusas e pararam de se renovar — Jisung tentou explicar da melhor forma possível, mesmo todos na sala sabendo que não era isso que tinha acontecido.
— O que isso quer dizer? — Mark perguntou.
— Quer dizer que alguma coisa que aconteceu entre às duas e cinco da tarde foi o gatilho dessa situação — respondeu, olhando para o relógio. — O que você percebe de comum em todos os dias?
— Hm… Excluindo o dia em que eu me recusei a sair de casa, a Jaemin estava em todos eles — sua amiga sorriu ao ser mencionada —, e ela está sempre vestindo a mesma roupa. O Chenle compra ingressos para o show da Olivia Rodrigo, a padaria está fechada. Se vamos a um café, uma criança derrama água no meu sapato e Jaemin me conta sobre o noivado. Em três ocasiões, incluindo a primeira vez, fui ver a exposição dela no Centro Cultural.
— Como você sabe que estou expondo lá?
— Jaem — Mark suspirou. — Não é a minha primeira vez vivendo hoje.
— Ah é.
— Interessante — Jisung murmurou. — Nada parece ser o fator em comum de todos os dias.
— Todos os dias de manhã um alarme que eu não sei quem é o dono toca por 15 segundos e depois para — Mark lembrou. — É isso que me acorda todos os dias.
— Você já tinha escutado esse alarme antes?
— Não.
— Hm.
— É o único fator em comum porque, depois disso, cada dia eu fiz uma coisa diferente — concluiu. — Só pra testar.
— E quando você frequentou o mesmo lugar mais de uma vez, as pessoas eram as mesmas?
— Sim. Se nós formos agora no café, vamos encontrar a criança da água, uma adolescente de cabelo rosa, um homem de terno pedindo um café preto e um casal terminando o namoro perto da janela.
Não era difícil perceber que Jisung estava tentando conter um sorriso, claramente fascinado com aquela história toda, Mark não podia culpá-lo, aquela era uma situação saída direta dos piores delírios do realismo fantástico, ele mal via a hora de escrever sobre isso e conseguia ver nos olhos de Jaemin que ela estava pensando o mesmo.
— Eu quero fazer uma pergunta burra, mas você não pode rir e nem me olhar como se a pergunta fosse burra — Mark disse, já envergonhado.
— Como é aquilo que vocês professores dizem? “Nenhuma pergunta é burra”?
Jaemin riu daquilo, Mark revirou os olhos.
— Quando eu assisti aquele filme, o protagonista tinha que mudar suas atitudes para sair do loop — começou, a voz diminuindo à medida em que ficava mais envergonhado. — Existe a possibilidade de eu ter que fazer isso também?
Jisung ponderou. Ele não tinha muita informação sobre o que estava acontecendo, então não sabia como resolver o problema de Mark, não descartaria nenhuma opção.
— Depende. Você é uma pessoa ruim?
Muito ofendido, Mark respondeu: — Eu não.
— Às vezes tinha algo que você precisava fazer da primeira vez e não fez — Jaemin sugeriu, de onde estava sentada. — E agora o dia está se repetindo até você fazer.
— Isso… meio que faz sentido — Jisung concedeu.
— Meio?
— Não exatamente, porque… — Jisung fez uma pausa, tentando encontrar as palavras para explicar.
Jaemin suspirou: — Só diz logo.
— Tá, acompanhem o raciocínio. O Mark pode fazer o que ele quiser, certo? — Os outros dois concordaram com a cabeça, ele continuou: — O equilíbrio do universo está preparado para qualquer coisa que ele decidir fazer, tudo que ele não fizer com a intenção de arruinar o mundo, pode ser feito. E, penso eu, que você não estava secretamente planejando romper o fio do espaço-tempo.
— Nope.
— Então, imaginem que o universo estava preparado pro Mark… Sei lá, vestir uma camisa verde no dia doze de abril, mas ele não fez isso. Não seria o suficiente para brincar com o tempo porque o universo também estava preparado para qualquer outra cor que ele decidisse vestir, até se ele quisesse sair pelado na rua, seria problema só dele. — Jisung fez outra pausa, para ver se os amigos estavam acompanhando.
— Então não tem como ter sido algo que eu não fiz? — Mark indagou.
A expressão no rosto de Jisung dizia “não exatamente”, mas ele se contentou em dizer: — Imagine que você devia vestir a camisa verde, mas uma voz do além mandou você não vestir e você obedeceu. Digamos que vestir a camisa verde era crucial para a descoberta da cura do câncer, mas você não fez por causa da voz misteriosa.
— Uma voz que não estava em equilíbrio com o universo? — perguntou Jaemin.
— Isso! Uma voz, que não deveria estar lá, impediu a descoberta da cura do câncer — Jisung concluiu. — Sendo assim, faria sentido você ter que viver o dia de novo e de novo até vestir uma camisa verde.
Mark piscou algumas vezes, processando, disse: — Então, algo que não era pra ter acontecido comigo, aconteceu, e agora eu preciso viver esse dia de novo e de novo até deixar de acontecer?
— Não! — Jaemin exclamou. — Algo que não devia acontecer te impediu de fazer algo, agora você precisa viver esse dia de novo até você fazer essa coisa.
— Mas o que é?!
— Eu sei lá!
Os três se encararam por um tempo, ninguém sabendo o que dizer em seguida. A solução para o problema de Mark podia ser qualquer coisa e eles não tinham tempo o suficiente para brainstorming.
— Volte aqui amanhã — Jisung pediu. — Bate aqui em casa, me diz tudo que eu acabei de te dizer e diz que precisamos pensar em uma solução.
— Você vai acreditar em mim?
— Eu acreditei hoje, né?
Bom. Sim. Mark nem tinha percebido que Jisung e Jaemin aceitaram sua história com tamanha facilidade, era muito grato por ter amigos e principalmente amigos que nunca foram céticos sobre nada.
[⁷]
Pem! Pem! Pem!
O suspiro frustrado que Mark soltou ao acordar deve ter sido ouvido por todos no prédio em que morava. Não deu tempo ao azar, porém, se levantou rápido, era um homem em missão. Ouviu o bom dia de Chenle enquanto seguia até o banheiro e conferiu a data em seu celular só para garantir. É. Doze de abril. Pela sétima vez.
Naquela manhã, não ficou para conversar com Chenle sobre Olivia Rodrigo, trocou de roupa — e vestiu uma camisa verde, só por precaução —, pegou as chaves do seu carro e começou seu caminho até a casa de Jaemin, se desse sorte, a encontraria antes dela sair de casa. Àquela altura, Jaemin era seu apoio emocional, não conseguiria enfrentar isso sem ela, mesmo que ela ainda não soubesse o que estava acontecendo.
No caminho, Mark parou no sinal vermelho e olhou para fora da janela. Estava parado na frente de um hospital, um bem chique que seu plano de saúde não cobria, Mark odiava hospitais, o lembravam ele. Um homem de jaleco apareceu atrás das portas de vidro do hospital, um homem que despertava certa familiaridade em Mark, mas estava sem óculos, então não conseguiu ver quem era. Melhor assim, não queria lidar com a inevitável descoberta de que pensava tanto em Jeno que estava começando a ver seu rosto em outras pessoas.
O sinal abriu, Mark acelerou.
Quando chegou à casa de Jaemin, teve a sorte de encontrá-la trancando a porta atrás de si, pronta para começar seu dia.
— Entra no carro! — Mark ordenou, assustando-a levemente.
— Mark? O que está fazendo aqui?
— Entra no carro, Jaemin!
— Mas eu tenho que…
— Vem logo, eu te explico tudo no caminho.
E, por isso, Jaemin era sua amiga favorita, ela só inclinou a cabeça para o lado um pouco, em óbvio sinal de confusão, antes de dar de ombros e entrar no veículo, jogando sua bolsa no banco de trás e se acomodando no banco do passageiro.
— Para onde vamos?
[...]
Ao abrir a porta e ver quem estava do outro lado, Jisung checou o relógio no pulso: oito e quarenta e sete da manhã, com a voz embargada de sono, tentou: — Bom d…
— Jaemin tá noiva e eu tô preso em um loop temporal — Mark interrompeu, indo direto ao assunto.
— Como você sabe que eu estou noiva? — Jaemin murmurou.
— Vamos pro seu porão para você conferir como o tempo está me afetando, ou algo assim, e eu explico tudo do início.
Dito e feito. Em uma releitura quase perfeita do dia anterior, Jisung usou aquele dispositivo em Mark e, quando estava convencido, ouviu Mark explicar tudo que ele próprio havia dito. Jisung fez algumas perguntas e respondeu outras de Jaemin, mas ao final da história o objetivo deles era claro: descobrir o que Mark precisava fazer para sair dessa situação.
— Você tinha algo importante para fazer no primeiro dia e não fez? — Jaemin sugeriu.
— Não, eu já até terminei de corrigir minhas provas — Mark respondeu, olhando para o chá gelado em seu copo.
— Você ia encontrar alguém? — perguntou Jisung.
— Também não.
Frustrados era pouco para descrever o estado dos três naquele momento. Nada que sugerissem parecia certo, até onde eles sabiam, era a primeira vez na história que alguém precisava lidar com aquilo.
— Você tá cansado? — Jisung perguntou, de repente.
— Muito — Mark respondeu, sincero. — No dia cinco eu inventei que o Chenle estava traindo a Jaemin.
— Você o quê?! — Jaemin exclamou, chocada.
— Foi engraçado por um tempo, mas quando eu percebi que no dia seguinte ninguém lembraria disso, fiquei triste.
Jisung murmurou: — É melhor que ninguém lembre. — Ao mesmo tempo em que Jaemin gritava: — Você estava brincando com meu relacionamento?
— Foi uma ideia melhor do que o que eu tinha planejado para aquele dia.
— E o que era?
Silêncio. O rosto de Mark assumiu uma coloração avermelhada, envergonhado com o tanto que aquela situação estava o afetando.
— Você ia se matar? — Jisung perguntou, como se estivesse lendo sua mente.
— O quê? — Foi Jaemin quem reagiu, parecendo ofendida por Mark.
— É comum em retratação desse tipo de fenômeno — Jisung disse, dando de ombros. — A pessoa afetada começa a pensar em soluções extremas para acabar com o loop.
Com uma voz baixa, como se algum jeito Jaemin não fosse ouvir, Mark disse: — Eu queria saber se ia acordar no mesmo dia como se nada tivesse acontecido.
O sermão que levou de Jaemin — e Jisung por consequência? — foi o suficiente para Mark nunca mais tocar no assunto.
[⁸]
Pem! Pem! Pem!
Quando o alarme soou naquela manhã, Mark nem se mexeu. Não tinha nenhum plano para aquele dia, ia fazer tudo no automático, por isso, se viu na porta da casa de Park Jisung às duas da tarde.
— Mark? O que você quer?
— Vem que eu te mostro.
E, assim, acabou dentro de seu próprio carro, narrando para Jisung tudo que ia acontecer no caminho com três segundos de antecedência.
— Cachorro — disse e esperou o cachorro passar, antes de seguir. — Bêbado no poste.
O barulho do carro freiando antes de bater chamou a atenção de Jisung que olhou pela janela, assustado.
— E… criança tropeçando na calçada — suspirou. — Na sua esquerda.
Jisung olhou bem a tempo de ver a criança segundo segurada pela mãe para não cair.
— Mark, o que está acontecendo?
— Espera, vai ficar divertido.
Ele estacionou na mesma vaga de sempre no Centro Cultural, mas não desceu do carro, Jisung também não.
— Aquele cara vai deixar o chapéu cair. — Apontou. — E aquela mulher perdeu as chaves do carro.
Aos poucos, Jisung começou a acompanhar, mesmo ainda achando aquilo loucura. Ele viu Jaemin do lado de fora com o celular na mão, Mark checou as horas no relógio e entregou o próprio celular na mão de Jisung.
— “Ei, tá ocupado hoje?” — Mark recitou, meio segundo antes da mensagem chegar em seu celular. — “Estou expondo um livro meu aqui no Centro Cultural, vem ver”.
Jisung franziu o cenho ao ver que Mark havia recitado perfeitamente as mensagens, ele abriu a boca para fazer perguntas, mas Mark deu partida no carro e saiu de lá.
— Para onde vamos agora?
— Você vai ver.
Jisung reconheceu o caminho de volta para a sua casa, mas Mark não chegou até lá, parou no sinal vermelho em frente a praça e apontou:
— Cachorro mordendo a criança. — Esperou acontecer, antes de apontar para o outro lado e dizer: — Mulher de vestido laranja horroroso.
Quando uma mulher desceu de um carro vestindo um vestido laranja bem feio, Jisung deixou o queixo cair em surpresa.
— Mark…
— Ainda não acabei.
O caminho até o café favorito de Mark foi silencioso, ele não tinha mais o que dizer e Jisung não estava conseguindo formular as perguntas que gostaria. Eles pararam na frente do estabelecimento e, dessa vez, Jisung nem se surpreendeu quando Mark adivinhou corretamente cada pessoa que entraria lá.
— Hm, ela não vem quando eu não estou junto — Mark notou, olhando para o relógio.
— Ela quem?
— A Jaemin.
— Pra onde ela vai?
— Acho que vou ter que descobrir amanhã.
— Ou você pode enviar uma mensagem para ela — Jisung sugeriu.
— Não, hoje estou testando se passar o dia sem me comunicar com ela muda algo.
— E mudou?
— Só vou saber amanhã.
[⁹]
Pem! Pem! Pem!
Nada mudou.
[¹⁰]
Pem! Pem! Pem!
No seu décimo dia doze de abril, Mark começou um diário. Escreveu três linhas até perceber que no dia seguinte tudo desapareceria.
Suspirou.
Só mais um dia doze de abril.
[¹¹]
Pem! Pem! Pem!
No décimo primeiro dia, quando o alarme tocou — não dentro de sua casa, Mark notou — já estava na porta pronto para sair. Decidiu que precisava forçar diálogos diferentes se quisesse descobrir o que havia de errado, por isso, às oito e quinze da manhã estava na casa de Jaemin dizendo:
— Eu acho que vou morrer.
— Como assim?
— Você tem que me ajudar.
— Vamos pra um hospital! — Jaemin exclamou, já pegando a bolsa.
— Não… — Mark hesitou. — Vamos para a casa do Jisung.
— Por que o Jisung? — Ela cruzou os braços. — Seu ex-namorado médico é outro.
Mark piscou na direção dela: — Você tá insinuando que o Jisung é meu ex?
— Não é?
— Claro que não! — Mark riu. — Eu namorei o melhor amigo dele, ia ser paia se eu tivesse namorado ele também.
— Você não devia pensar assim. — Jaemin fechou a porta atrás de si. — A pista tá salgada e o Jisung é uma boa pessoa.
— Namore com ele, então.
— Não posso, já estou muito bem comprometida com… — ela pareceu se tocar ali — … o melhor amigo dele.
— Tá vendo? Nada de Jisung, agora entra no carro para irmos ver ele.
[...]
— Você e o Mark namoraram? — Jaemin perguntou, assim que Jisung abriu a porta.
— O quê? Não! — ele olhou para Mark buscando respostas.
— Eu tentei falar pra ela, mas ela não me ouviu.
— Vocês vieram até a minha casa só pra me perguntar isso?!
— Nope, temos um problema — Mark disse, empurrando ele de leve para poder entrar na casa, Jaemin o seguiu.
— Se isso é sobre o Jeno, eu já aviso logo que…
— Não tem nada a ver com Jeno — Mark se interrompeu, parou, pensou e perguntou: — Como essa sua frase ia terminar?
— Se isso é sobre o Jeno, eu já aviso que ele não está aqui.
— Nós sabemos — Jaemin falou, se acomodando no sofá. — Ele foi embora há uns três anos.
— Ah — Jisung soltou, quase sem querer. — Vocês não sabem.
— Não sabemos o quê? — Mark pressionou.
Jisung soltou um suspiro audível, olhou no fundo dos olhos de Mark e disse: — Ele voltou.
— O quê?
— Ele foi transferido para um hospital daqui. Já faz um mês.
E o mundo de Mark caiu.
[interlude]
Era uma tarde de primavera como qualquer outra quando Jeno o deixou. Essa história soava bem mais dramática do que realmente era, mas não havia forma alguma de evitar, era um término. Mark e Jeno estavam felizes em um relacionamento há pouco mais de sete meses quando o e-mail chegou.
Desde que se conheceram, por influência de um amigo em comum, Mark sempre soube que Jeno aspirava coisas grandes, que ele tinha sido feito para coisas grandes. Quando o conheceu, ele já estava na metade do internato, e seus objetivos sempre estiveram abertos para todos verem: Lee Jeno seria cirurgião traumatologista, um dos bons, e trabalhava duro para isso.
No fatídico dia em que o e-mail chegou, Jeno não cometeu um único erro, nunca cometia. Ele informou Mark sobre a proposta de emprego, explicou todos os detalhes — residência em outro país, hospital de elite, grandes chances de ser residente chefe ao final do ciclo —, pediu para que ele desse sua opinião no assunto, discutiu suas opções com ele e o informou de sua decisão assim que a tomou.
Jeno fez tudo certo, mas isso não queria dizer que doeu menos.
A ideia do término partiu de Mark, após muito pensar e discutir com o namorado, os amigos e seu psicólogo, ele chegou a conclusão de que não aguentaria viver em um mundo onde Jeno era seu na teoria, mas nem tanto na prática. Sentiria falta dele todos os dias e essa saudade pioraria com a ideia de que Jeno ainda era seu namorado, ele só não podia tê-lo. Terminar com Jeno foi fácil, ele sempre foi uma pessoa prática, tudo que você quisesse dele era só informar e ele te diria se estava de acordo ou não.
— Você tem certeza? — Jeno perguntou, na ocasião.
Aquilo estava sendo devastador para Mark. Tendo o namorado deitado em seu peito, prestes a aceitar o término sem fazer perguntas, com as malas dele já feitas no canto do quarto, Mark pensou que fosse morrer ali mesmo.
— Tenho.
— Tudo bem — Jeno concordou, levantou a cabeça e deixou um selinho em seus lábios. Acrescentou: — Você ainda vai me levar no aeroporto?
— Óbvio, quero olhar para você o máximo que eu conseguir.
No fim das contas, a última visão que Mark teve de Jeno estava borrada pelas lágrimas que se acumularam em seu rosto quando ele disse “adeus” ao seu maior amor. No dia em que o mundo de Mark acabou, o céu estava azul, as flores tinham cores vibrantes e os pássaros cantavam.
[¹²]
Pem! Pem! Pem!
Doze de Abril. Doze vezes.
Naquela manhã, Mark não estava com vontade de levantar da cama, a ideia de que Jeno estava em algum lugar pela cidade parecia assustadora demais para ele. Não era como se ele ainda estivesse apaixonado por Jeno, não, já fazia mais de três anos desde o término deles, mas Jeno era como uma força da natureza, ele era inevitável.
Ainda mais para o pobre coração frágil de Mark.
De vez em quando, Mark gostava de se lembrar dos seus momentos favoritos ao lado de Jeno, mas essas sessões sempre acabavam com a terrível percepção de que todos os momentos que passou com ele eram especiais à sua maneira.
Chenle bateu na porta. Mark ignorou, virou para o lado e fechou os olhos. Naquela manhã, sonhou com o lindo sorriso encravado em seu coração.
[☆]
— Amanhã eu posso, hoje estou de plantão — Jeno disse, abrindo a geladeira. — Acabou o leite?
— Tem mais no armário. — Mark gesticulou vagamente. — Eu posso amanhã também, vou dar aula até às seis.
O barulho no balcão chamou a atenção de Mark, era Jeno deixando a caixa de leite em cima dele e o encarando fixamente.
— O que foi? — Mark perguntou.
— Nós deveríamos morar juntos — Jeno declarou, confiante.
— O quê?
— Nossos horários nunca batem — ele reclamou. — Se morássemos juntos, pelo menos nos veríamos com mais frequência.
Mark considerou. Eles estavam juntos há pouco mais de três meses, parecia cedo demais.
— Eu vou entender se você não quiser — Jeno disse, dando de ombros. — Não foi um convite, foi mais um comentário.
— Meu amor…
— E não precisa responder agora. — Jeno deu a volta no balcão e deixou um beijinho nos lábios do namorado. — Eu te amo, não importa onde você more.
— Eu também te amo, meu bem.
[☆]
Pem! Pem! Pem!
Doze de abril, treze vezes. A primeira coisa que Mark fez foi soltar um longo suspiro derrotado. Aquilo estava começando a ficar chato.
[...]
Pem! Pem! Pem!
Quatorze. Nada novo.
[...]
Pem! Pem! Pem!
Quinze. Nada novo.
[...]
Pem! Pem! Pem!
Dezesseis. Nada novo.
[¹⁷]
Uma brisa suave batia contra os fios de cabelo dele, fruto da proximidade que ele tinha do rio. A ponte estava vazia naquele horário, tarde da noite, um carro passava a cada 20 minutos, desde que Mark chegou lá, quatro carros já tinham passado. Ele não tinha nenhum objetivo em mente, apenas observava o rio correndo pensando se ele desaguaria em algum lugar próximo.
A água do rio nunca era a mesma, mas Mark tinha certeza que se voltasse lá no dia seguinte, seria.
— Moço, você não vai se jogar, né?
Olhando por cima do ombro, Mark viu uma garota que não podia ter mais de vinte anos parada atrás dele, o carro dela estacionado na frente do seu.
— Não vou — ele garantiu, voltando a olhar para o rio.
— Tem certeza? O que está fazendo aqui?
— Olhando. Procurando novas paisagens.
— Ah — a garota olhou ao redor, parecendo procurar algo. — Não se joga, tá?
— Eu não vou — Mark repetiu, soprando uma risada. Não era como se ele não tivesse cogitado a ideia, mas a descartou rapidamente.
— Que bom… — ela fez uma pausa. — Isso não vai resolver nada.
E Mark supôs que não, não ia resolver mesmo.
[...]
Pem! Pem! Pem!
Dezenove. Nada novo.
[...]
Pem! Pem! Pem!
Vinte e um.
Se o tempo estivesse correndo da forma correta, seria o dia do show da Olivia Rodrigo. Mark estava começando a considerar que talvez ela tivesse algo a ver com essa situação. Enfim, nada novo.
[...]
Pem! Pem! Pem!
Vinte e três. Nada novo.
[²⁴]
Antes do alarme tocar no vigésimo quarto dia, Mark estava debruçado em sua janela, esperando para ouvir de onde o som viria. Estava tão terrivelmente entediado que faria qualquer coisa para dar um ar de novidade aos seus dias. O relógio do seu celular marcava 7:59, a qualquer momento o alarme tocaria.
Estava muito mais animado com aquilo do que deveria, dada a situação, mas nem se importava, estava prestes a descobrir quem era o dono do alarme misterioso e, se tivesse sorte, poderia ir até lá descobrir o que de tão importante a pessoa tem para fazer pela manhã!
Céus.
Mark estava mesmo enlouquecendo.
Pem! Pem! Pem!
O alarme soou ao mesmo tempo em que uma dor muito forte atingiu a cabeça de Mark, fazendo-o fechar os olhos e levar a mão até ela. A dor era quase insuportável, de um jeito que fazia Mark querer bater a cabeça na parede, mas não o fez. A dor parou ao mesmo tempo que o alarme.
— Droga! Não ouvi quem era.
Sem mais ideias do que fazer durante o dia, Mark foi ajudar Chenle a conseguir os ingressos para o show da Olivia Rodrigo. Eles conseguiram de primeira.
Ótimo, no dia seguinte Mark ajudaria de novo.
[...]
Pem! Pem! Pem!
Vinte e cinco. Nada novo.
Exceto que, quando o sol se pôs, Mark teve a brilhante ideia de ficar acordado a noite toda para tentar forçar o dia a mudar.
[²⁶]
Pem! Pem! Pem!
O plano foi por água abaixo cedo demais, quando ele dormiu, mal era meia noite. Nada novo.
[²⁷]
Pem! Pem! Pem!
O alarme é do vizinho do apartamento 212, provavelmente.
Fora isso, nada novo.
[²⁸]
Pem! Pem! Pem!
Com um dia inteiro de mesma coisa pela frente, Mark entrou no carro e foi para a casa de Jaemin, sentindo falta da amiga, pois já fazia quatro dias desde a última vez que a viu.
— Nos vimos ontem, Mark — ela disse, entrando no carro. — Para onde estamos indo?
— Para a casa do Jisung.
— Por quê?
— Parabéns pelo noivado! — ele disse, mudando de assunto. Em seus testes, já tinha percebido que era melhor explicar as coisas se Jisung estivesse junto para tirar as dúvidas da amiga. — Eu vi a aliança no dedo dele hoje de manhã.
Percebeu também que era melhor para todos se ele fingisse que descobriu sozinho sobre o noivado, dessa forma, não comprometeria ninguém.
— Obrigada! A gente tinha planejado…
E estavam de volta ao roteiro.
Chegando na casa de Jisung, ele nem esperou o “bom dia” antes de ir entrando, se jogou no sofá, afastou as almofadas e olhou para os dois amigos ainda parados na porta.
— Estou preso em um loop temporal.
Explicar a história se mostrava uma tarefa cada vez mais fácil, ele estava começando a entender quais eram os pontos cruciais e onde os amigos sempre tinham mais perguntas, então agora tinha uma explicação quase perfeita para a situação. Ao fim do conto, eles desceram para o porão e, quando todos estavam satisfeitos e acreditando na história, Mark disse:
— Hoje é o meu vigésimo sexto dia doze de abril e, como não encontramos uma solução antes, imagino que eu esteja preso nessa para sempre.
Jisung riu, mesmo tentando segurar, e perguntou: — Então por que você está aqui?
Mark deu de ombros: — Estava entediado. — Se levantou. — Me oferece um pouco do chá gelado que você faz, por favor.
— Como você… — Jisung começou, mas percebeu no meio da frase. — Vem.
Os três subiram para a cozinha, Jisung serviu o chá e eles se sentaram ao redor da mesa.
— Ela vem toda vez? — Jisung perguntou.
— Só teve uma vez que eu não trouxe ela, mas foi quando eu estava testando a influência dela no loop.
— Por que eu venho? — Jaemin perguntou, tão curiosa quanto Jisung.
— Porque eu te amo e você é meu apoio emocional.
A resposta satisfez a todos, não tinham mais perguntas sobre Jaemin.
— Então… Você disse que estava entediado?
— Eu preciso de ideias novas, me ajudem! — Mark implorou.
— Você pode ir ao parque.
— Chato.
— Você pode ir ver a minha exposição no… — Jaemin começou, animada.
— Fiz isso nos dias um, dois, quatro, cinco, oito e quinze — Mark interrompeu. — É uma exposição linda.
Jaemin sorriu com o elogio, mas o sorriso logo sumiu ao perceber que não tinha mais ideias. Jisung, por sua vez, perguntou:
— Você pensou muito em morte desde que ficou preso?
— Consideravelmente — Mark respondeu, concordando com a cabeça. — Eu já li algumas histórias em que a personagem ficava presa no loop porque ela ou alguém próximo a ela morreu.
— E…?
— E eu sei que eu não morri ao fim do dia, mas…
— Você está se perguntando se alguém morreu e você ainda não sabe — Jaemin completou por ele.
— Isso.
— Mark, olha — Jisung pareceu pensar nas palavras certas para dizer. —, eu não acho que alguém que você ama esteja morrendo.
— Por que não?
— Acho que você já teria percebido. — Jisung considerou. — E normalmente quando esse é o problema, a personagem tem o poder de fazer algo para impedir, você não tem.
E lá se foi a teoria mais plausível que Mark tinha para aquela situação. Um silêncio desconfortável pairou sobre eles, até que Jaemin perguntou, baixinho:
— Você já fez tudo mesmo?
— Vivi o mesmo dia vinte e cinco vezes, nada mais me surpreende hoje.
E, em um timing digno de comédia, aconteceu. Batidas na porta assustaram Mark, ele olhou para a porta, olhou para os amigos, olhou para o relógio na parede e decidiu que, sim, deveria entrar em pânico.
— Espera — ele pediu ao ver Jisung se levantar. — É a primeira vez que isso acontece.
— O quê?!
— Já estive aqui neste mesmo horário umas mil vezes e ninguém nunca bateu na porta.
Os três encararam a porta assustados.
— O que isso quer dizer? — Jaemin perguntou, ofegante.
A pessoa do lado de fora bateu de novo, parecendo mais desesperada.
— Se escondam. — Jisung ordenou. — Não saiam até eu dizer que podem sair.
Mark e Jaemin concordaram e se esconderam em um lugar onde ficassem longe do campo de visão de quem estivesse na porta, mas ao mesmo tempo pudessem escutar a conversa. Jisung tirou os copos da mesa e correu para abrir, dando de cara com quem menos esperava naquele momento.
— Você precisa me ajudar — disse a voz inconfundível de Lee Jeno. — Eu acho que estou vivendo o mesmo dia em looping.
Ah. Ótimo. Era só o que faltava.
Chapter 2: and it kinda feels like the last chance to get it right
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
— Você precisa me ajudar — disse a voz inconfundível de Lee Jeno. — Eu acho que estou vivendo o mesmo dia em looping.
Ah. Ótimo. Era só o que faltava.
— Meu Deus — Jaemin sussurrou, mas logo se calou.
— Tipo… Groundhog Day? — Jisung perguntou.
— É — Jeno suspirou. — Eu posso entrar?
— Não! — Jisung respondeu, imediatamente. — Quer dizer…
— Não? — Jeno repetiu, chocado. — Como assim não?
— É que…. Eu não… Eu tô…
Mark e Jaemin se entreolharam, percebendo ao mesmo tempo que Jisung não conseguiria inventar uma desculpa para sair dessa situação. Jaemin soltou um longo suspiro e tirou a camisa que vestia e os sapatos que usava, ficando apenas com a saia e o sutiã.
— O que você tá fazendo?! — Mark sussurrou, desesperado.
— Nunca diga que eu não faço nada por você — ela falou, bagunçando os fios de cabelo.
— Jaemin! Ele vai lembrar disso amanhã!
— Então não esquece de me contar. — Ela respirou fundo. — Eu tô usando batom vermelho?
Mark nem precisou olhar para ela antes de responder: — Não.
— Ótimo.
Ela saiu de onde estavam escondidos e Mark prendeu a respiração. Aquilo não podia estar acontecendo, ele não queria que o ex soubesse que estava lá, ou pior, que estava na mesma situação que ele, mas também não queria que Jaemin comprometesse seu relacionamento por isso. Infelizmente, agora já era tarde.
— Jisung, o que você está escondendo de mim? — Jeno insistiu.
— Eu não… Eu…
Uma voz atrás deles assustou ambos.
— Ji? Por que está demorando tanto?
Pobre Jisung, mal teve tempo para processar o choque antes de Jeno o empurrar para o lado e dar de cara com Na Jaemin, usando pouquíssimas roupas, na sua sala de estar. Jaemin, por sua vez, era uma ótima atriz, Jisung pensou, ela parecia tão surpresa quanto Jeno de ter sido pega nessa situação.
— Lee Jeno?! — ela exclamou, procurando pela sala algo para se cobrir. — Desde quando você tá na cidade?
— Eu… — Jeno gaguejou. — Eu voltei… Jisung!
Jisung, que parecia tão surpreso quanto ele, deu de ombros e falou: — O coração quer o que o coração quer, mano.
— Ela é casada!
— Ainda não — Jaemin murmurou para si mesma.
— Nem era pra você saber disso! — Jisung exclamou, parecendo irritado de repente. — Por que você foi entrando na casa dos outros assim?
— Você é meu melhor amigo e estava agindo estranho, achei que tivesse se metido em confusão. — Ele deu uma boa olhada em Jaemin e disse: — Agora vejo que eu estava certo.
Antes que Jisung pudesse dizer algo que causaria danos irreparáveis para todos na sala, Jaemin disse: — Jeno, você pode nos dar licença? Só pra…
Jeno nem precisou ouvir tudo antes de dizer: — Fui! — e sair batendo a porta da casa.
Silêncio. Jaemin e Jisung se encararam, nenhum dos dois disse nada por cinco segundos até que, involuntariamente, os olhos de Jisung desceram pelo corpo de Jaemin e ele murmurou:
— Deus tenha misericórdia. — Virou de costas e disse: — Se veste, por favor.
Ele não precisou dizer duas vezes, Jaemin alcançou um casaco no sofá — que provavelmente era de Mark — e vestiu ao mesmo tempo em que o dito entrava na sala.
— Ele já foi?
— Acho que ele está esperando lá fora — Jisung comentou, ainda de costas. — Você pode sair pela porta dos fundos, mas a Jaemin vai ter que sair por aqui.
— Tudo bem — Jaemin disse, calçando os sapatos. — A gente se encontra na praça.
— Tá…
— Ei, antes da gente ir — Jaemin chamou. — Quando ele voltou?
Jisung deu uma espiadinha por cima do ombro para conferir se todos estavam devidamente vestidos e, quando garantiu que sim, respondeu: — Ele voltou mês passado, quase não saiu do hospital desde então, por isso ele ainda não procurou o Mark.
O coração de Mark ficou tão apertado que ele achou que estava infartando.
— É melhor a gente ir — disse com a garganta quase fechando. — Senão ele vai desconfiar.
E durante todo o caminho de volta para casa, Mark pensou em Jeno.
[²⁹]
Pem! Pem! Pem!
A primeira coisa que Mark fez ao acordar foi criar um grupo no aplicativo de mensagens com Jaemin e Jisung e enviar:
Você: o jeno acha que vocês tão se pegando. ajam como tal.
Jaemin: ?????
Jisung: ????
Você: nana vc vai ter que estar na casa do jisung entre às 11h e 11:15. sem camisa de preferência.
Jaemin: ??????????????
Você: tô preso em um loop temporal e aparentemente o jeno tbm. ontem pra escapar de uma situação vcs fingiram que estavam se pegando então agora vcs vão ter que sustentar isso até o fim. fiquem ligados para mais detalhes
E não olhou mais as mensagens depois disso.
Seguiu sua manhã normalmente, comprou ingressos para o show da Olivia Rodrigo, cogitou dirigir até a padaria da rua treze só porque já faziam vinte e seis dias desde a última vez que comeu pão e, quando decidiu que estava muito cansado para isso, foi tomar banho.
[☆]
A água caía sobre eles devagar na manhã em que decidiram ser perfeita para tomarem banho juntos. Mark adorava cada momento de intimidade que tinha com Jeno era sempre tão calmo e sensual e…
— Eu acho uma mentirada do caralho esses shampoos que dizem não arder os olhos — Jeno disse, lendo o rótulo do shampoo.
— É que geralmente é em shampoo para criança, né?
— Esse diz que não arde! — Jeno levantou o shampoo (infantil, diga-se de passagem) que ele tinha no banheiro. — Passa no olho pra ver.
— Por que eu faria isso?!
— Porque você disse que não arde!
— Eu nunca disse isso!
Jeno olhou para a embalagem de shampoo neutro em suas mãos, olhou para Mark, olhou para a água e decidiu: — Eu vou fazer.
— O quê? Não!
Mas já era tarde demais, ele já tinha colocado um pouco do shampoo na mão e estava levando ela até os olhos.
— Para com isso, Jeno!
Não levou nem cinco segundos até Jeno exclamar: — Aí! Arde!
— Óbvio, porra! — Mark exclamou, tentando não rir, ajudando o namorado a enxaguar o rosto.
— Amor! Me ajuda!
A essa altura Mark já estava rindo alto, gargalhando, ao ver os olhos vermelhos de Jeno. Ao se acalmar, perguntou: — Por que você fez isso?
— Queria ver se ia arder o olho da nossa filha — Jeno respondeu, ainda jogando água nos olhos.
— Nossa filha?
— É, um dia.
Mark segurou o rosto de Jeno e deixou um beijo apaixonado em seus lábios. O resto do banho foi bem menos caótico.
[☆]
A noite caiu e Mark estava prestes a se recolher ao seu quarto quando uma notificação em seu celular chamou sua atenção.
Jaemin: Lee Jeno olhou no fundo dos meus olhos e perguntou com qual cirurgião eu coloquei minha prótese. É bom um de vocês resolver isso. Rápido.
Jisung: E vai ter que ser o Mark pq eu acho que é só questão de tempo até o Jeno contar pro Chenle que ele é corno.
Você: se eu SOUBESSE como resolver eu já tinha feito.
Jisung: Descubra.
Você: ta. obrigado, a propósito. por terem fingido.
Com problemas além dele para resolver, Mark decidiu que precisava mesmo resolver essa situação. E, infelizmente para ele, só havia uma pessoa que podia ajudá-lo.
[³⁰]
Pem! Pem! Pem!
Mas isso podia ser problema para amanhã, certo?
[³¹]
Pem! Pem! Pem!
Hoje era o dia. Ele ia atrás de Jeno e ia resolver isso.
Mas antes ia comprar ingressos para o show da Olivia Rodrigo.
— Vai abrir daqui 10 minutos — Chenle informou. — Lembra, uma meia e uma inteira pista premium.
Ele não precisava lembrar Mark disso, passou os últimos vinte dias comprando esses mesmos ingressos, já era profissional, já sabia exatamente o que ia acontecer. Aí a campainha tocou.
— Puta que pariu — Mark soltou, pelo susto.
— Vai rápido ver quem é — Chenle pediu, os olhos vidrados na tela. — Daqui a pouco vão abrir os ingressos.
Só podia ser uma pessoa do outro lado da porta. Uma única pessoa que não seguia a mesma linha temporal que Mark estava vivendo. A mesma pessoa que causou a interrupção na sua bolha algumas rotações antes.
— Jeno? — E Mark teve a coragem de ficar surpreso ao vê-lo parado no corredor.
Jeno estava diferente do que Mark se lembrava. Seus braços pareciam maiores e não havia nenhum piercing visível em seu rosto — Mark se lembrava que ele costumava ter vários —, mas ele conseguia ver também algo que podia ser uma tatuagem subindo do colarinho da camisa que ele usava para o pescoço.
— Oi — Foi tudo que Jeno disse antes de capturar seus lábios em um beijo.
Aquilo foi inesperado. Até onde Jeno sabia, não se viam há mais de três anos e, de repente, ele apareceu na porta de Mark o roubando um beijo. Mark nem soube como reagir.
— O Chenle tá em casa? — Jeno perguntou, quando se separaram.
Mark concordou devagar com a cabeça, sua mente lotada de pensamentos, todos intitulados com o nome de Jeno. Se estivesse em juízo perfeito, teria impedido Jeno de ir até a sala de estar anunciar:
— A Jaemin tá te traindo!
Ah não.
— Oi, Jeno, bom te ver também — Chenle respondeu, ainda focado em sua tarefa. — Já te dou atenção, só espera eu comprar isso aqui.
— Chenle, a sua namorada está te traindo — Jeno repetiu, mais devagar dessa vez.
— Noiva — Mark corrigiu, sem pensar.
O queixo de Jeno caiu com a nova informação, Chenle ainda parecia menos incomodado com a informação do que com Jeno atrapalhando seus ingressos.
— Por que ninguém tá reagindo a isso?!
— Porque ela não tá traindo o Chenle.
— Tá sim! Eu vi com os meus próprios olhos!
— Quando? — Chenle perguntou.
— Ontem!
— Nope — Chenle discordou, clicando em algo na tela. — Vem, Mark, vai começar.
Mark obedeceu e voltou ao seu lugar na frente da tela do seu computador.
— Como assim “nope”? — Jeno indagou, exasperado.
— Ela deu aula o dia todo ontem — Chenle explicou.
— Verdade, eu estava lá.
Jeno levou as duas mãos até a cabeça e respirou fundo, parecendo se tocar só naquele momento que o “ontem” dele não existia para os outros na sala. Então, ele teve uma ideia brilhante. Enquanto Mark e Chenle comemoravam a compra dos ingressos, ele discou um número de telefone e colocou no viva-voz.
“O que é?” a voz de Jisung soou pela sala.
— Você tá pegando a Jaemin?
“Eu não! Ficou maluco?”
— Não precisa mentir pra mim, eu tô sozinho — Jeno insistiu.
“Cara, eu não sei de onde você tirou isso, mas eu respeito muito ela e o Chenle para tentar qualquer coisa.” Uma pausa. “E ela nem faz meu tipo”.
— Óbvio que faz! — Jeno exclamou, mas se arrependeu ao ver o jeito que Chenle estava olhando pra ele.
“Isso não importa. O que importa é que eu respeito ela e ela está muito feliz com o namorado dela”.
— Noivo — Mark corrigiu baixinho.
A ligação foi encerrada. Jeno cruzou os braços frustrado.
— Tanto faz, vocês nem vão lembrar disso amanhã.
Chenle perguntou: — Por que não? — Ao mesmo tempo em que Mark: — Por que veio, então?
— Eu sei lá!
— Ok, isso foi muito divertido, mas eu tenho que ir trabalhar — Chenle anunciou, se levantando. — Boa sorte com seja lá o que estiver acontecendo com você, Jeno.
E saiu. Deixando os outros dois sozinhos na sala. Alguns segundos de silêncio se fizeram presentes até que, em um ato de coragem, Mark perguntou:
— Você me beijou porque eu não vou lembrar disso amanhã?
— Sim — Jeno respondeu, sem hesitar. — E porque eu não te vejo há três anos e estava com muita saudades.
O coração de Mark acelerou, ele disse: — Você teria me beijado se soubesse que eu vou lembrar disso?
Dessa vez, Jeno pensou mais na resposta.
[☆]
A música alta e as luzes piscando eram uma distração muito bem-vinda na vida de Mark. O volume da música o impedia de pensar na sua tese de doutorado não finalizada. Ah, e o álcool. Também tinha álcool.
Mark olhou ao redor procurando os amigos pela festa. Chenle e Jaemin estavam desaparecidos, todos desconfiavam que tinha algo acontecendo entre eles, mas não podiam provar. E Renjun…
— Mark! Ei! — ouviu a voz do dito cujo o chamar.
— Oi?
— Esse aqui é o Jeno — Renjun apresentou, empurrando um cara na direção dele. — Ele é amigo do Jisung.
Jisung que, se Mark se lembrava corretamente, era o ficante favorito de Renjun e melhor amigo de Chenle.
— Oi — Jeno cumprimentou, quase gritando por cima da música.
— E aí! — Mark cumprimentou de volta.
— Eu vou indo encontrar o Jisung — Renjun anunciou. — Divirta-se!
Jeno era bonito e essa foi a primeira coisa que Mark reparou nele. Ele vestia preto dos pés a cabeça, mas era possível notar que esse não era normalmente seu estilo, ele segurava uma garrafa de alguma bebida alcoólica que Mark não conseguiu identificar o que era e tinha o sorriso fácil no rosto.
— Você quer?
— O quê? — Mark indagou, pensando ter perdido alguma parte da conversa.
— Se divertir — Uma pausa —, comigo.
E, durante muito tempo, Jeno se perguntou se Mark teria o beijado se soubesse que ele se lembraria disso no dia seguinte.
[☆]
— Não do jeito que eu fiz — Jeno respondeu, enfim. — Acho que temos que conversar.
— Mas não hoje?
— Quando você se lembrar.
— É o seu dia de sorte, então.
Jeno inclinou a cabeça pro lado, confuso e Mark perguntou: — Há quanto tempo você está preso no loop?
A pergunta pareceu pegar Jeno de surpresa, ele disse: — Como você…?
— Responda.
— Sete dias.
— Ah. — Agora Mark parecia surpreso. — Trinta e um pra mim.
Os olhos de Jeno se arregalaram: — Você também…?
— Yep. — Mark concordou com a cabeça. — E a Jaemin realmente não tá traindo o Chenle, fui eu que armei aquilo.
— Por dois dias seguidos?
— É, eu precisei de tempo para pensar.
— Pensar no quê?
— Se eu ia pedir ajuda pra você ou não. — Mark suspirou. — Mas eu não tive escolha.
Jeno pareceu pensar naquilo um pouco, antes de indagar: — Você sabe porquê estamos nessa situação?
— Não tenho nem ideia — Mark admitiu. — Mas deveríamos ir falar com o Jisung.
[...]
Jeno se viu sentado à mesa com seu melhor amigo, seu ex-namorado e a melhor amiga dele enquanto a história mais maluca do mundo era discutida.
— Por que você fez isso? — Jisung perguntou para Jaemin quando a história acabou.
Ela deu de ombros e respondeu: — Eu faria de novo.
— Por isso você me ligou hoje de manhã alegando que eu estava “pegando ela” — Jisung disse, fazendo aspas com as mãos.
— Só Deus pode me julgar — Jeno respondeu.
— Deixa eu ver se entendi — Jaemin chamou a atenção para si. — Vocês dois estão presos em um loop temporal juntos, mas nenhum dos dois sabe como ou porquê.
— Isso! — eles responderam em uníssono.
— Vocês já viveram esse mesmo dia trinta — ela apontou para Mark — e sete vezes — concluiu, apontando para Jeno.
— Isso!
— E o máximo que vocês, gênios, conseguiram pensar foi em vir até a casa do vagabundo do Jisung.
— Ei!
— Você estudou física, Jisung, todo mundo sabe que você está desempregado — ela disse, olhando para ele.
— Você fez literatura! — Jisung rebateu, seu rosto ficando vermelho.
— Ei! — Mark protestou, ofendido.
— Eu tenho um emprego e um lattes quase perfeito, e você?
— Eu…
Era uma cena triste de assistir. Todos na sala sabiam que Jisung jamais seria páreo para Jaemin em uma discussão, o tom de voz dela sempre ganhava mesmo se ela estivesse errada. O rosto vermelho e a dificuldade para falar eram provas o suficiente disso.
— Eu espero que em um desses dias que eles estão vivendo, você tenha se fodido muito — Jisung disse, então, a voz baixa.
Jaemin não apenas ouviu, como riu alto da declaração, antes de dizer: — E tomara que em um desses dias você tenha mesmo realizado seu sonho de me…
— Okay! — Jeno interrompeu. — Estamos perdendo tempo aqui.
Mark estava transtornado. Em nenhum dos dias Jaemin e Jisung tinham interagido dessa forma, ele estava tentando entender qual tinha sido o gatilho para esse comportamento quando Jeno sussurrou para ele:
— Pra mim eles sempre foram assim. — Como se estivesse lendo a mente de Mark.
E ele estava certo, não estava? A primeira vez que Jeno os viu juntos depois do seu retorno, Jaemin estava semi nua no sofá do amigo, foi uma situação orquestrada, mas difícil de esquecer. Jeno era o gatilho daquilo. Jeno, seu ex-namorado. Que estava preso em um loop temporal com ele. Olha, tem coisas que só acontecem com Mark Lee.
— O Jeno me beijou hoje de manhã — Mark soltou, sem pensar nas consequências.
Jaemin e Jisung olharam para ele horrorizados, como se ele tivesse acabado de confessar que matou as mães deles.
— Por que você contou pra eles?! — Jeno perguntou, exasperado.
— Eles vão esquecer amanhã!
— Do que adianta? Você não vai!
— Se não quisesse que eu lembrasse, não devia ter me beijado!
— Como eu ia saber?!
— Pausa! — Jaemin exclamou, interrompendo eles. — Você beijou ele?
— Eu estava com saudades — Jeno se defendeu, como se fosse coerente.
— Tantas saudades que não foi me ver em um mês.
— Já faz um mês que você voltou? — Jaemin indagou.
— Tecnicamente, dois meses pra mim — Mark murmurou.
— Seus trinta dias não contam porque são o mesmo dia — Jisung rebateu, defendendo o amigo.
— Eu não tive tempo de sair do hospital! — Jeno exclamou. — Eu só percebi que estava em loop na quarta rotação!
Os outros três na mesa franziram o cenho. O quê?
— Você só percebeu que estava vivendo o mesmo dia depois da quarta vez? — repetiu Jisung, abismado.
— E só no final do dia… — Jeno teve a decência de parecer envergonhado. — Olha, eu tô trabalhando sem parar há um mês, me perdoem se, depois de um tempo, eu não consigo mais me lembrar de todos os rostos dos meus pacientes.
Jaemin concordou devagar com a cabeça e perguntou o que todos queriam saber: — E como você percebeu?
— Perfuração incomum no fígado causada por uma faca de cozinha — ele respondeu, baixo, como se outra pessoa além deles fosse escutar ele discutindo diagnósticos de seus pacientes. — A gente não ficou sabendo como aconteceu, então enquanto meus colegas e eu estávamos criando teorias, eu disse “e já é a quarta vez seguida, parece uma conspiração.” e eles não tinham nem ideia do que eu estava falando.
— Você atendeu o mesmo caso incomum quatro vezes e não percebeu que tinha algo errado? — Mark repetiu, ainda em choque.
— Todos os meus dias são iguais! Eu achei que só estava cansado.
— Jeno — Jisung chamou, um tom de preocupação na sua voz.
— O que foi?!
— Tem alguém morrendo no hospital neste exato momento porque você não está lá?
Sem hesitar, Jeno respondeu: — Ah, com certeza. — E ao ver as expressões horrorizadas nos rostos dos outros, ele disse: — Eu tô brincando.
— Tá mesmo?
— Eu não sou o único cirurgião naquele hospital e o cara da faca nem foi uma cirurgia complexa, foi só um caso misterioso.
— Ah.
— E eu não posso saber o que aconteceu com ele até a gente resolver esse lance do loop.
E isso foi o suficiente para eles voltarem às especulações.
[³²]
Pem! Pem! Pem!
Ainda meio adormecido, Mark pegou o celular e abriu o aplicativo de mensagens.
Você: vc vai vir me beijar hoje de novo?
Jeno: número novo, quem é?
Você: a única pessoa que você beijou ontem
Você: eu espero.
Jeno: não sei não, beijei muuuuitas pessoas ontem
Você: a única que pode lembrar que isso aconteceu, então.
Jeno: qual é nosso plano pra hoje?
Você: eu sei lá. eu sinto que já tentei de tudo.
Jeno: abre a porta aqui.
Você: que
Jeno: to na sua porta, vem abrir.
Mark não respondeu, levantou-se, deu bom dia para Chenle e foi abrir a porta.
— Oi, vim te beijar — Jeno disse e passou direto por ele, indo para a sala.
— Ah tá.
— Bom dia, Chenle! — Jeno cumprimentou, se sentando no sofá. — Bonito o anel.
— Obrigado — Chenle respondeu, sem tirar os olhos do computador. — Eu que escolhi.
— Aposto que ela amou.
— Ela disse sim, o que é um bom sinal.
Com os braços cruzados e encostado na parede, Mark assistiu toda a interação sorrindo, era bom ter Jeno de volta.
— … que a gente devia, sei lá, fazer tudo que o outro fez durante o dia e tentar encontrar o ponto em comum. — Demorou um tempo considerável para Mark perceber que Jeno estava falando com ele.
— O que?
— Deve ter algo que nós fizemos que engatilhou isso e talvez seja a mesma coisa, ou pelo menos algo parecido.
Aquilo até que fazia sentido, mais ou menos.
— Mas se fizemos algo em comum, por que demorou tanto até você ficar preso no loop também?
— Vocês dois podem parar de conversar em enigmas e vir me ajudar a comprar esses ingressos? — Chenle pediu.
— Deixa comigo — Mark concordou imediatamente, já abrindo seu computador. — Olivia Rodrigo, uma meia e uma inteira pista premium. Abre aí no seu celular.
— Tá, mas tem que ser rápido — Jeno disse, já tirando o celular do bolso. — Temos um dia inteiro no hospital pela frente.
Foi rápido. Mark comprava esses ingressos todos os dias, considerou até abrir um negócio de compra de ingressos, mas o dinheiro sumiria no dia seguinte.
— Jen — chamou, depois que Chenle saiu para se arrumar. — São nove da manhã, já perdemos uma parte do seu dia, não?
Jeno pareceu considerar isso, como se não tivesse pensado nisso.
— Que horas o seu alarme toca? — perguntou.
— Você também tem um alarme?
— Sim? — respondeu, confuso. — Mas eu já tinha antes.
— Ah… — Mark suspirou. — Oito horas.
— Me encontra na padaria da rua treze às oito e dezessete.
Jeno virou-se para ir embora, mas Mark segurou seu pulso.
— Você não vai mesmo me beijar?
Jeno soprou uma risada e disse: — Se a gente sair dessa, pretendo te beijar até você cansar de mim.
E foi embora.
[³³]
Pem! Pem! Pem!
Sem tempo para esperar o alarme parar, Mark correu para o banheiro. Tinha apenas dezessete minutos para se arrumar e encontrar Jeno na padaria.
Por sorte, quando o relógio marcou oito e dezesseis ele estacionou o carro na frente da padaria.
— Você vai deixar seu carro aí? — Jeno perguntou, aparecendo ao seu lado.
— Tanto faz. — Mark trancou o carro e seguiu Jeno para dentro do estabelecimento. — Ele vai aparecer na minha garagem amanhã de qualquer forma.
— Faz sentido.
Jeno parou na fila e Mark olhou para ele, realmente olhou, e produziu um som surpreso na garganta.
— O que foi? — Jeno perguntou, uma sobrancelha arqueada.
— Você está usando seus piercings.
Todos eles. O no nariz, o da sobrancelha e os quatro na orelha, incluindo — Mark se inclinou para conferir —, incluindo o transversal na orelha esquerda. Mark nem se lembrava que ele costumava ter tantos, bom, na verdade, agora que estava se lembrando, ele costumava ter…
Percebendo a confusão, Jeno estendeu a língua para fora mostrando o piercing nela.
— Eu não uso no hospital, mas como estou nessa folga involuntária, achei que era uma boa oportunidade para garantir que os furos não fechem — explicou.
Era uma boa resposta, mas Mark estava muito preso no fato de que Jeno estava mais parecido do que nunca com a versão dele que deixou Mark todos aqueles anos antes. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, porém, a vez deles na fila chegou e Jeno comprou seu café.
— Vamos pro hospital.
O caminho até o hospital foi quase estranho, nenhum dos dois disse nada. Jeno, porque não tinha nada a dizer e Mark, porque estava ainda embasbacado com o fato de Jeno dirigir um carro que custava bem mais que o salário de professor dele.
— Ei — até que algo surgiu para ser assunto —, o que eu devo fazer enquanto você trabalha?
— Eu não pretendo trabalhar — Jeno respondeu, dando de ombros. — A gente só vai ver os pacientes, os lugares e ver se você reconhece alguma dessas coisas.
Ok. Isso seria fácil.
— Bom dia, Doutor! — Foi a primeira coisa que Mark ouviu quando cruzou as portas automáticas da emergência do hospital.
— Sala vermelha — Jeno respondeu, sem cumprimentos. — Diga à doutora Ambudkar que ela vai precisar entrar no meu lugar.
E nem deu tempo para questionamentos, antes de virar um corredor e sair da linha de visão da médica — enfermeira? Pessoa aleatória? — que tentou falar com ele.
— Você é bem ruim de boas maneiras, né? — provocou Mark.
— Eu estava tendo um dia péssimo na primeira vez. — Jeno deu de ombros. — Ninguém vai lembrar disso amanhã.
— Eu vou.
Ignorando o comentário, Jeno parou na frente de uma porta cuja placa nela dizia “Dr. Lee Jeno; Trauma department.” e girou uma chave nela para abrir. Mark o seguiu quieto, embora quisesse fazer muitas perguntas. Esperou o outro vestir o jaleco que estava antes pendurado em um cabide e se acomodou em uma das cadeiras.
— Eu sinto que tem algo importante que estamos ignorando — Jeno comentou, assim que se acomodou também.
— Como assim?
— Não sei, mas deve ter algo que é a resposta disso tudo.
— Tipo…
Antes que pudesse terminar, Mark foi interrompido por batidas na porta, um homem de jaleco entrou sem esperar respostas.
— Doutor, nós…
— Doutora Ambudkar — Jeno respondeu, já gesticulando para ele sair.
— A Dra. Ambudkar está em cirurgia!
Jeno fechou os olhos como se algo estivesse incomodando-o e falou: — Porra, verdade, era pra eu ter mandado a Doutora Kim pra cirurgia e a Ambudkar pro cara da faca.
— Desculpa?
— Me confundi — declarou, dando de ombros. — O Doutor Choi tá livre, né?
— Mas, Jeno, eu ainda nem disse…
— Tudo bem, só busca alguém da cirurgia geral para isso.
— Doutor…
— Isso foi tudo, pode ir.
E o homem foi embora sem fazer mais perguntas. Mark, por outro lado…
— Você não teve aula de ética na faculdade?
— Mark — Jeno suspirou. — Ninguém vai lembrar disso.
Eu vou.
— Doutor? — Veio uma voz diferente da porta.
— Bom dia — Jeno cumprimentou, sorrindo torto para Mark como quem diz “melhor assim?”.
— O senhor pode assinar meu relatório? — perguntou o menino, que devia ter pouco mais de vinte anos de idade.
— Traz aí.
O menino pareceu surpreso pela resposta e entrou na sala tropeçando e dizendo: — Eu sei que não é o senhor que costuma assinar os meus relatórios, mas a doutora Kim está em cirurgia e o meu professor…
— Ei — Jeno interrompeu. — Tá tudo bem, sempre que precisar pode me procurar.
E pelo resto do dia, Mark teve a desconfiança horrível de que Jeno havia dito isso para todos os funcionários do hospital e todos tinham levado ele muito a sério.
[...]
— Você é o dono do hospital, Jeno? — Mark estava reclamando. — Porra, toda hora alguém batendo na sua porta.
O restaurante estava vazio para uma sexta-feira, mas Mark era grato por isso. Precisava confessar que foi uma surpresa quando Jeno disse que encerrou seu primeiro doze de abril no restaurante favorito de Mark, mas logo em seguida ele lembrou que, aos poucos, aquele se tornou o favorito de Jeno também.
— Não sou o dono — Jeno riu. — Sou o cirurgião que estava na escala, mas não estava trabalhando.
— Ah.
— Pois é — Jeno se sentou. — Só preciso torcer para o dia reiniciar amanhã, caso contrário vai pegar muito mal pra mim.
— Seu dia é exaustivo, Jeno, como você aguenta?
— Eu sabia que estava me metendo nessa quando escolhi ser cirurgião — Jeno soltou um longo suspiro. — Só não sei onde estava com a cabeça quando escolhi cirurgia de emergência. Todo dia é uma surpresa.
— Todo dia? — Mark provocou.
— Todos menos os últimos nove.
Eles riram juntos. Pela primeira vez em uma eternidade.
[☆]
Não importa o quanto ele ame sua profissão, de tempos em tempos Mark sabe que vai chegar em casa com a pior dor de cabeça da história após ouvir o falatório de uma centena de alunos por horas seguidas. Hoje é um desses dias.
A porta do elevador abriu e Mark entrou, olhando para o chão, tentando evitar a luz forte.
— Dia difícil, vida? — perguntou a única voz que não intensificava a vontade de Mark de morrer naquele momento.
— Oi, amor — cumprimentou, já se jogando nos braços do namorado.
Havia se esquecido que havia convidado Jeno para dormir em sua casa naquele dia, mas não poderia estar mais grato ao seu eu do passado por ter pensado nisso.
— Estou exausto — Jeno comentou, apoiando a própria cabeça na do namorado.
— Vamos pedir uma pizza e esperar na banheira? — Mark sugeriu e riu quando Jeno soltou um gemido com a sugestão.
— Sim, por favor.
Mark sorriu. Até os dias mais difíceis eram fáceis com Jeno ao seu lado.
[☆]
— Eu não identifiquei nada que pudesse nos ajudar — Mark disse, mudando de assunto.
— É, eu imaginei.
— Jeno? — chamou, então.
— Hm?
— Eu sei que essa situação toda é insana, mas… — Fez uma pausa. — Eu estou feliz que você está aqui.
Jeno abriu um sorriso tímido e sussurrou: — Posso ser sincero?
— Óbvio.
— Eu acho que já teria enlouquecido se você não estivesse nessa comigo. — Em um ato de coragem, Jeno tomou a mão de Mark por cima da mesa. — Obrigado por sempre tornar as coisas mais fáceis.
[³⁴]
Pem! Pem! Pem!
Naquele dia, Mark não estava com muita vontade de fazer nada, então ficou deitado esperando Jeno aparecer. Quando isso não aconteceu, enviou uma mensagem para ele.
Você: não vamos hoje?
Jeno: não. cansei. vamos amanhã.
E Mark nem tinha forças para discordar daquilo, o dia anterior havia sido uma loucura e Jeno nem sequer entrou para cirurgia. Se todos os dias dele eram assim, Mark achava que ele merecia um descanso de, pelo menos, três meses. Com isso em mente, virou para o lado e voltou a dormir.
[³⁵]
Pem! Pem! Pem!
Óbvio que não teve a mesma sorte no dia seguinte, quando acordou, Jeno já estava em seu quarto.
— Bom dia — ele disse, assustando Mark.
— Como você entrou aqui?!
— O Chenle abriu a porta.
— Não, tipo — Mark coçou os olhos, tentando acordar —, como você consegue chegar tão cedo?
— Meu alarme toca às sete.
Mark respirou fundo e olhou pela janela bem a tempo de ver o pássaro voando para longe. Em certo ponto, começou a considerá-lo seu amigo, um pequena constante, a prova viva de que os dias eram iguais, mas ainda podiam ser bonitos.
— Meu dia só começou perto da hora do almoço — Mark disse, então. — Vem dormir até a gente precisar fazer algo.
Jeno pareceu relutante com a sugestão: — Você não fez nada pela manhã?
— Só conversei com o Chenle sobre ingressos para o show da Olivia Rodrigo e sobre a padaria — lembrou. — Mas isso a gente já fez juntos.
Mark deu alguns segundos para Jeno pensar sobre e sorriu quando viu ele tirar os sapatos e se deitar na cama ao seu lado. Agora que estavam frente a frente com o outro, Mark sussurrou:
— Feliz aniversário.
Arrancando uma risada confusa de Jeno, que disse: — Eu sei que essa situação está te deixando confuso, mas ainda é doze de abril.
— Não, se o tempo estivesse correndo normalmente… — instigou.
— Pra você seria dezessete de maio.
— Sim — Mark sorriu. — Mas e pra você?
Um silêncio estranho se fez no quarto enquanto Jeno fazia as contas, quando chegou a um resultado favorável, olhou para o outro com os olhos levemente arregalados e disse:
— Vinte e três de abril.
— Feliz aniversário — Mark repetiu, um sorrisinho dançando em seus lábios.
Jeno engoliu seco. Não estava sequer esperando que Mark fosse lembrar de seu aniversário, ainda mais celebrá-lo na data correta seguindo o tempo em que Jeno estava vivendo, não ele, não o resto do mundo. Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Dá azar comemorar antes da data — Jeno praticamente forçou as palavras a saírem.
Por sorte, Mark achou o comentário engraçado e apenas aceitou, não argumentando mais.
— Tudo bem, mas eu vou te comprar flores no caminho pro Centro.
— Do que adianta, Mark? — Jeno perguntou, mas sua voz continha um pouco de diversão nela. — Elas vão desaparecer amanhã.
[☆]
Jeno abriu os olhos devagar naquela manhã, algo incomodando seu sono e forçando-o a acordar. Desconfiava que talvez fosse a figura de pé ao lado da sua cama.
— Que isso, porra?! — exclamou, assustado. — Assombração!
— Feliz aniversário — disse a figura que soava perigosamente parecida com seu querido namorado.
— Que horas são, Mark?
— Duas da manhã — respondeu.
— E o que caralhos você está fazendo no meu quarto às duas da manhã? — Jeno indagou, irritado com a interrupção do sono.
— Te desejando feliz aniversário.
Estava escuro, mas Jeno conseguia ver as rosas vermelhas que ele segurava.
— Isso é pra mim? — Apontou.
— Óbvio.
Jeno revirou os olhos, tentando conter o sorriso.
— Coloca elas no vaso e vem deitar comigo — ordenou, por fim. — E vê se ano que vem espera até de manhã pra fazer a surpresa.
Mark obedeceu, colocou as flores no vaso, deitou-se com o namorado e julgou ser de bom tom não comentar que aquela era a última data comemorativa que passariam juntos antes de Jeno ir embora.
[☆]
Apesar de não ser tão organizado quanto Jeno, Mark ainda conseguia se lembrar do que havia feito no seu primeiro doze de abril, era uma pena que certas pessoas não acreditassem nele.
— Você tem certeza que estava aqui nesse horário? — Jeno perguntou, pela terceira vez.
— Absoluta, estou olhando o relógio e tudo — Mark respondeu, confiante. — Vamos entrar.
O Centro Cultural estava… bom, exatamente igual às últimas vezes. Mark fez o mesmo caminho que fez na primeira vez, cronometrando o tempo em que ficava parado olhando cada obra para garantir maior riqueza de detalhes. Se conhecia o suficiente para saber quanto tempo havia focado em cada livro.
Jeno, por sua vez, o acompanhou em silêncio. Não tinha como saber se ele estava gostando ou não, ele lia o texto complementar das obras, as observava com atenção, mas saía de perto assim que Mark saía. Não trocaram uma palavra durante o percurso.
— E esse foi o último que eu olhei — Mark declarou, contando segundos no relógio. — E eu acabei de ver… agora.
Jeno olhou ao redor, esperando algo acontecer, mas nada veio.
— Deveríamos ir embora?
— Não… — Mark respondeu, confuso. — Era pra Jaemin estar aqui em algum lugar.
— Não vejo ela.
— Nem eu… esse é o problema. — Mark olhou para o relógio mais uma vez. — Ela apareceu assim que eu terminei de ver, não tinha dado tempo de eu ir embora.
— Você acha que ela também…?
— Nah, se ela estivesse presa em um loop ela teria aparecido lá em casa de manhã — Mark comentou. — O Chenle seria o primeiro a saber.
Jeno concordou com a cabeça, aceitando a resposta.
— Você não está esquecendo nada?
Mark pensou sobre por alguns segundos, cada um que passava e Jaemin não aparecia, ele ficava mais apreensivo.
— Eu acho que estou — declarou por fim. — Mas não tenho certeza do que é.
— Você não foi a algum lugar antes daqui ou conversou com alguém no caminho? — Jeno sugeriu.
E foi nesse momento exato em que eles ouviram:
— Meu Deus, Lee Jeno? — vindo de uma voz atrás dele. — Quando você voltou?
E, sim, lá estava ela, Na Jaemin em pessoa. Trinta e seis segundos atrasada. Por que? Ele havia contado cada passo, contando os segundos no relógio; cada local, até mesmo os carros no engarrafamento; cada pessoa, Chenle, o segurança do Centro Cultural, o…
Oh.
Talvez não todas as pessoas.
— Larguei meu emprego e vou casar com o Mark — Foi o que Jeno respondeu, sem nenhum toque de humor em sua voz.
— Ah? — Jaemin abriu um sorriso confuso. — Que coincidência, eu…
— Desculpa, Nana, temos que ir! — Mark anunciou e puxou Jeno pela mão. Para não ser mal educado, acrescentou: — Parabéns pelo noivado!
— Você também!
Mark só soltou da mão de Jeno quando eles chegaram ao estacionamento e entraram no carro. Nenhum dos dois disse nada por um tempo, esperando a respiração de Mark se acalmar.
— Tá, eu lembrei de uma coisa.
— Hm?
— Fizemos tudo certo hoje, mas uma coisa que aconteceu na primeira vez não aconteceu em nenhuma outra.
— Como assim? — Jeno se ajeitou no banco do motorista para olhar para ele.
Respirando fundo, Mark fechou os olhos, querendo se lembrar do máximo de detalhes possíveis: — Quando eu estava indo embora, um cara me perguntou se eu era o autor do livro. Nós conversamos um pouquinho sobre a obra e ele sumiu quando a Jaemin chegou.
— Você sabe quem ele era?
— Não tenho nem ideia. — Mark suspirou. — Ela chegou antes que ele pudesse me dizer o nome dele.
Jeno franziu o cenho, processando, disse: — E ele não apareceu em nenhum dos outros dias?
— Nenhum — Mark confirmou. — Eu teria percebido ele porque ele tinha o cabelo colorido e estava vestindo muito couro.
— E você conversou com ele mesmo assim?! — perguntou Jeno, fingindo surpresa.
Mark revirou os olhos: — Para, até você trata pessoas que não são veganas como gente. — Para provar seu ponto, acrescentou: — Você me deixou entrar no seu carro.
Virando o rosto para o outro lado, Jeno murmurou: — Eu te deixei entrar em muitos lugares.
— Jeno!
— Desculpa — ele pediu, rindo, não realmente arrependido. — Mas eu tenho uma ideia.
— Por favor.
— Amanhã, precisamos fazer o que estávamos planejando fazer no primeiro dia.
Mark piscou algumas vezes, sem entender e estava prestes a argumentar que ele já tinha feito isso quando Jeno continuou: — Você precisa fazer o que teria feito se não tivesse encontrado a Jaemin.
— Okay…
— Volta aqui, vá embora no horário que iria se não tivesse encontrado esse homem misterioso e… sei lá, segue seu dia.
— E você vai fazer o quê?
— A mesma cirurgia pela quinta vez.
[...]
No caminho de volta, Mark pediu para pararem em uma floricultura e comprou uma rosa vermelha para Jeno.
— Ela vai desaparecer amanhã.
— E o dinheiro que gastei nela vai voltar pra minha conta — Mark rebateu, colocando o cinto de segurança. — Feliz aniversário.
— Obrigado — Jeno agradeceu, um sorriso genuíno em seu rosto.
[☆]
Em dias como aquele, nos quais as estrelas brilhavam no céu com tanta intensidade, era comum encontrar Mark e Jeno na sacada do apartamento do cirurgião, dividindo uma garrafa de vinho e apreciando as luzes no céu. Todos os momentos com Jeno eram especiais, mas quando podia apenas ficar em silêncio e apreciar o som de sua voz, Mark se apaixonava um pouco mais, se é que isso era possível.
— Você acha que no futuro ainda vamos fazer isso?
— O quê? Stargazing? — A forma em que Mark disse isso fez o outro dar uma risadinha, adorava quando ele tinha a oportunidade de dizer palavras em inglês porque nunca conseguia neutralizar o sotaque.
— É — Jeno respondeu, enfim. — Só nós dois.
Mark queria dizer que sim, que conseguia ver este futuro para eles, mas sabia que em uma semana Jeno iria embora e todos os seus planos para o futuro seriam frustrados. Ele nunca teve coragem de mentir para Jeno, em partes porque nunca teve vontade, mas principalmente porque sabia que o namorado o leria como uma revista e o pegaria no pulo. Aquela conversa também acabaria com ele sendo um covarde.
— Feliz aniversário, Jen. — Foi o que escolheu para mudar de assunto. — Eu te amo.
[☆]
Um silêncio confortável caiu sobre eles, presos em seus pensamentos, assistiam a cidade passar por eles.
— Você me beijou na primeira oportunidade que teve. — Mark escolheu quebrar o silêncio.
— Sim.
— Por que?
— Porque eu senti sua falta — Jeno respondeu, sem tirar os olhos da rua. — Porque não houve um único dia nos últimos três anos que eu não tenha pensado em você.
— Você podia ter me ligado.
— Mas eu não liguei! — rebateu, um pouco mais alto do que deveria. — Eu não liguei porque você terminou comigo e eu achei que você não queria mais me ver.
Mark riu daquilo, era absurdo demais, disse: — Eu chorei tanto quando você foi embora que eu achei que nunca mais ia conseguir chorar na vida.
— E como eu ia saber?
— Você sabia. Você tinha que saber. — Mark balançou a cabeça em negação, como se seu corpo estivesse recusando aquela conversa. — Você sabia o quanto eu te amava.
— Mas você nunca ligou — Jeno disse, abaixando o volume da voz. — Você nunca me enviou uma mensagem, você nem curtiu meus stories…
— Porque doía demais te ver — confessou. — Doía pensar em você e saber que eu nunca mais te teria.
Após longa consideração, Jeno perguntou: — Por que você terminou comigo, Mark?
— Porque doeu sem você, mas doeria muito mais com você.
— Isso nem faz sentido.
— Eu também pensei em você todos os dias, pensei no que poderíamos ter sido. Cogitei como seria o mundo se não tivéssemos terminado e… odiei o que vi.
— Ah?
— A distância não nos faria bem — explicou, brincando com os próprios dedos para se distrair da vontade de chorar. — Nossas prioridades estavam em outros lugares na época, não precisava ser nenhum gênio para ver o quão rápido as coisas iam desandar.
Jeno visivelmente murchou no lugar e não disse mais nada, talvez concordando com o que tinha acabado de escutar. Ele parou em um sinal vermelho e descansou a cabeça no volante.
— Eu nunca fiquei triste ou com raiva de você por ter escolhido ir — Mark disse, então. — Você nunca mais ia encontrar uma oportunidade assim e, é como dizem, nós perdemos 100% das chances que não aproveitamos.
— Sério?
— Eu não sou maluco, e nem egoísta, o suficiente para achar que você deveria recusar a oportunidade da sua vida por minha causa. No que diz respeito ao motivo, eu fiquei bem feliz por você.
— Mas…? — Jeno instigou.
Mark soltou um longo suspiro: — Quando penso nisso, me lembro que você fez tudo certo, não deu espaço para mal entendido. O problema é que a situação bem entendida era bem ruim.
— Me desculpe.
— Não ouse — interrompeu. — Não ouse me pedir desculpas por nada, eu acabei de falar que você fez tudo certo.
— O que há de errado, então?! — Jeno indagou, exasperado.
— O universo! — Mark exclamou. — A culpa é do maldito destino que te tirou de mim!
[☆]
O sol estava rachando naquela tarde de sábado, mas as crianças brincando na rua não pareciam preocupadas, nem Mark e Renjun.
— Sei lá — Mark continuou seu desabafo. — Eu só acho que tem alguma coisa errada.
— Mas aconteceu algo pra você achar isso?
Eles estavam sentados no meio-fio, com copos de limonada na mão, vigiando o sobrinho de Renjun, que jogava bola com os amiguinhos no meio da rua.
— Nada — admitiu. — Eu só estou com uma sensação estranha.
— Você é engraçado, cara — Renjun disse e fez uma pausa para tomar um pouco da sua bebida. — Seu namorado é inteligente e gostoso, nunca te deu motivos pra desconfiar de nada, ama comunicação saudável mais do que ninguém e, mesmo assim, você fica arrumando sarna pra se coçar.
Ele estava certo, mas Mark não gostou do tom que ele disse aquilo. Antes que pudesse dizer isso, porém, uma mensagem chegou em seu telefone. Ele leu e imediatamente mostrou para Renjun.
Amor: a gente tem que conversar.
— Eu falei que havia algo errado! — Mark exclamou.
— Não deve ser nada demais.
— Como assim? Óbvio que ele vai terminar comigo.
— Você deu motivos pra ele terminar com você?
— Acho que não, mas…
— Ele falou alguma coisa que indicasse que quer terminar com você?
— Ele acabou de me mandar “temos que conversar”! — disse Mark, exasperado. — Todo mundo sabe que isso é código para término.
Renjun riu daquilo e revirou os olhos, rebateu: — Desde quando o Jeno fala em códigos?
Todos os pontos do amigo eram muito válidos, mas algo no fundo do coração de Mark o impedia de achar que estava tudo bem.
— Ele me falou um tempo atrás que ia se inscrever em um programa de residência — contou, baixinho, como se estivesse com medo das palavras.
— Isso é bom, não?
— Claro que é. — Suspirou. — Mas é em outro país.
— Ah.
— Desde que ele me contou isso fico com medo de receber uma mensagem dele dizendo que entrou no programa. — Uma pausa. — E ele vai entrar porque ele merece.
— Você não quer que ele vá? — Renjun perguntou, com cuidado.
— Óbvio que eu quero, é a oportunidade da vida dele.
— Mas…?
— Mas ao mesmo tempo, eu não quero ficar sem ele.
Renjun concordou com a cabeça, pensando em suas próximas palavras, o que saiu foi: — Não é pra mim que você tem que dizer isso.
A conversa acabou quando o sobrinho de Renjun caiu e machucou o joelho, fazendo ambos se levantarem no susto e irem correndo cuidar dele. No caos que seguiu, Mark nem reparou na nova notificação descansando na tela do seu celular.
Amor: eu fui aceito.
[☆]
— Jeno, eu vou te dizer uma coisa e eu só vou dizer porque te conheço — Mark respirou bem fundo. — Eu terminei com você porque eu sabia que seria fácil.
— O quê?
— Eu sabia que você não ia fazer uma grande cena, não haveria lágrimas e nem desespero. Eu não sabia se era a melhor opção, mas sabia que era a mais fácil.
— Fácil — Jeno repetiu como se a palavra fosse estrangeira para si. — Foi fácil pra você?
— Nem um pouco.
— Nem pra mim — a voz de Jeno endureceu, como se ele estivesse ficando com raiva. E talvez estivesse mesmo. — Eu passei os últimos três anos achando que você tinha terminado comigo porque não queria mais me ter.
— Isso é loucura.
— É? — Jeno rebateu de forma retórica. — Eu acho que estava esperando você dizer que me amava ou que ia esperar por mim. Você não disse nenhuma dessas coisas.
— Eu esperei.
Uma risada irônica saiu dos lábios de Jeno de forma quase involuntária antes dele dizer: — E eu tinha que adivinhar, né?
[☆]
— Eu quero terminar.
As palavras saíram com certa dificuldade dos lábios de Mark, mas sem preocupação alguma. Era muito fácil conversar com Jeno, você sugeria algo e ele respondia sim ou não, sem precisar ouvir mais e sem justificativa. Sendo assim, o primeiro indício de que algo estava errado naquela conversa foi que, sendo confrontado com a ideia do término, ao invés de responder “Okay” ou “Nem pensar”, Jeno disse:
— Você tem certeza? — encarando a parede.
Dando uma chance para Mark pensar melhor, reconsiderar, mudar de ideia. Mas isso tudo passou batido pela cabeça de Mark quando ele respondeu:
— Tenho.
— Tudo bem — Jeno concordou, sem saída. Levantou a cabeça e deixou um selinho em seus lábios. Engolindo seco, perguntou: — Você ainda vai me levar no aeroporto? —, mas não prestou atenção na resposta.
Outro selinho, mas dessa vez com um sabor de despedida. Jeno se levantou da cama e saiu do quarto em direção ao banheiro, trancou a porta atrás de si e deixou seu corpo escorregar pela parede até que estivesse sentado no chão.
Esse sempre foi o problema de Lee Jeno, o silêncio. Todos sempre diziam que era fácil interagir com ele porque ele era uma pessoa prática, tudo com ele era “sim ou não”, sem enrolar. Mas ele sempre sabe o que quer e raramente vai atrás de conquistar.
No momento em que suas costas atingiram os azulejos da parede do banheiro, ele soube o que queria. Ele queria Mark Lee. Ele queria que Mark Lee dissesse que o amava, que ele — não o convencesse a não seguir seu sonho —, mas que o pedisse para ficar mesmo sabendo que não funcionaria. Ele queria que Mark Lee tivesse mais medo de perdê-lo.
E é óbvio que ele sabia que podia dizer tudo isso ao namorado (ex?), mas não queria que a ideia fosse implantada na cabeça dele, queria que ela fosse genuína. O que Jeno mais queria, porém, era que eles não tivessem acabado de encenar o pior término da história. Cinco palavras trocadas e pronto, acabou.
Jeno queria que seu relacionamento valesse mais do que cinco palavras.
Ele não queria uma grande cena com lágrimas e gritos, ele só queria um único indício de que talvez Mark quisesse ficar com ele. Tudo isso parecia ser pedir muito, por isso, ele apenas aceitou.
Se recompondo, ele voltou ao quarto e se deitou sem dizer uma palavra. No dia seguinte, Mark derramou lágrimas por ele, mas ele já estava longe demais para ver.
[☆]
— Eu percebi que você tá sob a impressão de que só você sofreu com o nosso término — Jeno disse, baixinho, quase em um sussurro.
A garagem do prédio era a pior localização possível para aquela conversa, mas pelo menos era silencioso e vazio. O carro estava desligado, Jeno estava com os braços cruzados e o olhar fixo na parede à sua frente, ele continuou:
— Eu entendo, eu escolhi ir embora, eu fiz as malas e te deixei, mas…
— Jen — Mark tentou, mas foi interrompido quando o outro fez um gesto para que se calasse.
— Eu não queria te perder — Jeno continuou. — Eu acho que, na verdade, eu queria algo que me fizesse pensar em ficar.
— Qual é, você…
— Não ficaria, eu sei — Jeno interrompeu. — Mas eu queria algo que, pelo menos, me fizesse olhar para trás antes de ir.
— Jeno — Mark chamou e antes que pudesse ser interrompido de novo, pediu: — Me desculpa.
— Você não precisa…
— Ei — Mark chamou de novo, mais firme dessa vez. — Me desculpa.
Jeno suspirou e perguntou: — Pelo quê?
— Por ter feito você se sentir assim. Você não merecia nada disso.
— Nem você.
— Você não fez nada de errado, Jen. — Mark respirou fundo. — Eu não te pedi para ficar e nem disse que te esperaria porque tive medo que isso te fizesse mudar de ideia.
— O quê?
— Agora eu vejo que foi uma ideia equivocada, mas eu só conseguia pensar que se fosse comigo… Só bastaria um simples “fica” pra eu desistir.
— Mas por que…
— Nenhuma das minhas ideias envolvia você não fazer parte daquele programa — Mark falou. — A única certeza em todos os meus planos era a de que você ia embora.
— Eu não estou entendendo.
— A gente já falou sobre isso — Mark lembrou, abrindo um pequeno sorriso. — Foi a oportunidade da sua vida.
Uma pausa. Um segundo. Uma batida.
— Acho que, se você tivesse pedido, eu teria ficado — Jeno confessou.
Balançando a cabeça em negação, Mark respondeu: — Então não me arrependo de não ter dito nada.
O minuto de silêncio que seguiu pareceu tortura para ambos. Sozinhos naquela garagem, perdidos em seus pensamentos, buscando respostas para perguntas que nem tinham ainda.
— Eu não sei mais o que dizer — Jeno sussurrou.
— Nem eu.
— Talvez — Mark começou, incerto. — Talvez ainda possamos ser amigos.
Jeno riu bem alto daquilo, uma risada sarcástica e rebateu: — Amigos? Eu ia me casar com você, cara.
Aquilo pegou Mark de surpresa, ele arregalou os olhos de leve e olhou para Jeno, do fundo de sua garganta, arranhando, saiu: — Você ia?
— Um dia, com certeza.
Outra pausa. Outro silêncio. Um segundo de paz.
— Você ainda vai? — veio da voz baixa de Mark, quase em um sussurro.
Foi a vez de Jeno ficar surpreso, não esperava aquela resposta. Durante o tempo em que estiveram juntos, não conversaram muito sobre casamento, não de forma definitiva, pelo menos. Até onde ele se lembrava, ambos tinham opiniões parecidas no assunto. Óbvio que a garagem do prédio era a pior localização possível para a conversa definitiva sobre casamento, mas o que ele podia fazer?
— Se você quiser — foi a resposta final.
Mark concordou com a cabeça e saiu do carro sem dizer mais nada. Eles saíram daquele loop nem que ele precisasse matar pessoas pra isso acontecer.
[³⁵]
Pem! Pem! Pem!
O barulho de um alarme soando em algum lugar despertou Mark. Não era o seu alarme, não podia ser. Preso no limbo entre estar acordado e estar adormecido, tentou identificar de onde o barulho estava vindo. Poderia ser o alarme de Chenle, seu colega de casa, ou o do vizinho no apartamento 212.
O som parou e imediatamente deixou de ser problema dele. Seu plano era virar para o lado e voltar a dormir, mas sua bexiga o impediu. Mark levantou devagar, se acostumando com a sensação de estar acordado, e saiu do quarto em direção ao banheiro.
— Bom dia — ouviu Chenle dizer de algum lugar, mas ainda não estava acordado o suficiente para responder.
Saindo do banheiro, porém, seguiu até a sala de estar para cumprimentar o amigo. O encontrou sentado no chão da sala, olhando algo em seu computador.
— O que está fazendo?
— Comprando ingressos pro show da Olivia Rodrigo — Chenle respondeu, sem desviar o olhar da tela. — Quer também?
Mark considerou. O relógio na parede marcava oito horas e treze minutos, muito cedo para decidir se gostaria de ir ou não no show de uma artista que ele não era fã.
— Quando é? — ele perguntou, então.
— Faltam exatamente 21 dias.
Mais ou menos trinta e seis repetições desse diálogo depois, Mark encontrou em si força para respirar aliviado, após tantas tentativas, talvez hoje fosse o dia em que iria se livrar disso. Sentando-se para ajudar Chenle a comprar os ingressos, ele se pôs a pensar no que deveria fazer durante o dia e se permitiu relaxar.
Apesar de apreciar as férias involuntárias, se sentia mais do que pronto para voltar à sala de aula e rever seus alunos, sentia falta, mais do que tudo, de escrever seu planejamento de aula e ele ainda estar lá no dia seguinte. Hoje o dia será o mesmo, pois amanhã será diferente.
— Você foi na padaria? — perguntou, concentrado nos ingressos.
— Estava fechada hoje. — Chenle respondeu no mesmo tom. — Algo sobre um problema na família, o bilhete dizia que vai abrir amanhã.
— Tá bom.
No primeiro dia não havia ajudado o amigo com os ingressos, mas após perceber que ele conseguiria muito mais rápido consigo, julgou que não seria de muita interferência ele ajudar, afinal, ainda estava no mesmo lugar que estava no primeiro dia, e com a mesma pessoa.
— Comprei — Mark anunciou, sorrindo. — Pode avisar à Nana.
— Você vai trabalhar hoje? — Chenle perguntou, já tirando o celular do bolso.
— Tô de folga — Mark respondeu. — Acho que vou passear por aí, quer ir também?
— Não, vou trabalhar.
Assim seguiu o resto da manhã de Mark, ele tomou um café que Chenle passou para eles, voltou para o sofá e ficou por lá até sentir fome no horário de almoço. Estava se sentindo muito confiante, pois estava conseguindo se lembrar exatamente do que disse em cada diálogo, como já havia se desviado um pouco com os ingressos, queria ficar o mais na linha possível.
Fez tudo no automático até se ver no Centro Cultural cronometrando no relógio o tempo exato em que deveria ficar lá antes de encontrar Jaemin, de tempos em tempos olhando ao redor para garantir que tudo estava em ordem. Quando conseguisse ir embora, ia ao cinema e depois a um restaurante, assim como diziam seus planos na primeira vez.
Seu relógio indicou o fim do tempo, ele tirou os olhos do livro de Jaemin e suspirou, tudo sob controle. Saiu do centro, feliz por não reconhecer o que o segurança estava dizendo e foi até o estacionamento em direção ao seu carro. Ele estava mesmo esperando que aquilo funcionasse, estavam ficando sem ideias e, se vivesse mais uma repetição do dia doze de abril, talvez começasse a destruir patrimônio público e privado, incendiar carros, atacar templos… enfim.
Estava ficando cada vez mais perigoso viver sem saber se o dia seguinte seria um novo dia, tudo dentro de Mark o dizia que ele podia viver sem consequências, o que era bom e ruim ao mesmo tempo. No dia em que estava planejando roubar um banco, foi impedido pela ideia de que no dia seguinte todo o dinheiro teria desaparecido — ou pior, ainda estaria lá.
Ainda no horário certo, Mark deu partida no carro e dirigiu devagar até a saída do estacionamento, onde viu Jaemin saindo da sala de exposição, agarrando a bolsa com força e os olhos vidrados no celular, parecendo incomodada com algo. Ele pensou por alguns segundos, se tivesse visto ela no primeiro dia, teria parado para falar com ela e foi o que fez.
— Nana! — chamou, abaixando o vidro do carro.
Ela olhou para cima e abriu um sorriso ao ver quem era, disse: — Oi, Markie! Está indo para onde?
Isso era bom, talvez, um diálogo novo vindo dela.
— Cinema ver um filme, quer ir também?
— Quero!
Bom, talvez ele devesse encontrar Jaemin de qualquer forma naquele dia doze de abril.
[...]
— É uma surpresa que esse filme tenha sido aprovado por mais de uma pessoa — Jaemin disse, assim que eles saíram da sala de cinema.
— Forte concorrente a pior do ano — Mark concordou.
Eles andaram em silêncio lado a lado até o estacionamento do shopping, quando Mark tomou coragem para perguntar:
— Está tudo bem, amiga? Quando te vi mais cedo você parecia meio…
Jaemin soltou um longo suspiro e brincou com a aliança no dedo, ela sugeriu: — Quer ir jantar? Eu te conto tudo lá.
Mark concordou com a cabeça e nem precisou perguntar onde ela gostaria de jantar para saber que seria no restaurante favorito deles. Na segunda rotação, Chenle havia mencionado que ela contaria para ele sobre o noivado lá, era o lugar onde Mark já estava planejando ir e era o ponto principal de encontro deles quando um dos dois se sentia mal.
Eles tomaram assento um de frente para o outro, assim como no café todas aquelas vezes.
— Começa a falar.
— Ok, é uma bobagem, mas… — ela sorriu e levantou a mão esquerda. — O Chenle me pediu em casamento.
— Isso é bobagem?! — Mark perguntou, com um grande sorriso no rosto. Não importava quantas vezes a amiga contasse isso para ele, ele sempre ficava feliz. — Parabéns!
— Não é essa a parte da bobagem — ela riu. — É que nós tínhamos um local em mente, mas eu liguei lá e eles disseram que não vão estar disponíveis na data que eu quero.
— Ah…
— E eu sei que é besteira, mas eu fiquei meio chateada que a primeira coisa que planejei pro meu casamento já deu errado.
— Eu posso te ajudar a encontrar um outro lugar que seja perfeito, não se preocupe.
— Obrigada, Mark — ela disse, sincera. — Isso significa muito pra mim.
Eles fizeram os pedidos e, enquanto esperavam, discutiram todas as ideias iniciais de Jaemin para o próprio casamento, com Mark recebendo um convite informal para ser padrinho, acompanhado de “Eu queria te convidar antes do Chenle, pra você ser meu padrinho e não dele”. O que gerou uma nova discussão a respeito de madrinhas e padrinhos em um casamento.
— Só que tudo depende de… — Jaemin se interrompeu no meio da frase, olhando para algo atrás do amigo. — Não vira agora, mas aquele cara é Lee Jeno?
Obedecendo a ordem da amiga, Mark não se virou, mas só porque sabia que era ele. No meio da conversa sobre casamento, se lembrou que Jeno estaria naquele mesmo restaurante a qualquer momento e estava se preparando psicologicamente para o impacto que seguiria.
— Impossível — resolveu dizer, então. — Ele não mora mais aqui.
— Se não for ele, é alguém muito parecido com ele e… está vindo pra cá.
Nenhum dos dois teve tempo de se preparar antes de Jeno parar ao lado da mesa deles e perguntar: — Você tá me seguindo?
— Nope — Mark respondeu. — Minha grande amiga Jaemin, cujo quem encontrei na saída do Centro Cultural, me chamou para o nosso restaurante favorito, pois tinha uma super novidade para contar.
Demorou três segundos, mas Jeno coletou todas as informações que ele ofereceu e soprou uma risada, disse: — Você ia acabar aqui no primeiro dia.
— Eu percebi quando saí do cinema — Mark sorriu. — Eu ia te encontrar aqui ao fim do dia, ia saber que você voltou e sabe-se lá o que teria acontecido depois disso.
— Com licença — Jaemin interrompeu. — Do que vocês estão falando?
— Nada — responderam em uníssono.
Jaemin apertou os olhos, desconfiada, mas aceitou rápido o arranjo e disse: — Julgando pelos sorrisos e olhares, está tudo bem entre vocês.
— Sim.
— Sendo assim, senta aí e vem jantar com a gente, Jeno.
Nenhum dos dois era maluco de desobedecer uma ordem dela, então Jeno se acomodou na cadeira vaga ao lado de Mark e sorriu para Jaemin antes de dizer:
— Se tudo der certo, amanhã a gente vai te contar tudo.
Deus, como Mark torcia para tudo dar certo. Se não desse, ele ia caçar o homem de cabelo lilás pela cidade e matá-lo com as próprias mãos.
[?]
A luz forte o impediu de ver onde estava por um tempo, mas quando seus olhos se acostumaram com a claridade, percebeu que estava em um campo, cercado por grama baixa e belas flores.
— Oi.
Mark se assustou, achou que estava sozinho, e quando virou para ver quem era, se assustou de novo.
— Você! Foi você quem me prendeu neste loop! — acusou, apontando o dedo na cara dele.
— Não de propósito — o homem de cabelo lilás se defendeu. — Eu sou o Haechan.
— Por que você fez isso?
— Já falei que não foi de propósito, se acalme — pediu Haechan, respirando com calma e esperando que Mark o imitasse. — Eu só estava passeando, não sabia que ia acontecer algo tão importante com você naquele dia.
— Importante? Meu dia foi normal!
Haechan riu daquilo, como se soubesse de algo que Mark não sabia, disse: — Você precisava se reconectar com sua alma gêmea no dia doze de abril, caso contrário não daria tempo de…
— De quê? — Mark instigou quando percebeu que o outro parou de falar. — Que história é essa de “alma gêmea”?
— Eu já falei demais. Fico feliz que deu tudo certo.
E ele desapareceu entre as flores.
[¹]
Acordar no dia seguinte se mostrou uma tarefa difícil, a dor em sua cabeça fazia-o sentir como se estivesse tendo a pior ressaca da história, o que era estranho, já que nem tinha bebido nada. Sem opções, Mark levantou-se e, com os olhos meio fechados, foi atrás de uma aspirina, tendo que sair do quarto para buscar água.
— Bom dia — disse quando passou pela sala e seguiu direto para a cozinha.
Três coisas aconteceram ao mesmo tempo quando ele entrou. Primeira: Foi obrigado a abrir os olhos para pegar a água. Segunda: Percebeu que não ouviu “bom dia” de volta. Terceira: O cheiro de pão recém saído do forno tomou conta de seu olfato.
— Chenle?! — gritou.
— No banheiro! — recebeu um grito de volta.
Chenle no banheiro e não na sala comprando ingressos. Foi mais ou menos nesse momento em que percebeu que não havia escutado alarme algum. Mark correu de volta para o seu quarto — esquecendo a água, o remédio e a dor de cabeça —, alcançou seu celular na mesa e conferiu a data.
13 de Abril.
— Hoje é amanhã! — exclamou animado. — Amanhã!
— Por que você tá gritando? — perguntou Chenle, parado na porta do seu quarto.
— Hoje é um novo dia!
— Sim…? Todos os dias são.
— Não pra mim!
— Tá bom. — E saiu, pouco preocupado com a interação.
Não conseguia parar de sorrir, depois de quase quarenta vezes vivendo o mesmo dia de novo e de novo, não poderia estar mais feliz com a ideia de que era um dia novo. Ele tinha uma lista de coisas que gostaria de fazer no novo dia, mas a primeira delas era:
— Chenle! Eu vi que você comprou pão, já tomou café?
[...]
Mais pro final da manhã, quando os moradores do apartamento já haviam se retirado para seus respectivos quartos, a campainha soou. Ao chegar na porta, Mark viu que Chenle já estava lá, e do outro lado…
— Oi, Mark! — Jeno cumprimentou, animado. — Eu trouxe ela!
Jaemin parecia mais confusa do que acordada, ela estava com os braços cruzados, apoiada na parede e piscava devagar, abriu um sorriso, porém, ao ver o noivo. Ela se jogou nos braços de Chenle e deixou um selinho em seus lábios, murmurando “Bom dia, amor”. Chenle, que por sua vez não estava nem um pouco incomodado com o fato de ter que apoiar o seu peso e o da noiva, estava mais preocupado com: — Eu nem sabia que você tinha voltado para a cidade.
— Eu te falei que fomos jantar juntos ontem — Jaemin disse.
A ideia de Jaemin lembrar de algo que aconteceu no dia anterior arrancou um sorriso involuntário de Mark, ao olhar para o lado, viu que Jeno estava igual.
— Ah era ele? — Chenle olhou para Jeno de cima abaixo. — Você só falou “Estou jantando com o Mark e o ex dele”, achei que fosse o Jisung.
— Eu não namorei o Jisung. — Antes dessa situação, Mark nunca tinha precisado dizer essas palavras, mas agora parecia que todos os dias precisava explicar isso para alguém.
— Mas falando nele — Jeno interrompeu aquela conversa maluca. — Temos uma história pra contar pra ele, né?
— Sim! — Jaemin exclamou. — Vamos, vida, você tem que trocar de roupa.
Os dois desapareceram por dentro do apartamento e Mark soltou a respiração que nem sabia que estava segurando. Fechou a porta do apartamento, que por algum motivo ainda estava aberta, e olhou para Jeno.
— Você também tem que se trocar.
Os dois seguiram em silêncio até o quarto, assim que a porta fechou atrás deles, porém:
— Eu achei que ia chorar quando acordei hoje e não tinha nenhum alarme tocando — Mark comentou, indo em direção às suas gavetas. — Eu ainda não tenho certeza de quem era o alarme, mas acho que essa pessoa tem que morrer.
Jeno riu e se jogou de costas na cama, disse: — Eu quase chorei de emoção quando acordei hoje e não tinha nenhuma mensagem sobre uma cirurgia de emergência que eu precisava fazer.
— Pelo menos eu estava repetindo meu dia de folga, deve ter sido terrível ter que fazer as mesmas coisas no trabalho de novo e de novo.
— Não sei, não trabalhei todas as vezes, mas o Chenle trabalha em escritório, pergunta pra ele como é.
Os dois riram e um silêncio se instalou entre eles. Não tinham muito o que dizer naquele momento, depois de tantas repetições, eles só queriam aproveitar tudo de novo que o dia treze de abril tinha a oferecer.
— Será que tinha uma lição de moral por trás? — indagou Jeno.
— Tipo uma fábula?
— É, sei lá, não é possível que fizemos tudo isso em vão.
— Mas qual era a lição?
— Não sei.
Eles se encararam por alguns segundos, até que Mark disse: — Eu tive um sonho. — E se calou em seguida.
— Você vai elaborar isso?
— Nope.
— Ah, tá bom.
Sem mais nada a acrescentar, Jeno voltou a encarar o teto em silêncio. Mark mordeu o lábio inferior, hesitando, e perguntou: — Você vai embora de novo?
Jeno não respondeu de imediato, na verdade, demorou tanto que Mark cogitou a possibilidade dele não ter escutado. Até que:
— Eu não pretendo.
— Vou precisar de mais que isso para ficar tranquilo, Jeno.
Era justo, depois de tantas promessas de “para sempre” quebradas, era justo que Mark precisasse de mais garantia do que só um vago desejo.
— Fui eu quem pedi pra voltar.
— O quê?
— Um dia, uma amiga querida da faculdade me ligou e disse que o programa de residência em que ela estava tinha uma vaga aberta — Jeno contou, sorrindo ao recobrar a história. — Ela me falou o nome do hospital e onde era e eu não menti quando disse que pensei em você todos os dias, então nem hesitei em pedir pra ela me indicar.
“Ela me disse que já havia feito a indicação e pediu para eu enviar logo o meu currículo para não correr riscos de eu não ser aceito. Eu enviei, eles me chamaram, eu pedi a transferência e agora sou cirurgião desta cidade”.
— Eles não vão te transferir de novo?
— Sem querer me gabar, mas meu currículo é invejável — Jeno disse, sorrindo convencido. — E isso me permite ficar onde eu quiser.
Mas Mark não sorriu com ele, ao invés disso, perguntou: — E onde você quer ficar?
Sem hesitar nem por um segundo, Jeno respondeu: — Onde quer que você esteja.
Um sorriso cresceu devagar no rosto de Mark e ele fingiu procurar algo no armário para ninguém perceber. Por enquanto, aquilo era o suficiente.
— Vai ser difícil explicar para eles — Mark disse, após se recuperar, vestindo uma camisa verde.
— Qual parte?
— Explicar que voltamos.
— Voltamos pra onde?
Mark olhou para ele por cima do ombro e falou: — Voltamos a namorar, Jeno.
— Voltamos?
Aquilo pegou Mark de surpresa, o pânico cresceu em seu peito até ouvir a risada de Jeno.
— Eu tô brincando — disse, ainda rindo. – Mas tem uma última coisa que precisamos resolver.
— O quê?
— Vamos voltar de onde paramos ou vamos tentar do início? — Jeno perguntou e deu um tempo para Mark pensar sobre antes de acrescentar: — Porque, dependendo da escolha, nosso aniversário de namoro pode ser em datas diferentes.
Mark riu da piada e revirou os olhos, terminou de se vestir e deitou-se na cama ao lado de Jeno.
— Vamos ver aonde a vida vai nos levar.
Essa declaração não foi feita com muita confiança e ambos sabiam o motivo. “Deixar a vida levar” os fez repetir o mesmo dia incontáveis vezes até que descobrissem o que havia de errado. E eles nem descobriram. O sonho que Mark teve na noite anterior ainda estava assombrando-o, tudo que ele precisava fazer era encontrar Jeno? Se sim, por que o dia não mudou quando eles se viram pela primeira vez? Muitas perguntas ainda sem respostas.
E, bom, Mark podia não saber tudo, podia não saber do que precisava, mas sabia exatamente o que queria, e ele estava deitado ao lado da única coisa que já quis em toda a sua vida. Ele pensou que, se precisasse repetir o mesmo dia quarenta vezes, ficar maluco no processo e sem respostas no final só pela chance de ter Jeno ao seu lado, então tudo valeria a pena.
— É — Jeno respondeu, envolvendo-o em um abraço. — Deixa a vida levar.
[☆]
A praça do centro da cidade não costumava estar muito cheia e, naquele dia, não foi diferente. A ideia de encontro daquela semana tinha sido observar os pássaros no parque, talvez ver os patos no lago, talvez comer uma pipoca do carrinho perto das orquídeas e Jeno estava se divertindo muito.
A diversão cessou um pouco quando ele olhou para o lado e percebeu que Mark estava tremendo. Eles estavam sentados lado a lado no banco e a perna direita de Mark tremia como nunca antes, a cada cinco segundos ele secava as palmas suadas na calça.
— Tá tudo bem, Mark? — perguntou, preocupado.
— Sim, é só que… — Mark expirou o ar que segurava. — Eu queria saber se…
Jeno arqueou uma sobrancelha, incentivando-o a continuar.
— Por acaso, você não… — se interrompeu, parecendo ainda mais nervoso. — Você não gostaria de…?
— Eu não estou entendendo.
— Eu quero te perguntar se você quer…
— Mark. — Jeno segurou suas mãos, percebendo que elas também tremiam. — Pode falar, sou só eu.
Àquela altura, Mark estava quase hiperventilando, seu corpo todo tremia, suas mãos soavam e as palavras ficaram presas em sua garganta.
— Jeno, eu tô querendo te perguntar se…
Foi nesse momento que Jeno abriu um sorriso gentil e apertou suas mãos, encorajando a dizer o que estivesse em sua mente. Mark respirou fundo, elaborou a frase em sua mente para ficar perfeita, mas o que saiu foi:
— Por acaso você não quer namorar comigo não, né?
Jeno congelou no lugar por um segundo antes de cair na risada. Mark acompanhou, mas só porque estava muito nervoso.
— Óbvio que eu quero! — Jeno respondeu, ainda rindo. — Nossa, você quase morreu pra isso.
— Para — Mark murmurou.
— Desculpa — pediu, tentando parar de rir. — Eu quero ser seu namorado sim, desculpa ter dado risada do pedido.
— Tudo bem…
E, quando ele sentiu os braços de Jeno o envolverem em um abraço reconfortante, soube que tudo ficaria bem.
[epilogue]
— O que vocês todos estão fazendo aqui?
Ninguém respondeu. Mark precisava admitir que era bom ver Jisung vestindo roupas diferentes da que ele vestiu das últimas dezessete vezes que Mark o viu. Julgando não ser de bom tom dizer isso, passou por ele, entrando na casa sem ser convidado e Jeno apenas deu um rápido abraço no amigo antes de fazer o mesmo. Chenle não soltou a mão de Jaemin para cumprimentar Jisung, então só deu umas batidinhas no ombro dele e entrou, a noiva o seguiu, apenas acenando para o anfitrião. Sem opções, Jisung fechou a porta e acomodou todos na sala de estar, esperando alguém dizer algo.
— Temos uma história que você vai gostar — Jeno quem quebrou o silêncio.
— Ela vai explicar porquê vocês estão na minha casa em um sábado juntos? — Jisung rebateu. — Se me lembro bem, dois dias atrás o Mark nem sabia que você tinha voltado para a cidade.
— Todas as suas dúvidas serão sanadas, não se preocupem.
— Se acomodem porque a história vai ser longa — Mark respirou fundo. — Trinta e sete dias atrás, eu…
Como professor de literatura, ele já estava acostumado com os artifícios necessários para contar uma boa história, mas como alguém que já tinha contado essa história mais vezes do que podia se lembrar, se considerava profissional. As palavras fluíam com facilidade, prendendo a atenção de quem ouvia. Agora, contando ela pela última vez, Mark podia apreciar a loucura que ela era, passou seus dias todos pensando em como sair dessa situação e mal teve tempo de processar que estava preso em um filme clichê de ficção científica.
Quem mais estava curtindo a história era Jisung, óbvio, ele tinha gostado todas as outras vezes. É óbvio também que ele era quem mais tinha dúvidas.
— Vocês sentiram algo diferente quando o dia reiniciava? — perguntou.
— Fisicamente? Não — Jeno respondeu. — Nada de anormal, eu só ia dormir e, quando eu acordava, o dia era o mesmo.
— Alguma coisa muito diferente aconteceu durante as repetições? — perguntou Chenle, curioso.
— Durante três repetições eu achei que a Jaemin estava te traindo — Jeno confessou.
— Eu?! — Ela indagou, surpresa.
— Assumo a culpa nessa — Mark levantou a mão, envergonhado. — Você fingiu que estava pegando o Jisung pra me livrar de uma situação.
O olhar de Chenle queimou sobre o melhor amigo enquanto ele decidia se faria algo a respeito ou não, mas quando Jaemin se aconchegou em seus braços e sussurrou que o amava mais que tudo, ele relaxou. Mark precisava confessar que sentiu falta de ver Chenle e Jaemin interagindo, durante seus dias de loop não os viu juntos nenhuma vez, era bom presenciar o amor deles de novo.
— Então… — Jisung limpou a garganta, querendo mudar de assunto. — O que vocês tiveram que fazer para sair do loop?
— A minha teoria é que nós precisávamos nos encontrar ontem — Jeno começou. — Como nos encontramos durante o loop, só precisamos viver o dia corretamente para sair.
— E a minha teoria é que o Jeno foi sugado pra dentro do loop porque eu sou um idiota que não ia conseguir descobrir isso sozinho — Mark concluiu.
Jaemin riu e concordou com a cabeça, murmurou: — São boas teorias.
— Enfim, só contamos essa história toda pra explicar que estamos juntos de novo — Jeno disse, sorrindo, e segurou a mão de Mark. — E dessa vez eu não vou a lugar algum.
— Tudo que ouço é que meu parceiro Mark finalmente desencalhou? — Jaemin perguntou, esperançosa.
— Por que você é assim, cara? — Mark revirou os olhos. — Sim, voltamos a namorar.
— Oh glória! — ela exclamou, erguendo as mãos. — Eu orei e fiz jejum por isso.
— Você é insuportável — decidiu Mark, mas ele estava sorrindo na direção dela.
Um sorriso gentil adornou o rosto de Jaemin quando ela disse: — Eu tô feliz por você, amigo.
Mark olhou para suas mãos interligadas, olhou para os brilhantes olhos de Jeno e decidiu que ele também estava feliz e, sim, todos os problemas e dificuldades que enfrentou valeram a pena porque Jeno estava ao seu lado.
E ele não ia a lugar algum.
Notes:
e foi isso.
eu não planejei nada pra essa história, comecei a escrever e só parei 21k palavras depois então espero que tenha pelo menos um mínimo de coerência.
obrigada por terem lido e espero que tenham gostado

i4mrklee on Chapter 1 Wed 20 Aug 2025 07:21PM UTC
Comment Actions
Hvih on Chapter 1 Fri 22 Aug 2025 04:40AM UTC
Comment Actions